Súmulas vinculantes



SÚMULAS VINCULANTES
Sarah Cavalcanti


SUMÁRIO
Introdução. 1. Súmulas vinculantes: aspectos procedimentais. 2. Homogeneização dos litígios e a discricionariedade do magistrado. 3. A realidade jurídica atual. 4. O abreviamento do direito à prestação jurisdicional. 5. Conclusão. Abstract. Referências


RESUMO

Este trabalho pretende apresentar uma abordagem centrada nas polêmicas que envolvem a implementação do instituto das súmulas vinculantes no ordenamento brasileiro, partindo da exposição analítica dos aspectos formais e seguindo à avaliação crítica de sua proposta inovadora para a prestação jurisdicional.

Palavras-Chave
Súmulas vinculantes; Lei 11.417/06; prestação jurisdicional.


INTRODUÇÃO

Muito embora o ordenamento pátrio tenha celebrado a celeridade como princípio fundamental de toda relação processual desenvolvida no âmbito da Justiça brasileira, a demora na apreciação das demandas, resultado da conjugação de uma estrutura jurídica deficiente com o hábito nacional de recorrer ao Judiciário por tudo quanto for possível, tornou a morosidade característica da prestação jurisdicional.
A alternativa que se apresenta a esse problema compartilhado pelos tribunais de todo o país surge por meio da proposta de vinculação das interpretações reiteradas acerca de uma mesma norma controversa. Assim, as súmulas vinculantes são implementadas no nosso ordenamento com a promessa de honrar o princípio da celeridade processual, a fim de restabelecer com maior rapidez a paz reclamada. Embora seus fins se assemelhem aos da jurisprudência, este novo instituto goza de força normativa, vinculando todas as decisões sobre casos relativamente iguais.
Primariamente oriunda do art. 2° do Decreto 6.142, de março de 1876, a súmula vinculante já prenunciava sua entrada em nosso sistema jurídico através do costume que tinha o Supremo Tribunal Federal de explanar sobre leis civis, comerciais e criminais que apresentassem interpretações imprecisas, dando a seus entendimentos status de lei.
Inserido na Constituição Federal por meio da Emenda Constitucional nº 45/2004, o instituto tem suas raízes no texto de outra EC, datada de 1963, através da qual nosso sistema jurídico passava a albergar a chamada Súmula de Jurisprudência Predominante do STF, aprovada sobre influência do então Ministro do Supremo, Victor Nunes Leal.
Nessa mesma esteira cronológica, deu-se o surgimento da Lei 7.746/1989, instalada pelo STJ  que compartilha do mesmo entendimento do STF, já consagrado em 1963 , pela qual se cogita a possibilidade de edição de Súmulas, no intuito de orientar a decisão dos Tribunais sobre o assunto. Toda a evolução desse instituto já caminhava para as súmulas tal qual a conhecemos hoje, ainda que até então se tratasse tão-somente de súmulas ordinárias que, carecendo de efeito vinculante, serviam apenas como instrumentos de persuasão do magistrado. Não precisando de intervenção legislativa, "as súmulas sempre foram compreendidas na sistemática brasileira, portanto, como a sedimentação de orientações adotadas topicamente pelos tribunais em decisões diversas".

1 SÚMULAS VINCULANTES: ASPECTOS PROCEDIMENTAIS

A mais nova figura da CF/88, regulamentada pela Lei 11.417/2006, traz como maior novidade o efeito vinculante, por meio do qual todos os órgãos do Judiciário e da Administração Pública direta e indireta, tanto na esfera federal como na estadual e municipal, estão condicionados ao conteúdo textual sumulado pelo Supremo.
O processo de aprovação, bem como a propositura para revisão ou cancelamento da súmula vinculante pode ser iniciado pelo STF de ofício ou pelos demais legitimados para ingressar com a Ação Direta de Inconstitucionalidade, inscritos no art. 103, incisos I a IV, podendo, contudo, haver o alargamento deste rol por meio do § 2º do art. 103-A, também da CF/88:
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública.

Após reiteradas decisões no mesmo sentido sobre matéria controversa, e mediante dois terços de seus membros (quorum qualificado), o STF estará autorizado a aprovar súmula vinculante. É importante pôr em relevo que não basta a aprovação no Supremo: as repetidas decisões nos Tribunais sobre matéria constitucional é o primeiro passo para a edição de uma súmula vinculante. Além disto, o STF está limitado às interpretações de normas constitucionais, não podendo expandir seus limites à nenhuma outra esfera.
Já o Legislativo, vinculado apenas em sua atividade administrativa, tem ampla liberdade de produzir leis ou emendas constitucionais, ainda que contrárias às súmulas já editadas pelo STF, conforme pode-se aferir da leitura conjunta do art. 103-A com o art. 5º da lei 11.417 . Contudo, nada impede que o Supremo as declare inconstitucional, limitando, ainda que indiretamente, a atividade legiferante do Legislativo.
À edição de súmulas vinculantes, entretanto, não basta que a controvérsia recaia sobre norma constitucional; é imprescindível o reconhecimento de sua relevância para a comunidade jurídica, sua contextualização na realidade atual e sua capacidade de agravar a insegurança característica da prestação jurisdicional brasileira. Deve, ainda, envolver dois ou mais órgãos do Judiciário ou um órgão Judiciário e um da Administração Pública.
Outro mister a ser destacado se encontra no art. 3°, §1° da lei em questão, segundo o qual ao Município resta autorizada a propositura de edição, revisão ou cancelamento de súmula vinculante, incidentalmente ao curso do processo no qual figure como parte, sem, contudo, provocar sua suspensão. Fica afastada, portanto, a aplicação do art. 265, inciso IV do Código de Processo Civil, que autoriza a suspensão do processo a fim de analisar a questão prejudicial suscitada, para melhor apreciar a pretensão.
Já o §2° do mesmo art. 265 do CPC demonstra que andou bem o legislador ao possibilitar a manifestação de terceiros nos procedimentos de edição, revisão e cancelamento de enunciado de súmulas vinculantes. A exemplo dos processos objetivos nos quais se realiza o controle de constitucionalidade concentrado, tais procedimentos estarão abertos para interpretações outras, permitindo, por conseguinte, a democratização da jurisdição constitucional, por meio da descentralização do debate de assunto concernente a todo conjunto social: primeiro passo para uma abertura hermenêutica.
Ademais, semelhante à doutrina americana, segundo a qual "the inconstitucional statute is not law at all", a declaração de inconstitucionalidade no nosso sistema pátrio produz efeitos ex tunc. Contudo, o art. 4° da lei 11.417/2006 confere a possibilidade de ser atribuído efeito ex nunc à súmula que declarar a inconstitucionalidade de um ato normativo, segundo os critérios de segurança jurídica ou interesse público. Isso porque as súmulas vinculantes tratam de matéria constitucional, sendo preferível, portanto, conceder-lhes o mesmo tratamento reservado ao controle de constitucionalidade.
No entanto, por força do dispositivo subseqüente, a súmula vinculante fundada em lei modificada ou revogada deverá se submeter à revisão ou mesmo cancelamento pelo STF, de ofício ou por provocação, fortalecendo a idéia de que a produção de legislativa não ficará vinculada ao enunciado da súmula.
A súmula vinculante não é ato normativo, embora tenha força equiparada. Portanto, contra ela não é cabível ADIN ou ADC. Pode ser, contudo, revisada ou cancelada e, nos casos de inobservância de seu enunciado, poder-se-á lançar mão da reclamação, como prevê o art. 7° da lei mencionada. Não ficarão comprometidos outros meios de impugnação da decisão ou mesmo o recurso cabível, como preleciona o dispositivo supra, corroborado pelo verbete n° 734 da Súmula do STF, segundo o qual não é cabível reclamação sobre decisões transitadas em julgado. Portanto, deduze-se que para ajuizar uma reclamação é necessária a interposição concomitante de um recurso, para evitar a formação da coisa julgada. Dessa forma, o recurso ficará sobrestado, aguardando a decisão que discorra sobre a reclamação, evitando, por conseguinte, decisões divergentes.
Toda essa sujeição, no entanto, tem sido alvo de críticas contundentes pelos que a acusam de não apenas reduzir o âmbito de incidência da atividade interpretativa do magistrado, tolhendo-lhe a liberdade em seu exercício, mas também de homogeneizar as demandas, levando-os a atropelar as particularidades de cada caso.
De fato, as súmulas vinculantes limitam a discricionariedade do julgador, porém, o faz dentro das pretensões legais de erradicar a lentidão dos tribunais e reduzir a margem de parcialidade com a qual alguns juízes proferem sua decisão, o que compromete o provimento da justiça. Ademais, sua correta aplicação não importa o obscurecimento das peculiaridades que levam um litígio a ser diferente de outro, como se passa a demonstrar.

2 HOMOGENEIZAÇÃO DOS LITÍGIOS E A DISCRICIONARIEDADE DO JUIZ

Observa-se entre os argumentos contra a implementação das súmulas vinculante a preocupação em haver sua aplicação de forma equivocada, criando a tendência de homogeneizar as facticidades dos litígios que compartilhem do mesmo fundamento e comprometendo a própria qualidade da prestação jurisdicional. Nesse sentido:

No entanto, a conclusão que se tem é que se houver maior celeridade isso não decorrerá da entrega do direito, como função estatal da garantia da prestação jurisdicional, mas da inibição do próprio direito constitucional de ação e aqui o exemplo só poderá ser o da entrega negativa do direito e não da positiva, desejada e necessária.

Primeiramente, cabe ressaltar o risco a que se sujeita toda prestação jurisdicional de não garantir a perfeita entrega do direito não apenas em virtude de ser impossível se proceder a profundas reflexões acerca do litígio diante da excessiva demanda, mas também pelas influências muitas vezes evidentes dos juízos pessoais do magistrado.
Aliás, o princípio da isonomia, para sua própria efetivação, pressupõe certa relatividade: ainda que igualdade de fato não exista, admitimo-la para fins de direito, observando o critério das circunstâncias e, por conseguinte, consagrando o jargão jurídico segundo o qual são iguais aqueles que se encontram em circunstâncias semelhantes.
O que torna uma situação nada além de semelhante de outra são justamente os detalhes que se revelam no desenrolar do processo. Contudo, deve-se avaliar se esses detalhes são suficientemente incisivos a ponto de alterar todo o rumo de uma decisão, a partir do momento em que resta descaracterizada a equivalência da hipótese incidental aduzida do teor textual da súmula vinculante com a situação jurídica em que se quer vê-la aplicada. Nesse sentido, caberá às partes advogarem em nome dessas peculiaridades e justificarem os motivos pelos quais sua pretensão deve ou não deve ser pontuada por uma súmula vinculante.
Não obstante, o instituto das súmulas vinculantes não exime o juiz de fundamentar sua decisão e indicar quais as razões que o levaram a adotar o texto sumulado quando assim o fizer, observando sempre a compatibilidade dos dados fáticos lhos apresentados e a decisão vinculada.

3 A REALIDADE JURÍDICA ATUAL

A velocidade com a qual tramitam os processos no Judiciário brasileiro em nada se assemelha ao funcionamento idealizado para a manutenção da justiça. Contudo, os argumentos que se opõem à implementação das súmulas vinculantes evitam sutilmente abordar esse problema.
De fato, propor a vinculação de decisões partindo apenas de um critério de equivalência é admitir riscos, muitos já explanados no decorrer desse trabalho. Porém, o que não se pode ignorar é que a realidade predominante nos tribunais exige medidas pragmáticas, não no sentido de dar, puramente, maior facilidade e poder ao Judiciário, mas de mantê-lo em funcionamento.
É fato que há um congestionamento nos Tribunais de todo o Brasil. A exemplo disso, são os 100.000 (cem mil) processos dirigidos ao Judiciário apenas no ano de 2007, acerca da mesma matéria. Também é fato que essa não é bem a realidade que esperávamos. O que não se pode fazer é maquiar o discurso contra as súmulas vinculantes com teorias abstratas que, embora de profunda utilidade, já não se adaptam à situação hodierna.

4 O ABREVIAMENTO DO DIREITO À PRESTÇÃO JURISDICIONAL

Embora se deva reconhecer a importância da inclinação social com a qual se espera do juiz o provimento jurisdicional, admiti-la como prioridade na atividade interpretativa é submeter as decisões a uma série de julgamentos subjetivos e ofuscar temas outros de igual relevância nesse estudo.
De fato, o juiz que preserva o contato com a população para a qual exerce sua atividade jurisdicional, dispõe de maior sensibilidade a seus costumes e a sua própria psique, estando infinitamente mais apto a decidir favoravelmente ao povo do qual é oriundo, pois há de observar todos seus interesses e limitações.
Abstratamente essa consideração soa perfeitamente adequada. Na prática, entretanto, isso poderá ensejar o direcionamento do processo conforme a posição pessoal do juiz que, partindo desse argumento se acredita justificado para optar segundo entende "ser necessário" às partes, ao invés de prover a devida prestação jurisdicional à maneira da justiça: às cegas.
Isto vale para os demais magistrados. Não há que se falar em cerceamento da atividade criativa ou engessamento do Judiciário, pois o juiz nada pode criar acima da lei, mas sim analisar cautelosamente o enquadramento dos casos dentro da previsão legal.
Chegando a este ponto, é de suma importância lembrar a mutabilidade a que estão sujeitas as súmulas vinculantes, seja através de revisão de seu teor textual ou mesmo de cancelamento, a despeito da força normativa da qual goza. Essa possibilidade afasta, logo a princípio, a idéia de que a uma sociedade nunca estática o instituto das súmulas vinculantes seria nocivo ao progresso do Direito, pois à medida que se fizer necessário  tal como acontece com a legislação , reforma-se o instituto sem, contudo, expô-lo a toda e qualquer oscilação da realidade jurídica que, em última instância colocaria em risco sua própria credibilidade. Esse entender importa no reconhecimento do caráter impositivo das súmulas vinculantes, sem significar sua irrevogabilidade.

5 CONCLUSÃO

Não se pretende, de forma nenhuma, erigir a bandeira desse novo instituto como se sua implementação expressasse a resposta para todos os problemas que assolam o funcionamento dos Tribunais brasileiros e tampouco ignorar os argumentos de quem a entende como um obstáculo à dinâmica social característica do Direito. Entretanto, não se pode mais exigir o desvinculamento da realidade atual em virtude de preocupações mais abstratas, pois se assim procedêssemos, provocaríamos a efetiva paralisação do Judiciário.
Inquietante é o congestionamento de processos semelhantes que impede os Tribunais de honrarem o princípio da celeridade processual e de restabelecerem de maneira isonômica a harmonia violada. Diante de tal urgência jurídica, é mais do que justificável o sacrifício de determinados critérios que já não cabem à realidade em que hoje operamos. É nesse sentido que remetemo-nos à busca da prudentia romana  equilíbrio entre o ideal e o prático.
O escopo das súmulas vinculantes, na verdade, muita utilidade teria na manutenção da Justiça. Só resta esperar que esse novo artifício jurídico cumpra suas promessas.

REFERÊNCIAS

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 16° ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996.

TAVARES, André Ramos. Nova Lei da Súmula Vinculante  Estudos e Comentários à lei 11.417 de 19.12.2006. 2° ed. São Paulo: Método, 2007.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 10° ed. São Paulo: Método, 2006.

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência Jurisprudencial e Súmula Vinculante. São Paulo: Revista dos Tribunais.

SILVA, André Ricardo Dias. Súmula Vinculante. Disponível em: http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1459 . Acessado no dia 10.05.2008

HARTMANN, Rodolfo Kronemberg. Súmula Vinculante e a Lei 11.417/2006. Disponível em http://www.jfrj.gov.br/Rev_SJRJ/num20/artigos/artigo_04.pdf Acessado em 08.05.2008.










Autor: Sarah Cavalcanti


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