ESTRATEGIAS DE RESISTÊNCIA ESCRAVA*



Existem sociedades que tem na sua história dolorosas recordações de crimes e de injustiças que foram cometidas pelas elites dominantes e pelo estado contra alguns grupos, fato que deixa marcas nestas sociedades e demoram a serem apagadas, causando vergonha, criando divisões sociais e gerando conflitos de difícil solução. Assim foi o Holocausto Nazista, o extermínio dos índios americanos e a escravidão dos negros. O Brasil foi palco desses dois crimes do Novo Mundo. Mas quem eram esses escravos? Para José Carlos Teixeira Júnior (2003 p.5)
:

A África pré-colonial foi lugar e momento originários dos escravos que vieram para o Brasil. É importante ressaltar que a colonização do continente africano ocorreu apenas no final do século XIX. Até esse momento, esse continente possuía um grau significativo de autonomia política, econômica e social, os quais ficaram comprometidos apenas no período colonial. Tratava-se de uma África heterogênea, ativa e permeada de conflitos. Na esfera política, por exemplo, havia organizações baseadas em relações de parentesco, em grupos de linhagens (sociedades horizontais) e outras com aparatos burocráticos administrativos centralizados (sociedades verticalizadas), constituindo verdadeiras cidades-estados. Em relação à esfera econômica, havia povos ainda dependentes da coleta, como também outros que já dominavam técnicas de plantio, de criação de animais, de mineração, metalurgia, comércio, astronomia, etc. E na esfera social encontramos um elemento que será fundamental para começarmos a entender a emersão da questão racial no Brasil: a escravidão.

A Escravidão já era praticada na África, do tipo doméstico ou de produção
, sendo modificada pelos contatos estabelecidos com os Europeus. Continua Teixeira (2003 p. 6):

Com a intensa demanda de mão-de-obra escrava nas colônias americanas e com os grandes recursos fornecidos pelos europeus (sobretudo bélicos) a determinados grupos étnicos africanos, formaram-se nesse continente grandes impérios militares, como Ashanti e Daomé, por exemplo, os quais desempenharam um papel central no fornecimento internacional de escravos. Em linhas gerais, os escravos que chegaram em terras brasileiras foram originários de dois grandes grupos: sudaneses e bantos. Os sudaneses (jeje e nagô), provenientes da chamada África Ocidental, tiveram como destino o nordeste brasileiro, principalmente o recôncavo baiano. Já os bantos, provenientes de colônias portuguesas em Angola, Congo e Moçambique, foram trazidos para a região sudeste brasileira, principalmente para o Rio de Janeiro.

O capitalismo foi responsável pela ascensão européia, a evolução econômica promoveu a expansão colonial, que no caso brasileiro teve nas monoculturas, mineração e exploração de recursos florestais bases econômicas. O pacto colonial levou os produtores a cortarem custos de produção, despertando o interesse pela mão-de-obra escrava. Os índios não se adaptaram ao sistema escravista, o que estimulou o trafico negreiro, mais lucrativo. Segundo Teixeira Júnior (2003 p. 7):

A emersão da questão racial brasileira ocorre com a inserção do africano no Brasil sob o sistema social escravista: a coroa portuguesa necessitava de uma força de trabalho que desse sustento às relações produtivas da colônia, as quais visavam a produção de matérias-primas à metrópole. Inicialmente foram utilizados os nativos americanos (indígenas), mas foi o africano que desempenhou o papel principal. O núcleo central da colonização no Brasil foi a família ou clã patriarcal, escravocrata, latifundiário, monocultor e exportador, o qual centralizava o poder econômico e extra-econômico. Nessa conjuntura, o negro era encarado apenas como força de trabalho, sendo totalmente excluído de qualquer sentido de participação social ativa. E aqueles indivíduos que não ocupavam essas posições sociais extremas (senhores e escravos), formavam, em relação à ordem dominante, uma esfera intermediária nebulosa, amorfa: ou se submetiam a essa organização social desempenhando um papel complementar, secundário e dependente (ex.: comerciantes, camponeses, etc.) ou ficavam à sua margem (ex.: quilombos).

O Brasil oitocentista assistiu o ápice deste processo, sendo os escravos difundidos em todo o território e utilizados tanto por grandes senhores como por pequenos proprietários, comerciantes portugueses ou mestiços forros e nos serviços domésticos.

Apesar da organização dos senhores, os escravos foram capazes de encontrar formas de resistência, formando quilombos, fugindo para o interior, organizando rebeliões. O sistema colonial buscou formas de "aculturar" os negros e mulatos, limitando sua capacidade de reação:

Oliver (1994: 134) lembra que "somente quando transportado a uma distância em que a fuga se torna impensável, somente quando condicionado pelo isolamento e a intimidação, pelo desenraizamento e a degradação, podia um cativo ser libertado de seus grilhões e se tornar, uma vez mais, ainda que como escravo, um membro útil da sociedade. A escravidão só podia atingir um nível desejável de desempenho com uma ampla dispersão dos cativos". Tal preocupação com a dispersão dos cativos no contexto da escravidão na África, pode ser encontrada também no Brasil, numa política do colonizador de manipular as hostilidades Étnicas, fruto de uma grande variedade linguístico-cultural dos grupos africanos, evitando "(...) a concentração de escravos oriundos de uma mesma etnia, nas mesmas propriedades, e atenção nos mesmos navios negreiros" (Camila Agostini . 1998)

Esta dispersão dificultava a ação política, permitindo que os negros fossem dominados mesmo nas províncias onde eram mais numerosos que os brancos. Mas nem assim os senhores se encontravam tranquilos, existia o medo de que a desgraça comum identificasse os cativos. Com o haitianismo esse fenômeno se intensificou, o medo de uma revolta desses grupos, - negros e mestiços escravos e livres ? deu certa coesão as elites e manteve a unidade nacional.

Houve resistência Cultural, apesar de dispersos, unidos a outros que tinham hábitos e linguagem bem diferentes, explorados e intimidados eles encontraram formas de se organizar misturando hábitos nativos dos vários grupos de se formavam e das classes dominantes, criando comidas, lutas e danças como a capoeira e os sincretismos afro-brasileiros, por exemplo.

A mestiçagem foi uma das formas que as elites encontraram de "branquear" o corpo e a cultura no território. Os mestiços se aproveitaram desse fenômeno para buscar a liberdade e ocupar cargos que antes estavam nas mãos de brancos. Quanto mais claros, mais bem aceitos socialmente
.

Darcy (Ribeiro) defende a noção de um "povo novo" nascido na maioria dos países da América Latina resultado dos processos de "desindianização" do índio, de "desafricanização" do negro e de "deseuropereização" do europeu (1995:20). Um país de mestiços, os quais não são iguais a seus ascendentes de uma ou outra etnia. (Adélia Maria Miglieviche Ribeiro
p. 7)

Outra forma de resistência foi misturar-se as classes superiores, ou ocupar cargos administrativos e militares. A Guerra do Paraguai utilizou em suas fileiras escravos e alguns oficiais mulatos. Em Pernambuco, o comandante Pedroso, oficial pardo, promoveu uma revolta em 1823.

Para o Brasil, além de Bantos e Sudaneses vieram alguns judeus islamizados que causaram bastante inquietação. Pernambuco, uma província que pelo grande número de negros e pardos, temeu tornar-se um novo Haiti, desorganizou sua economia quando a lei inglesa proibiu o tráfico de escravos na metade do século. Os escravos tornaram-se escassos o que encareceu o custo da mão-de-obra e demandou a contratação de assalariados prejudicando os lucros dos senhores. A situação se agravou com a abolição da escravatura, que não deu aos negros nada mais que a liberdade.

No Sertão, diz Manuel Correia de Andrade, desenvolveu-se a pecuária extensiva, apesar de algumas regiões úmidas onde se desenvolveu a agricultura e engenhos para o consumo local. Nesses "oásis" a escravidão foi implantada em menor escala.

A liberdade que o isolamento proporcionava aos negros, mestiços e brancos pobres oportunidade de ascenderem socialmente. Dominaram índios cariris e os que fugiram do litoral cujas mulheres, assimiladas por esses grupos, deixaram marcas na cultura e biotipo do local que, segundo Correia, teria ficado atrasado em relação ao litoral, pelo isolamento, e aqui teria surgido uma civilização do couro, com características culturais e tecnológicas bem características, traços de medievalismo português e costumes de índios e negros.

CONCLUSÃO:

A escravidão foi um dos piores capítulos da história humana, milhões de africanos foram trazidos para o Brasil e sustentaram a economia colonial e do império. Os negros elaboraram diversas formas de resistência e com a abolição foram excluídos da sociedade, usados como mão-de-obra barata em condições um pouco melhores que no tempo da escravidão. A contribuição negra para a economia e a cultura de Pernambuco e do sertão em particular não pode ser subestimada.

BIBLIOGRAFIA:
Artigos:
TEIXEIRA JÚNIOR, José Carlos. Raça e Cultura um Debate em torno da lei. 10.639/2003.
BARBOZA, Muriatan Santana. Estudos sobre os africanos no Brasil.
RIBEIRO, Adélia Maria Miglievch. "O povo brasileiro" de Darcy Ribeiro: crítica ou reforço à noção de "caráter nacional brasileiro".
AGOSTINI, Camila. Resistência Cultural e Reconstrução de Identidades: Um olhar sobre a cultura material dos escravos no Sec. XIX.
Livro:
ANDRADE, Manuel Correia de. A terra e o homem do Nordeste. São Paulo, Cortez editora, 2004.























Autor: João Paulo Filgueiras


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