Movimento Indígena Brasileiro



MOVIMENTO INDÍGENA BRASILEIRO:
a trajetória de positivação e efetivação de direitos


Angélica Fernandes, Giordana Gemma, Liliane Andresa e Lívia Cipriano
Cibelle Dória da Cunha Figueiredo


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RESUMO

Este artigo tem por objetivo discutir o processo de positivação e efetivação dos direitos indígenas, no contexto sócio-histórico brasileiro. São consideradas as disposições legais instituídas ao longo do desenvolvimento jurídico do país e a forma com a qual as questões problematizadas pelos povos indígenas foram tratadas em cada uma delas. Na primeira parte, procede-se uma revisão dos fatores históricos que subsidiaram a situação social imposta aos povos indígenas. Após esse resgate, faz-se referência aos aspectos antropológicos e sociológicos pertinentes à cultura e identidade indígenas responsáveis por facilitar ou inibir a positivação e efetivação de direitos. Discute-se ainda, as formas de enfrentamento utilizadas pelo Movimento Indígena a partir da suscitação das nuances jurídico-políticas relacionadas ao contexto contemporâneo. Nessa perspectiva, é diagnosticada que a principal demanda dos povos indígenas ? referente a garantia de territorialidade - permanece insolúvel; tendo em vista que o incômodo causado por essa etnia aos grandes latifundiários, mineradores e políticos que defendem insistentemente os anseios liberais, possui a tendência de perpetuar-se, desafiando continuamente a diversidade cultural indígena que procede-se totalmente antagônica aos interesses, percepções e aspirações dessa elite detentora de poder.


Palavras?chave: Movimento Indígena; Direito; Cidadania.


"Lutar pela igualdade sempre que as diferenças nos discriminem;
lutar pelas diferenças sempre que a igualdade nos descaracterize"
Boaventura de Souza Santos
1. Introdução

A intenção deste trabalho é discutir o processo de positivação/efetivação dos direitos indígenas, fruto de recorrentes lutas travadas pelo Movimento Indígena Brasileiro. Para tanto, são consideradas as transformações sócio-históricas, políticas, econômicas e culturais pelo qual perpassou o Brasil, ao longo de seus mais de 500 anos de "nascimento" .
Nessa perspectiva, busca-se ainda elucidar o processo de efetivação desses direitos, apresentando os agentes facilitadores e inibidores de tal ação.
O Movimento Indígena considera seu surgimento concomitante ao momento histórico em que se data o "descobrimento" das terras brasileiras e, por conseguinte, o surgimento de sua principal fonte de enfrentamento: a garantia dos territórios tradicionalmente ocupados por seu povo. Além disso, conforme a afirmação de Paulo Borges (2006):
[...] Historicamente, os povos indígenas sempre reagiram à violação e a conquista de seus territórios tradicionais; e estas respostas variavam de acordo com o desafio imposto pelos distintos momentos da expansão capitalista, inicialmente européia e, mais tarde, condicionada à formação econômica brasileira (Paulo Borges, 2006, p.1)


Nesse sentido, propõe-se realizar uma análise em referência ao processo evolutivo das legislações brasileiras, por meio de um recorte específico àquelas que se ativeram ou contemplaram as questões indígenas ao longo do desenvolvimento jurídico do país. São considerados os aspectos relativos ao invólucro sócio-político e as condicionantes responsáveis por motivá-las, dentre outros fatores passíveis de comparação no que tange a conformação e aplicabilidade das legislações vigentes definidas a partir da Constituição Federal ? CF (1988).
Os procedimentos metodológicos envolveram desde análises realizadas em fontes bibliográficas à produção de documentos orais, provenientes da pesquisa de campo realizada por meio da aplicação de dois questionários semi-estruturados, sendo estes aplicados a: 1). Uma representante de uma comunidade indígena de Manaus ? AM; 2) A partir da prática elucidada pela Organização Não Governamental - (ONG) CEDEFES - Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva situada em Belo Horizonte ? MG.
2. O Movimento Indígena: correlações sócio-históricas

O contexto que permeia o surgimento do Movimento Indígena está intimamente relacionado ao processo de "des-encobrimento" do Brasil promovido pelos portugueses no século 16. Naquela época, impulsionados pelos princípios mercantilistas de acumulação de metais preciosos e pela necessidade de expansão dos mercados, os lusitanos lançaram-se à aventura ultramarina impondo-se aos povos autóctones por meio de diferentes mecanismos de dominação.
Nessa perspectiva, a violenta intervenção portuguesa às formas de conduta e organização previamente estabelecidas pelos "donos" das terras recém-descobertas - os índios brasileiros - não poderia ser justificada somente pela ótica mercantilista . Institui-se, nesse contexto, uma justificativa que se reveste de conceitos humanitários e heróicos, no qual uma sociedade hierarquicamente mais estruturada e instruída, orientada a "salvar" os demais povos por meio dos "ensinamentos" de suas crenças e valores superiores, se fazia essencial (COSTA,1997). Tal fato buscava legitimar as ações cruéis e violentas produzidas pelos colonizadores europeus que insanamente tentavam facilitar a exploração destes povos.
À época da chegada dos portugueses, estima-se que a população indígena totalizava aproximadamente 5 milhões de indivíduos, distribuídos em 600 povos, expressos por meio de culturas e linguagem próprias, em uma sociedade basicamente primitiva (GOMES,2005). Passados mais de 500 anos do descobrimento do Brasil - e conseqüente início dos embates entre "índios e não-índios" - os dados constatados pela FUNAI revelavam que a população indígena totalizava aproximadamente 358 mil indivíduos no ano de 2005; o que representava 0,2% da população brasileira. Tais dados expõem que em todo processo de colonização, tornou-se evidente o desrespeito e a desvalorização da cultura indígena neste encontro entre conquistador e conquistado, assim como afirma Jacob Gorender, (2001, p.128): "a realidade foi a da escravização, da destribalização e da destruição física e espiritual dos nativos". Entretanto, diante do contexto sócio-histórico que permeou essas relações, foram ainda identificados mecanismos "reducionistas" das práticas de violência e discriminação dos povos indígenas; fato este confirmado por meio das primeiras formas de interação estabelecidas entre portugueses e índios, que durante cerca de três décadas, se relacionavam de maneira pacífica, dedicando-se exclusivamente a prática do escambo.
A conjuntura muda de conformação a partir do momento em que a Coroa Portuguesa, a fim de assegurar a posse efetiva das terras "descobertas", decide povoar e explorar economicamente a colônia, intervindo radicalmente no contato primariamente estabelecido entre portugueses e índios. Nesse contexto, o extermínio tornou-se inevitável, visto que além da forte resistência dos indígenas à escravidão, milhares foram vitimados por doenças transmitidas pelo homem branco (GORENDER,2001). Nessa perspectiva, visando sempre defender os próprios interesses, a Coroa Portuguesa estabeleceu ao longo da colonização algumas regulamentações, idealizadas a partir de preceitos contraditórios e oscilantes no que tange o tratamento da questão indígena. A ação passível de destaque aconteceu em 1750, quando o Marquês de Pombal, promulgou o "Diretório de Pombal", que além de prever a expulsão dos jesuítas da colônia, sugeriu práticas pacíficas de relacionamento entre colonos e índios . Apesar de tal "gesto de nobreza", o documento não fazia menção proibitiva aos ataques organizados contra os índios, que, diante da ausência de solução, permaneceram cada vez mais graves e recorrentes. Neste contexto, a grande maioria das investidas realizadas em prol do contato sócio-cultural harmônico entre portugueses e índios não se fizeram suficientes, e tampouco repercutiram positivamente na mentalidade social que na época instituía-se no limiar da dominação européia.
Os avanços, em termos de positivação e efetivação de direitos indígenas, serão aferidos principalmente sob forte influência do contexto sócio-histórico do século 20, em decorrência da expressiva atuação político-organizativa do Movimento Indígena Brasileiro.

3. Precedentes jurídicos: a trajetória legislativa referente às questões indígenas

Propõe-se a seguir, evocar as diretrizes envolvidas na institucionalização do processo legislativo brasileiro, em prol da evolução jurídica e da positivação dos direitos direcionados aos povos indígenas. Nessa trajetória, várias foram as formas jurídicas utilizadas para contemplar e interpretar as questões problematizadas pelos povos indígenas. A demanda identificada como a mais emblemática e justificadamente polêmica, refere-se a demarcação das terras ocupadas pelos índios desde os primeiros séculos.
No processo de colonização, a priori, as terras eram de livre ocupação portuguesa. A medida que a Coroa Portuguesa instituía algumas ações legalistas, formas antagônicas e contraditórias de regulamentação se firmavam frente às demandas impostas pelos povos indígenas. Ora os instrumentos jurídicos não eram efetivados e pouco influenciavam na dinâmica sócio-histórica estabelecida, ora propunham intervenções sumárias que prejudicavam fortemente os povos indígenas .
Em 1831, a "liberdade" dos índios foi restituída, e aos juízes de paz foi delegada a função de tutores dos povos indígenas. Desta forma nasce o "julgamento" que denota a necessidade dos índios serem tutelados pelo Estado (OSSAMI, 2001). Já em 1850, com a edição das Terras Devolutas, assegura-se aos índios o direito territorial das terras ocupadas. Ressalta-se que a intenção do documento foi mais uma vez inferior frente aos interesses antagônicos que não forneceram a tal disposição legal a merecida legitimidade - fato este que demonstra-se recorrente na atualidade (SANTOS, 2009).
Esta situação de leis contraditórias só começa a ser modificada a partir da República, quando se identifica o início de uma nova política indigenista. Os insistentes embates entre índios e não-índios, e a configuração econômica nacional a partir da expansão das agroindústrias, exigiram uma intervenção estatal. Esta se fez por meio da criação do primeiro órgão público, em 1910, destinado a tratar das questões indígenas e responsável por tutelá-los: o Serviço de Proteção aos Índios - S. P. I., idealizado e implementado por Marechal Rondon . Este órgão garantia a filosofia de integração nacional, sustentada por meio das influências provenientes da teoria filosófica do positivismo - referência conceitual da época - no qual ao índio era imposta a cultura do contexto social vigente a partir da presunção que preconizava a assimilação cultural.
Com o desenvolver da República, a Constituição de 1934 prevê no art. 129, que a posse das terras dos intitulados silvícolas , deveria ser respeitada desde que os índios estivessem ali permanentemente localizados. Neste momento, declara-se a inviabilidade de comercialização das terras indígenas em consonância aos preceitos da relativa incapacidade civil deferida aos índios .
Em 1961, no governo de Jânio Quadros, a partir da criação do Parque Nacional do Xingu, houve a alteração das diretrizes que orientavam o tratamento das questões indígenas, que de forma mais humana e respeitosa à diversidade múltipla encontrada entre as diversas comunidades indígenas, abre caminho para as legislações posteriores.
Diante de um histórico permeado por relatos de corrupção, em 1967 o S. P. I. é substituído pela Fundação Nacional do Índio ? FUNAI, que apesar de dar continuidade ao caráter integralista das ações preconizadas pelo órgão anterior, marca o início das definições legais que perfazem conceituações de reconhecimento aos povos indígenas, abordando aspectos da identidade étnica, territorial, somados à saúde e educação do índio.
No limiar da ditadura militar brasileira, em 1969, as terras ocupadas pelos povos indígenas figuraram como pertencentes à União, sem possibilidade de posse por parte das comunidades indígenas. Tal ação preconiza a criação do Estatuto do Índio, em 1973, que se acumulava entre as tentativas de limitação das ações indígenas, conforme destaca Ana Valéria Araújo, (2006):
Em que pesem os dispositivos legais que o próprio governo criou, na prática o que ocorreu foi um processo sistemático de negação dos direitos territoriais dos índios, demarcando-se terras diminutas e permitindo-se a exploração das áreas remanescentes por empresas [...]

Diante da conjuntura estabelecida ao longo do processo de positivação dos direitos indígenas, a combinação entre as conseqüências advindas da publicação do Código Civil, a criação de órgãos tutelares dos povos indígenas e posteriormente a criação do Estatuto do Índio, efetivam e simultaneamente resgatam acepções distorcidas e demasiadamente discriminatórias em relação aos povos indígenas, presentes ainda na mentalidade social. É imprescindível ressaltar que as interpretações que permeiam a criação destes aparatos jurídicos esbarram nas manifestações e condutas provenientes de valores peculiares engendrados na cultura indígena. Reconhecer que estes denotam a riqueza da diversidade cultural expressa por este povo parece tarefa fácil, entretanto, são estes que dificultam a positivação e efetivação de direitos plenos dos povos indígenas, visto que enrubescem o embate cultural entre os costumes que perfazem a sociedade de índios e não-índios.

4. Expressões culturais indígenas: prerrogativas que facilitam ou inibem direitos?

Nessa perspectiva, serão destacados os direitos que mais relação possuem com as demandas indígenas, sendo estes: os direitos civis, políticos e sociais . Destaca-se, o conceito abordado por José Murilo de Carvalho (2008), no qual a cidadania é caracterizada a partir de uma relação direta, estreita e de interdependência com a efetivação destes direitos. Conforme o autor: "O cidadão pleno seria aquele que fosse titular dos três direitos. Cidadãos incompletos seriam os que possuíssem apenas alguns dos direitos. Os que não se beneficiassem de nenhum dos direitos seriam não-cidadãos [...]." Em referência a tal afirmação, é possível resgatar a real estratégia utilizada pelo Estado Brasileiro em 1916, a partir da publicação do Código Civil. Após quase oito décadas tal definição legal, apesar de "desconsiderada" , ainda é preponderante na interpretação da dinâmica social brasileira, uma vez que, possui relação direta com a conformação da figura indígena reinante na mentalidade nacional e conseqüente geradora de barreiras na positivação e efetivação dos direitos indígenas até a atualidade .
Nesse sentido, um dos fatores responsáveis pela rede de enfrentamentos imposta aos povos indígenas, concomitantes as dificuldades no reconhecimento do índio como cidadão, faz referência ao conteúdo de sua principal demanda: demarcação de terras. Esta, insistentemente evocada e omitida ao longo de séculos, preconiza a garantia dos territórios tradicionalmente ocupados pelos povos indígenas, fazendo referência a uma análise que, em contrapartida a interpretação indígena, compõe a principal premissa dos liberais e do sistema capitalista, que sustenta a propriedade privada e seu valor econômico . Outro fator importante a ser agregado neste contexto, vai ao encontro das diferenças culturais verificadas entre os costumes e valores tradicionais da cultura indígena, em relação a cultura sustentada pela sociedade brasileira de não-índios, idealizada a partir das premissas européias.
Segundo Carneiro (2000), a estratégia utilizada para negligenciar os direitos indígenas, provém da idéia de negação da identidade deste povo, a partir da seguinte análise: "se não há índios, logo inexistem os direitos" . Essa concepção ideológica advém do fato da cultura indígena não se apresentar mais da forma com a qual era reconhecida anteriormente, o que sugere uma transformação na identidade . As releituras da cultura indígena se fizeram extremamente necessárias para garantir a perpetuação da identidade étnica desse povo. Os índios, assim como a sociedade de não-índios, estão inseridos no século 21, no contexto econômico influenciado pelo capitalismo e pelos ditames liberais, logo as adaptações e transformações de suas manifestações culturais são imprescindíveis para que estes se configurem como cidadãos plenos de direitos.
A partir de relatos orais, foi verificada que a interdição européia de inúmeras expressões culturais categoricamente indígenas, tais como a antropofagia, foi uma das ações que exigiram adaptações das práticas tradicionais àquelas consideravelmente aceitas pela sociedade de não-índios. Fato este confirmado na etnia maxakalis - comunidade localizada na região nordeste de MG - na qual em decorrência da morte de algum ente querido, estes cremam o corpo e adicionam as cinzas a uma espécie de mingau que é confraternizado por toda a família, incidindo na essência antropofágica que vislumbra a "permanência" do ser entre aqueles que dele se alimentaram. Nessa perspectiva é relevante suscitar que a dificuldade da sociedade em reconhecer os índios como seres inseridos na dinâmica econômica, política e social que perfaz a nossa realidade, enfraquece o processo legislativo direcionado a essa etnia, bem como exige que esta minimize ou extermine suas raízes culturais, a fim de sobreviver no "mar" de imposições antagônicas que garantem a "aceitação" na sociedade vigente. Percebe-se diante dessas circunstâncias que os povos indígenas lograram um longo caminho até a configuração da atual conjuntura, no qual são considerados cidadãos brasileiros, legitimados a partir da Constituição Federal de 1988 . Ainda assim, e em decorrência dos aparatos jurídicos utilizados anteriormente, as comunidades reafirmam a todo o momento sua cultura e principalmente realizam embates recorrentes pela positivação de direitos e definições jurídicas que garantam seu território de forma plena, ponte para o exercício da diversidade cultural considerada fruto da existência indígena enquanto etnia.
Verificou-se a partir dos relatos orais, que as manifestações políticas dos povos indígenas necessitam utilizar alternativas para garantir o reconhecimento de suas expressões culturais. Usualmente se apresentam em eventos de caráter político, fazendo uso de acessórios tradicionais, tais como o cocar, as penas e com os corpos pintados. Algumas comunidades nunca tiveram este costume, mas utilizam-se deste ardil para legitimar o índio criado pela sociedade nacional e garantir a visibilidade de suas demandas.
Tal fato se faz necessário diante das constantes condutas de positivação de direitos na dinâmica política brasileira que se pautam apenas pelos preceitos instituídos pela sociedade de não-índios, no qual a atuação se faz à revelia dos maiores interessados na formulação dos aparatos legais: os próprios índios e suas comunidades (SANTOS, 2009).

5. Aspectos Contemporâneos Indígenas frente à positivação e efetivação de direitos

Apesar das disposições elucidadas nos artigos da Constituição Cidadã de 1988 , o que se verifica na contemporaneidade ainda faz jus aos conflitos advindos do contexto colonial brasileiro, expressos potencialmente a partir de meados do século 19, momento este em que elevou-se o interesse europeu pelos títulos de terras em decorrência das influências incontestáveis de perpetuação da dinâmica capitalista.
Conforme a CF vigente, as terras indígenas são de propriedade da União e de posse inalienável dos índios. Somada a esta disposição, verifica-se ainda uma disposição de caráter Internacional, presente na Organização Internacional do Trabalho ? OIT, que atualizou em 2004 a Convenção anterior, de número 107 ? representante do primeiro instrumento jurídico internacional concebido especificamente com o objetivo de resguardar os direitos indígenas ? por meio da Convenção de número 169. Esta se apresenta em respeito à diversidade étnico-cultural dos povos indígenas, e garante as instituições sociais, políticas, econômicas e culturais dos mesmos. (INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL ? ISA).
Segundo Carneiro (2000), ainda assim, os aparatos legais existentes não são suficientes para impedir a particularização e ocupação do território indígena. Por se tratarem de extensões de terras que atendem aos anseios capitalistas e como conseqüência, projetam interferências políticas e de caráter legislativo que influenciam a positivação e efetivação dos direitos indígenas, a partir do realce ao ponto de confluência de interesses e preocupações de elevada envergadura que implicam de modo expressivo em políticas fundiárias, ambientais, migratórias e relacionadas ao desenvolvimento econômico do país. Nesse sentido, a expansão das fronteiras econômicas, desemboca em diversas políticas setoriais, no qual a execução mobiliza poderosos organismos governamentais e favorece empreendimentos que representam vultuosos investimentos nacionais e estrangeiros. Diante desse contexto, os povos indígenas têm demandado, de forma crescente, o reconhecimento de seus direitos fundamentais e respeito pelos direitos territoriais e culturais, visando um controle do seu próprio destino (GRAY, 2000). Tal afirmação é confirmada por meio dos relatos orais dessa pesquisa que declaram a essência das reivindicações indígenas. Os índios salientam a necessidade de um plano econômico direcionado às aldeias indígenas, já que a grande maioria destes vive em condições de alta vulnerabilidade social . Reclamam também da ausência de iniciativas estatais que estimulem as produções auto-sustentáveis nas aldeias, uma vez que as intervenções se limitam a distribuição de cestas básicas de alimentos. A partir da interpretação realizada pela entrevistada, tal assistência nunca deveria ter sido concebida, já que é antagônica ao imensurável patrimônio mineral e ecológico das terras indígenas, que caracteriza fonte de recurso das comunidades (Maria das Graças, 2009).
Nesse sentido, e considerando as prerrogativas legais que se atentam às vulnerabilidades sociais, a publicação da Lei Orgânica de Assistência Social - LOAS, em 1993, dispõe acerca da assistência social, conforme explicita seu Artigo 2° - Parágrafo único:
A assistência social realiza-se de forma integrada às políticas setoriais, visando ao enfrentamento da pobreza, à garantia dos mínimos sociais, ao provimento de condições para atender contingências sociais e à universalização dos direitos sociais.

Tendo em vista tal conceito, os profissionais de Serviço Social ainda atuam com um certo distanciamento das reais mazelas sociais a que os índios são acometidos, já que a intervenção se faz somente na qualidade de representantes da FUNAI, a partir de intervenções puramente assistencialistas. Tais ações produzem pouca interferência no processo de emancipação das comunidades indígenas, estabelecendo uma relação ausente de consistência e sustentabilidade, tendo em vista que as políticas públicas de caráter social que deveriam universalizar os direitos e fomentar a atividade dos assistentes sociais - em atenção as reais necessidades deste contingente populacional, atentas além dos requisitos básicos de subsistência à garantia de perpetuação de sua etnia e diversidade cultural - se qualificam como insignificantes e inexpressivas na dinâmica social brasileira.
A partir da constatação de que os interesses dos índios se opõem aos interesses dos grandes latifundiários, identifica-se o principal motivo para a dificuldade de positivação e efetivação dos direitos indígenas em nosso país . Nesse sentido, e em respeito ao projeto ético-político da profissão, o Serviço Social possui qualificações científicas na proposição, articulação e implementação de políticas públicas que reconheçam plenamente as demandas sociais indígenas, a fim de preencher os malefícios gerados principalmente a partir da intransigência estatal atuante durante todo o período colonial. É justamente a partir desses embates que o objetivo principiológico da profissão poderá ser expresso, contraindo assim maior visibilidade e efetivos resultados na dinâmica social brasileira, e sobretudo reflexos significativos na conformação da mentalidade social sobre a temática. Por outro lado, as políticas de educação das comunidades indígenas tem se apropriado de vários benefícios, motivados por outros movimentos sociais . Uma das conquistas refere-se a garantia de cotas para os índios em Universidades Federais, bem como a prática de projetos educacionais desenvolvidos para a implementação e destinação de recursos às comunidades indígenas . A extensão dessa iniciativa de investimento na educação dos povos indígenas, estimula a inter conectividade entre as aldeias e as diversas expressões culturais de caráter mundial, via utilização de recursos tecnológicos ? computadores com internet, televisão, rádio - atualmente bastante utilizados nas comunidades indígenas.
Apesar da sociedade brasileira de não-índios acreditar que tais inserções exterminarão a cultura indígena, surpreendentemente, durante a pesquisa de campo, verificamos que tais práticas auxiliam os índios, conforme argumenta a entrevistada:
Muitas pessoas acreditam que nós (índios) não temos que nos comunicar com outras aldeias, não precisamos aprender a língua nacional e nem a utilizar a internet. Nós absorvemos as mudanças a que somos impostos realizando re-significações (novas significações). Jamais deixaremos a nossa cultura, a nossa tradição. Mas temos que estar atentos a todas as alternativas que nos farão mais fortes como organização política e também como etnia, já que, apesar de sermos os primeiros, ainda somos discriminados [...] Temos que lutar nessa selva que vocês (não-índios) também lutam. Procurar emprego, ganhar dinheiro, essas coisas. (Maria das Graças, 2009).

Nessa perspectiva, no intuito de retrair as ações provenientes da atual conjuntura de invisibilidade legislativa que tantos impactos negativos no processo de positivação e efetivação de direitos têm estabelecido, as comunidades indígenas sustentam-se, basicamente da organização direcionada a representatividade política, conforme evoca a reportagem do Jornal Estado de São Paulo, publicada no dia 05 de outubro de 2009:
Divididos em 220 etnias, falando 180 línguas, os índios brasileiros estão se organizando para aumentar a representação política nas eleições de 2010. Eles somam mais de 700 mil, dos quais 150 mil eleitores, e querem mais protagonismo nas decisões do País para defender as suas bandeiras sem depender unicamente da tutela da Fundação Nacional do Índio (Funai) ou das bênçãos de igrejas. A idéia é eleger ao menos cinco deputados federais no País e uma bancada forte nas Assembléias Legislativas de 19 Estados onde estão mais organizados [...].

Uma das fontes de captação de votos na aposta indígena de ampliação da participação nas Casas do Legislativo, advém do PDT, partido de preferência da comunidade de Xavantes, que possui como prerrogativa oferecer vagas para índios na legenda desde os tempos em que o deputado e cacique Mário Juruna, já falecido - cooptado na época pelo líder trabalhista Leonel Brizola - cumpriu mandato parlamentar (1983-1987) como primeiro e único indígena eleito para o Congresso.
Em decorrência do crescimento substancial de consciência e organização política das comunidades indígenas, a necessidade de um representante com a "cara indígena" na FUNAI, foi identificada como grande demanda. Assim, após embates e a insistência indígena, em Minas Gerais se tem o primeiro representante de origem indígena na FUNAI: Valdemar Adilson Krenak ? responsável pela sede do órgão no Estado, localizada no município de Governador Valadares. Tal fato exprime imensurável orgulho por parte das tribos que aqui residem, além de representar passos sólidos rumo a conquista de direitos potencialmente mais sóbrios e inatingíveis direcionados aos povos indígenas.

6 Considerações Finais

Tendo em vista todas as considerações tecidas no desenvolvimento da pesquisa, conclui-se que o fortalecimento dos Movimentos Sociais e em particular do Movimento Indígena possui prerrogativa basilar para a positivação de direitos plenos de efetivação.
Nessa perspectiva, verifica-se que a demanda principal do Movimento Indígena ? que faz referência à garantia das terras tradicionalmente ocupadas - representa a condicionante responsável por enfraquecer a visibilidade desta etnia enquanto possuidora de direitos e portanto composta por plenos cidadãos brasileiros, em decorrência do fato de que o "tema em debate" possui nuances bastante contraditórias e um tanto quanto polêmicas.
Apesar da atual conjuntura brasileira se constituir por configurações sociais que deflagram fatores inibidores para a positivação e efetivação de direitos indígenas, a extrema determinação desse povo, bem como sua considerável organização política e consciência coletiva, evidenciam que o Movimento Indígena vem promovendo inúmeras formas de resistência aos fatores que visam legitimar sua inferiorização étnica e cultural. E é justamente nessa perspectiva que as ações contrapostas aos interesses das grandes mineradoras, dos latifundiários e dos políticos liberais que representam tais interesses, se fazem permanentemente crescentes, tornando-os visíveis e respeitados, mas ainda bravos e constantes lutadores pela positivação e efetivação de seus direitos.

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Autor: Cibelle Dória Da Cunha Figueiredo


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