Uma Visão Filosófica do Terceiro Setor



Ivonaldo Severino dos Santos²
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Resumo

O objetivo deste trabalho é fazer uma análise filosófica do Terceiro Setor no Brasil, a partir do momento de sua profissionalização, a qual ocorre apartir dos anos 80. Onde daremos ênfase ao pensamento dos filósofos JOHN RAWLS e ENRIQUE DUSSEL, sendo respectivamente suas Obras: Uma Teoria da Justiça e Filosofia da Libertação. Na primeira, o autor propõe que todos os indivíduos de uma determinada sociedade possa se encontrar numa posição única, e assim, sejam atendidos e façam suas escolhas de maneira justa e equilibrada; Quanto a segunda, o teórico faz uma crítica a ideologia da exclusão, onde fica evidente que é preciso que o indivíduo tenha consigo o sentimento de pertença naquilo que lhe é atribuído para que assim possa se sentir emancipado.

Palavras Chaves: Terceiro Setor, Estado, Mercado, Justiça, Emancipação.

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¹ Trabalho apresentado na II Semana Acadêmica de 26 a 29 de outubro de 2010 na Faculdade de Integração do Sertão - FIS.
² Aluno do Curso de direito da Faculdade de Integração do Sertão, monitor de Economia em 2010.1 e 2010.2 e membro do grupo de pesquisa : Terceiro Setor : Uma Questão em Debate.



Introdução

O Terceiro Setor no Brasil não tem uma definição no que diz respeito ao seu surgimento. Pois, atividades filantrópicas, ou seja, trabalhos destinados a assistência dos mais necessitados sempre foram realizadas pela Igreja Católica desde o período colonial. Todavia, foi apartir do momento de redemocratização do Estado brasileiro e das tentativas frustradas do primeiro e segundo setor ( Estado e Mercado ) em dar providências, ou seja, investir e garantir a efetivação de políticas públicas que pudessem consolidar um estado de bem estar social, que acabou por trazer a necessidade de um novo agente: O Terceiro Setor.
A titularização "Terceiro Setor" Não é própria do Brasil, mas, foi incorporada aos movimentos sociais que lutavam em favor dos Direito e Garantias Individuais durante a Ditadura, os quais mudaram o foco da discussão após a promulgação da Constituição Federal de 1988, passando assim, tais movimentos a andar lado a lado como parceiros do Estado, do Mercado e claro da sociedade civil, em busca de um equilíbrio político, econômico e social.

O Terceiro Setor e sua profissionalização

O Golpe Militar, ou seja, a Ditadura implantada no Brasil entre os anos 1960 e1980, suprimiu, negou e cassou os Direitos conferidos a sociedade, além disso muitas atrocidades desrespeitos e abusos foram cometidos contra inocentes e revolucionários pela força dominante naquele período.
Em contrapartida, tais comportamentos acabaram por unir a sociedade, principalmente os estudantes que constituíram movimentos pela busca da democracia e pelo fim do poder ilimitado.Contudo, com o fim do Regime Militar e a promulgação da Constituição Federal de 1988, tais grupos deixam a oposição que faziam contra o Estado que era tirânico e autoritário e passam a aderir como parceiros do então novo Estado Democrático de Direito, o qual garante liberdade, igualdade,propriedade,liberdade de consciência (... ).Desde então, o novo Estado passa a reconhecê- los como entidades que estão mais próximas dos problemas sociais já que são constituídas pela sociedade civil e, portanto, tem mais propriedades no que diz respeito a identificação dos problemas e encaminhamentos para as devidas soluções, servindo assim como canal de contato entre o Estado e sociedade .
De acordo com Gohn ( 2000) nos anos 1990 acirraram-se as mudanças sociais no âmbito das lutas, movimentos e práticas sociais coletivas, de diferentes classes e camadas sociais.
Neste período a sociedade começa a se articular em prol de uma nova sociedade, ou seja, começa a construção de um novo tipo de sociedade, buscando criar novos espaços de interlocução e de relações sociais entre estado e mercado, com reflexos positivos na cultura política do país ao colocar a questão da solidariedade como o grande eixo articulatório das ações sociais.

Da Constituição do Terceiro Setor

O que denominamos de Terceiro Setor pode ser compreendido em outros aspectos, pois diversos estudiosos do tema também o chamam de entidades sem fins lucrativos,voluntariado, organizações não governamentais entre outras denominações. Com efeito, seguimos o posicionamento de estudiosos como Taxizawa (2004) e Manzione (2006) os quais defendem a idéia da existência de três setores, sendo o primeiro o Estado, o segundo o Mercado. E as associações, institutos, fundações, entidades de classes, entre outras que atuam nas áreas sociais fazem parte do chamado terceiro setor.
Segundo classificação de Gohn (2000) as entidades que compõe o terceiro setor podem ser compreendidas em três dimensões, podendo estas ser: entidade cidadã, assistencialista ou desenvolvimentista.
As entidades cidadãs, são aquelas que de forma geral buscam a valorização e a emancipação do indivíduo enquanto cidadão dotado de direitos e obrigações, com efeito, os objetivos destas, exigem sempre um período de longo prazo; As assistencialistas, na maioria dos casos prestam serviços imediatos e portanto, não precisam de muito tempo para atingir seus objetivos,diferentemente das entidades desenvolvimentistas que trabalham e tem uma preocupação premente com o futuro e, buscam portanto a sustentabilidade ambiental do planeta, promovendo assim, a consciência, o respeito e a dedicação pelos recursos naturais ainda existentes.
Todavia, podemos inferir que o princípio básico do terceiro setor é a solidariedade, o qual terá sempre como meta reconhecer o outro, ajudar, (...) proporcionar melhores condições de vida.

A insuficiência do Estado e o papel do terceiro setor

Com o processo de redemocratização do Brasil, ou seja, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, um grande rol de direitos e garantias fundamentais foram estabelecidas constitucionalmente, com efeito, o estado não tinha estrutura suficiente para se adequar e dar providências a tais direitos( Artigo 5º da CF, sobretudo o artigo 6º que trata dos direitos sociais) de forma rápida e eficiente.Todavia, o terceiro setor enquanto parceiro do Estado e membro da sociedade civil, deverá reivindicar deste último o desenvolvimento e a execução de políticas públicas que venha de forma sólida a atender socialmente aqueles que mais necessitam.Ainda na perspectiva de buscar o melhor para o outro, cabe ainda a este buscar parcerias com setor privado e com os indivíduos enquanto cidadãos voluntários e comprometidos com o bem estar social.
Para Marteleto e Ribeiro (2006) no Brasil e na América Latina, o terceiro setor tem desempenhado ações político-pedagógicas de transformação e melhoria das condições de vida das populações marginalizadas, empregando meios e recursos comunicacionais e informacionais. Enfim, segundo os autores o terceiro setor é uma terceira via para suprir as falhas do estado no atendimento às necessidades da população mais necessitada e na redução da pobreza.

A preocupação do terceiro setor e o pensamento de John rawls

O terceiro setor, em um de seus múltiplos aspectos, trabalha com o propósito de oferecer aos indivíduos marginalizados socialmente, uma perspectiva de retorno, reconhecimento e emancipação. O que corrobora em certa medida com o pensamento do filósofo John Rawls, o qual evidencia em sua Obra: (Uma teoria da justiça) o principal motivo que leva uma sociedade a viver lado-a- lado com as desigualdades a falta de oportunidades,a injustiça(...). Para este, a estrutura básica da sociedade deve sempre ter como princípio a equidade, pois esta,segundo o próprio é tão importante para as instituições sociais, como é a verdade para os sistemas de pensamento.Com efeito, se as instituições não se utilizam de equidade e retidão em suas atribuições como poderíamos ter uma sociedade justa e equilibrada? É como considerar válido um conhecimento que não teve a verdade como fim a ser perseguido durante sua elaboração.
Rawls deixa claro que é preciso que todos os integrantes de uma comunidade tenha o mesmo ponto de partida, as mesmas oportunidades e que o sofrimento de um não seja superior ao de outros.
Em outras palavras Rawls está fazendo uma crítica ao utilitarismo o qual está sempre buscando a maior satisfação possível dos envolvidos, diferentemente de sua proposta que é contratualista e busca atingir a todos os membros da sociedade garantindo o melhor para todos sem seletividade, embora, tenhamos aqui que concordar que muitas políticas utilitaristas contribuem para a melhoria social, tal como programas de cotas nas universidades. Todavia, não se pode desvincular-se totalmente do utilitarismo, pois este é um mal necessário, contudo, Rawls irá propor um equilíbrio, ou seja, a busca de uma sociedade mais justa,não em sua plenitude porém equilibrada.
Fazendo uma abstração do que fora exposto, podemos inferir que o terceiro setor enquanto sociedade civil organizada luta pelo equilíbrio entre os favorecidos e os desfavorecidos, pela aquisição de direitos, pela conquista do trabalho, pela moradia digna, pela saúde, pela educação enfim pelo equilíbrio social, corroborando em partes com a proposta de Rawls.

O objetivo do terceiro setor e a filosofia de Henrique Dussel

O terceiro setor tem como objetivo primordial o desenvolvimento da pessoa humana, pois, embora isso não esteja explícito, não podemos negar que todas as suas ações acabam por elevar a condição do homem na sociedade.Todavia fazendo uso do pensamento de Dussel em sua Obra ( Filosofia da libertação), não basta apenas trazer o indivíduo marginalizado socialmente para o sei social, é preciso que este não veja o trabalho da entidade como um favor, um ato de caridade, pois o mesmo deve ter consigo o sentimento de pertença naqueles serviços que lhe são proporcionados,com efeito, sua emancipação enquanto cidadão dotado de direitos e deveres depende exclusivamente disso.Não sentindo-se pertencente aquele setor o qual está emergido o indivíduo continuará com o sentimento de exclusão, de desprezo e não consegue se inserir enquanto membro da sociedade que lhe recebe.
Segundo a perspectiva do pensamento de Dussel o trabalho do terceiro setor se faz necessário numa sociedade onde os indivíduos enfrentam diversas disparidades tais como desemprego ,fome, alto índice de analfabetismo, falta de moradia aquilo que representa o essencial o seu bem estar.
Há uma grande e urgente necessidade de ouvir o outro, de percebê-lo, de assumi-lo como alguém que não deve ser tomado, em hipótese alguma como objeto, como um ser passível de dominação. Este olhar para o outro é um olhar para nós mesmos.(DUSSEL;p. 20).


Considerações Finais

Tanto a teoria econômica, quanto a filosofia ressalta com muita eficácia a necessidade do terceiro setor nos tempos atuais, o Estado propriamente dito reserva grande preocupação com o aspecto econômico, uma vez que todas as nações se preocupam com seu posicionamento no cenário internacional, ficando muitas vezes em segundo plano questões como saúde educação e até mesmo segurança. Todavia, não estamos aqui afirmando que o terceiro setor está assumindo o lugar do estado em suas atribuições, contudo, este serve como canal para o reconhecimento e efetivação das políticas desenvolvidas pelo então estado.
Trazendo o terceiro setor para uma análise filosófica, podemos com evidência afirmar que o mesmo busca de forma implícita o desenvolvimento da pessoa humana, pois, toda e qualquer ação que diz respeito a melhoria social, acaba contribuindo para o progresso do indivíduo enquanto ser humano.












Referências

GOHN, Maria da Glória. Os sem terra, ONGs e cidadania. São Paulo: Cortez, 2000.

MANSIONE, Sydney. Marketing para o terceiro setor. São Paulo: Novatec, 2006.

TACHIZAWA, Takeshy.Organizações não governamentais e o terceiro setor:criação de ONGs e estratégia de atuação.São Paulo:Atlas, 2004.

RAWLS, JOHN. "Uma teoria da Justiça".Tradução de Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves. São Paulo. Martins Fontes, 2000.

DUSSEL, Henrique. Filosofia da libertação: crítica à ideologia da exclusão. Trad. Georges I. Maissiat __São Paulo: Paulus, 1995.

MARTELETO, Regina Maria; RIBEIRO, Leila Beatriz. Informação e concentração do conhecimento para a cidadania no terceiro setor, 2006. Disponível em http://dia.ibict.br/achive. Acesso em27/07/2008
Autor: Ivonaldo Santos


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