Desagregação Familiar e Criminalidade do Menor



RESUMO
A presente pesquisa, cujo tema é a desagregação familiar e criminalidade do menor, procurará responder, mais especificamente, ao seguinte problema: Com a desagregação familiar ocorreu um aumento da criminalidade na sociedade brasileira? A relevância deste estudo justifica-se em função de dados bibliográficos que possibilitam revelar que o problema da marginalização do menor é decorrente das profundas transformações sociais que atingem a sociedade, o que reflete principalmente na família, como também proporcionar uma discussão a cerca da marginalização do menor e uma forma de solução. Nessa direção, o objetivo geral desta pesquisa reside em analisar como a desagregação familiar pode influenciar para que haja um aumento da criminalidade do menor na sociedade brasileira, pois é notório o poder da família na criação do caráter e personalidade de um ser em formação, existem ainda os objetivos específicos, quais sejam: analisar a extensão do art. 227 da Constituição Federal e ao disposto ao longo do Estatuto da Criança e do Adolescente, verificando principalmente o que refere - se à família, enquanto educadora de crianças e adolescentes; dissertar sobre o conceito de família; realizar uma análise jurídica, psicológica e social do menor, fruto da desagregação familiar; compreender como a desagregação influenciou para houvesse um aumento da criminalidade brasileira. Está sendo realizada uma pesquisa bibliográfica, tendo como referência as publicações sobre o tema, disponíveis em livros, periódicos e legislação. Está sendo utilizado como método de pesquisa, o método hipotético-dedutivo, pois partirá de uma premissa particular que desencadeara em uma geral, utilizando também o procedimento experimental como condição fundante elegendo um conjunto de proposições hipotéticas que são viáveis como estratégias de pesquisa. Portanto, reitara-se o pensamento sobre a necessidade da criação de um novo direito, que procure lutar, entre outros pontos, pelo questionamento dos valores, e por uma reformulação nas normas vigentes, assim como também uma maior conscientização dos aplicadores do direito, de maneira a servir aos segmentos mais desfavorecidos da sociedade. Conclui-se com a pesquisa, através dos estudos feitos com profissionais que atuam na área da infância e juventude, em especial em relação ao menor infrator, que as causas da marginalização do menor, estão ligadas ao uso de drogas, más companhias e principalmente à desagregação familiar, uma vez que o jovem que não tem em casa o devido amparo e atenção, sai às ruas, deparam-se com pessoas de má índole, e acabam cometendo atos infracionais.
Palavras chave: desagregação familiar. menor. Criminalidade

ABSTRACT
This research, which deals with family breakdown and crime of a minor, attempt to answer more specifically to the following problem: With the disintegration of the family there was an increase of crime in Brazilian society? The relevance of this study is justified on the basis of bibliographic data that reveal possible that the problem of marginalization of the minor is a result of profound social changes affecting society, which reflects mainly the family, but also provide a discussion about the marginalization of and a lesser form of solution. Along these lines, the general objective of this research is to examine how family breakdown can influence so that there is an increase in crime of the minor in Brazilian society, it is known the power of the family in creating the character and personality of a being in training, there yet the specific objectives, namely: to analyze the extension of art. 227 of the Constitution and along with the provisions of the Child and Adolescent, which refers mainly checking - if the family as educator of children and adolescents speak about the concept of family, performing a legal analysis, psychological and social development of smaller, resulting from the breakdown family; understand how to influence the break there was a rise in crime in Brazil. . Is being performed a literature search, with reference to the publications on the subject available in books, journals and legislation. It is being used as a research method, the hypothetical-deductive method, as will depart from a particular premise that unleashed in a general, also using the experimental procedure as founding condition electing a set of propositions that are hypothetical as viable research strategies. Therefore, we reiterate the necessity of thinking about the creation of a new law that seeks to fight, among other things, the questioning of values, and a recasting of existing rules, as well as a greater awareness of the enforcers of law, way to serve the most disadvantaged sections of society. It concludes with the research, through studies of professionals working in the field of childhood and youth, particularly in relation to the juvenile offender, the causes of marginalization of the child, are linked to drug use, bad company and especially to family breakdown, since the young man who has no home due support and attention, takes to the streets, faced with people of bad character, and end up committing crimes.
Keywords: family breakdown. smaller. Crime


SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 10
CAPÍTULO I ? A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE FAMÍLIA 14
1.1 Estrutura Familiar na Antiguidade 14
1.2 Família Moderna 17
1.3 A família e a Constituição Federal Brasileira de 1988 18
1.4 Princípios Constitucionais 20

CAPÍTULO II ? A FAMÍLIA E OS DIREITOS DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE 26
2.1 A Família enquanto educadora de Crianças e Adolescente 26
2.2 A criança enquanto detentora de direitos 30
2.2.1 Dos Direitos Fundamentais 34

CAPÍTULO III- A CRIMINALIDADE DO MENOR 38
3.1 Crime e ato infracional 38
3.1.1 Conceito de Crime 38
3.1.2 Menoridade 39
3.1.3 Da prática do ato infracional 42
3.1.3.1 Dos direitos individuais 42
3.1.3.2 Das garantias processuais 44
3.2 Das medidas socioeducativas 45

CAPÍTULO IV ? DESAGREGAÇÃO FAMILIAR E CRIMINALIDADE 56
4 Causas da Marginalização do Menor na sociedade brasileira 57
4.1 Fatores Gerais 57
4.2 Índices de marginalização do menor 59
4.3 Fatores da Desagregação Familiar 62
4.3.1 O afeto nas relações familiares 68
4.4 Entrevistas que comprovam a relação entre desagregação familiar e criminalidade. 70

CONCLUSÃO 76
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 79
ANEXOS 83


INTRODUÇÃO
As transformações sociais, políticas e tecnológicas ocorridas no século XX, associadas à globalização, ocasionaram profundas alterações nos ordenamentos jurídicos mundiais, principalmente ao que refere ao direito de família.
As Revoluções Industrial e Francesa, apresentam-se como o passo inicial de todas essas mudanças, acontece então, uma reavaliação de determinados conceitos em Direito de Família, onde o antigo modelo patriarcal taxativo e limitado, que subordinava a felicidade pessoal de seus entes, visando sempre a proteção do vínculo familiar a qualquer custo, foi deixado de lado, passou-se a valorizar a boa convivência, o afeto, os valores morais que agem verdadeiramente de forma efetiva e não apenas de maneira hipócrita, na tentativa de transmitir um esteriótipo inatingível; procurou-se encontrar, a função social da família, onde seus membros integrantes (pais, irmãos, avós e etc), contribuem para a formação do futuro adulto, uma vez que, garanti o provimento das crianças, para que estas possam exercer atividades produtivas para a própria sociedade, educando-as, segundo a moral e os valores compatíveis com a cultura da sociedade em que vivemos.
Além disso, adotou-se o modelo econômico capitalista, baseada no lucro; as mulheres deixaram de ser vistas apenas como a "rainha do lar", responsável pelo cuidado da casa, filhos e marido e insere-se no mercado de trabalho, qualificando-se em conhecimentos técnicos e científicos, na tentativa de trazer melhores condições econômicas à sua família; também, são inseridos na consciência mundial os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, o que abre portas para o surgimento dos Direito Humanos, a partir da noção de dignidade humana. Enfim, a sociedade e os indivíduos que fazem parte dela, mudam, evoluem.
Apesar de todas as mudanças ocorridas, a família apresenta-se como célula-tronco da humanidade, núcleo de desenvolvimento do ser enquanto pessoa humana, a qual estabelece vínculos que jamais poderão ser rompidos, é a entidade responsável por transmitir as primeiras lições de aprendizado, de valores, princípios, de formação social e pessoal, é o local de crescimento e participação enquanto seres que carecem de dignidade humana, principalmente no que se refere à crianças e adolescentes.
Por isso, a presente Pesquisa, cujo tema é a "desagregação familiar e a criminalidade", procurará responder, mais especificamente, ao seguinte problema: Com a desagregação familiar ocorreu um aumento da criminalidade na sociedade brasileira?
A relevância deste estudo justifica-se em função de a análise de alguns dados estatísticos e bibliográficos, revelarem que o problema da marginalização do menor e do consequentemente aumento da criminalidade, é decorrente principalmente da desagregação da família, em função da rápida mudança de costumes e valores e também de questões socioeconômicas. É evidente o fato de que aumenta o abandono de crianças por morte ou incapacidade dos pais, por rejeição ou deserção do lar, principalmente nos casos de divórcio e separação de casais, situação em que na maioria das vezes, os pais não se separam apenas uns dos outros, mas infelizmente separam-se de seus filhos, o que não justifica - se existir, ou ainda existem crianças que vivem numa família bem constituída, que é "aparentemente saudável", mas são vítimas da situação de carência que cerca os adultos. De um jeito ou de outro, elas sempre estão expostas à traumas, ao abandono, à "mercê dos perigos do mundo", o que leva a fazer dessas crianças criminosos em potencial. Por isso, surge a necessidade de uma revisão de valores de todos aqueles que fazem parte de uma família, ou seja, todas as pessoas de nossa sociedade, para que haja uma maior conscientização dos deveres e responsabilidade da família, enquanto educadora de crianças e adolescentes.
É também preciso se ater, aos princípios que regem o Direito de Família, dentre eles está o Princípio da efetividade e da dignidade da pessoa humana, que são responsáveis pela constituição jurídica que abarcam situações sociais que ainda não foram legalizadas, por inércia do legislador ou apenas por um simples capricho daqueles que não querem enxergar a mudança do conceito de família.
Nessa direção, o objetivo geral desta pesquisa reside em analisar como a desagregação familiar pode influenciar para que haja um aumento da criminalidade do menor na sociedade brasileira, pois é notório o poder da família na criação do caráter e personalidade de um ser em formação.
Assim sendo, este trabalho, parte integrante dos requisitos da graduação do Curso de Direito, é dividido em quatro capítulos temáticos.
No capítulo inicial sobre o conceito de família, há uma análise da evolução histórica deste conceito, apontando as principais características, das mais variadas formas de organização familiar, cada qual, conforme o tempo em que se encontra na história, que começa desde a Antiguidade, perpassando pela modernidade, e por fim, chega até a atualidade. Também é tratado sobre modificações ocorridas no direito de família, advindas do Código Civil de 2002, da Constituição Federal de 1988, e dos princípios presentes nela, principalmente aqueles que têm com fim e ponto de partida a dignidade da pessoa humana, reveladores da necessidade da presença da igualdade absoluta e o respeito que deve haver entre pais, filhos e todos aqueles entes componentes do seio familiar, tanto no que se refere a direitos como, principalmente aos deveres, já que trata-se de seres humanos, carecedores de carinho e afeto. O capítulo finda, com um breve exame do disposto nos arts. 226 e 227 da Carta Magna brasileira vigente.
O Capítulo seguinte, inicia-se tratando sobre a família enquanto educadora de crianças e adolescentes, pois é ela o primeiro agente socializador destes, onde encontram a primeira escola das virtudes sociais, transmitente de preceitos éticos e morais, responsáveis pelos primeiros passos da vida em sociedade. E por fim, é dissertado sobre a criança enquanto detentora de direitos e garantias fundamentais, estabelecidos ao longo da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente.
No terceiro capítulo, é trabalhada a questão da criminalidade do menor, que começa definindo o que é crime e o que é ato infracional, ressaltando a diferença de conceituação entre ambos. É também trabalhada sobre a menoridade e os critérios adotados pela legislação brasileira, no que se refere à "punição" aos menores em conflito com a lei; quais são os direitos e garantias processuais dispensados a eles; e ao final, é dissertado sobre as medidas socioeducativas que serão aplicadas às crianças e adolescentes, quando estes venham a cometer ato infracional.
No último capítulo, são trabalhadas as causas de marginalização do menor, tanto gerais quanto as que se referem à desagregação familiar, fazendo um paralelo entre o fator criminalidade infanto-juvenil e desestruturação da família. São apontados os índices brasileiros da marginalização de crianças e adolescentes; também é relatado sobre a importância e magnitude do afeto nas relações familiares, e por fim, foram feitas entrevistas com profissionais que atuam na Vara de Infância e Juventude, que argumentam sobre a relação existente entre a desagregação familiar e o aumento da criminalidade brasileira, principalmente à que se refere à crianças e adolescentes.
Enfim, espera-se que possa haver a compreensão necessária de que a desagregação da família, é sim, fator contribuinte da criminalidade entre os menores, uma vez que é ela a entidade responsável por transmitir as primeiras lições de convívio social e de valores éticos e morais, o que prepara e capacita as crianças e adolescentes receberem os ensinamentos das outras instituições sociais, como a escola, igreja e toda sociedade em si. Se a família falha no desempenho de seu papel, gera menores despreparados para lidar com os problemas naturais da vida, tornam-se frustrados psicologicamente e potencialmente propícios à marginalização.


CAPÍTULO I
A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE FAMÍLIA
1.1 ? Estrutura Familiar na Antiguidade
A família apresenta-se como um núcleo de desenvolvimento do ser enquanto pessoa humana, e a ela estabelece vínculos que jamais poderão ser rompidos, pois é a família a entidade responsável por transmitir as primeiras lições de aprendizado, de valores, princípios, de formação social e pessoal, é o local de crescimento e participação enquanto seres que carecem de dignidade humana, enfim é a família a base do Estado, é nela que está o germe da humanidade.
Esta grandiosidade que circunda o conceito de família, a faz como a entidade social e jurídica mais complexa a ser estudada e compreendida, já que sua extensão sofreu invariáveis alterações ao longo da história.
As primeiras civilizações, como a egípcia, grega, hindu, assíria e romana, não se assentavam em relações individuais, o conceito de família foi de uma entidade ampla e hierarquizada. Existia o fenômeno da endogamia, pois as relações sexuais ocorriam entre todos os membros que integravam a tribo, isto fazia com que a mãe fosse conhecida, mas não garantia o mesmo ao pai, fazendo com que, de início, a família tivera um caráter matriarcal, ficando os filhos sob os cuidados de sua genitora, que os alimentava e educava. Há, quem diga que esta posição antropológica, como assevera Caio Mário da Silva Pereira, não está isenta de dúvidas, não podendo generalizar-se sob a forma de organização de todos os povos. Seguindo ainda as lições do ilustre doutrinador, visualiza-se que desde os primórdios da humanidade, existia a repulsa ao incesto, onde as guerras, a falta de mulheres e a vida primitiva, fizeram com que os membros do sexo masculino, componentes da sociedade, fossem buscar relações com mulheres de outras tribos, antes mesmo que seu próprio grupo, garantindo que pais e filhas não tivessem relações sexuais.
Posteriormente, o homem procurou por relações individuais, onde a característica principal era a exclusividade por uma parceira, influenciando a existência da atual organização monogâmica, abrindo portas para que se fundasse o poder paterno, que têm como maior exemplo o Direito Romano, onde a família era organizada sob o princípio da autoridade.
O chefe de família (o pai) exercia sobre os filhos o direito de vida e morte, podia então castigá-los da maneira que achasse adequada, inclusive tirar-lhes a vida, ou ainda, simplesmente vendê-los. E a mulher era totalmente submissa a autoridade de seu marido. Existia um domínio exacerbado exercido pelo homem, que detinha de poderes ilimitados sobre seus descendentes, inclusive das mulheres que fossem casados com seus filhos, era ele o chefe político, familiar, juiz e sacerdote. A família monogâmica converte-se, então, numa unidade econômica, religiosa, política e jurisdicional, restringindo-se ao interior do lar, onde haviam pequenas oficinas, seria um patrimônio familiar.
No Direito Romano, o elo de ligação entre os membros de uma família não era o afeto natural, até mesmo o nascimento não figurou com fundamento da família romana, por mais que um pai amasse sua filha, este não poderia dar-lhes parte alguma de seu patrimônio, caracterizando então, um culto ao filho homem. Como preleciona importante doutrinador:
A instituição funda-se no poder paterno ou marital. Essa situação deriva do culto familiar. Os membros da família antiga eram unidos por vínculo mais poderoso que o nascimento: a religião doméstica e o culto dos antepassados. Esse culto era dirigido pelo pater. A mulher, ao se casar, abandonava o culto do lar de sue pai e passava a cultuar os deuses e antepassados do marido, a quem passava a fazer oferendas. Por esse largo período da Antiguidade, família era um grupo de pessoas sob o mesmo lar, que invocava os mesmos antepassados. Por essa razão, havia necessidade de que nunca desaparecesse, sob pena de não mais serem cultuados os antepassados, que cairiam em desgraça. Por isso, era sempre necessário, que um descendente homem continuasse o culto familiar. Daí a importância da adoção no velho direito, como forma de perpetuar o culto, na impossibilidade de assim fazer o filho de sangue. Da mesma forma, o celibato era considerado uma desgraça, porque o celibatário colocava em risco a continuidade do culto. Não bastava porém gerar um filho: este deveria ser fruto de um casamento religioso.O filho bastardo ou natural não poderia ser o continuador da religião doméstica.
Não admitia-se as uniões livres, a elas não era conferido o status do casamento, já que não tinham a benção divina da Igreja Católica, que sempre as condenou e instituiu ao casamento a figura de união sagrada e espiritual, que deveria realizar-se perante a autoridade religiosa, com todas suas formalidades e solenidades, para que tivesse verdadeiro reconhecimento perante à sociedade.
O casamento durante a Idade Média, principalmente entre as classes nobres, tinha caráter predominantemente contratual. Em quase nada, transparecia a afeição e amor entre aqueles que se unem em matrimônio, que deveriam então, compartilhar alegrias e dificuldades juntos. Existia todo um dogmatismo envolvendo o casamento religioso, que tinha como finalidade principal a continuidade do culto familiar, onde dois seres se uniam, para que então seu filho pudesse dar procedência às tradições de seu pai. E para que isto pudesse acontecer, deveria nascer um filho homem, já que a filha, ao contrair núpcias cultuaria a família de seu esposo e não mais a de seu pai. Em algumas civilizações antigas, a viúva que não tivesse filhos, deveria se casar com o parente mais próximo de seu marido, e o fruto dessa união seria considerado filho do falecido, tamanha importância tinha a continuidade do culto familiar.
O cristianismo, principalmente o da Igreja Católica, guarda essa idéia de culto, que ainda existe, mas com menor intensidade. Assim, como a igreja, a família possue estrutura hierarquizada, ambas estão ligadas a uma idéia de sagrado. Ao longo da história, o casamento deixou de ter esse aspecto predominantemente voltado ao culto e assumiu caráter jurídico.
Com o passar dos anos, a autoridade e severidade exercida pelo pater famílias, foi se atenuando, surgiram os primeiros patrimônios individuais, os pecúlios, que eram administrados por aqueles que estavam sob a autoridade do pai. A partir do século IV, com o Imperador Constantino, instaurou-se uma diferente concepção de família, onde existiriam preocupações envolvendo valores afetivos, morais, espirituais e de assistência recíproca entre seus membros, gerando consequentemente, de forma gradativa, maior autonomia para a mulher e os filhos.
O que desencadearia na forma de organização familiar contemporânea, que têm como fundamento principal o respeito à dignidade e a valoração do afeto e carinho que deve existir entre os entes familiares.

1.2- Família Moderna
A família atual ainda têm inserida em si, alguns resquícios da antiga, por ser formada basicamente de pais e filhos. A mudança ocorrida, reside no fato de que hoje, existem finalidades e formas de composição diferentes e o interessante, mudaram-se os papéis do pai e da mãe. Enfim, houve acentuada revolução da estrutura familiar.
Outras instituições assumiram papéis dantes desempenhados exclusivamente pelos pais, como exemplo, a escola. A educação cabe ao Estado ou a instituições privadas. As funções de assistência à crianças e adolescente também são de responsabilidade do Estado. As profissões e ofícios não mais são passados de pai para filhos e a religião não é unicamente ministrada em casa, o catolicismo, deu lugar à multiplicidade seitas e credos.
A Revolução Industrial transformou drasticamente a composição da família, a economia agrária deu lugar à economia industrial. A explosão digital e trabalho exercido fora de casa, fez com que a família deixasse de ser uma unidade de produção na qual todos trabalham sob a autoridade de um chefe, o homem foi para as fábricas e afins e a mulher ao longo da história, foi inserindo-se no mercado de trabalho. A economia capitalista, irremediavelmente inseri nas pessoas, a idéia de consumo infindo, em que todos devem produzir e consumir para que o mercado tenha capital em giro. Todas estas circunstâncias, fazem com que o papel da mulher transforme-se profundamente, o que influencia no meio familiar . Ela que antes era a "rainha do lugar", agora deve também contribuir para o sustento de seus filhos, lança-se no mercado a fim de conseguir um emprego e reconhecimento profissional, aprimora-se nos estudos, qualifica-se para enfrentar a concorrência, assume papéis antes exercido exclusivamente por homens, conquista seu espaço, na maioria das legislações, alcança os mesmos direitos deles, exerce a função de mãe, educadora, esposa, trabalhadora, enfim, assume jornada tripla, para conseguir ser tantas mulheres numa só.
Pais e filhos não vivem juntos tanto quanto antes, as crianças passam mais tempo na escola, fora do lar, pois seus pais necessitam trabalhar cada vez mais, já que a sociedade exige que eles proporcionem mais e mais "conforto material aos filhos", distanciando membros de um mesmo seio familiar pela falta de convivência. Esta pressão econômica, unida ao desgaste das religiões tradicionais e aos conflitos sociais gerados pela nova posição social dos cônjuges, fazem aumentar o número de divórcios, e as uniões sem casamento passam a ser regularmente aceitas pela sociedade e legislação. Há toda uma mudança na estrutura familiar, hoje a família, não mais é aquela formada por pai, mãe e filhos, está ela conduzida por um único membro, o pai ou a mãe, já que estes não mais vivem juntos ou ainda, muitas vezes nem chegam a contrair núpcias. É comum que estes cônjuges separados, formem novas famílias ou tenham os outros filhos, formando uma gama de pessoas com pais diferentes, causando nessas crianças falta de senso familiar, muitas vezes mal conhecem seus "meios-irmãos", são pessoas de "mesmo sangue" com mundos totalmente diferentes.
Assevera ainda, nobre jurista, sobre os vários fenômenos sociais que influenciaram na mudança da estrutura familiar:
O controle e o descontrole de natalidade são facetas do mesmo fenômeno. Quanto mais sofisticada a sociedade, maior o controle da natalidade. Com isso, agravam-se os problemas sociais decorrentes do mesmo fenômeno, aumentando a miséria das nações pobres e dificultando, com a retração populacional, a sustentação do Estado e da família nas nações desenvolvidas. Por isso, as emigrações étnicas para os países desenvolvidos criam novas células familiares, com novos valores, com dificuldade de assimilação para as primeiras gerações nas novas terras. Casais homoafetivos vão paulatinamente obtendo reconhecimento judicial e legislativo. Em poucas décadas, portanto, os paradigmas de direito de família são diametralmente modificados. O princípio da indissolubilidade do vínculo do casamento e a ausência de proteção jurídica aos filhos naturais, por exemplo, direito positivo em nosso ordenamento até muito recentemente, pertencem definitivamente as passado e à História do Direito do nosso país.
Pode-se então concluir, que a concepção de família sofreu várias modificações no passar dos anos, em toda a história mundial, pois a sociedade, a humanidade transforma seus costumes em decorrência dos valores morais, éticos, culturais e religiosos, fazendo com que haja um abandono dos antigos conceitos e princípios, em contrapartida, aconteceu a adoção de novas formas de comportamento e pensamento, existentes nas relações interpessoais humanas.
1.3- A família e a Constituição Federal Brasileira de 1988.
A moderna concepção do conceito de família, sem sombra de dúvidas, deixou de lado o paradigma da família patriarcal, de caráter predominantemente procracional, religioso e econômico, e a partir de então, valoriza o aspecto da afetividade, solidariedade, da cooperação entre seus membros e da valoração da pessoa humana.
Antes da Constituição de 1988, a única entidade familiar admitida era o casamento, regulado pelo Código Civil de 1916. Conforme comenta ilustre jurista:
No âmbito constitucional, as entidades familiares só passaram a receber explícita tutela do Estado a partir da Constituição de 1934, que destinou todo um capítulo à família. Em seu art. 144, afirmava que "a família constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado". Nesta ocasião, o legislador não se interessou em apresentar um conceito substancial do que seria a família. Limitou-se a especificar o ato pela qual ela se constituía e que o ato jurídico era indissolúvel. Observa-se que somente a família legítima, constituída pelo casamento, estava protegida pelo Estado.
A família foi então, reconhecida como base da sociedade, e o Estado iria garantir sua proteção. Outras entidades familiares, a não ser aquelas baseadas no matrimônio foram reconhecidas, dividindo-se em explicitamente e implicitamente previstas na Constituição Federal, dentre as primeiras estão o casamento, a união estável e a família monoparental; e dentre as segundas estão o concubinato adulterino, união de pessoas do mesmo sexo e a entidade familiar unipessoal.
Existe tamanha controvérsia entre doutrinadores civilistas acerca da interpretação do art. 226 da Constituição Federal, que estabelece:
Art. 226 - A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
§ 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
§ 6º - O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.
§ 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
§ 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
Há quem diga que apenas as entidades explicitamente previstas são protegidas pelo Estado, em contrapartida, uma outra gama de estudiosos, argumentam que o referido artigo possue um rol exemplificativo de entidades familiares, as quais o legislador não teve a intenção de excluí-las, já que nossa Constituição funda-se num Estado Democrático de Direito, galgado nos princípio de igualdade , liberdade, valoração da pessoa humana, defensor do pluralismo de idéias, culturas e etnias, buscando sempre atingir a justiça social. Como ensina José Afonso da Silva:
O Estado de Direito, na atualidade, deixou de ser formal, neutro e individualista, apara transformar-se em Estado material de Direito, enquanto adota uma dogmática e pretende realizar a justiça social. Transforma-se em Estado Social de Direito, onde o "qualitativo social refere-se à correção do individualismo clássico liberal pela afirmação dos chamados direitos sociais e realização de objetivos de justiça social.
O que não admitiria de forma alguma, uma interpretação restritiva e preconceituosa do supra citado artigo presente na Carta Magna.
1.4- Princípios Constitucionais
A Constituição Federal de 1988, traz ensejada em si uma gama de princípios, definidores de direitos e garantias fundamentais, acumulando a função dantes vista penas como mero alicerce integrativo/interpretativo do direito infraconstitucional, desprovidos de força normativa e passaram a ser enxergados como ponto de referência, no qual assenta-se todo o ordenamento jurídico brasileiro, que se adere a estes princípios, considerados fonte primeira e última das Leis, soberanos e definidores destas, imprescindíveis para a satisfação do bem comum, ao ideal de justiça e equidade social, fazendo com que as regras e normas jurídicas tornem-se limitadas quando não interpretadas e aplicadas à luz destes princípios.
O princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1º da CF/88, constitui como cláusula pétrea na Constituição Federal, pois a dignidade é valor supremo do ser enquanto pessoa, encontra-se presente em tudo que guarde relação com sua essência, o acompanhando até sua morte. Possui íntima ligação com os direitos fundamentais, surgindo a premissa derivado do pensamento de Imnauel Kant, de que o Estado existe em função de todas as pessoas e não esta em função do Estado. Esta presente no direito de família, onde possibilita ao indivíduo que vive num núcleo de afeto, identificar -se como ser carecedor de
respeito, amor, carinho e proteção.
Todos os outros princípios existentes no direito de família, deriva do princípio da dignidade da pessoa humana, contemporaneamente, têm-se buscado demonstrar uma visão pluralista que vêm demonstrar os diversos arranjos familiares, onde Maria Berenice Dias, ensina:
(..) a busca da identificação do elemento que permita enlaçar no conceito de entidade familiar todos os relacionamentos que têm origem em um elo de afetividade, independentemente de sua conformação. O desafio dos dias de hoje é achar o toque identificador das estruturas interpessoais que permita nominá-las como família. Esse referencial só pode ser identificado na afetividade. É o envolvimento emocional que leva a subtrair um relacionamento do âmbito do direito obrigacional ? cujo núcleo é a vontade ? para inseri-lo no direito das famílias, que tem como elemento estruturante o sentimento do amor que funde as almas e confunde patrimônios, gera responsabilidades e compromissos mútuos, Esse é o divisor entre o direito obrigacional e o familiar: os negócios têm por substrato exclusivamente a vontade, enquanto o traço diferenciador do direito da família é o afeto. A família é um grupo social fundado essencialmente nos laços de afetividade após o desaparecimento da família patriarcal, que desempenhava funções procriativas, econômicas, religiosas e políticas. (grifo do autor)
Não só o direito de família, como todos os ramos de direito, visualizam neste princípio, um valor constitucional supremo, fundante do Estado Democrático de Direito, consubstanciante do espaço de integridade moral do ser humano, independentemente de credo, raça, cor, origem ou status social. Apresenta-se como vetor determinante da atividade exegética constitucional, ombreando os demais princípios. Como assevera ilustre constitucionalista:
O conteúdo do vetor é amplo e pujante, envolvendo valores espirituais (liberdade de ser, pensar e criar etc.) e materiais (renda mínima, saúde, alimentação, lazer, moradia, educação etc.). Seu acatamento representa a vitória contra a intolerância, o preconceito, a exclusão social, a ignorância e a opressão. A dignidade da pessoa humana reflete, portanto, um conjunto de valores civilizatórios incorporados ao patrimônio do homem. Seu conteúdo jurídico interliga-se às liberdades públicas, em sentido amplo, abarcando aspectos individuais, coletivos, políticos e sociais do direito à vida, dos direitos educacionais, dos direitos culturais etc. Abarca uma variedade de bens, sem os quais o homem não subsistiria. A força jurídica do pórtico da dignidade começa a espargir efeitos dede o ventre materno, perdurando até a morte, sendo inata ao homem.
Dentre os primeiros princípios reconhecidos como direitos fundamentais, está o da liberdade e igualdade, estão eles intimamente ligados entre si, já que para haver liberdade deve também coexistir em igual proporção a igualdade, pois numa sociedade que falta a segunda, haverá dominação, subordinação e sujeição, o que não garantirá a presença da primeira.
O regime democrático abomina qualquer forma de discriminação, no direito de família, mais especificamente, a liberdade consagra os laços de solidariedade entre pais e filhos, é assegurado o direto de constituir uma relação conjugal, uma união hetero ou homossexual. Todos têm o direito de escolher a sua família e como será a melhor forma de convivência nesta. Há a liberdade de se escolher o regime de bens ao se contrair núpcias e até mudá-lo durante a vigência do casamento (art. 1.639, §2º do CC), existe também a liberdade de se extinguir e dissolver o casamento e união estável, assim como o direito de constituir nova família. No que tange aos direitos da criança e do adolescente, o princípio da liberdade também está presente, como o direito de liberdade de expressão e opinião, de participar da vida familiar e comunitária sem discriminação (art. 16, II e V do ECA- Estatuto da Criança e do Adolescente), outro forte exemplo, reside no direito que têm o adotado, desde os 12 anos de idade, concordar com a adoção (ECA 45§2º), como o filho de impugnar o reconhecimento levado a efeito enquanto era menor de idade (art.1614 do CC). Enfim, a liberdade deve estar presente no ordenamento jurídico de um país, para que então, os cidadãos possam ter a oportunidade de exercer outros direitos decorrentes deste preceito constitucional.
No que tange ao princípio da igualdade, nossa Carta Magna, preceitua a igualdade de tratamento pela lei, vedando discriminações absurdas e infundadas, diferenciações arbitrárias e tratamento que não condiz com a realidade de um povo, onde nobre jurista proclama que:
a regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a cada um, na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos se equivalessem.
Diante de magnífica passagem, proclamada por uns dos mais sábios presidentes da história brasileira, há que se convir que não basta que todos os cidadãos de um País recebam tratamento idêntico perante a lei, porque isto, por si só não alcançaria o preceito de Justiça Social, é necessário proteger certas finalidades reais, com eficácia transcendente, através de políticas e programas de ação estatal, o que não se têm alcançado apenas com a chamada "igualdade perante a lei", que demonstra-se como algo insuficiente para suprir as desigualdades existentes na realidade político-social de uma Nação, já que ela raramente atende as diferenças de sexo, cor, raça, situação econômica, profissão, de posição jurídica; visualiza de um mesmo modo as várias ocorrências de um mesmo fato, confere uma mesma ordem todos os indivíduos. As leis e normas, como um todo demandam compatibilidade com os valores supremos proclamados na Constituição, valores estes que são sempre lineados pelos direitos fundamentais.
Nobre constitucionalista ao argumentar sobre a igualdade, estabelece a seguinte lição:
O princípio da igualdade consagrado pela constituição opera em dois planos distintos. De uma parte, frente ao legislador ou ao próprio executivo, na edição respectivamente, de leis, atos normativos e medidas provisórias, impedindo que possam criar tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que encontram-se em situações idênticas. Em outro plano, na obrigatoriedade ao intérprete, basicamente, a autoridade pública, de aplicar a lei e atos normativos de maneira igualitária, sem estabelecimento de diferenciações em razão de sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, raça, classe social.
E ainda:
A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. Para que as diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias, torna-se indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se em relação à finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar presente por isso uma razoável relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos.
Enfim, o princípio da igualdade pauta-se na repudia de condutas discriminatórias, preconceituosas e racistas, buscando sempre aquilo que realmente alcance os objetivos do Estado Democrático de Direito, galgados nos ideais de justiça e fraternidade indispensáveis em todas as relações sociais, tornam-se então, princípios fundantes de qualquer ordenamento jurídico que preze pela defesa da dignidade humana.
Outro princípio presente nas relações familiares é o da solidariedade, que consiste naquilo em que cada um deve ao outro, galgado em um conteúdo ético, compreendendo a fraternidade e a reciprocidade entre os membros de uma família, consequentemente gerando deveres entre eles, o que tira do estado toda a responsabilidade de prover todos os direitos constitucionalmente assegurados ao cidadão. É o que acontece quando se fala de crianças e adolescentes, onde o dever de solidariedade é atribuído primeiramente à família, depois à sociedade e finalmente ao Estado (art. 227 do CF/88), onde o dever de garantir com absoluta prioridade os direitos inerentes aos cidadãos em formação. Outras são os exemplos da presença do princípio da solidariedade em nosso ordenamento jurídico, como o dever imposto aos pais de assistência aos filhos (art. 229 da CF/88), o amparo às pessoas idosas (art. 230 da CF/88), a plena comunhão de vidas estabelecida pelo casamento (art. 1.511 do CC) e o dever de alimentos onde os integrantes de uma entidade familiar, são ao mesmo tempo credores e devedores uns aos outros de alimento.
Finalmente, toda a hermenêutica presente no Direito de Família, deve ter como fim e ponto de partida o princípio da afetividade, que tem as lições de Paulo Lôbo onde pode ser definido como:
A afetividade, como princípio jurídico, não se confunde com o afeto, como fato psicológico ou anímico, porquanto pode ser presumida quando este faltar na realidade das relações. Assim, a afetividade é um dever imposto aos pais em relação aos filhos e destes em relação àqueles, ainda que haja desamor ou desafeição entre eles. Por isso, sem qualquer contradição, podemos referir a dever jurídico de afetividade oponível a pais e filhos e aos parentes entre si, em caráter permanente, independentemente dos sentimentos que nutram entre si, e aos cônjuges e companheiros enquanto perdurar a convivência .
O afeto não está vinculado a fatores biológicos, deriva do sentimento de solidariedade, amor e carinho existentes provenientes da convivência familiar, têm também um caráter externo existente entre as famílias de todas as sociedades, onde a origem de todos os seres sempre foi e estará na família. Há a preponderância clara do valor afetivo sobre o patrimonial, que aqui sequer têm algum valor.
O Estado impõe para si obrigação para com seus cidadãos, ao elencar um rol de direitos fundamentais, individuais e sociais, como forma de garantir a dignidade humana. Portanto nossa Constituição apesar de não citar em seu texto a palavra afeto, traz intrínseca o valor do princípio da afetividade quando estabelece a igualdade de direitos entre irmãos adotivos e biológicos (art. 227 § 6º da CF/88); a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo os adotivos, com a mesma dignidade da família (art. 226 § 4º da CF/88); o direito à convivência familiar como prioridade da criança e do adolescente (art. 227 da CF/88). A família transformam-se na medida em que se acentuam as relações de afetividade, surgem então, novos modelos de família de forma mais igualitária nas relações de sexo e idade, mais flexíveis a vontade de seus membros, menos sujeita às regras antes existentes exclusivamente no modelo único de matrimônio, passando-se sim a valorizar o sentimento daqueles que compõe "a entidade familiar".
Desta maneira, a Constituição ressalta a importância da família enquanto educadora, formadora de preceitos morais, éticos, sociais e intelectuais de um indivíduo. É ela a base do Estado e por isso, merece infinda atenção às suas necessidades tanto no que se refere ao aspecto jurídico quanto ao social, no que tange aos seus membros, às suas aspirações e modificações ao longo da história da existência humana.


CAPÍTULO II
A FAMÍLIA E OS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
2.1 ? A Família enquanto educadora de Crianças e Adolescentes.
A família apresenta-se como princípio e fim da sociedade humana, é ela o primeiro agente socializador de crianças e adolescentes, onde encontram a primeira escola das virtudes sociais, transmitente de preceitos éticos e morais, responsáveis pelos primeiros passos da vida em sociedade. Importante é a abordagem acerca da família, que estabelece:
A primeira e fundamental estrutura a favor da "ecologia humana"é a família, no seio da qual o homem recebe as primeiras e determinantes noções acerca da verdade e do bem, aprende o que significa amar e ser amado e, consequentemente, o que quer dizer, em concreto, ser uma pessoa. Pensa-se aqui na família fundada sobre o matrimônio, onde a doação recíproca de si mesmo, por parte do homem e da mulher, cria um ambiente vital onde a criança pode nascer e desenvolver as suas potencialidades, tornar-se consciente da sua dignidade e preparar-se para enfrentar o seu único e irrepetível destino. Muitas vezes dá-se o inverso; o homem é desencorajado de realizar as autênticas condições da geração humana, e aliciado a considerar a si próprio e à sua vida mais como um conjunto de sensações a ser experimentadas do que como uma obra a realizar.
E ainda:
Daqui nasce uma carência de liberdade que o leva a renunciar ao compromisso de se ligar estavelmente com outra pessoa e de gerar filhos, ou que o induz a considerar estes últimos como uma de tantas "coisas" que é possível ter ou não ter, segundo os próprios gostos, e que entram em concorrência com outras possibilidades. É necessário voltar a considerar a família como o santuário da vida. De fato, ela é sagrada: é o lugar onde a vida, dom de Deus, pode ser convenientemente acolhida e protegida contra os múltiplos ataques a que está exposta, e pode desenvolver-se segundo as exigências de um crescimento humano autêntico. Contra a denominada cultura da morte, a família constitui a sede da cultura da vida.
Têm esta mais antiga entidade social, a responsabilidade de vida, amor e carinho entre aqueles que dela participam, existe portanto, uma reciprocidade de assistência e ajuda sábia/solidária. A família possui influência direta na formação psicossocial, moral e ética de crianças e adolescentes, merecendo então toda a proteção do Estado, independentemente da forma de união utilizada para que nasça uma família, onde fim o único será de garantir que tenha ela realizada a missão de educadora e formadora de cidadãos detentores de direitos objetivos, subjetivos, inalienáveis e constitucionalmente protegidos.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), fora criado para regular os direitos das crianças e dos adolescentes, e também da família, já que em suas entrelinhas traz ele a teoria de ser ela a instituição socializadora primeira, como pode-se constatar nesta tese defendida:
Segundo Lane: "A introdução do homem na sociedade é realizada pela socialização, inicialmente a primária e, posteriormente a secundária. Na nossa sociedade, a socialização primária ocorre dentro da família, e os aspectos internalizados serão aqueles decorrentes da inserção da família dentro numa classe social, através da percepção que seus pais possuem do mundo, e do próprio caráter institucional da família..."
Os mecanismos de socialização são estruturalmente engendrados e definidos. O processo de socialização só pode ser tratado como um processo evolutivo da condição social da criança, considerando-se sua origem de classe.
Continua ainda:
Como a família é a primeira instituição socializadora da criança, é ela que desempenha o papel de organizadora primária de sociabilidade e da sexualidade, bem como dos laços de dependência emocional entre seus membros. Na dependência das características da família é que vão surgir determinadas características do adolescente, considerando-se estas não só no nível interno do adolescente, mas também no nível de seu relacionamento com o meio externo. E, as características da família estão em relação direta com sua situação de classe: "... os membros de diferentes classes sociais têm diferentes condições de vida, percebendo o mundo diferentemente, desenvolvendo diferentes concepções de realidade..."
Ao falar de família enquanto educadora, é de suma importância basear-se nas lições dos grandes filósofos que buscavam entender o homem e sua natureza, tentando entender sua finalidade no meio social, acreditando que só poderiam ser felizes à medida que se tornassem morais e sábios, e a educação seria o meio utilizado para se alcançar tal finalidade. Na filosofia antiga já se afirmava que o homem é bom por natureza, nascem inocentes, justos, tendo a consciência ética e moral gravada em seus puros corações, mas a sociedade que os corrompe. Já, Kant não visualiza esta bondade inata dos homens, eles apenas nascem com uma predisposição ao bem, infelizmente, existe o fato de naturalmente serem egoístas, maus, corruptos, necessitando pois, de uma consciência moral para aperfeiçoar -se, para serem então, seres sociáveis, alcançada através da razão . Diante dos ensinamentos apontados pela filosofia jurídica, ressalta-se sobre a questão do dever moral do indivíduo em confronto com a sua liberdade, onde pode-se visualizar que a liberdade e o dever moral são conceitos inseparáveis, portanto, um homem somente é livre quando age moralmente. Ilustre é esta passagem:
Para eles, a lei moral não deve ser determinada e imposta por alguma força externa às pessoas, a exemplo de religião ou Deus. Como Rousseau, Kant acredita haver uma exigência da existência de Deus, um ser supremo criador do mundo e suas leis, afirmando a imortalidade da alma como garantia da ordem moral para que tanto os bons quanto os maus possam ser recompensados. Nessa analogia entre suas concepções filosóficas, cabe ressaltar também que uma das provas da existência de Deus defendida por Kant de que a sua existência é necessária para a realização do sumo bem, sendo, assim, o criador da natureza, mediante o intelecto e a vontade, encontra no Livro IV do Emílio de Rousseau uma grande fonte de inspiração.
E ainda:
Em Sobre a Pedagogia pode-se encontrar várias situações que retomam as recomendações contidas no Emílio de Rousseau, a exemplo do desenvolvimento das potencialidades naturais da criança e seu afastamento dos males sociais: "Não se dê atenção aos gritos das crianças e não se condescenda com elas, quando querem obter alguma coisa por esse procedimento; mas, se pedem cordialmente, deve-se dar a elas o que é útil" (Kant, 2006, p.50). Uma outra marca da pedagogia rousseauniana é a valorização da infância por si mesma, situada no contexto de relação entre a natureza e a sociedade. No Emílio o filósofo nos apresenta o cidadão ideal e os meios de treinar a criança para o Estado de acordo com a natureza, inclusive para um sentido de Deus, afirmando que: Conhecer o bem e o mal, sentir as razões dos deveres do homem não é da alçada de uma criança. A natureza quer que as crianças sejam crianças antes de ser homens. Se quisermos perturbara essa ordem, produziremos frutos precoces, que não terão maturação nem sabor e não tardarão em corromper-se; teremos jovens doutores e crianças velhas (Rousseau, 1992, p. 75).
Toda a filosofia prática de Kant, tem como base a razão moral, que demonstra-se, como sendo a capacidade do homem de agir racionalmente, tendo como fundamento principal, um princípio segundo o qual uma pessoa deve agir de tal forma que exista a possibilidade de sua ação valer como lei universal, não devendo obedecer à lei somente por medo de ser punido ou sofrer alguma forma de desaprovação de outras pessoas, mas sim, por ter a consciência de ser um sujeito ético e moral, que não poderia comportar-se/agir de outra forma, pois nem sempre, o respeito pelo dever consiste em agir moralmente, constituindo-se como um mero cumprimento à lei, algo exterior à sua consciência, como exemplo, uma criança que obedece a seus pais apenas por medo. Para se tornar, então moral e sábio, é necessário que o homem seja educado. Ressalte-se:
(...) a felicidade aqui deve ser entendida como um máximo de bem estar no nosso estado presente e em toda a nossa condição futura. Contudo, Kant discorda que a felicidade seja associada à satisfação de todos os nossos desejos e inclinações, pois a vida moral torna-nos dignos de ser felizes, mas não constitui a felicidade em si, sendo felicidade e bondade coisas bem distintas. Todo o ser humano tem o desejo da felicidade, porém não deve sobrepor esse desejo ao cumprimento do dever, de forma que se o dever fosse subordinado à felicidade, a atitude moral estaria transformando-se num ato interesseiro. Nem sempre o bem estar está relacionado ao bem fazer. Com efeito, uma pessoa moral é aquela que faz uso continuado da boa vontade para dar prioridade ao sumo bem.
Proclama ainda:
(...) A moral kantiana entende que não basta ser virtuoso para alcançar a felicidade nem tão pouco basta procurar a felicidade para se ser virtuoso. A prática da virtude gera um contentamento de si, que se assemelha à felicidade e que é muito superior àquilo que sentimos quando nos limitamos a ser escravos das nossas inclinações e das nossas paixões, que podem dar-nos um prazer momentâneo, mas deixam, muitas vezes, um vazio ainda maior do que aquele que se julgou preencher. Essencialmente, a lei moral tende a afastar o homem dos seus instintos e das suas inclinações naturais. O verdadeiro bem consiste então na união da virtude e da felicidade, mas é sempre a virtude que constitui o elemento principal. Para se ser digno da felicidade é necessário ser-se virtuoso e a virtude baseia-se na autonomia da razão. Terá de ser, portanto, desinteressada e não pode depender de nenhuma autoridade externa, tão pouco se condicionada pelo medo ou pelo interesse.
A educação distingue o homem dos demais seres, que utiliza-se de sua razão e liberdade. Deve ele ser educado de forma global, levando-o à socialização, já que educar significa civilizar, libertar da ignorância primária que todos estão inseridos, para que possa construir sua história e destino. É neste momento, que a família deverá exercer seu papel principal, que é a de primeira entidade educadora, que irá moldá-lo para que possa alcançar suas diferentes potencialidades. Kant estabelece vários estágios da educação, aqui o que interessa, é o seguinte:
O cuidado consiste no primeiro estágio da educação, abrangendo o primeiro estágio da vida humana. A maior parte dos animais requer nutrição, mas não necessita de cuidados que implica em não deixar que faça uso nocivo de suas forças. Mas o homem, no entanto, precisa de ambos. Aqui Kant refere-se ao cuidado que os pais devem ter com os filhos para que estes não venham a fazer qualquer uso prejudicial de suas forças. Ele descreve a maneira correta de lidar com os bebês incluindo a alimentação, a forma de vestir e até de ninar a criança. Já o segundo estágio da educação é a disciplina ou treinamento, que vai transformar a animalidade em humanidade. Não que se vá extinguir a animalidade natural do ser humano, mas disciplinar significa aqui evitar que a animalidade venha causar danos à humanidade. (grifo do autor).
E ainda:
O autor chama à atenção para que a disciplina não seja entendida como uma forma de tornar as crianças escravas, mas sim faça com que elas se sintam livres, porém com a noção de que sua liberdade não deve ultrapassar à dos outros. (...) Por fim, o autor trata da moralização. Na verdade, para Kant todas as etapas da educação visam basicamente à moralização, que implica na formação de caráter. E caráter na perspectiva kantiana implica na aptidão que o ser humano possui de agir em consonância com máximas que inicialmente são estabelecidas na família e na escola e em seguida na sociedade. Isso porque Kant (2006, p. 77), acredita na educação moral como pressuposto da confiabilidade entre as relações que os indivíduos da mesma espécie mantêm entre si, onde "os homens que não se pospuseram certas regras não podem inspirar confiança; não se sabe como se comportar com eles". Entretanto, para que o homem tenha essa inclinação para agir de acordo com máximas, é necessário que desde cedo a criança seja incentivada a obedecer leis, estabelecendo-se a princípio horários para brincar, trabalhar, dormir, estudar, etc. De maneira que as determinações apresentadas à criança, jamais sejam revogadas
Todo indivíduo a priori, tende à animalidade, por isso, o papel de educadores de crianças e adolescentes, que na grande maioria é exercido pelos pais, será de substituir esta agressividade pelo amor, carinho, senso de justiça, transformando-os em "seres humanizados" moral e socialmente.
2.2- A criança enquanto detentora de direitos
O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA - (Lei nº. 8.069 de 13 de julho de
1990) fora criado segundo os preceitos legais da Constituição Federal de 1988, e traz em seu primeiro a seguinte redação: "Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente"; situação que rompeu de uma vez por todas com a doutrina da situação irregular, disposta no Código de Menores (Lei 6.697 de 10 de outubro de 1979), substituindo-a pela doutrina da "proteção integral", que reconhece direitos especiais e específicos às crianças e adolescentes, por serem pessoas em desenvolvimento.
Esse direitos devem ser universalmente reconhecidos, pois a questão da criança é prioridade absoluta, que apresenta-se como dever principal da família, da sociedade e do Estado. Desta forma, as leis internas e o ordenamento jurídico nacional devem garantir a satisfação de todas as necessidades das pessoas com até 18 anos, não incluindo apenas o aspecto penal do ato praticado pela ou contra a criança, mas o seu direito à vida, educação, saúde, liberdade, lazer, profissionalização e tantos outros, respeitando sempre os ideais de justiça, solidariedade e amor, que de forma alguma poderão ser deixados de lado em uma sociedade que deve sim valorizar seus pequeninos, para que então, seja formada por cidadãos capazes de superar discriminações, violência e exploração da pessoa humana.
A dignidade da pessoa humana mais uma vez faz jus à sua importância, já que está presente em todos os ramos do direito e não podia estar fora daqueles que protegem quem mais precisa, de quem ainda não têm capacidade e discernimento mental, físico e psicológico de prover por si só seu destino e história. A situação delicada das crianças e adolescentes exigem direitos especiais, por serem pessoas mais que especiais, merecedoras de atenção incondicional e proteção integral.
Antes de especificar os direitos das crianças e adolescentes, é necessário que se defina a diferença entre eles, para isso o art. 2º. do ECA, estabelece:
Art. 2º. Considera-se criança, para os efeitos desta lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos,a e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.
Parágrafo único: Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade.
Portanto, criança é menor entre 0 e 12 anos e adolescente, o menor entre 12 e 18 anos. Quanto ao disposto no parágrafo único do referido artigo, relaciona-se exclusivamente à maioridade civil, já que na época de entrada em vigência do ECA, ainda estava vigente o Código Civil de 1916, que previa que somente aos vinte e um anos completos cessava a menoridade, ficando apto à prática dos atos da vida civil, mas com o advento do Código Civil de 2002, que em seu art. 5º, caput, alterou a maioridade civil, diminuindo-a para dezoito anos, ocorreu então uma revogação tácita da norma contida no parágrafo único do artigo supra citado do ECA, deixando de existir hipótese de aplicação desta lei às pessoas entre os 18 e 21 anos. Por fim, a questão da maioridade trabalhada, será resolvida quando o adolescente completar 18 anos, cessando aí também o poder exercido quando se detêm a guarda ou tutela do menor ou por outras medidas como emancipação, casamento e várias outras hipóteses descritas ao longo do Código Civil vigente.
Ao tratar dos direitos específicos das crianças e adolescentes, a Carta Magna vigente, traz de forma clara aquilo que deve ser protegido e que sem sombras de dúvidas precisa ser respeitado e praticado por todos os cidadãos, e que serve de arrimo para as demais normas e lições jurídicas e sociais dispostas no ECA, ao proclamar em seu art. 227 o seguinte:
"Art. 227 ? CF/88: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão."
Mais uma vez, a família aparece como instituição primeiramente citada como responsável por prover os direitos de suas crianças e adolescentes, para que posteriormente sejam exercidos pela sociedade e pelo Estado. Galgado nestas lições, o ECA dispõe em seus arts. 3º e 4º, enseja as seguintes redações:
Art. 3º. A criança e adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.
Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, è profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos e ou de relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e a juventude.
Nota-se verdadeira revolução quando do estabelecimento destes artigos, já que uma parte da população até então esquecida, é colocada em primeiro plano na ordem de prioridades exercidas pelo Estado. As crianças e adolescentes figuram como cidadãos detentores de direitos fundamentais, inerentes à pessoa humana, que são os chamado direitos de personalidade, onde inclui-se a vida, a liberdade física e intelectual, a imagem, o nome, o corpo, a honra e principalmente a dignidade, vislumbrado enquanto direito próprio e ao que se refere ao tratamento que todos esperam uns dos outros. Estes direitos são irrenunciáveis, inalienáveis, intransmissíveis e imprescritíveis, sendo portanto soberanos aos demais.
Existe plena compatibilidade entre a titularidade dos direitos fundamentais e a proteção integral, onde esta, deve ser entendida como um conjunto de direitos próprios apenas dos cidadãos imaturos, que merecem que os adultos façam coisas e tomem atitudes em favor deles, dando-lhes a oportunidade para que tenham pleno desenvolvimento mental, físico e psicológico, em condições de liberdade e dignidade, que são os bens mais preciosos de toda pessoa humana, impondo à todos os cidadãos, o dever de eliminação de qualquer obstáculo ao gozo destes direitos. Em suma, os menores são sujeitos de direitos plenos, tendo inclusive mais direitos que os outros cidadãos, por tratar-se de uma classe especial de pessoas humanas, ainda em formação, carecedoras de atenção redobrada, necessitantes da proteção de pessoas mais experientes, capazes de transmitir-lhes os vários tipos de conhecimentos, que são os pais ou responsáveis, toda a sociedade, inclusive os operadores do Direito e o Estado.
O segundo artigo supra citado, traz à tona a inspiração de caráter humanista da CF/1988, fazendo referência aos cuidados especiais a que tem direito as crianças, evidenciando a exigência de absoluta igualdade de tratamento para todas as crianças, sem privilégios e discriminações, no aplica tanto ao oferecimento de garantias quanto de deveres, onde há a imposição de medias disciplinares e algumas restrições. Traz este artigo, a responsabilidade inerente a cada grupo social, onde a família figura-se como a primeira instituição apta a garantir esta proteção, pois conhece as necessidades e deficiências de suas
crianças e adolescentes, tendo então atribuída a si responsabilidade.
Conforme ilustre jurista, a família é juridicamente responsável perante a criança e o adolescente, assim como à sociedade. Se for ela falha no cumprimento de seus deveres ou agir de modo não condizente com o esperado, poderá causar graves prejuízos aos seus pequeninos, bem como a todos que de uma forma ou outra se beneficiariam do seu bom comportamento e que poderão sofrer os males de um eventual desajuste psicológico e social. Esclarece ainda o nobre doutrinador, que também é atribuída responsabilidade ao Estado no que relaciona-se à criança e ao adolescente, onde este deve cuidar da saúde e assistência pública, proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência, que atribui competência comum tanto à União, aos Estados e os Municípios para combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização dos menores, promovendo a integração social dos setores mais desfavorecidos, sendo todos estes setores, inclusive a comunidade e a sociedade, responsáveis pela providência dos direitos dos menores e a realização da solidariedade humana.
Os menores têm ainda, direito à primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias, como em uma situação de perigo, por exemplo, uma calamidade ou acidente público, terão eles que serem atendidos primeiro. Desfrutam também de direito de prioridade, no atendimento de serviços públicos ou de relevância pública, que tem como fundamento o fato de serem elas menos resistentes em relação aos adultos, quando trata-se de saúde por exemplo. Enfim, a criança e o adolescente, detêm de necessidades específicas que demandam tratamento prioritário especial, por isso toda a legislação constitucional e infraconstitucional preveem esta proteção.
2.2.1 ? Dos Direitos Fundamentais.
O ECA dedica um capítulo inteiro para tratar sobre os direitos fundamentais, dentre eles, está o direito à vida e à saúde, disposto no art. 7º e seguintes, que estabelece: " A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, com condições dignas de existência". Estes direitos destacam-se, devido a tamanha importância que possuem, a vida em especial, apresenta-se como o bem mais valioso de um ser humano, sendo que os demais virão por acréscimo a ela. Ademais, não há como se falar em vida sem remeter-se à saúde, sendo portanto direitos inerentes entre si. Ilustre é a passagem de ilustre doutrinador que estabelece:
(...) o direito à vida reflete hoje a mais importante das reivindicações do ser humano através dos padrões do comportamento defensivo, quais sejam: o biológico, quando o ser bate-se pela sobrevivência e procura a satisfação de suas necessidades orgânicas; e o psicossocial, quando busca a coesão interna e sua própria valorização.
Por estarem em fase de desenvolvimentos os menores, merecem proteção especial de todas as instituições sociais, que devem criar condições e programas específicos que permitam seu nascimento e desenvolvimento de forma sadia e harmoniosa, alcançados por exemplo, através de políticas sociais, que são mecanismos executados pelo Estado, com o intuito de reduzir ou acabar com a fome, a pobreza e a injustiça e desigualdade econômica e social.
O respeito que deve-se dar à manutenção da vida constitui-se como a base maior de toda a formação física e emocional da criança. Por isso, é importante ressaltar que para garantir a efetiva realização desse direito, também são asseguradas condições dignas de atendimento à saúde da gestante e à parturiente, com o acompanhamento de profissional competente e através do Sistema Único de Saúde; é previsto também o acompanhamento dos pais ou responsáveis dos menores quando estes estão internados em um leito de hospital conforme disposto no capítulo dedicado ao direito à vida e saúde do ECA e nos arts. 201, II, 203, I, 208, VII, e 227 § 1º ambos da CF, que são dispositivos de lei que buscam a premissa de que além da Ciência médica, o amor desempenha importante papel terapêutico na recuperação da enfermidade da criança.
Ainda dentre os direitos fundamentais da criança e do adolescente, estão a liberdade, respeito e dignidade, assegurados pela Constituição e pelo Estatuto, em seus artigos 15 à 18 que disciplinam:
Art. 15 ? A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e a dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeito de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.
Art. 16 ? O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos:
I- ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais;
II- opinião e expressão;
III- crença e culto religioso;
IV- brincar, praticar esportes e divertir-se;
V- participar da vida familiar comunitária, sem discriminação;
VI- participar da vida política, na forma da lei;
VII- buscar refúgio, auxílio e orientação.
Art. 17 ? O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.
Art. 18 ? É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. (grifo próprio).
Esses direitos são valores intrínsecos que asseguram as condições de desenvolvimento da personalidade dos menores, sem os quais não haveria sua evolução psicossocial e moral adequada. São também inerentes ao Estado Democrático de Direito, que objetiva construir uma sociedade livre, justa e igualitária. Por isso, são assegurados estes direitos, já que todo ser humano é um ser social, não se realiza fora da sociedade, nasce, cresce e vive num meio social, sendo necessárias que sejam passados estes preceitos de liberdade, igualdade e dignidade, para que tenham formada sua vocação pessoal baseada num senso de solidariedade, moral e ética. Alguma falha nesse processo de socialização gera efeitos patológicos, que geraram menores não sociais com tendência a delinquência e atipicidade, frustrando o presente e o futuro das próximas gerações.
Por fim, é importante ressaltar o direito à convivência familiar e comunitária, disciplinados nos artigos 19 a 24 do ECA, que estabelecem:
Art. 19 ? Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.
Art. 20 ? Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmo direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Art. 21 ? O pátrio poder será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.

E ainda
Art. 22- Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir as determinações judiciais.
Art. 23 ? A falta ou carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do pátrio poder.
Parágrafo único. Não existindo outro motivo que por si só autorize a decretação da medida, a criança ou o adolescente será mantido em sua família de origem, a qual deverá obrigatoriamente ser incluída e programas oficiais de auxílio.
Art. 24 ? A perda e a suspensão do pátrio poder serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previsto na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigação a que alude o art. 22.
O direito à convivência familiar figura ao lado dos outros direitos fundamentais, onde a família figura-se com o lugar natural de se efetivar a educação, onde o ser humano se sente protegido e de onde é lançado ao mundo, a falta de afeto e amor ofertado pela família gravará para sempre o futuro dos menores em potencial. Os pais são responsáveis pela formação, educação e proteção de seus filhos, devendo a criança viver em um ambiente saudável, rodeado de afeto e segurança moral e material. Será incumbida ao Estado, às autoridades públicas e à sociedade como um todo o papel de propiciar cuidados especiais às crianças sem família, colocando-os em novas famílias, através da adoção por exemplo, ou tomando medidas que melhorem o ambiente familiar contaminado por "algum vício".
Não é admitida qualquer forma de discriminação entre os filhos havidos fora ou dentro do casamento e filhos adotivos, premissa esta advinda da Constituição Federal, que têm como fundamento base o princípio da igualdade. A suspensão ou extinção do poder familiar recebem nova orientação, onde a pobreza não mais poderá ser fundamento de sua decretação, pois os filhos deverão permanecer, sempre que possível com seus pais. Existem ainda regras ao longo de todo o ECA sobre a adoção, com a finalidade de não serem cometidos erros neste procedimento, buscando sempre o melhor interesse do menor. Enfim, a criança necessita sim conviver com adultos que lhes transmitam lições de educação, justiça, conduta ética e moral, carecem de atenção, carinho e amor, e é a família a instituição primeira responsável por esta tarefa.


CAPÍTULO III
A CRIMINALIDADE DO MENOR
3.1 - Crime e ato infracional
3.1.1 ? Conceito de Crime
Inicialmente, cumpre ressaltar a diferença existente entre o conceito de crime e ato infracional, onde ambos são reprovados pela sociedade, cada qual de sua maneira e proporcionalidade.
Existem variadas concepções acerca do conceito de crime, dividindo-se em conceito material, formal e analítico, segundo posicionamento de ilustre doutrinador, que a primeiro plano o define: "Conceito material é a concepção da sociedade sobre o que pode e deve ser proibido, mediante a aplicação de sanção penal. É, pois, a conduta que ofende um bem juridicamente tutelado, merecedora de pena". Funcionando então, como instrumento que posteriormente será utilizado pelo legislador, que o transformará em lei, determinando aquilo que deve ou não punir. Já o conceito formal, remete-se à "concepção do direito acerca do delito, constituindo a conduta proibida por lei, sob ameaça de aplicação de pena, numa visão legislativa do fenômeno". É a materialização do tipo penal, já que a sociedade entende determinada conduta como criminosa, devendo a demanda ser levada ao Legislativo, através de meios naturais de pressão, formalizando então, o poder punitivo que deve ser exercido pelo Estado, respeitando-se o princípio da legalidade (ou reserva legal), para o qual não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem lei anterior que a comine.
Além dos conceitos material e formal, faz-se imperiosa a concepção do conceito analítico de crime, onde aqueles são insuficientes para que haja profunda análise acerca de seus elementos estruturais. Em suma, trata-se de uma conduta típica, antijurídica e culpável. Mas inicialmente, é de real importância valer-se dos ensinamentos de nobre jurista:
Para Carmignani, a ação delituosa compor-se-ia do concurso de uma força física e de uma força moral. Na força física estaria a ação executora do dano material do delito, e na força moral situar-se-ia a culpabilidade e o dano moral do delito.
Portanto, o conceito analítico de crime, trabalha com a ação ou omissão segundo um modelo legal de conduta proibida (tipicidade), contrária aos parâmetros do direito e de suas regras e normas (antijuridicidade), sujeita a um juízo de censura, reprovação (culpável), que tem como objeto de valoração a conduta humana, desde que estejam presentes imputabilidade, consciência de ilicitude e a possibilidade de agir conforme o direito. Acerca da assertiva acima exposta o ilustre doutrinador Guilherme de Souza Nucci, compartilha com o mesmo posicionamento, acreditando ser indispensável a presença destes três requisitos.
Vale ressaltar neste ponto, que a sociedade apresenta-se como princípio e fim da conceituação de crime, uma vez que este surge porque ela condena determinada conduta como "inaceitável" e "injusta", o que faz com que surjam normas e leis capazes de punir e reprimir aqueles que se comportam diferentemente do esperado, de maneira a beneficiar a ordem, a saúde social e o bem-estar da coletividade.
3.1.2 ? Menoridade
A legislação brasileira utiliza o critério biológico para definir a maioridade penal, onde a imputabilidade, por estrita presunção legal, inicia-se aos dezoito anos, ignorando de certa forma, o desenvolvimento mental do menor, considerando-o inimputável, sem levar em consideração se possui plena consciência e capacidade de entender a ilicitude do fato ou determinar seus atos segundo esse entendimento, que deve seguir parâmetros de comportamentos galgados em regras de direito.
Respeitável doutrinador comenta sobre este critério, ao estabelecer:
Razões de política criminal levaram o legislador brasileiro a optar pela presunção absoluta de inimputabilidade do menor de dezoito anos. Aliás, a Exposição de Motivos do Código Penal de 1940, que adotava essa orientação, justificava afirmando: "Os que preconizam a redução do limite, sob a justificativa da criminalidade crescente, que a cada dia recruta maior número de menores, não consideram a circunstância de que o menor, ser ainda incompleto, é naturalmente anti-social na medida em que não é socializado ou instruído. O reajustamento do processo de formação de caráter deve ser cometido à educação, não à pena criminal". Por isso, os menores de dezoito anos, autores de infrações penais, terão sua "responsabilidades" reguladas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que prevê as medidas adequadas à gravidade dos fatos e à idade do menor infrator (Lei n. 8.069/90).
Atualmente, no Brasil, discute-se a possibilidade/ necessidade de imputar a responsabilidade penal aos dezesseis anos, baseando-se em argumentos, como o fato de a Constituição de 1988, conferir a esse menor o direito ao voto (direito este, que apresenta-se como facultativo, pois permitir ao menor a escolha de votar ou não, inexistindo qualquer sanção quando o menor deixe de exercê-lo).
Várias posições existem em torno da discussão do aumento da maioridade penal, existindo quem a defenda, sob o argumento de que o menor de hoje, não é mais aquele menor do início do século, incapaz de ter o discernimento de seus atos, identificando-os como ilícitos ou não, podendo-se como ocorre em outros países, estabelecer uma nítida separação entre o local de cumprimento de pena para os maiores de 18 anos e para os menores de que forem considerados penalmente imputáveis, onde Guilherme de Souza Nucci, defende um critério misto, e não puramente cronológico, onde as sanções penais deveram ser executadas em estabelecimentos especiais, onde o tratamento ressocializador, efetivamente individualizado, fique sob a responsabilidade de técnicos especializados (psicólogos, assistentes sociais, psiquiatras, terapeutas, etc), possibilitando propiciar ao menor infrator a real ressocialização, educando-o e preparando-o para o mercado de trabalho. Acerca da assertiva acima exposta o ilustre doutrinador Cesar Roberto Bittencourt compartilha como o mesmo posicionamento, acreditando ser viável a ressocialização do menor infrator.
O problema reside no fato de que, a realidade do sistema repressivo penal brasileiro, encontra-se totalmente distante do ideal esperado para atingir aos fins ressocializadores que se destina, pois ainda falta espaço físico adequado para o cumprimento de penas, é insuficiente ou até inexiste profissionais capacitados nos estabelecimentos prisionais e centros de recuperação, enfim, não basta aumentar a maioridade na lei, sem que haja uma atitude no sentido de preparar estes lugares de forma adequada, exclusivos para menores.
Em outro sentido, existem aqueles, que de certa maneira ditos leigos no assunto, onde principalmente populares em geral, defendem que deve-se sim, aumentar a maioridade penal, como forma de inibir e punir os menores que comentam atos ilícitos, na tentativa de diminuir o índice de criminalidade, posição esta, escassa de argumentos cientificamente válidos, não merecendo grande atenção no mundo jurídico.
Em contrapartida, estão aqueles que entendem estar a legislação brasileira, principalmente o Estatuto da Criança e do Adolescente totalmente preparados para atender às necessidades advindas da ilicitude e antijuricidade presentes nos atos de menores infratores. Argumentam que a primeira distinção que impõe seja feita, é aquela existente entre inimputabilidade penal e não impunidade, onde a primeira constitui-se como causa de exclusão de responsabilidade penal, não significando, absolutamente, irresponsabilidade pessoal ou social; e a segunda advinda do clamor social em relação ao jovem infrator, menor de 18 anos, surge da equivocada sensação de que nada lhe acontece quando autor de infração penal, que tem como defensor João Batista Costa Saraiva, Juiz de Direito da Infância e da Juventude do Rio Grande do Sul, que argumenta:
A responsabilidade desses jovens, diferentemente do que se afirma, não os faz livres da ação da Lei. Ao contrário, ficam subordinados aos ditames da norma, que lhes imporá em caso de culpa ? apurada dentro do devido processo legal ? medidas sócios ? educativas compatíveis com sua condição de pessoa em desenvolvimento e o fato delituoso em que se envolveu... Não for pensado assim, amanhã estar-se-á questionando a redução da idade de imputabilidade penal para 12 anos, e depois para menos, quem sabe, até que qualquer dia não faltará quem justifique a punição de nascituros, especialmente se forem filhos de pobres.
É evidente, que o aumento da maioridade penal, não apresenta-se como melhor caminho para o combate à criminalidade, visto que na correta aplicação do ECA, encontra-se a real solução ao menor delinquente, visto que procura não apenas punir e encarcerar esses jovens, causando-lhes transtornos psicossociais irreversíveis, mas ensiná-los através de medidas alternativas o comportamento necessário condizente com os ditames legais e com o esperado por toda a sociedade.
3.1.3 ? Da prática de ato infracional
Mediante ao previsto no ECA, principalmente em seus arts. 103 e 104, por ter o adolescente discernimento ainda em desenvolvimento, portanto incompleto (situação que exclui a criança, visto que terá tratamento diferenciado, dado na forma do art. 101, do Estatuto, e nunca será sujeito ativo de ato infracional), valendo-se ressaltar, que o menor infrator, por definição legal, não comete crime e sim pratica ato infracional, conceituação que a priori em muito identifica-se ao crime, distinguindo-se pelo fato de não ser aplicada pena ao menor, sendo substituída pelo previsto no Estatuto que sanciona medidas sócio ? educativas eficazes, reconhece a possibilidade de privação provisória de liberdade ao delinquente infrator, não sentenciado (inclusive em aspectos mais abrangente e criteriosos que o Código de Processo Penal destina aos imputáveis na prisão preventiva) e oferece variadas alternativas de responsabilização, cuja mais grave impõe o instrumento sem atividades externas, prevista em capítulo dedicado especificamente para argumentar sobre os atos infracionais.
3.1.3.1 ? Dos direitos individuais
Aos adolescentes são assegurados direitos constitucionais gerais e específicos, quando estes venham a cometer atos infracionais, em simetria com o respeito devido à pessoa do jovem. Apesar de serem inimputáveis e não responderem por crime, não podendo portanto, ser processados, por ser-lhes aplicadas medidas sócio-educativas que os prive de liberdade, natural que lhes sejam estendidas as mesmas garantias aplicadas aos maiores de idade (imputáveis) que cometem crime, conforme disposto nos seguintes artigos:
Art. 106. Nenhum adolescente será privado de sua liberdade senão em flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente.
Parágrafo único. O adolescente tem direito à identificação dos responsáveis pela sua apreensão, devendo ser informado acerca de seus direitos.
Art. 107. A apreensão de qualquer adolescente e o local onde se encontra recolhido serão incontinenti comunicados à autoridade judiciária competente e à família do apreendido ou à pessoa por ele indicada.
Parágrafo único. Examinar-se-á, desde logo e sob pena de responsabilidade, a possibilidade de liberação imediata.
E ainda:
Art. 108. A internação, antes da sentença, pode ser determinada pelo prazo máximo de quarenta e cinco dias.
Parágrafo único. A decisão deverá ser fundamentada e basear-se em indícios suficientes de autoria e materialidade, demonstrada a necessidade imperiosa da medida.
Art. 109. O adolescente civilmente identificado não será submetido a identificação compulsória pelos órgãos policiais, de proteção e judiciais, salvo para efeito de confrontação, havendo dúvida fundada.
Estes dispositivos de lei tem base constitucional, uma vez que o inciso LXI do art. 5º da Carta Maior expressa que: "ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei". A autoridade competente a que se refere a lei é o Juiz da Infância e Juventude (Juiz de menores), que tem sua ordem expedida em documento que conste o amparo legal para a atitude judiciária, sob pena de invalidade. Estas garantias são asseguradas com o intuito de evitar abusos de autoridade, funcionando como um freio legal à violência injustificada por parte de policiais que devem agir como segurança da sociedade.
Terá o adolescente, direito à identificação dos responsáveis pelo sua apreensão, bem como deverá ser informado dos seus direitos, no ato da apreensão, assegurando-lhe a assistência da família e advogado, assim como de permanecer calado. Caso compareçam os pais ou responsável, deve o adolescente ser liberado imediatamente, com o compromisso de se apresentar no mesmo dia ou seguinte no Ministério Público local ou à autoridade judiciária.
O artigo que estabelece a internação, antes da sentença, no prazo máximo de quarenta e cindo dias, trata-se de internação provisória e que deve ser destinada aos atos infracionais de natureza grave, devendo ser a decisão que a determina fundamentada e basear-se em indícios suficientes de autoria e materialidade, demonstrada a necessidade imperiosa da medida. Em caso de ilegalidade, em defesa da liberdade do menor, poderá impetrar-se o habeas corpus, uma garantia constitucional, que poderá ser concedido sempre que alguém sofrer coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder, conforme preceituado no art. 5º, LVIII da CF/88.
No que tange à identificação civil, o ECA amparado pela Constituição Federal, ampara todo o adolescente que possuir qualquer documento que o identifique, como Carteira de Identidade ou certidão de nascimento, não sendo necessária a submissão à identificação criminal, como forma de se impedir algum ato que seja vexatório à sua dignidade, exceto quando haja a hipótese de dúvida fundada, como por exemplo, a suspeita de adulteração do documento que o identifique.
3.1.3.2 ? Das garantias processuais
Nossa Carta Magna, aos tratar sobre os direitos fundamentais, em seu art. 5º, LIV, estabelece: "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal". Da mesma maneira, aplica-se esta regra ao adolescente, que não poderá ser colocado em regime de semiliberdade ou internação sem que lhes seja utilizadas todas as garantias e possibilidades de defesa que atentem aos princípios do devido processo legal e ampla defesa, que constituem-se como verdadeiros "escudos" contra a arbitrariedade Estatal, conforme pode-se observar nos seguintes artigos:
Art. 110. Nenhum adolescente será privado de sua liberdade sem o devido processo legal.
Art. 111. São asseguradas ao adolescente, entre outras, as seguintes garantias:
I - pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, mediante citação ou meio equivalente;
II - igualdade na relação processual, podendo confrontar-se com vítimas e testemunhas e produzir todas as provas necessárias à sua defesa;
III - defesa técnica por advogado;
IV - assistência judiciária gratuita e integral aos necessitados, na forma da lei;
V - direito de ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente;
VI - direito de solicitar a presença de seus pais ou responsável em qualquer fase do procedimento.
A primeira garantia assegurada no artigo supra citado, o conhecimento da imputação penal é plenamente constitucional, já que ninguém poderá ser processado sem ter o conhecimento da imputação que lhe é feita. Nobre jurista esclarece:
(...) que através da citação se comunica ao réu que contra ele foi intentada ação penal e, ao mesmo tempo, é chamado a comparecer em juízo, em dia e hora previamente designados, com se vê pelo art. 394 e inc. VI do art. 352, todos do CPP (...).
A citação, neste caso, é corolário de outra garantia constitucional, que é a do contraditório, ou seja, o adolescente terá direito a defesa técnica por advogado (inc. III). Em outras palavras, o autor não pode mover a ação sem que o réu desta tenha notícia; nenhuma alegação se faz e nenhuma prova é produzida por qualquer dos litigantes sem que o adversário as conheça, porque "aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
Será também garantida a possibilidade de rebater, contradizer a acusação colocada, arrolando testemunhas, bem como por meio de outras provas, desfrutando de defesa técnica de advogado, inclusive por meio de assistência judiciária. Também lhe é assegurado o direito de ser ouvido pessoalmente pelo Magistrado, bem como de solicitar a presença de seus pais e responsáveis, garantias estas advindas do seu estado de menoridade.
3.2 ? Das medidas socioeducativas
As medidas socioeducativas, têm como finalidade a ressocialização e a necessária correção de adolescentes em conflito com a lei, inibindo-se a reincidência, onde são destinatários os menores entre 12 e 18 anos de idade que praticam atos infracionais. Segundo nobre doutrinador:
(...) Tem caráter impositivo, porque a medida é aplicada, independente da vontade do infrator ? com exceção daquelas aplicadas em se de remição, que têm finalidade transacional. Além de impositiva, as medidas sócio-educativas têm cunho sancionatório, porque, com sua ação ou omissão, o infrator quebrou a regra de convivência dirigida a todos. E, por fim, ela pode ser considerada uma medida de natureza retributiva, na medida em que é uma resposta do Estado à prática do ato infracional praticado.
É de suma importância, ressaltar-se a situação do adolescente que se situa na faixa etária de dezesseis e dezoito anos, envolvido com a criminalidade. Se neste momento tão crítico de sua vida, em que vive por si só, conflitos internos advindos da própria adolescência, e não for ele convencido a abandonar a prática de atos infracionais, ao praticar a primeira infração quando se tornar imputável, não mais desfrutará do tratamento recebido nas Unidade Educacionais, como os Centros de Reabilitação, onde era assistido como adolescente, e sofrerá as rigores da lei criminal e à triste realidade da condenação comum, consequentemente do sistema carcerário brasileiro, onde viverá no mesmo ambiente de criminosos dos mais diversos índices de periculosidade.
Na aplicação das medidas socioeducativas requer-se a atuação de profissionais altamente qualificados, tanto no sentido técnico-científico na área infanto-juvenil quanto no dever ético e moral inerentes a este tipo de profissão, que exigem grande sensibilidade e carinho aos seus "assistidos".
O Estatuto da Criança e do Adolescente, trata da aplicação das medidas sócio ? educativas nestes artigos e seguintes:

Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
I - advertência;
II - obrigação de reparar o dano;
III - prestação de serviços à comunidade;
IV - liberdade assistida;
V - inserção em regime de semi-liberdade;
VI - internação em estabelecimento educacional;
VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.
§ 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração.
§ 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado.
§ 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.
Continua ainda:
Art. 113. Aplica-se a este Capítulo o disposto nos arts. 99 e 100.
Art. 114. A imposição das medidas previstas nos incisos II a VI do art. 112 pressupõe a existência de provas suficientes da autoria e da materialidade da infração, ressalvada a hipótese de remissão, nos termos do art. 127.
Parágrafo único. A advertência poderá ser aplicada sempre que houver prova da materialidade e indícios suficientes da autoria.
Significa que realizado o ato infracional, inicia-se sindicância por meio de representação do Ministério Público. Uma vez, julgada procedente a sindicância ou representação, o juiz, na sentença fundamentada, determina a medida a ser aplicada ao adolescente, dentre as arroladas nos incisos I a VII do primeiro artigo supra citado. Situação em que, poderá ser aplicada uma delas, apenas, ou umas e outras cumuladas, onde existe a hipótese de aplicar a medida de advertência junto com a de prestação de serviços, em face do previsto no segundo artigo citado acima.
Prevê a lei ainda, a necessidade de prova de autoria e da materialidade no caso de aplicação de obrigação de reparar o dano, prestação de serviço, da liberdade assistida, do regime de semiliberdade e de internação. Sendo assim, não cabe, em tese, a aplicação da medida de internação no caso de ato infracional do art. 12 da lei nº 6.368/76, inexistindo o laudo de constatação da subsistência entorpecente. Em contrapartida, a medida de advertência admite a aplicação desde que haja indícios de autoria, ou seja, elementos que façam apenas supor (mundo hipotético) que o adolescente tenha cometido o ato infracional, o que dispensa sua real comprovação. É ainda importante lembrar, que a confissão isolada do adolescente apresenta-se como condição insuficiente para imposição de medida socioeducativa.
Em resumo, a aplicação da medida sócio-educativa, assemelha-se em muito com a aplicação do crime, onde ambos devem ser aplicados por autoridade competente, a primeira pelo Juiz da Infância e Juventude e a segunda pelo juiz responsável pela Vara Criminal; ambas exigem provas suficientes de autoria e materialidade do crime, devendo sempre garantir a quem contrarie à lei o direito ao contraditório e ampla defesa.
O art. 115 do ECA, traz a seguinte redação: " A advertência consistirá em admoestação verbal, que será reduzida a termo e assinada". Admoestar consiste no fato de ser feita a leitura do ato cometido pelo juiz, ao autor da infração, que se comprometerá a não mais vivenciar aquela situação, onde a medida será aplicada em audiência e consubstanciada em termo próprio, onde constarão as exigências e orientações que deverão ser cumpridas pelo adolescente, e receberá a assinatura do juiz, do adolescente e de seus pais ou responsáveis. Assim, esta medida, é recomendada aos adolescentes que não têm histórico criminal e para vias de fato ou aos atos infracionais considerados leves, quanto à sua consequência e natureza.
Além da advertência, o Estatuto traz ainda como uma das medidas revista a obrigação de reparação do dano, descrita do seguinte artigo:
Art. 116. Em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, a autoridade poderá determinar, se for o caso, que o adolescente restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano, ou, por outra forma, compense o prejuízo da vítima. Parágrafo único. Havendo manifesta impossibilidade, a medida poderá ser substituída por outra adequada.
A obrigação de se reparar o dano deve ser imposta em procedimento onde sejam assegurados ao adolescente os direitos constitucionais de ampla defesa, igualdade processual, presunção de inocência e assistência técnica especializada. Esta medida só poderá ser aplicada ao adolescente, visto que à criança terá seu foro na Justiça Comum.
Existem três hipóteses de satisfação da obrigação, quais sejam: a devolução da coisa, o ressarcimento do prejuízo ou a compensação do prejuízo por qualquer forma ou meio, nesta última, inexistindo patrimônio próprios ou dos pais ou responsáveis, o juiz decretará a substituição dessa medida por outra que se presta à satisfação aos prejuízos causados à vítima, ocasião que só será possível se o adolescente não for forçado a prática de tal ato, em conformidade ao texto do § 2º do art. 112 do ECA.
Seguindo ao estabelecido nos arts. 1.521, I e II do CC, que esclarece: "são responsáveis pela reparação civil: I ? os pais, pelos filhos menores que estiverem sob seu poder e em sua companhia; e II ? o tutor ou curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições" e art. 156 do mesmo diploma que estabelece: o menor, entre 16 e 21 anos, equipara-se ao maior quanto às obrigações resultante de atos ilícitos, em que for culpado , conclui-se que a medida de reparação tem aqui seu fundamento primeiro, que conduz à responsabilidade civil dos pais, guardiães ou tutores, mas se o menor tiver patrimônio próprio, a obrigação de indenizar onera seus bens, quanto bastem.
O cumprimento desta medida, procura acender no adolescente o senso de responsabilidade pelo ato que cometeu, assim como responsabilizado pela indenização do dano, coibindo-o para a repetição de tal prática. Mas se for impossível aos adolescente ou responsável cumpri a reparação do dano, o juiz a substituirá por outra adequada, conforme já suscitado antes.
Ainda no que tange, às medidas sócio-educativas, existe aquela em que há a previsão de prestação de serviços à comunidade, salientada no seguinte artigo:
Art. 117. A prestação de serviços comunitários consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais.
Parágrafo único. As tarefas serão atribuídas conforme as aptidões do adolescente, devendo ser cumpridas durante jornada máxima de oito horas semanais, aos sábados, domingos e feriados ou em dias úteis, de modo a não prejudicar a freqüência à escola ou à jornada normal de trabalho.
As atividades compulsórias prevista em tal diploma devem ser compatíveis com as condições pessoais do adolescente, sem caráter vexatório, atendendo aos limites máximos de execução da medida, qual seja: de um semestre em atividades solidárias, nunca em estabelecimentos de atividade privada com fins lucrativos.
Devem as tarefas não prejudicar as aulas de ensino e frequência regular na escola, e se for o adolescente empregado ou trabalhar por as conta, os dias de prestação de serviço comunitário serão naqueles em que não houver que exercitar seus afazeres particulares, de maneira a não prejudica-lo em atividade que trabalhem seu desenvolvimento intelectual e econômico.
Prevê também o ECA, como uma de sua medidas, a liberdade assistida, descrita nos presentes artigos, que estabelecem:
Art. 118. A liberdade assistida será adotada sempre que se afigurar a medida mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente.
§ 1º A autoridade designará pessoa capacitada para acompanhar o caso, a qual poderá ser recomendada por entidade ou programa de atendimento.
§ 2º A liberdade assistida será fixada pelo prazo mínimo de seis meses, podendo a qualquer tempo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra medida, ouvido o orientador, o Ministério Público e o defensor.
Art. 119. Incumbe ao orientador, com o apoio e a supervisão da autoridade competente, a realização dos seguintes encargos, entre outros:
I - promover socialmente o adolescente e sua família, fornecendo-lhes orientação e inserindo-os, se necessário, em programa oficial ou comunitário de auxílio e assistência social;
II - supervisionar a freqüência e o aproveitamento escolar do adolescente, promovendo, inclusive, sua matrícula;
III - diligenciar no sentido da profissionalização do adolescente e de sua inserção no mercado de trabalho;
IV - apresentar relatório do caso
A liberdade assistida é um procedimento executório que consiste no estado de vigilância sobre o menor infrator, após entregue aos responsáveis, sujeito a orientação e assistência social por profissionais especializados ou associações, visando prevenir a prática de atitudes delitivas que possam comprometer sua formação psicossocial, ética e moral, assim como, sua perfeita integração familiar e comunitária, conferindo-o um sadio bem-estar social e a certeza da reeducação.
A duração desta medida segue o prazo de seis meses, prorrogável de comum acordo com a pessoa responsável pela orientação do adolescente, pelo Defensor deste, pelo representante do Ministério Público e do juiz competente, onde estes dois últimos , devem ser competentes para atuação na Vara da Infância e Juventude.
O resultado mais satisfatório desta medida, somente poderá ser alcançado, se forem utilizados serviços de técnicos/profissionais com elevada idoneidade moral e especialização no trato com adolescentes, que deverão desempenhar sua missão através de estudo do caso, de métodos de abordagem, organização técnica da aplicação da medida e designação de agente capaz, sempre sob a supervisão do juiz. Por fim, é de suma importância, que haja a manutenção e promoção dos laços familiares, a preparação profissional e educacional desses adolescentes.
Dentre mais uma das medidas sócio ? educativas disciplinadas no ECA, está o regime de semiliberdade, descrita no presente artigo, que descreve:
Art. 120. O regime de semi-liberdade pode ser determinado desde o início, ou como forma de transição para o meio aberto, possibilitada a realização de atividades externas, independentemente de autorização judicial.
§ 1º São obrigatórias a escolarização e a profissionalização, devendo, sempre que possível, ser utilizados os recursos existentes na comunidade.
§ 2º A medida não comporta prazo determinado aplicando-se, no que couber, as disposições relativas à internação.
O cumprimento deste regime, é executado em meio aberto, onde o adolescente poderá realizar atividades externas, relacionadas à escolarização e profissionalização (atividades que são imprescindíveis para que seja atingida a finalidade da medida), que geralmente, são realizadas durante o dia e à noite recolhem-se a uma entidade especializada.
Segundo disserta respeitado doutrinador, existem dois tipos de semiliberdade: o primeiro é aquele determinado desde o início pela autoridade judiciária, através do devido processo legal; o segundo caracteriza-se pela progressão de regime: o adolescente internado é

beneficiado com a mudança de regime, do internato para a semiliberdade.
Não há prazo estipulado para a duração da medida, devendo durar enquanto conveniente às finalidades de sua aplicação, que é a educação regular e profissional do menor. É importante ainda, ressaltar que a realidade dos estabelecimentos estatais brasileiros, não condizem com o esperado para o efetivo cumprimento desta medida, pois estão sucateados ou sequer existem, o que dificulta em muito o processo de ressocialização dos adolescentes em conflito com a lei. Sobre o regime de semiliberdade, ilustre é a passagem que observa:
(...)"o regime de semiliberdade destina-se, sobretudo, aos menores cuja agressividade, oposição ou instabilidade se explicam por frustrações afetivas, traumatismos da afetividade ou sentimentos de inferioridade; e ainda a menores cuja inadaptação resulta da falta de direção familiar ou da extrema fraqueza dos pais. Daí a necessidade do exame médico-psicológico e social do menor candidato ao regime de semi-internato, que não será permitido sem essa prévia observação científica do menor".
Afirmação esta, que condiz totalmente com o abordado durante todo o trabalho, visto que vislumbra sobre a função da família, enquanto contribuinte para a estruturação social e psicológica do menor, responsável por impor noções de limites a estes, o que sem sombra de dúvidas faz parte do processo de educação dos mesmos.
Ainda, sobre as espécies de medidas socioeducativas, esta a internação, que está disciplinada no presente e demais artigos:
Art. 121. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
§ 1º Será permitida a realização de atividades externas, a critério da equipe técnica da entidade, salvo expressa determinação judicial em contrário.
§ 2º A medida não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses.
§ 3º Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos.
§ 4º Atingido o limite estabelecido no parágrafo anterior, o adolescente deverá ser liberado, colocado em regime de semi-liberdade ou de liberdade assistida.
§ 5º A liberação será compulsória aos vinte e um anos de idade.
§ 6º Em qualquer hipótese a desinternação será precedida de autorização judicial, ouvido o Ministério Público.
E ainda
Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando:
I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa;
II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves;
III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.
§ 1º O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não poderá ser superior a três meses.
§ 2º. Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada.
A internação é a mais severa dentre as socioeducativas, constituindo-se como medida privativa de liberdade, sendo aplicada somente em caráter excepcional, durante curto e indefinido período de tempo, visto não poderá ela desfigurar a personalidade de um ser ainda em processo de maturidade e formação física e psicológica. Tal assertiva é bastante clara no posicionamento de estimado jurista que delibera:
O ECA, visando garantir os direitos do adolescente, contudo, condicionou-a a três princípios mestres: (1) o da brevidade, no sentido de que a medida deve perdurar tão-somente para a necessidade de readaptação do adolescente; (2) o da excepcionalidade, no sentido de que deve ser a última medida a ser aplicada pelo Juiz quando da ineficácia de outras; e (3) o do respeito à condição peculiar par ao desenvolvimento do adolescente, por exemplo, garantindo seu ensino e profissionalização.
Durante o cumprimento da internação será procedido o reexame da situação do menor, para que haja a continuidade, soltura ou aplicação de outra medida mais branda, ocasião que será decidida em sentença fundamentada pelo juiz. Segundo os parágrafos do primeiro artigo retro citado, o período de internação não poderá ultrapassar três anos, existindo uma exceção do art. 122, III, § 1º, em que a duração é de no máximo três meses. E se antes não houve alteração do regime de internação, cumprido os três anos, o adolescente deverá ser desinternado, obrigatoriamente, cabe ao juiz competente determinar, mediante parecer do representante do Ministério Público, se está completa e limitada, segundo ao esperado pela sociedade.
O inciso I do art. 122, refere-se às ofensas à integridade corporal humana reais ou em risco de serem realizadas. Os atos infracionais de outra natureza somente autorizam a internação se forem revestidos de gravidade e de prática contumaz, ou desatendimento reiterativo, sem justa causa, de execução de medida aplicada com relação a fatos antecedentes. O § 1º limita ainda mais que a regra geral de duração do prazo de três anos de cumprimento da medida que se viu no § 2º do art. 121, reduzindo-o para três meses.
Em resumo, entende-se que a medida de restrição de liberdade física é medida extrema, devendo por isso, cumprir todos os requisitos retro dissertados e os estabelecidos no seguinte artigo:
Art. 123. A internação deverá ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, em local distinto daquele destinado ao abrigo, obedecida rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração.
Parágrafo único. Durante o período de internação, inclusive provisória, serão obrigatórias atividades pedagógicas.
Neste ponto, é importante observar que no internato não haverá crianças, já que estas somente poderão ficar em abrigos, sendo aquele destinado a recolher adolescente autor de ato infracional, onde além de cumprir os requisitos de segurança física, deverá ser feita a seletividade dos grupos por faixas etárias mais aproximadas, segundo critérios de desenvolvimento corporal e natureza do ilícito praticado, ocasião em que deverão sempre realizar atividades relacionadas à educação.
Por fim, ainda sobre a internação, vale citar:
Art. 124. São direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros, os seguintes:
I - entrevistar-se pessoalmente com o representante do Ministério Público;
II - peticionar diretamente a qualquer autoridade;
III - avistar-se reservadamente com seu defensor;
IV - ser informado de sua situação processual, sempre que solicitada;
V - ser tratado com respeito e dignidade;
VI - permanecer internado na mesma localidade ou naquela mais próxima ao domicílio de seus pais ou responsável;
VII - receber visitas, ao menos, semanalmente;
VIII - corresponder-se com seus familiares e amigos;
IX - ter acesso aos objetos necessários à higiene e asseio pessoal;
X - habitar alojamento em condições adequadas de higiene e salubridade;
XI - receber escolarização e profissionalização;
XII - realizar atividades culturais, esportivas e de lazer:
XIII - ter acesso aos meios de comunicação social;
XIV - receber assistência religiosa, segundo a sua crença, e desde que assim o deseje;
XV - manter a posse de seus objetos pessoais e dispor de local seguro para guardá-los, recebendo comprovante daqueles porventura depositados em poder da entidade;
XVI - receber, quando de sua desinternação, os documentos pessoais indispensáveis à vida em sociedade.
§ 1º Em nenhum caso haverá incomunicabilidade.
§ 2º A autoridade judiciária poderá suspender temporariamente a visita, inclusive de pais ou responsável, se existirem motivos sérios e fundados de sua prejudicialidade aos interesses do adolescente.
Art. 125. É dever do Estado zelar pela integridade física e mental dos internos, cabendo-lhe adotar as medidas adequadas de contenção e segurança.
Os dispositivos supra citados, elencam uma série de direitos garantidos aos adolescentes quando estes estão internados, que por si só são auto-explicativos, onde existe a responsabilidade Estatal pelo zelo da integridade desses menores, abrangendo conduta comissiva ou omissiva, apuradas por meio de ação de indenização, responsabilização ou por ação civil pública.
E como último item a ser tratado ainda sobre as medidas socioeducativas, está a remissão, definida nos seguintes artigos:
Art. 126. Antes de iniciado o procedimento judicial para apuração de ato infracional, o representante do Ministério Público poderá conceder a remissão, como forma de exclusão do processo, atendendo às circunstâncias e conseqüências do fato, ao contexto social, bem como à personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação no ato infracional.
Parágrafo único. Iniciado o procedimento, a concessão da remissão pela autoridade judiciária importará na suspensão ou extinção do processo.
E ainda
Art. 127. A remissão não implica necessariamente o reconhecimento ou comprovação da responsabilidade, nem prevalece para efeito de antecedentes, podendo incluir eventualmente a aplicação de qualquer das medidas previstas em lei, exceto a colocação em regime de semi-liberdade e a internação.
Art. 128. A medida aplicada por força da remissão poderá ser revista judicialmente, a qualquer tempo, mediante pedido expresso do adolescente ou de seu representante legal, ou do Ministério Público.
Esta norma apresenta-se como verdadeira manifestação da soberania do Ministério Público, uma vez que o parquet pode decidir se irá aplicá-la ou não.
A remissão consiste no fato de o representante do Ministério Público poder abster-se da provocação do Juízo se entender ser mais benéfico poupá-lo de sofrer o desgaste de um processo judicial, por decisão fundamentada em motivos relevantes. A remissão feita pelo parquet é perfeitamente válida e constitucional, sendo ato exclusivo daquele, tem como natureza jurídica ser um ato administrativo, que não implicará necessariamente reconhecimento da responsabilidade, isto é, não é necessária a prova clara do ato infracional para aplicação da mesma. Mas por outro lado, não prevalece para efeito de reincidência.
Por fim, é possível a revisão pelo Juiz competente da aplicação da medida de remissão, possuindo legitimidade para requerê-la o adolescente, seu representante ou parquet responsável.


CAPÍTULO IV
DESAGREGAÇÃO FAMILIAR E CRIMINALIDADE
As crianças e os adolescentes figuram como agentes que desempenharam um papel importante e significativo ao longo da história brasileira, são personagens que se constituem em objetos reveladores das várias visões de mundo, que compõem todo o contexto social, cultural e econômico da organização da sociedade. Dissertar sobre crianças e adolescente, que sob um termo geral são determinados pela expressão "menor", consiste em relacionar a história desses pequeninos às maneiras de os sentir, exergá-los, percebê-los e às atitudes que a sociedade, no decorrer do tempo, produziu e reproduzirá em relação à infância, procurando compreender as formas peculiares de sua inserção nesses contextos globais históricos.
A história da criança brasileira é marcada por tragédias cotidianas: de crianças filhas de escravos que eram vendidas e separadas de seus pais; de abandono de recém-nascidos nas Rodas dos Expostos; de trabalho infantil, na condição de escravo ou assalariado, no mercado formal ou informal; de recolhimento em instituições ligadas à Igreja ou ao Estado; enfim, uma história marcada por situações de violência contra menores. Em contrapartida, é também uma história de afetos, solidariedade e de movimentos de defesa organizados por aqueles que reconhecem nas crianças seus atributos de cidadania e seus direitos inalienáveis, a serem garantidos e respeitados.
Aqui, dá-se enfoque às crianças marcadas pelo estigma da "marginalização", que são "vítimas" de um segmento de pessoas pertencentes às camadas mais pobres da sociedade brasileira, filhos de pessoas de baixa renda, que não possuem o mínimo de bem?estar social e econômico; também por menores, resultantes do mundo que envolve o fator drogas, ou ainda, por aqueles que além do já citado ou que exclusivamente são frutos de lares desestruturados, o que influenciam predominantemente na formação do caráter corrompido desses jovens, o que geralmente vêm ligados à fatores como violência, alcoolismo, divórcio e separação de seus pais, ou simplesmente, por falta de uma organização familiar baseada no amor, afeto e solidariedade recíprocos.
4- Causas da Marginalização do Menor na sociedade brasileira
4.1 ? Fatores Gerais
O mundo apresenta duas faces: de um lado a pobreza, a miséria, a fome, as drogas e as guerras advindas dela ou não, a perda de valores éticos, a degradação do senso moral; de outro lado, a riqueza, o luxo, as ideologias, o poder, o vasto campo de oportunidades em diversos aspectos, tanto econômicos quanto sociais, o desfrute de informação e tecnologias hábeis. A marginalização social, principalmente a de menores, situa-se entre esses dois mundos, cada qual por seus motivos particulares. Existe também, o fato de que ao longo da história mundial, devido às várias transformações sociais e à busca incessante por melhores condições de vida, a mulher foi inserindo-se no mercado de trabalho, para que pudesse completar a renda da família, passando à dividir seu tempo entre o trabalho e o lar, desdobrando-se em tantas mulheres, deixando de exercer seu papel até então, exclusivo de "senhora do lar" e educadora de seus filhos.
Esta inserção da mulher no mercado de trabalho, não apresenta-se como um fato predominantemente negativo, o problema é que nesse processo de transformação do papel feminino desenvolvido na sociedade, a família em si, (em especial, pais e mães) sofreu e sofre dificuldades na divisão da tarefa de educar, amparar e transmitir lições de senso social que acompanham os menores em toda sua existência.
Uma significativa parcela desses jovens em conflito com a lei, são fruto da miséria que vivem suas famílias, em lugares sem as condições mínimas de sobrevivência e higiene; nos grandes centros urbanos, por exemplo, são moradores de favelas, ou então sequer possuem lares para morar, vivendo em viadutos e afins.
É o resultado da pobreza advinda do desemprego que vivem os pais desses menores, onde a maioria ganham um salário mínimo ou sequer isto, impossibilitando-os de garantir às necessidades básicas de sua família, como educação, saúde, moradia, vestuário, higiene e tantas outras. Estas crianças e adolescentes encontram-se em situação de risco, tanto em matéria de saúde física e mental como em matéria de potencial capacitação ao crime. A falta de oportunidades de emprego gera uma violência sem tamanho, pois os filhos choram por não ter o que comer e os pais, em atitudes desesperadas, muitas vezes fraquejam na criminalidade. O atestado mais evidente de que o fator econômico predispõe o menor ao crime reside no fato de que a maioria desses delitos é contra o patrimônio, verificado pelo elevado índice de furto, conforme declarado pela pesquisa do Instituto Latino-americano das Nações Unidas.
Além dos fatores econômicos, responsáveis pela marginalização do menor, existem aqueles chamados, éticos e pedagógicos, onde a falta de instrução e educação, consequentes da má-formação de professores e afins, ou então da evasão escolar (fato este, que na atualidade, felizmente, quase inexiste), potencializam os jovens à criminalidade, já que por estarem "afastados" da escola ou do amparo de um adulto capaz de educá-lo, sai às ruas na tentativa de encontrar alguma forma de "entretenimento", ficando à mercê da violência que lá existe, e por não perceber a realidade que o envolve, na busca de integrar-se ao meio em que se encontra, acaba entrando no mundo da criminalidade, muitas vezes influenciados por comportamentos de más companhias.
É de suma importância ressaltar, que o abandono da vida no meio rural, gerou consequentemente um aumento da concentração populacional nas grandes e médias cidades brasileiras, onde as pessoas de um modo geral, migraram, atraídos pela promessa de melhores condições econômicas, por exemplo, oferta de emprego, desencadeando um caos urbanístico, já que não houve tempo para fosse feito um planejamento político correto, capaz de receber todos estes cidadãos, garantindo-os espaço físico onde pudessem construir suas moradias, com rede de água e esgoto adequadas à vida humana, o que evitaria grande parte da poluição urbana; inexiste também espaço para lazer dessas pessoas, o desemprego apresenta-se comum neste meio social; além disso, são encontradas diferentes "culturas" e experiências de vida, possivelmente incompatíveis entre si. Enfim, nas cidades, todos estes fatores, resultam em violência, advindos dos distúrbios da má-organização social, refletindo nas crianças e adolescentes, que crescem sem referência do que seja certo ou errado, quando falta a eles instruções primárias de educação e convívio social.
Outra grande causa da marginalização do menor, é o uso e tráfico de drogas, situação que na maioria das vezes, vem seguida de grande violência. As crianças e adolescentes que envolvem-se no tráfico de drogas, geralmente, são pobres, moradores de subúrbios, e buscam "neste comércio ilícito" o escape que garantirá sua sobrevivência, já que auferem alguma renda, possibilitando-os comer e vestir temporariamente. Mais tarde, estes jovens, de simples "comerciantes" de drogas passaram também a usuários, desencadeando sérios problemas em suas vidas. Existe também, jovens de situação econômica estável, dita controlada ou ideal, que por motivos infinitos, por exemplo, desestrutura familiar ou simplesmente, na busca de "preencher o vazio" que acompanha o estado natural da adolescência, envolvem-se com as drogas, influenciados por "amigos e colegas" ou por mera curiosidade, e que terão o mesmo fim trágico, daqueles jovens desprovidos de bens econômicos, pois ambos tornam-se dependentes químicos, acabam roubando ou furtando para manter o vício, cometem homicídios ou vários outros crimes, durante a "caminhada no mundo das drogas", e transformando-se nos adolescentes em conflito com a lei, que terão que cumprir algum tipo de medida socioeducativa.
Por fim, dentre as enumerativas causas gerais da marginalização juvenil, está o consumismo exacerbado da sociedade capitalista. Realidade onde mais e mais pessoas, buscam incessantemente pela posse e uso de bens materiais, onde a virtude e os valores morais deram lugar ao dinheiro e ao poder advindo com ele. A mídia, em muito contribui, pela veiculação da "idéia do ter", e a sociedade, principalmente, os jovens, se vêem pressionados a consumir, o que na grande maioria das vezes não condiz com sua realidade econômica e social, e acabam encontrando no crime, o único caminho para conseguir dinheiro e alcançar o tão sonhado "estilo de vida" baseados na ostentação, glamour e poder, ocasionando o rompimento com o respeito e hierarquia às leis. O capitalismo, valoriza mais o "ter" do que o "ser", faz transparecer uma ilusória imagem de igualdade entre os indivíduos, frustrando aqueles menos favorecidos economicamente.
4.2 ? Índices de marginalização do menor
A marginalização infanto-juvenil, é fato da realidade social brasileira e infelizmente cresce a cada ano; está relacionada aos fatores gerais, já trabalhados no tópico acima e aos fatores da desagregação familiar que serão dissertados no próximo item.
A Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente (SNPDCA), em parceria com a Secretaria dos Direitos Humanos (SDH), apresentou Levantamento Nacional de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em conflito com a Lei, onde os trabalhos foram realizados no período de 20/12/2009 a 22/02/2010, que produziu informações quantitativas atualizadas sobre a execução da internação provisória e das medidas socioeducativas de internação e liberdade existentes no país. Os dados foram solicitados aos gestores estaduais que informaram por correspondência eletrônica à SNPDCA/SDH/PR, e consideraram o período de 20/12/2009 a 30/12/2009 para coleta.
Este levantamento feito em 2009, coletou informações sobre o número de adolescentes dos sexos masculino e feminino em cumprimento das medidas socioeducativas de internação, semiliberdade e em internação provisória. Além disso, neste levantamento foi solicitado o quantitativo de adolescentes privados de liberdade em sentido estrito (ou seja, que estivessem privados de liberdade por razões "outras" como internação-sanção, como medida de proteção, tendo como exemplo, pernoite ou em situação de abrigo temporário), conforme caracterizado na tabela abaixo:

















FONTE: Secretaria Nacional de Promoção dos direitos da criança e do adolescente , ano 2009.
Esta tabela, demonstra que em 2009, no Brasil, o número total de adolescentes incluídos nas medidas de internação, semiliberdade e na condição de internação provisória atinge o quantitativo de 16.940 adolescentes, sendo 11.901 na internação, 1.568 em semiliberdade e 3.471 na internação provisória, de ambos os sexos. Frise-se que o Estado de Goiás, possui 264 adolescentes (cumprindo os três tipos de medidas retro citadas), e 24 adolescentes (cumprindo os tipos de punições), perfazendo um total de 288 menores em conflito com a lei que sofrem algum tipo de sanção, demostrando ser um Estado com índice "equilibrado" de delinquência juvenil, quando comparado aos outros Entes Federativos Brasileiros.
É imprescindível se fazer o paralelo entre o aumento da prática de ato infracional por adolescentes e a aplicação de medidas socioeducativas, já que este último fator depende do acontecimento do primeiro, funcionando como causa e efeito. Logo, existe a premissa de quanto maior o índice de prática de atos infracionais, maior será o índice da aplicabilidade de medidas socioeducativas. Felizmente, as políticas nacionais brasileiras, estão "melhorando" com o passar dos anos, onde comprova-se uma maior conscientização tanto dos governantes pátrios quanto de toda a sociedade brasileira, no sentido de oferecer aos menores em conflito com a lei, a oportunidade de cumprir estas medidas, que lhes assegurará ressocialização e condições psicológicas e educacionais de voltar à sociedade com o mínimo possível de consciência cívica e social. Esta afirmação efetiva-se com o gráfico abaixo:


FONTE: Secretaria Nacional de Promoção dos direitos da criança e do adolescente , ano 2009
A aplicação das medidas socioeducativas e sua real efetividade, dependem do trabalho técnico de profissionais aptos à desempenhar suas funções, que utilizam-se de conhecimentos científicos e de valores éticos e morais consolidados, capazes de provocar no menor o "arrependimento" pelo erro cometido, desencadeador da sanção que sofrerá. A família desses adolescentes, na grande maioria dos casos também será alvo de análise e tratamento por partes destes profissionais, uma vez que a "saúde moral" do jovem depende da saúde de sua família.
Merece ainda grande atenção o fato de que, o número de adolescentes do sexo masculino em situação de privação total de liberdade no país por conta de cumprimento de medida socioeducativa de internação e em liberdade provisória, ser bastante maior do que do sexo feminino, existindo real discrepância inclusive, como pode-se constatar no gráfico a seguir:


FONTE: Secretaria Nacional de Promoção dos direitos da criança e do adolescente , ano 2009

Não existe explicação científica exata a tal fato, uma vez que ainda não foram constatadas as causas de tal fenômeno. Talvez num futuro próximo, se dará atenção a esta realidade e serão realizados estudos que comprovaram o porquê deste acontecimento.
4.3 ? Fatores da Desagregação Familiar.
Como já foi dissertado anteriormente, a estruturação e o conceito de família, sofreram várias transformações ao longo da história, nos mais variados tipos de organização social. Mas, sempre mantém e certamente manterá, sua característica principal, do instituto social responsável pela formação básica do indivíduo, começando desde seu nascimento, onde fixa-lhe os alicerces irremovíveis de senso social, de valores morais e éticos, que permaneceram durante seu crescimento. É a família, então, a unidade básica de estruturação dos grupos sociais organizados.
Entretanto, com o desenvolvimento da sociedade e o aperfeiçoamento dos organismos de organização política, a família sofreu um processo que pode-se chamar de estatização, ou seja, justamente por sua importância e magnitude, passou a sofrer a interferência do Estado, não só nas suas relações internas, assim como em suas funções básicas.Com isto, recebeu a atribuição de instituição social responsável pela educação de seus filhos, onde não basta apenas a estrutura e coesão familiar. É necessário haver um equilíbrio relativamente à situação econômica e social. Dessa afirmativa, há que se inferir que, sendo a sociedade a resultante do grupo familiar, e cabendo a família a formação e consolidação dos valores morais, sociais e éticos, os valores familiares e nacionais se confundem. E por fazer parte de um organismo vivo, a saúde social depende obrigatoriamente, da harmonia e estabilidade de cada uma das partes que compõem o seu todo. Assim, é completamente válido afirmar, que determinada sociedade prosseguirá com mais desenvoltura sua evolução material e espiritual, principalmente de seus membros, quando se fizerem presentes os valores que fundamentam a construção familiar.
Em contrapartida, qualquer desajuste da estrutura familiar, poderá levar a um sério comprometimento do todo social, que por analogia, segue a regra da ação e reação. O equilíbrio deste "instituto primeiro" está intimamente ligado aos meios de que necessita para sobreviver-se, não limitando-se, apenas à aspectos materiais, mas também, interligam-se a fatores psicossociais determinantes dos infindos valores comportamentais, como a ética, a educação intelectual dos indivíduos e a moral.
É inegável, que a falta de condições materiais, que possam garantir o mínimo exigido à sobrevivência humana, como, saúde, moradia, lazer, emprego digno, etc, possam de certa forma, gerar uma desestabilidade emocional necessária ao cultivo de valores de ordem moral e espiritual, que em última análise, sustentam a instituição familiar. O indivíduo desajustado, carente do respaldo proporcionado pela estrutura de sua família, torna-se propenso à atitudes anti-sociais, adquirindo então, personalidade potencialmente criminológica.
É de suma importância ressaltar, que o fator econômico, não apresenta-se como determinante, visto que a desagregação familiar, acontece não só em famílias pobres, mas também naquelas bem favorecidas economicamente, que vivenciam suas crises, que tem como causas valores de cunho psicossocial, existencialista, como exemplo, pode-se citar a frustração advinda da agitação das grandes cidades, onde cada vez mais, um número de pessoas, desconhecidas entre si, dividem um mesmo espaço, desencadeando uma "explosão de culturas diferentes", o que gera nas pessoas um sentimento de fobia social.
Ao contrário, da experiência vivida nas pequenas cidades, os moradores das metrópoles, perdem o senso de "solidariedade humana", já que convivem com muitas pessoas, mas não estabelecem vínculos afetivos entre si; os próprios membros de uma mesma família, são "estranhos" uns aos outros; os pais passam a maior parte do tempo no trabalho e os filhos na escola, inexistindo o contato necessário para que o respeito e admiração entre pais e filhos se estabeleça; as crianças têm maior acesso aos meios de comunicação que podem perverter sua formação ética e moral e os jovens estão propensos ao uso de drogas e ao alcoolismo, que funcionam como um "meio falido de interação social".
Outro fator fundante da crise familiar, está relacionado ao aumento do número de divórcios e separação entre casais, ocorridos na sociedade brasileira e mundial. Antigamente o casamento era visto como indissolúvel e deveria perdurar enquanto vida tivesse os cônjuges, mas com as mudanças e transformações sociais ligadas ao conceito de família, acontecidas ao longo da história (diga-se de passagem, foram citadas ao longo deste trabalho), fizeram com o casamento torna-se um ato civil ou religioso, que dependa da satisfação e boa harmonia entre o casal, caso contrário, é perfeitamente aceitável o rompimento do vínculo estabelecido entre estas pessoas.
O que até então, é perfeitamente admissível, já que condiz com a realidade vivida em toda a sociedade. Mas o problema, está no fato de que com a separação, os pais na grande maioria das vezes, não se separam apenas entre si, e influenciados por um estado de conflito e vingança vividos por eles, acabam rompendo vínculos com seus filhos. Essas crianças, ao invés de "protagonistas", tornam-se "figurantes" de sua própria história, e permanecem no meio "do fogo cruzado de seus pais", são esquecidas, desprezadas ou servem como instrumento de provocação e disputa entre os adultos que deveriam lhes dar amor e carinho.
Como resultante ainda, da separação ou divórcio, ou pela inexistência destes institutos, no caso, os filhos advindos de casais que nunca estabeleceram vínculos concretos entre si, ou seja, jamais moraram juntos ou afins, está a ausência do papel do pai. Ilustre é a passagem de nobre pesquisadora:
Ninguém discute: mãe é essencial à criança! Já o pai tem, culturalmente, uma importância secundária. Entretanto, a biologia não explica essa distinção, construída historicamente, sendo o pai culturalmente condicionado a uma função bastante restrita, tornando-se distante e fortemente idealizado. Com a Revolução Masculina, passou-se a questionar a exclusividade feminina da "maternagem". Recriou-se a paternidade. Surgiu um pai mais próximo, capaz de cuidar dos filhos e de construir com eles relação de afeto e intimidade, sem ter ameaçada por isso sua identidade masculina. Nas novas configurações familiares, homens criam filhos descendentes das parceiras, desenvolvendo com eles ligações às vezes mais fortes do que as que mantêm com seus filhos biológicos. Percebe-se que ser pai é mais que ser genitor, envolvendo aspectos psicoafetivos, não importando tanto de quem era o sêmen usado para gerar a criança (...).
Baseado, no disposto pela autora, pode-se afirmar que nas antigas organizações socais, onde ainda o patriarcalismo vigorava, o pai tinha a função de garantir as condições econômicas e materiais à sua família, já que ele saia para trabalhar e de lá traria o "pão de cada dia". Enquanto à mãe, ficava em casa, não trabalhava fora, e a ela cabia o papel de educar e cuidar de seus filhos.
Existia uma falta de predisposição masculina a relacionamentos afetivos com os filhos, uma vez que os homens estavam acostumados a "lutar" com a dura realidade do mundo exterior, não compreenderiam a infância, com seus sonhos e fraquezas, nem a necessidade de doação de afeto necessária a este estado, tão diferentes de sua realidade. Teria o pai, a tarefa de dar bons exemplos de conduta, a fim de servir como modelo a seus filhos. Apenas exigia-se sua presença, uma vez que o amor paterno deveria ser exercido à distância, onde os contatos deveriam ser linguísticos e racionais, com fins de transmissão de conhecimentos e das leis morais, sob pena de perder o respeito de seus filhos. À mãe estava incumbida de transmitir os sentimentos de carinho, proteção e afeto; seria nela, concentradas todas funções da "maternagem", o que atendiam aos interesses socioeconômicos e políticos da época.
A mulher foi inserindo-se no mercado de trabalho, e não pode mais dedicar-se exclusivamente aos filhos e ao lar. Este fenômeno, como tudo que é novo, vem seguido de algumas falhas, uma delas foi a "desatenção" aos filhos. Agora quem iria cuidar dessas crianças? O pai deveria e deve então, readaptar-se à nova concepção da paternidade, afinal, se a mulher é capaz de desempenhar atividades fora do lar, o homem também é capaz de exercer as tarefas, dantes exclusivas das mulheres, e atravessar as barreiras culturalmente estabelecidas entre os sexos, seja por necessidade, por estar a mãe das crianças ausentes e por também ter a responsabilidade de compartilhar junto com sua parceira o papel de cuidado, em todos os momentos da vida de uma criança.
Isto sim, faz de um homem, pai. Afasta a imagem de mero genitor, e o qualifica a estar pronto à oferecer amor, carinho, cuidado, sacrifícios para com seu filho. Não há que se falar em responsabilidade diferenciada entre mãe e pai, ambos são indispensáveis para a formação psicossocial, educacional, moral e ética de seus filhos, e ausência de qualquer um deles, será fator determinante, capaz de gerar transtornos psicológicos irreversíveis nestes seres ainda em formação.
Tal afirmação, pode ser comprovada pela pesquisa realizada pela psicóloga, Lenita Pacheco Lemos Duarte, que ao basear-se nas lições de Freud, que afirma que a compulsão à repetição nas brincadeiras infantis expressa a tentativa da criança de elaborar situações traumáticas e de angústia; consta num dos casos clínicos atendidos por ela, onde o paciente, é um menino de sete anos, nomeado de Pierre Guido, cujos pais se encontram em processo de separação conjugal litigiosa há três anos. A decisão da justiça sobre a guarda da criança estabeleceu a permanência com a mãe e visitas quinzenais com o pai. Coube a este último a responsabilidade de fornecer pensão alimentícia para o filho. Ao chegar ao consultório, o menino apresenta bloqueios de aprendizagem e dificuldade de relacionamento, tenta compulsivamente tirar ou destruir os brinquedos de seus colegas. Também realiza atos obscenos, masturbando-se na frente de sua turma de colégio. Em seu cartão de identificação, em vez de seu nome, escreve o significante "piru", e mesmo que escreve no quadro negro de sua classe. Ao ser indagado sobre isso, diz que escreveu "pirô". Sempre nega suas ações, como se não tivesse qualquer implicação nos episódios. Segundo sua professora, "ele tira e destrói, das mais variadas formas, tudo que é mais precioso para os outros, chegando a rir da situação. Ele quer se exibir, mesmo que tenha de desafiar a lei e as regras estabelecidas no grupos social".
Pode-se perceber as primeiras consequências advindas da desagregação familiar, que neste caso é resultante da separação dos pais da criança. Inúmeros são os sintomas de desequilíbrio emocional e psicológico desta, o que interfere até em sua capacidade de relacionar-se com as pessoas, inexistindo neste ser ainda em formação, senso de amor e solidariedade para com seus colegas de classe. Este menino, parece tentar chamar a atenção de seus entes queridos utilizando-se de meios agressivos e até promíscuos, quando na verdade, deveria estar descobrindo as primeiras brincadeiras de infância e conhecendo novos amigos, se tivesse o amparo saudável de sua família, indispensável por torná-lo um ser ético e social.
Ainda segundo a autora, esta relata que o pai da criança a trata como "nota promissória", uma vez que ele garante o sustento de sua mãe e do irmão do primeiro casamento materno. É visto com um bem material, desprovido de sentimentos. A mãe procura não se envolver nos atos do filho, e quando o pai tenta de aproximar, ela o afasta, sob o argumento de que ele fique com o pai, além de um final de semana, porque atrapalha nos estudos. A avó materna, critica o pai da criança, dizendo que quando ele fica com o pai, não come direito, por que não consegue impor limites ao seu filho. A empregada que o leva às consultas, diz que a mãe não tem tempo para o filho, já que vive trancada no quarto com o atual marido. E filho sentindo desprezado, abandonado, liga chorando para o pai ou a avó ir buscá-lo. E assim, começa novos conflitos envolvendo o menino, que não possui referencial nenhum de segurança que lhe garante afeto.
Infelizmente ainda são inúmeros os casos de famílias com este perfil, abalroado de conflitos e ofensas recíprocas. Uma criança que cresce num lar como é o citado acima, terá qual significado de proteção? Nenhum. A infância por si só, é uma fase em que todos precisam de amparo e atenção, para então ser educado para viver em sociedade. Este menino não sentiu ainda o que é o amor entre as pessoas de seu vínculo familiar, e por isso não sabe em quem pode confiar, em quem pode pedir "colo" nas horas de medo e aflição, uma vez que é tratado apenas como objeto.
Pierre é um menino agressivo, apesar de ter baixo rendimento na escola, é bastante esperto no jogo de xadrez, executando jogadas de mestre. Várias vezes, no entanto tentar vencer a psicóloga, driblando as regras do jogo. Ao desenhar num papel, pressiona o lápis com tanta força que acaba o furando, como se não bastante, fere sua própria pele, auto-inflingia-se, machuca seu próprio nariz, roía as unhas, demonstrando incapaz de controlar seus impulsos destrutivos, evidenciando sentimentos de dor e angústia, culpando os outros pelos seus atos.
E por que esta criança apresenta este comportamento? Será que reflete ela o que vivencia em casa? Certamente sim. Ele vê-se com objeto financeiro ao ser chamado de nota promissória, traz consigo e em seus comportamentos destrutivos o descontentamento de ser enquanto pessoa, grita pela atenção de seus familiares, e por ter com única referência as agressões físicas e verbais praticadas por todos que o circunda, torna-se agressivo no grupo social onde vive, traz consigo a potencialidade do "ilícito", do contrário às regras morais e éticas existentes em seu meio.
Neste exemplo de vida, inexiste o fator pobreza como condicionante da desestrutura familiar, mas ainda sim, está presente a questão financeira, que infelizmente ocupa papel de peso na desvalorização da criança fruto do litígio familiar. Crianças e adolescentes não são cifras, que tem um ou outro valor financeiro, que devem ser "negociadas" através de pensão alimentícia, pelo contrário, são carecedoras de carinho, atenção, afeto, mesmo quando seus pais não dividem o mesmo lar.
Neste trabalho, não se vincula o fator pais separados à desequilíbrio de filho, como fator determinante exclusivo, e sim discute-se as consequências de uma má separação, sem o equilíbrio necessário que devem ter os adultos ao romperem qualquer tipo de vínculo, uma vez que filho é para sempre, ao contrário, do casamento ou afins que a qualquer momento pode deixar de existir.
Em suma, os pais exercem influência tamanha, nos filhos, desde os primeiros segundos de vida destes, servem como espelhos desses menores, que precisam de referências morais, sociais, éticas, psicológicas, para que se tornem cidadãos dignos, de boa índole e caráter reto, para que possam ter engajados em si, os sentimentos de justiça, solidariedade e respeito para com o próximo. O que certamente, servirá como um freio às crianças e adolescentes, de cometerem qualquer ato que contrarie às leis e costumes de uma sociedade.
4.3.1- O afeto nas relações familiares
O afeto constitui-se como emanação do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1º, III da CF/88 , é algo impossível de ser quantificado e explicado pela ciência, mas assim como todos os sentimentos humanos, está presente em todas as relações que envolvem duas ou mais pessoas, principalmente, na família. Ilustre autora o define:
O significado semiológico do signo linguístico afeto- substantivo masculino que qualifica o que diz respeito à afetividade-, traz consigo ínsita a dificuldade peculiar de definição das manifestações emitivas e imateriais do ser humano. Inobstante tal fato, imprescindível afigura-se a reflexão sobre esta categoria. A começar por afirmar que não se trata de um valor e nem de uma virtude. Valores não são coisas, mas relações que os seres humanos estabelecem entre si. Os valores pressupõem a valoração de uma conduta humana, de modo que se estabeleça certo juízo acerca daquela, e que se estabeleçam marcos de orientação do agir. Estes valores podem se materializar em regras morais que venham a vincular a conduta de um indivíduo em face do grupo social em que o mesmo se encontre inserido. (...)

E ainda:
(...) Assim, a solidariedade é um valor que pode estar desvinculado de qualquer regra moral. Mas também pode sê-lo quando, em certa sociedade, agir de forma não solidária implicar em violação de conduta com a consequente sanção moral. Portanto os valores, sem se confundir com regras morais, só podem ser aferidos em face da atitude concreta do ser humano. Agir (adotar conduta) de modo afetivo pode ser valorado com bom ou mau, mas o afeto, em si e abstratamente, não pode ser assim qualificado, pois simplesmente é, ou seja, é uma realidade ontológica que independe de valorações. (grifo do autor).
Ter afeto é, expressar emoções e sentimentos, é a troca recíproca de cuidados e atenção entre as pessoas. É o demonstrar da capacidade humana de amar, e construir histórias a partir desta premissa. E por sua grandiosa e valor dado nas relações humanas, passa também a ter relevância jurídica, digno de proteção e tutela pelo direito.
A partir do século XXI, o afeto é reconhecido com fato jurídico. O exemplos de
prescrições jurídicas que assim procedem não são numerosos, contudo sua presença no ordenamento jurídico já demonstra o reconhecimento e importância desta regulamentação. O art. 28, § 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente, ao dispor da colocação em família substituta, serve de claro exemplo a afirmação feita, ao determinar: "Art. 28, §2º: Na apreciação do pedido levar-se-á em contra o grau de parentesco e a relação de afinidade ou afetividade, a fim de evitar ou minorar as consequências da medida". O que demonstra a conquista da força jurídica que esta adquirindo o princípio da afetividade na legislação brasileira.
Mediante ao já apresentado neste capítulo, no que tange às transformações históricas e sociais, principalmente as que circundam o instituto da família e a consequente relação entre pais e filhos, é possível ocorrer a negligência afetiva, muitas vezes, por ausência física, que na pessoa dos filhos gera consequências infindas. Esta negligência, caracterizada pela desatenção, omissão, pela ausência, ou falta de amor, por parte dos pais aos filhos, já alcança grande parte da população brasileira.
Estudos realizados pela psicóloga Lídia Weber do Núcleo de Análise do Comportamento da Universidade Federal do Paraná (UFPR), com mais de 3 mil filhos entre 8 e 17 anos, divulgada em 2005 aponta que maior parte dos pais pesquisados (35%) se encaixa no conceito de negligentes, definidos no estudo como aqueles que apresentam pouco afeto, não sabem impor regras e são pouco presentes na vidas crianças.
A negligência é responsável por desencadear comportamentos antissociais nas crianças, associa-se à história de vida de usuários de drogas, ou ao alcoolismo, e de adolescentes com o comportamento infrator. A criança negligenciada é insegura, por não ter recebido o afeto que necessita para construir sua própria identidade, torna-se frágil, ou então, comportam-se de forma apática, agressiva e desequilibrada, por faltar-lhes senso de amor e carinho. Enfim, aquele que têm afeto e atenção, dificilmente enfrentará traumas em sua ao longo de sua vida, o que evitaria a surgir em si, o potencial à criminalidade.
4.4 ? Entrevistas que comprovam a relação entre desagregação familiar e criminalidade.
Foram realizadas entrevistas, com profissionais que atuam junto às entidades
responsáveis pelo atendimento e tratamento de crianças e adolescentes em conflito com a lei na cidade de Itumbiara-GO, com o intuito de constatar a relação existente entre a desagregação familiar e a criminalidade infanto-juvenil. Na ocasião, foram entrevistados, o Juiz de Direito da Vara da Infância e Juventude e Vara de Família da Comarca de Itumbiara-GO, o Senhor Doutor Altair Guerra da Costa; a Psicóloga atuante no CRAI (Centro de Recepção ao Adolescente Infrator), a Senhora Marilda do Carmo Alves Gomes Silva e a Assistente Social atuante CREAS (Centro de Referência Especializada de Assistência Social), a Senhora Neusa Maria de Oliveira.
Na entrevista realizada com o Juiz de Direito da Vara da Infância e Juventude e Vara de Família da Comarca de Itumbiara-GO, o Senhor Doutor Altair Guerra da Costa, este argumentou que exerce o cargo de magistrado há quinze anos, e na condição de responsável pela vara em que atua, está incumbido pela condução dos processos tendentes a apurar os atos infracionais praticados por adolescentes e aplicar as correspondentes medidas socioeducativas, quando cabíveis. Explana ainda, que são várias e das mais diversas origens as causas da marginalização do menor, onde a omissão dos pais ou responsáveis, que não transmitem aos filhos menores valores morais positivos e nem estabelecem limites de conduta, constitui importante causa para a delinquência do adolescente. O uso de drogas ilícitas e a convivência com pessoas que dependem desse tipo de substância ou que exploram o comércio de drogas é outra causa significativa. A violência sem causa, a intolerância de qualquer natureza ou mesmo a ausência de objetivos positivos (o "vazio da mente") conduzem o adolescente à prática do ato infracional.
Os argumentos do nobre magistrado vêm confirmar sobre o que já foi trabalhado anteriormente, quando refere-se às causas da marginalização do menor, tanto as gerais quanto à questão da família enquanto educadora de crianças e adolescentes, dividindo ele o mesmo posicionamentos das doutrinas utilizadas na presente pesquisa, ressaltando a importância da imposição de limites aos menores, e ao citar sobre "os vazios" da mente, renova a idéia de o ser humano deve ser educado para então poder se socializar saudavelmente, deve-se preencher estes "vazios" natos com lições éticas e morais, formadoras de um caráter reto e honesto, condizente com o esperado por toda a sociedade. Continua argumentando que:
Normalmente a família é desestruturada, desagregada pela separação dos pais ou ausência de um deles. Frequentemente, a família não transmite um "exemplo" positivo porque o próprio conjunto familiar é "doente", com histórico de dependência ao álcool ou a drogas ilícitas e, sobretudo, não consegue estabelecer limites aos filhos.
Não raramente, é necessário o "resgaste" não só do adolescente para obter a sua educação para o convívio social, mas também o de sua família, com a inclusão em programas de auxílio e orientação. Em relação ao adolescente infrator, sujeita-se ele ao cumprimento de diversas medidas legalmente previstas, tanto de meio aberto, a exemplo da liberdade assistida e a prestação de serviços à comunidade, quanto de meio fechado, com a internação.
E ainda :
A desagregação da família ou a falta de estrutura desta, principal célula do tecido social, contribui grandemente para a delinquência do adolescente, por ausência de "exemplos" positivos daqueles em quem deveria espelhar-se e, ainda mais, conduz o adolescente para o convívio com pessoas e ambientes impróprios para a sua condição de pessoa em desenvolvimento.
Mais uma vez, é suscitado sobre a importância dos exemplos que devem dar os pais aos seus filhos uma vez que aqueles são espelhos destes; o mau comportamento dos adultos abre portas para que os menores possam agir erroneamente. Este aqui, um ciclo, onde o sucesso de um acarretará o sucesso do outro, o que é totalmente esperado, visto que na família existem vínculos que refletem na história, caráter, maneira de ser e pensar de todos que dela fazem parte. Existe sim, autonomia entre seus membros, mas esta certamente esta subordinada à uma "regra geral" de convivência, ditada pelo todo.
Já na entrevista realizada com a psicóloga atuante no CRAI (Centro de Recepção ao Adolescente Infrator), a Senhora Marilda do Carmo Alves Gomes Silva, relata que trabalha há seis anos na equipe técnica daquele instituto, e é formada e atuante na área da psicologia há vinte e sete anos. Quanto à relação existente entre sua profissão e a questão dos menores em conflito em a lei, ela trabalha orientando-os e dando apoio a esses menores e às suas famílias. Procura trabalhar a ansiedade dos menores que estão privados de liberdade; e apoiá-los neste estado em que sentem tristeza, angústia, sintomas de depressão, advindos dos problemas que vivenciam, já que seu objetivo como profissional, é ajudá-los a alcançar o bem-estar, principalmente emocional, que necessitam. Cita que as causas da marginalização juvenil, são em decorrência de uso de drogas, má-companhias e vínculo familiar disperso e distorcido.
Vale ressaltar neste ponto, a situação dos menores que cumprem medidas socioeducativas, em que estão privados de liberdade; situação em que é comum apresentarem sintomas depressivos, onde mais uma vez o fator psicológico possui enorme peso. Estes adolescentes, em sua grande maioria são frutos do "desamparo" emocional de seus pais; cometem atos infracionais pelos motivos citados pela psicóloga e quando se deparam com a "punição" que iram sofrer, deixam de ser "as pessoas perigosas" que agiram ilicitamente e demonstram-se carentes e desprotegidos. O que reforça a necessidade de atenção redobrada por parte de seus entes queridos e de toda a sociedade, uma vez que esta também sofre com os atos conflitantes com a lei praticados pelos menores. Argumenta também:
A composição familiar desses menores é distorcida, geralmente existem conflitos internos, os pais ou responsáveis são alcoólatras, usuários de drogas, não impõem limites aos seus filhos. Mas atenção, existem alguns casos de menores em conflito com a lei, que possuem famílias estruturadas e harmônicas.
E sobre as medidas socioeducativas, continua:
Primeiramente é necessário um contato com uma equipe técnica especializada (psicologia e serviço social), que orientaram estes jovens, para dar-lhes condições de prepará-lo para o mercado de trabalho. Ao sair da internação, é necessário que sejam acompanhados através da liberdade assistida, como forma de evitar a reincidência de prática de atos infracionais. Existe sim, relação entre a criminalidade de menores e a desagregação familiar, onde esta faz com que o menor vá para as ruas, encontre "amigos" ou não, e acabe se envolvendo com pessoas de má-índole, que na maioria das vezes os leva ao uso de drogas, visto que o adolescente, por si só, já vivencia uma fase natural de conflitos internos, e a família seria a contribuinte em orientá-lo.
É inegável o quanto os menores estão sujeitos à potencialidade criminosa, quando são frutos de uma família desestruturada. A busca incensante por novas descobertas, a curiosidade e os conflitos internos são características desta fase da vida de qualquer pessoa, e é por isso que neste momento, a imposição de limites advindas dos pais ou responsáveis é tão importante, seria como "um banho de água fria" que apaga o fogo da rebeldia em que vivem, mas quando isto não acontece, a rua torna-se a escola. Escola esta, que não desfruta de "bons professores", muitas vezes são eles os próprios causadores iniciais do problema da marginalização, pois oferecem caminhos e alternativas que não resolvem " o conflito interno" desses adolescentes, pelo contrário, agrava-o. As drogas e o álcool são os "maiores inimigos da rua", e aqueles que fazem deles o principal sentido que podem ter na vida, acabam entrando na marginalização.
Por fim, na entrevista realizada à Assistente Social atuante no CREAS (Centro de Referência Especializada de Assistência Social), a Senhora Neusa Maria de Oliveira, esta assevera que exerce esta profissão há vinte e quatro anos, onde esclarece que, o assistente social pela sua formação teórico metodológica é um dos profissionais que integra a equipe multiprofissional que atende menores em conflito com a lei e suas famílias. Por ser um profissional mediador, sua intervenção se dá através da escuta, da acolhida e da inclusão dos menores e sua família nas políticas públicas setoriais. Argumenta ainda, que sem dúvida nenhuma a questão familiar está diretamente ligada ao fator marginalização de menores. Cita inclusive, alguns pensadores como Winicott e Focault, que já apresentavam estudos que comprovam que a relação familiar harmoniosa, afetiva e com limites são fundamentais para formação de crianças e jovens equilibrados, e seu envolvimento com crime e/ou drogas paralelo ao fator família. Ela verifica também, a sociedade consumista em que vivemos como um estímulo à marginalização dos jovens. Quanto ao perfil das famílias desses menores em conflito com a lei, constata que na maioria dos casos os pais são separados, ou então não há a figura paterna biológica, presente na vida dos jovens, Em relação à renda econômica, nem sempre o fator pobreza é indicativo para o envolvimento com o crime. Em todos os verifica-se a incidência de crise familiar, quer seja por conflito de gerações, quer seja falta de limites impostos a estes jovens delinquentes.
A ilustre profissional, divide do mesmo posicionamento que outros citados anteriormente, depositando na família a responsabilidade pela formação e imposição de limites aos jovens e aponta ainda a sociedade capitalista consumista como causa relevante da marginalização. Tal assertiva merece grande atenção, visto que, a sociedade, especialmente os jovens, se vêem pressionados a consumir mais e mais, há uma maior valorização dos bens materiais, o que faz com que alguns valores morais percam-se no decorrer da história da humanidade, como exemplo, o respeito e solidariedade para com o próximo. Acontece que, em grande parte dos casos, as pessoas não desfrutam de uma situação econômica que consiga seguir os "padrões de vida", construídos pelo capitalismo, e o crime apresenta-se como uma caminho para se alcançar o poder e o dinheiro. Ainda sobre a marginalização de menores, esclarece que:
Não se atinge resultados positivos na ressocialização de menores se a família, também não for atendida e acompanhada. Na aplicação das medidas socioeducativas, tanto em meio aberto, quanto privativo de liberdade, carece de uma equipe multiprofissional que acompanhe o adolescente juntamente com a sua família de forma integrada, elaborando um plano de atendimento para cada menor. Afirma, que ainda não existe uma receita certa para ressocialização de menores, mas já se sabe, que seu envolvimento sadio com a família, é indispensável, caso contrário, a reincidência na prática de atos infracionais é fato previsto.
E continua:
Sem dúvida nenhuma, a desagregação familiar, não é o único fator desencadeante da marginalização juvenil. Mas em todos os casos atendidos no CREAS, observa-se a incidência de conflitos familiares, que vão desde a separação do casal, falta de afetividade, alcoolismo (pais e/ou mães), drogas e etc. Não é possível coibir o envolvimento de jovens com o crime isolado de sua família, o atendimento precede de conhecer a história do menor, quem é sua família, em qual contexto familiar ele está inserido e a partir daí identificar as melhores formas de abordagem e atendimento. Não é tarefa fácil e muito menos pode ser realizada isoladamente, mas há de se ter uma equipe multidisciplinar qualificada e comprometida, com conhecimentos teóricos e capacidade operativa.
Toda criança e adolescente, assim como qualquer pessoa carece de atenção, carinho, afeto, respeito e valorização individual. Cada um possui sua maneira de lidar e enxergar as mais variadas situações vivenciadas ao longo de sua existência. Viver é socializar, e socializar significa ter sabedoria para valorizar o direito alheio, é reconhecer a importância que cada indivíduo têm, quando visto como ente participante de um grupo, de um todo. É preciso, antes que mais nada, procurar formar cidadãos com virtudes morais e éticas, que o dignifique enquanto ser social, o que é possível através de uma educação saudável, que desfruta da presença de valores tradicionais, mas que também consiga visualizar as mudanças e evoluções humanas, afinal a "beleza" dos seres humanos reside no fato de que são pensantes e capazes de evoluírem.


CONCLUSÃO
A família é a base do Estado, nela reside o berço da humanidade, apresenta-se como um núcleo de desenvolvimento do ser enquanto pessoa humana, e a ela estabelece vínculos que jamais poderão ser rompidos, pois é a família a entidade responsável por transmitir as primeiras lições de aprendizado, de valores, princípios, de formação social e pessoal, é o local de crescimento e participação das pessoas enquanto seres que carecem de dignidade humana.
Esta grandiosidade que circunda o conceito de família, a faz como a entidade social e jurídica mais complexa a ser estudada e compreendida, já que seu conceito e extensão sofreram invariáveis alterações ao longo da história. Por isso deve-se sempre buscar adaptar as normas jurídicas à realidade da sociedade e das experiências vividas daquelas pessoas que a formam.
Por ser a instituição primeira, a família possui papel decisivo na formação do caráter social de crianças e adolescentes, onde os pais são responsáveis em ensinar as primeiras noções de educação à um ser que acabar de chegar ao mundo, uma vez que os homens apenas são felizes na medida que tornam-se morais e sábios.
O ser humano precisa ser educado, visto que ao nascer ainda não é nada, embora tenha a possibilidade de vir a ser múltiplas coisas, necessita ser moldado pela educação para que possa extrair de seu íntimo suas melhores potencialidades. Educar significa cuidar, evitar que a criança faça uso nocivo de suas forças, é transformar a "animalidade" em humanidade, significa acima de tudo, construir nas crianças e adolescentes o senso de equilíbrio que deve existir entre a liberdade e solidariedade para com o próximo, esclarecendo que o direito que detêm, deve existir até o ponto de não ferir o livre exercício do direito alheio, o que por si só, o conscientiza em ideais baseados na justiça social. Educar também é amar, sentir e dividir sentimentos puros que distanciam-se do egoísmo, aquele que educa primeiro deve amar.
Crianças e adolescentes advindas de lares desestruturados, possuem algum tipo de comportamento antissocial, sejam pelos mais variados fatos causadores, como: o desequilíbrio que vêm aliado a questões econômicas e sociais; ou ainda pela influência do modelo econômico capitalista que tanto valoriza o consumismo exacerbado; pela falta de instrução dos pais; pelas transformações históricas acerca do papel feminino no lar e em toda sociedade; pelo aumento de casos de divórcios e separações de casais, e a influência negativa que estes acontecimentos causam na vidas dos filhos frutos destes conflitos; seja pelo alcoolismo ou pelo uso de drogas; seja pela falta de educação e imposição de limites que devem os pais impor aos seus filhos, seja pela ausência da figura paterna, materna ou ambas; ou pela carência afetiva. Estes menores tornam-se indivíduos carentes de "atenção e carinho", o que desencadeia uma série de distúrbios psicoemocionais, que geram como características de comportamento humano a fraqueza ou a agressividade, que resultam em fatores sintomáticos de grande parte das causas da marginalização infanto-juvenil.
No Brasil, existem vários casos de crianças e adolescentes em conflito com a lei; a criminalidade é uma extensão da marginalização desses menores, que por sua vez é extensão da marginalização e desagregação de sua família. É fato que a sociedade e as pessoas que a compõem mudam e evoluem, o problema é que neste processo, perdeu-se valores morais e éticos, muito presentes nas ditas "antigas" civilizações, como o respeito e obediência, que deveriam ter os filhos pelos pais, em contrapartida o compromisso de cuidado e amparo destes para com aqueles, o que contribuiu em muito para que houvesse toda uma desestruturação na forma de relacionamento entre pais e filhos.
Os menores, tendem então a procurar "na rua" a supressão da carência de suas famílias, lugar este, que não desfruta da boa e saudável estrutura e capacidade educacional, aliás, o que se aprende "na rua", na grande maioria dos casos, os leva a se tornarem indivíduos criminosos.
Todas estas "tragédias" que ocorrem com os menores, em especial, na sociedade brasileira, não deveriam ocorrer em tamanha proporção, uma vez que desfrutam de uma legislação Constitucional e infraconstitucional, onde principalmente o Estatuto da Criança e do Adolescente, traz todo um rol de direitos e garantias fundamentais que asseguram a proteção integral desses pequeninos, os colocando entre os indivíduos detentores de direitos especiais, justamente por serem mesmo especiais. Simbolizam o presente, que deve ser capacitado e preparado da melhor maneira possível, para então ser e ter um futuro promissor, para poder ser cidadãos dignos, honestos, trabalhadores, pais e mães de famílias que também educaram seus filhos.
O citado Estatuto, prevê ainda uma série de medidas socioeducativas, que objetivam a ressocialização dos menores em conflito com a lei. Medidas estas que possuem cunho educador, e não predominantemente punitivo, como é a pena aplicada ao adulto que comete crime. Assertivamente, o legislador pátrio, visualiza nos menores, seres ainda em formação, que não podem sofrer o mesmo "peso punitivo" que uma pessoa já formada física e psicologicamente. O aumento da maioridade penal, em nada resolveria o problema da marginalização de crianças e adolescentes, uma vez que estes necessitam de educação e instrução moral, ética e social; prendê-los em cárceres os impediria por completo de poder redimir-se dos erros praticados e os retiraria a oportunidade de serem adultos sábios e morais.
A desagregação familiar não é o único fator determinante da criminalidade infanto-juvenil, mas com toda certeza influencia em muito para que isto aconteça. Aquele que tem em sua consciência a sombra da segurança de sua família, e consequentemente as lições que recebeu dela, freia-se incessantemente em seus comportamentos, na busca de não desviá-los do esperado pelas leis pátrias e dos valores de retidão moral cobrados pela sociedade.


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Autor: Natália Inácio Ferreira Borges


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