Responsabilidade Socioambiental



Responsabilidade Socioambiental
Tópicos Especiais em Sociologia Clássica / Ciências Sociais
Universidade Federal do Espírito Santo


INTRODUÇÃO

A questão ambiental vem ocupando, atualmente, posição de destaque no discurso político, econômico e organizacional de grandes empresas que têm, de alguma forma em suas atividades, algum grau de impacto ao meio ambiente através das suas linhas de ação e produção.

Existem, hoje em dia, mecanismos de ação, controle e fiscalização que promovem ajustes e imputam sanções para as empresas que não buscam se adequar às novas exigências relacionadas ao cuidado com a preservação e conservação ambientais. A certificação ambiental e o licenciamento ambiental são instrumentos desse gênero. A certificação decorre de uma exigência do mercado, ou seja, ela não é uma ação da vontade de forma espontânea, mas um instrumento comercial e social, que importa em estar inserido no modelo de empresa competitiva e reconhecida pelo comprometimento com o meio ambiente e com o social; o licenciamento, por outro lado, de intervenção do Poder Público na atividade privada, com a finalidade de proteção ambiental. Em ambos, no entanto, busca-se agir segundo uma filosofia do desenvolvimento associado à conservação ambiental.

Como analisar, à luz da sociologia, as questões pertinentes ao meio ambiente. Quais as modificações que estão atualmente ocorrendo na sociedade. Qual a gênese do movimento ambientalista e quais os caminhos que foram e que ainda estão sendo percorridos. O artigo indica teoricamente as principais implicações para a hodierna sociedade global. Indica também possíveis soluções para as questões que dizem respeito ao meio ambiente. Aponta as implicações das questões ambientais na formação da sociedade atual.

Segundo Durkheim, duas formas de solidariedade social podem ser constatadas: a solidariedade mecânica, típica das sociedades pré-capitalistas, onde os indivíduos se identificam através da família, da religião, da tradição, dos costumes. É uma sociedade que tem coerência porque os indivíduos ainda não se diferenciam. Reconhecem os mesmos valores, os mesmos sentimentos, os mesmos objetos sagrados, porque pertencem a uma coletividade. E a solidariedade orgânica, característica das sociedades capitalistas, onde, através da divisão do trabalho social, os indivíduos tornam-se interdependentes, garantindo, assim, a união social, mas não pelos costumes, tradições etc. Os indivíduos não se assemelham, são diferentes e necessários, como os órgãos de um ser vivo. Assim, o efeito mais importante da divisão do trabalho não é o aumento da produtividade, mas a solidariedade que gera entre os homens.

Palavras Chaves: projeto socioambiental, sustentabilidade, responsabilidade social, solidariedade.

Desenvolvimento

A certificação ambiental revela-se como um instrumento de grande importância para proteção do meio ambiente, e o discurso socioambiental valoriza as iniciativas de tal natureza. É o que ocorre, por exemplo, com o fomento de pesquisas e investimentos nas chamadas tecnologias limpas ou o que surge como uma nova vertente - "capitalismo verde".

Tanto a certificação como o licenciamento ambiental funcionam como meios de proporcionar e garantir o comportamento ambientalmente correto de uma determinada organização, embora possuam fins e princípios diversos.

É neste ponto que se situa a discussão em torno da qual os gestores da iniciativa privada objetivam simplificar o processo com um discurso socioambiental maquiado de verde, através da mídia como web site, banners, panfletos, outdoors e projetos de responsabilidade socioambiental.

Algumas idéias fundamentais decorrem desta análise, como o conceito de consciência coletiva: "O conjunto de crenças e de sentimentos comuns entre os membros de uma mesma sociedade, forma um sistema determinado que tem sua vida própria; podemos chamá-la de consciência coletiva ou comum. Sem dúvida, ela não tem como substrato um órgão único; é, por definição, difusa, ocupando toda a extensão da sociedade; mas nem por isso deixa de ter características específicas, que a tornam uma realidade distinta. Com efeito, ela é independente das condições particulares em que se situam os indivíduos. Estes passam, ela fica. É a mesma no Norte e no Sul, nas grandes e nas pequenas cidades, nas diferentes profissões. Por outro lado, não muda em cada geração, mas ao contrário liga as gerações que se sucedem. Portanto, não se confunde com as consciências particulares, embora se realize apenas nos indivíduos. É o tipo psíquico da sociedade, tipo que tem suas propriedades, condições de existência, seu modo de desenvolvimento, exatamente como os tipos individuais, embora de outra maneira". (Durkheim)

Edgar Morin norteia essa discussão destacando-se entre os teóricos contemporâneos no discurso ecológico e ambiental, bem como pela sua percepção sociológica sobre a relação Responsabilidade Socioambiental.

O movimento ecológico nasceu segundo Edgar Morin da convergência entre a ciência ecológica e o movimento neonaturista. Para Morin o pensamento ecológico baseia-se em certos resultados da ciência ecológica e examina o movimento ecológico ao mesmo tempo do interior e do exterior: tenta objetivá-lo e expressar sua validade. O pensamento ecológico é por sua própria natureza, um pensamento multidimensional.

O século XX é a idade da grande agonia planetária. É um momento histórico em que se impõe a exigência fundamental de uma unidade da espécie humana, de uma unidade que respeite todas as diferenças culturais e assuma a forma de confederação planetária. Se a humanidade não conseguir realizar está unidade, correrá com certeza o risco de se autodestruir em todos planos: político, biológico e mesmo vital, segundo Edgar Morin. (MORIN, Edgar. Por um pensamento ecologizado. In. CASTRO, E., PINTON, F. (org.). Faces do Trópico Úmido: conceitos e questões sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente. Belém: Cejup: UFPA-NAEA, 1997a. pag. 53-77)

Nas sociedades dominadas pela solidariedade mecânica a consciência coletiva abrange a maior parte dos membros desta sociedade. Nas sociedades dominadas pela solidariedade orgânica há uma redução desta consciência coletiva porque os indivíduos são diferenciados. Por isso, nestas últimas, em oposição às primeiras, ocorre um enfraquecimento das reações coletivas contra a violação das proibições sociais e há, especialmente, uma margem maior na interpretação individual dos imperativos sociais. (Durkheim)

A tomada de consciência de nossas raízes terrestres e de nosso destino planetário é uma condição necessária para realizar a humanidade e civilizar a Terra. Neste sentido o reenraizamento terrestre é em si mesmo uma finalidade. Tudo está ligado: a elaboração de nossas finalidades terrestres necessita o conhecimento e reconhecimento de nosso dasein cósmico, de nossa identidade terrena, de nossa condição antropológica, da idade de ferro planetária. (MORIN, Edgar. (Anne Brigitte Kern). Terra-pátria, Cap. IV ? pag. 105)

A vida é um feixe de qualidades emergentes resultantes do processo de interações e de organização entre as partes e o todo; esse feixe emergente retroage sobre as partes, interações, processos, parciais e globais que o produziram. (MORIN, Edgar. Ciência com consciência, Cap. 5 ? pag. 261 e 262)

Para Morin, descobrimos que temos um habitat que nos é consubstancial: nossa matriz, a Terra. Aos nossos olhos, os conceitos de "Terra" e de "Natureza" formam um todo. Assim "O homem está na natureza; a natureza está no homem".

Durkheim defende também o primado da sociedade sobre o indivíduo em que as sociedades têm prioridade histórica sobre os indivíduos e onde as sociedades têm prioridade lógica sobre os indivíduos, porque se a solidariedade mecânica precede a solidariedade orgânica, não se pode explicar a diferenciação social a partir dos indivíduos, pois a consciência de individualidade não pode existir antes da solidariedade orgânica e da divisão do trabalho social.

Desenvolvimento sustentável e sustentabilidade são termos hoje conhecidos mundialmente, embora seja um termo relativamente novo no vocabulário da política e das Ciências Sociais contemporâneas, suas origens remontam ao século passado. A noção de desenvolvimento sustentável alia o interesse pelo meio ambiente e pela proteção ambiental com obrigações às gerações humanas presentes e futuras. (LENZI, Cristiano Luiz. Sociologia Ambiental: Risco e Sustentabilidade na Modernidade, Cap. 1 ? pag. 49) Daí que os fenômenos individuais devem ser explicados a partir da coletividade, e não a coletividade pelos fenômenos individuais. Donde a divisão do trabalho ser um fenômeno social que só pode ser explicado por outro fenômeno social, como a combinação do volume, densidade material e moral de uma sociedade, sendo que o único grupo social que pode proporcionar a integração dos indivíduos na coletividade é a corporação profissional.

Embora os teoricos da teoria da modernização ecologica estabeleçam uma interdependência entre sociedade e meio ambiente, eles aceitam a existência de racionalidades diferentes (ecológica, social e econômica), governando essa relação. Assim modernização assume diferentes formas como um novo conceito que traz contribuições teóricas para um novo ramo da sociologia. Uma segunda vertente como o conjunto de estudos das Ciências Sociais que buscam analisar as políticas ambientais propiciadoras de um padrão mais ecológico de produção. Uma terceira corrente que considera a modernização ecológica como um programa concreto de política ambiental radical. (LENZI, Cristiano Luiz. Sociologia Ambiental: Risco e Sustentabilidade na Modernidade, Cap. 1 ? pag. 48)

Nas palavras de Mol (1995) a modernização ecológica é "uma transformação ecológica do processo de industrialização numa direção na qual a base de sustentação pode ser garantida". Modernização ecológica segundo ele, "indica a possibilidade de superar a crise ambiental enquanto fazemos uso das instituições da modernidade, sem abandonar o padrão de modernização" (MOL, 1995).

Beck e Giddens convergem claramente em suas considerações sobre a emergência de riscos com alto potencial de impacto e sobre suas implicações para o surgimento do que eles chamam de "modernidade reflexiva". Para Beck (1992), a primeira fase da modernidade é representada pelo surgimento da sociedade industrial, que tinha como principio organizador a questão da produção e distribuição de bens. Beck (1992), como Giddens (1991a), aponta o surgimento de uma segunda fase na modernidade, marcada pelo surgimento da "sociedade de risco". Uma sociedade que tem como eixo axial não a distribuição de bens, mas de riscos. Dentre esses, os riscos ecológicos são tanto para Beck (1992) como para Giddens (1991) os mais emblematicos nessa mudança. (LENZI, Cristiano Luiz. Sociologia Ambiental: Risco e Sustentabilidade na Modernidade, Cap. 1 ? pag. 50)

Durkheim afirma que os fatos sociais devem ser considerados como coisas e que os fatos sociais exercem uma coerção sobre os indivíduos. E explica: "É um fato social toda a maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coação exterior; ou ainda, que é geral no conjunto de uma dada sociedade tendo, ao mesmo tempo, uma existência própria, independente das suas manifestações individuais"

Nesse ínterim a afirmação de Durkheim remete a questão das normas ambientais que devem ser exteriores ao próprio individuo segundo a idéia de fato social, pois, a questão ambiental é uma questão coletiva que importa ao coletivo e portanto é muito maior do que o próprio individuo.


CONCLUSÃO

A proposta final foi estabelecer um paralelo que possibilite verificar a questão socioambiental e promover uma analise comparativa com algumas das teorias do fundador da sociologia Emile Durkheim com alguns teóricos contemporâneos sociológicos do Meio Ambiente como Morin.

A possibilidade de que se tenha um consenso, na acepção de Emile Durkheim, fornecido hoje pelos meios de comunicação social, fica muito claro que, partindo dos detentores de capitais, vai sempre significar uma justificativa para a manutenção dessa estrutura social. Aqui também é muito importante considerar que Emile Durkheim dava grande importância à escola, justamente pela possibilidade também da formação de um consenso. Ora a educação ambiental, hoje muito valorizada, pode servir também para a manutenção das estruturas do capital, por isso mesmo toda a insistência de um trabalho nesse sentido.

Para a sociologia, como ciência, torna-se cada vez maior o desafio de analisar as questões pertinentes ao meio ambiente. No artigo discutiu-se apenas alguns aspectos, mesmo porque o assunto é demasiadamente recente. A premência dessa discussão, transformada em questão global, obriga a que o conhecimento acumulado na sociologia possa refletir sobre assunto de tamanha importância. Mais do que isso exige que sejam pensadas soluções viáveis para esses problemas, a partir do conhecimento que se possa ter da organização da sociedade na qual se vive. Se os clássicos não se manifestaram claramente sobre o assunto, isso é devido, como se sabe, a percepção deles de que essa problemática ambiental não estava claramente expressa na segunda metade do século XIX.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MORIN, Edgar. (Anne Brigitte Kern). Terra-pátria. 2ª edição, Lisboa: instituto Piaget, Epistemologia e Sociedade, 2001.
MORIN, Edgar. Ciência com consciência. Trad. Maria D. Alexandre e MariaAlice Sampaio Dória. 7. ed. rev. mod. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
MORIN, Edgar. Por um pensamento ecologizado. In. CASTRO, E., PINTON, F. (org.). Faces do Trópico Úmido: conceitos e questões sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente. Belém: Cejup: UFPA-NAEA, 1997a. p. 53-77.
LENZI, Cristiano Luiz. Sociologia Ambiental: Risco e Sustentabilidade na Modernidade. Bauru: Edusc, 2006
Cf. ARON, R., As etapas do pensamento sociológico, São Paulo, Martins Fontes/Editora da UnB, 19872, pp. 295-375.
DURKHEIM, E., De la division de travail social, Paris, PUF, 1960, p. 46 ou em http://gallica.bnf.fr/Fonds_Frantext/T0088267.htm, p. 46.
DURKHEIM, E., As Formas Elementares da Vida Religiosa, pp. 260-261.
DURKHEIM, E., As Regras do Método Sociológico, pp. 92-93.

Autor: Aleandre Motta Alonso


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