O queijo e os Vermes



GINZBURG, Carlo. O Queijo e os vermes. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.



O queijo e os vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela inquisição é uma obra do historiador Carlo Ginzburg. O livro relata acontecimentos da vida de Domenico Scandella, mais conhecido como Menochio, este que nascera em 1532, em Montereale, uma pequena aldeia nas colinas do Friuli, um homem casado, com sete filhos, era "moleiro, carpinteiro, marceneiro e outras coisas mais", todavia a atividade mais exercida era a de moleiro, um cidadão normal, que dedicava a sua vida à família e à profissão, afirmava ser paupérrimo.
A história acontece por volta do Séc. XVII período marcado pela Reforma Protestante, em que as modalidades de exclusão eram a identificação e a repressão da heresia. O moleiro pronunciava palavras heréticas sobre Cristo, para o povo de sua aldeia, por isso foi denunciado ao santo ofício e perseguido. Havia uma descrença por parte dele quanto à virgindade de Nossa Senhora, à crucificação de Cristo, à bíblia, à adoração de imagens, entre outras.
Quem é que vocês pensam que seja Deus? Deus não é nada além de um pequeno sopro e tudo mais que o homem imagina; tudo o que se vê é Deus e nós somos deuses; o céu a terra, o ar, o mar, o abismo e o inferno, tudo é Deus; o que é que vocês pensam, que Jesus Cristo nasceu de Maria? Não é possível que ela tenha dado à luz e tenha continuado virgem. P. 35

Trata-se de um personagem alfabetizado, e suas teorias e blasfêmias foram influenciadas por leituras, a partir delas Menochio construiu suas ideias sobre a criação do mundo e seus dogmas religiosos, o autor enfatiza que Menocchio não partia de pressupostos, em consonância com Ginzburg, ele sofrera influência de obras que havia lido e de pessoas que conhecia e conversava.
Menochio possuía uma opinião formada a respeito de religião, dogmas, crenças, enfim, por ter esta postura foi convocado pelo tribunal eclesiástico, para um inquérito. Um amigo sugeriu que ele dissesse "apenas o que eles estão querendo saber, não fale demais e muito menos se meta a contar coisas; responda só o que for perguntado".(p.35). Menochio foi submetido a um primeiro interrogatório, no qual, de certa forma, ele confirmou suspeita de que havia desempenhado, na aldeia, o papel de professor de doutrina e de comportamento. ("vocês querem que eu ensine a estrada verdadeira?").P. 36. Por medo de ter o pai preso e por conselhos, um dos filhos de Menochio, optara por espalhar para cidade que o pai era louco, todavia, isso não teve credibilidade e o processo continuou. Ao final do 1° interrogatório, Menochio pedia perdão, entretanto, não renegava nada.
Houve vários outros inquéritos, e sempre Menochio expressava sem nenhuma restrição suas acusações contra os padres, a igreja, os sacramentos e as cerimônias eclesiásticas, tornando-se, pois, mais visado pela santa inquisição, afinal trata-se de um moleiro de opinião formada, que dizia:

"se não tivesse medo da justiça, falaria tanto que iria surpreender a todos, e se me fosse permitida a graça de falar diante do papa, do rei, ou de um príncipe que me ouvisse, diria muitas coisas e, se depois me matassem, não me incomodaria. P. 40

Menochio viveu anos no percurso, do cárcere para os tribunais da inquisição, mentindo, desmentindo. Com a pretensão de ser libertado das atribuições, chegou a ponto de afirmar que tudo o que disse foi em vão, e nada fez contra a igreja, porque o senhor o fez ver que tudo o que pensava ou dizia era vaidade, não sabedoria.
O personagem transmitia uma representação de perigo, uma vez que suas ideias podiam originar transtornos para a Igreja. Menochio era um inteligente questionador no universo de analfabetos, que pregava uma religião mais ampla e de igualdade para toda sociedade, baseando-se no fundamento de que todos pudessem crer em Deus, independente do cristianismo.

Em 1584, após ter passado por vários tribunais, Menochio foi condenado a perpetuar o restante de sua vida na prisão. Após dois anos ele teve a pena suavemente diminuída, voltou para a sua cidade condicionado a não mais sair de lá, e ainda deveria usar um hábito com uma cruz. Não obstante a isso, manteve sua posição e continuou a pregar as suas idéias heréticas, o que acabou estimulando um segundo julgamento em 1598. Por consequência foi condenado, torturado e morto na fogueira.
A história do moleiro trata-se de um exemplo, pois na época em que se passa a narrativa, era incomum que quaisquer pessoas se pronunciassem sobre a igreja e seus dogmas, e Domenico Scandella, sabendo dos possíveis danos atreveu-se a questionar, e ir contra tudo aquilo pregado pela Santa Igreja. "Entregando" sua própria vida.
Nem toda confissão é uma vitória da tortura; porque às vezes a pior tortura é ter a voz silenciada.

Carlo Ginzburg, é professor na Universidade da Califórnia e também deu cursos no Instituto de Estudos Avançados de Princeton e na universidade de Bolonha, Itália. Escreveu livros que já foram traduzidos em quinze idiomas e é um dos mais importantes e influentes historiadores de nosso tempo.




Larissa Rodrigues Araújo, acadêmica do curso de Letras Português/Espanhol da FUNORTE.



Autor: Larissa Rodrigues Araujo


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