A Metamorfose!



Com a minha morte material, me vi em um imenso altiplano cheio de urzes floridas e regatos cristalinos, com seixos colidindo mansamente deixando no ar um mavioso barulho sussurrante.
Por perto, observei várias pessoas, me parecendo de ambos os sexos, todas com uma mesma vestimenta constante de uma espécie de bata amarela que não amarrotava nem lhes era aderida nenhum fragmento do que na terra chamamos de poeira, não havia costuras nem golas e, muito menos, botões; o traje cobria-me como uma espécie de névoa e nem seria percebido caso não tivesse olhado para ele.
Sei que até ali fora levado pelo meu velho pai, igualmente com uma bata, contudo, de cor azul celeste; ao deixar-me ali, após muita efusão de abraços demorados e carinhosos, me relatou que estaria me observando de um plano um pouco mais acima, plano esse que eu poderia alcançar e que só me dependeria descobrir em como lá chegar. Antes de despedir-se, relatou-me , com ele, estava o meu sogro terrestre e outros parentes nossos, que se desencarnaram em épocas diferentes. Ao ir-se embora, disse-me que, no plano em que estava brevemente me encontraria com outros parentes e amigos, inclusive o “Brito” e o “Reuber”.
Os meus deslocamentos naquele planalto não me causavam nenhum cansaço ou desforço, não havia mudanças do clima e esse era à nosso gosto, se quiséssemos frio, o encontraria, calor... Também! Caso desejássemos uma chuva, era só pensar e ela apareceria da forma pleiteada.
Os deslocamentos eram rápidos e seguiam a linha do pensamento, como se todos nós fossemos, individualmente, apenas uma mente em expansão.
Tão logo reconheci que tinha morrido para o mundo terreno em que vivera por muitos anos, procurei, ansiosamente, guardar detalhes de minha vida anterior, família, entes queridos, eventos diversos e a causa de minha separação do meu corpo astral com o físico, entretanto, numa velocidade da luz, tudo foi esvanecendo-se e nem mais me lembrava corretamente do meu próprio nome com o qual fora batizado na terra.
Por uns momentos, entrei em desespero, sendo logo confortado por um estranho, que de mim se aproximara com uma bata igualmente azul, o qual me relatou ser preciso o esquecimento do passado para evitar o sofrimento num plano que era de felicidade sem algemas de nenhuma espécie; dizendo a mim que os que estavam ainda com o corpo físico teriam às suas chances de ali chegarem e comigo conviverem ou, ir a outros planos mais desenvolvidos, ou não.
Perguntei ao estranho o que eu deveria fazer do meu tempo disponível, com ele me respondendo:
—No seu planeta de origem o tempo não passa quem passa é os terráqueos, aqui, é ao contrário, o tempo passa célere e nós é que progredimos dentro dele o manejando ao nosso interesse, havendo apenas a ressalva:
Se o aproveitarmos no sentido da progressão para o bem, seremos premiados, todavia, isso não ocorrendo, teremos punições “de espera”, ou seja, não nos “desenvolveremos” e aqui ficaremos eternamente.
Com o passar do tempo sem nos aprimorarmos, cairemos na “mesmice” que nos consumiria se não fosse o Arquiteto do Universo intervir nos sugestionando a escolhermos outros planos que nos seriam dados pelo nosso merecimento e não pelo desejo da mudança pretendida.
Assim dito, o estranho se afastou ficando invisível e eu já sabia que ele tinha ido para o seu plano superior, fiquei um pouco triste porque, por uns momentos, pensara que o meu pai é quem  viria consolar-me.
No início, chegara a contar o tempo de permanência usando os dedos, até que cheguei à conclusão da enorme necedade desse proceder, primeiro, porque o tempo sempre se modificava e, segundo, em razão do meu pensamento ser muito mais veloz e perfeito em relação a qualquer contagem à moda terrena, cujos critérios também já começavam a desaparecer da minha memória.
Minha brincadeira predileta era ficar horas e horas (ou seriam dias?) em um viajar périplo só havendo lacunas para mergulhos continuados, com a água entrando pela minha fauce, indo ao estômago e tornando a sair sem me sufocar. Em outros momentos, ficava planando em levitação sobre o piso gramado com um pouco de receio de subir além da minha visão, achando que poderia ser punido por ir a planos superiores sem merecê-los.
Passando a mão pela face notei que ali não havia barba nem  ruga alguma, pensei rapidamente que, na terra,  fora um idoso e, em seguida, minha face enrugou e minha barba cresceu, de imediato,  pensei nos meus trinta anos (ou seriam séculos ? não mais sabia) entretanto, fiquei, de imediato... Jovem, forte e musculoso!
Tinha que haver um limite para tal poder, disso não tinha dúvida, no entanto, até aquele momento, o único que conhecia era o de só poder mudar de plano pelo merecimento.
Na tentativa de achar barreiras ao meu proceder, comecei a imaginar coisas, até então absurdas para mim, que tentaria colocá-las em prática, dessa forma, num resquício da minha falecente memória terrena, lembrei-me que tinha por costume brincar com os amigos a respeito de posições de nossos órgãos corpóreos.
Deitei-me na relva, cujas gramínias eram como seda acariciante, e comecei o meu teste:
Pensei que o meu estômago deveria ter uma boca externa na região do umbigo o que facilitaria a ingestão direta dos alimentos para aquele órgão distribuidor; num relance, a modificação foi efetuada levando para o umbigo a minha boca com sua fauce, língua, glândulas salivares e dentição, ao passo que, no lugar de origem, formou-se uma nova testa no “andar de baixo” da face.
Não gostei nem um pouco da modificação apoiado pelos meus pulmões que reclamaram da troca dos “encanamentos” que os abasteciam...  Desfiz a idéia no pensamento, com tudo voltando ao normal de antes.
Pensei que deveria ter dois corações a exemplo dos pulmões, rins e outros e, logo em seguida, senti o latejar dos dois em cada lado do tórax, novamente, os pulmões, destarte, acompanhado das artérias e veias, não gostaram em razão das mudanças de seus itinerários irrigativos... Refiz o meu pensar e tudo voltou ao que era dantes.
Imaginei um terceiro olho no centro de minha testa e ele apareceu radiante, contudo, nova chuva de reclames, dessa vez, por parte do par de olhos abaixo dele que se sentiram menosprezados e, no mínimo, deficientes, além de terem que servir de suporte ao novato que já chegara a plano superior a eles... Desfiz o pensamento e tudo voltou ao que era anteriormente.
Coloquei o meu pênis no lugar do dedo indicador esquerdo, fazendo a troca, porém, a bexiga, rins e os demais dedos, em coro, repudiaram a minha idéia; os dois primeiros, aduzindo ao fato da falta de canal do dedo modificado obrigá-los a aumentar o itinerário até a região palmar esquerda e, os demais, se referindo a facilidade erétil do novo parceiro os discriminando.... Novamente desisti da idéia!
Continuei fazendo experiências, contudo, sempre havia reclamações, todas justas, até que me cansei e optei por deixar tudo como estava antes, momento em que outro personagem, igualmente de azul, apareceu e me parabenizou pela atitude de atendimento aos reclames, dizendo que eu tinha, com isso, ganhado uns pontinhos na minha escalada de plano, perguntei onde ele vira o mérito de meus atos tresloucados, e ele me respondeu:
—Você tem plenos poderes, apenas com a exceção, já de seu conhecimento. É o gestor de todo o seu organismo que lhe está sujeito, poderia não ter atendido a nenhum dos órgãos reclamantes que eles nada poderiam fazer para evitar a metamorfose pretendida, entretanto, ao atender aos seus comandados, demonstrou benevolência com os seus servos e, isso, é moeda de grande valor em nosso meio! Daí, os pontos ganhos pelo seu louvável procedimento.
Acabando de dizer tais palavras, o ente desapareceu para local incerto e não sabido por mim.
Momentos depois (ou anos?) de mim se aproximou um jovem com uma bata amarela que apresentava um descomunal nariz adunco, tentei modificar o seu nariz pensando num outro mais condizente, porém, apesar de muito esforçar, não logrei o mínimo êxito, ao mesmo tempo em que uma centelha me atingia o cérebro avisando-me que eu só era gerente de mim mesmo, nada podendo fazer para modificar os meus companheiros de jornada, assim, fiquei sabendo do segundo impedimento a nós imposto pelo Criador, ou seja:
“A ninguém é permitido modificar a matéria do próximo a seu bel-prazer, o que é aceito é a orientação para a modificação do espírito ou alma, desde que o discente o aceite ou se submeta ao auxílio”
Matéria! Como matéria? Se a deixei na terra quando do meu falecimento (ou seria metamorfose?). Olhando para a minha áurea resplandecente, tive a certeza de que aquele corpo só ali estava pela minha iniciativa e, dessa forma, imediatamente pensei e me transformei numa águia, entretanto, o ente referido se aproximou e me cumprimentou de forma natural e sem formalidades, como se nos conhecêssemos há anos ou séculos, perguntei-lhe se ele tinha por hábito cumprimentar as águias, com ele me respondendo:
—Não estou vendo nenhuma águia, vejo apenas um rapaz que me parece um pouco receoso de tudo.
Naquele exato momento, entendi a razão da proibição de interferência na parte visível dos seres, tendo a convicção de que o nasal adunco do amigo que chegara era de seu desejo e... Espontânea vontade!
Depois de um pequeno (ou seria grande e demorado?) diálogo, o estranho despediu-se simplesmente desaparecendo, deixando-me num impasse de difícil solução: o que era permitido? O que era vetado? E, pior! O que fazer dos meus momentos se era tão fácil programá-los?
Alguma coisa já aprendera uma delas de que não havia necessidade de alimentos, contudo, se quisesse, bastaria pensar na iguaria desejada que ela estivesse pronta para ser deglutida a quantidade que fosse, em razão de, naquele local, não haver nenhum empaturramento ou mal estar, apenas o pseudocorpo recebia o alimento e ele mesmo o fazia exalar, talvez, para outra dimensão, também não havia necessidade de dormir, isso só ocorreria se fosse desejado e pelo período pretendido.
Continuando com as minhas pesquisas, às vezes, de forma jocosa, resolvi passar um susto em meu amigo Brito, procurando-o naquela imensidão que era chamada de plano, no que eu discordava, preferindo chamá-la de jardim. Ao meu lado, estava uma espécie de “soim”, um macaquinho que o resto de minhas lembranças o situava como morador do alto Jequitinhonha, comecei a olhar em volta e pensar numa forma de tudo abranger com a visão mental na procura desejada...
Algo pegajoso escorreu-me pelo calcanhar e, virando-me, deparei com o macaquinho vertendo água na minha perna, com uma urina que parecia não terminar de escorrer.
Quando ia reclamar, já que não poderia, nem se o desejasse magoar o animal, este me respondeu numa voz que ainda refletia nos restos de meus pensamentos terrenos como conhecida:
Como é Baracho! Esqueceu-se de mim? Pára de imediato, de macaco transformar-se no meu velho amigo “Brito”.
Em constantes abraços e sorrisos, ficamos quedados no gramado procurando recordar o passado, porém, pela ordem natural das coisas naquele “jardim”, de quase nada recordamos, nem dos nomes de nossas esposas ou filhos, Brito disse-me que a sua filha Denise estava em plano superior ao dele e sempre recebia visitas dela e da mãe dele, ambas, no plano das “vestes azuis”, me esclarecendo que na situação, ou plano, ou, ainda, jardim, em que nos encontrávamos, não tínhamos conhecimento do passado terreno que fora nos vedado para evitar sofrimentos, entretanto, os seres do plano brilhante, muito mais evoluídos em relação a nós, sabiam tudo do passado por mais remoto ou diversificado que fosse, porém, o contato nosso com eles era quase um milagre e só poderia transcorrer por iniciativa deles.
Prosseguindo com as suas instruções, o meu amigo disse-me que quando eu conseguisse dominar todo o meu poder, no plano em que estava, acabaria toda a minha apatia e tédio pela diversidade de coisas que poderia fazer com o conhecimento dos limites, momento em que poderia visitar os planos imediatamente inferiores, com a finalidade única de ajudar aos seus ocupantes, e que tais deslocamentos só eram permitidos para fins nobres, dizendo-me, inclusive, que já estava autorizado a fazer tais incursões e, no plano rosa, ter encontrado conhecidos, dentre eles o “Dr. Ivan” e outros.
Perguntei ao Brito como ele podia lembrar-se desses conhecidos se nem de sua família ou da minha nos lembrávamos, ele respondeu-me que todos os que se desligavam da parte material, conservavam a memória até mais lúcida do que antes com relação aos seus encontros e outros detalhes, ou seja:
Só eram vedadas às lembranças dos que ainda cumpriam os seus destinos no planeta ou planetas de origem, quando as almas ou espíritos ainda estavam encarcerados. Na délivrance, tudo se abriria para os que assunçavam para os planos acima da Terra e dos planetas de onde tinham se desligado.
Disse-me, ainda, que não havia profissões em nenhum dos planos a não ser a da solidariedade e amparo aos irmãos, e que as moedas circulantes em todos os planos mais elevados eram às seguintes:
Amor, caridade, piedade, benevolência, perdão, assistência e outras análogas, entretanto, no plano mais inferior de todos, aonde as vestes eram opacas, a moeda era o egoísmo, a ambição e o orgulho, razão pela quais os de plano mais acima iam lá, constantemente, tentar trocar as moedas com eles e, quando conseguiam algum êxito, o recebedor da “boa moeda” subia de nível e, imediatamente, levavam as moedas deles, consideradas “ruins”, para os brilhantes destruírem-nas na fornalha do Altíssimo.
Informou-me que, só quando pudesse dominar todos os meus conhecimentos do plano em que me encontrava, haveria possibilidade de mudança para um plano mais elevado, ou seja, o de trajes azuis, contudo, isso ainda demoraria um pouco , quando eu me encontrasse preparado para tal, ele viria com Reuber me ajudar, por um momento pensei em reencarnação, todavia, Brito, lendo o meu pensamento, disse-me:
—Nem sei o que é reencarnação, talvez seja algum termo da terra que você, por ser ainda neófito, conserva em sua quase desaparecida memória material, porém, na época e ocasião certa, nós viremos lhe ajudar, isso em razão de ainda estamos trilhando o caminho para tal ascensão.
Como o zunir do zéfiro, Brito desapareceu da minha frente, talvez à procura de Reuber, que estava em planos inferiores tentando trocar às suas boas moedas por outras mais inferiores a serem queimadas pelos brilhantes.
Sabedor de que não havia necessidade de me preocupar com o tempo, nem com a minha subsistência alimentícia, senti uma forte e inexplicável vontade de desligar-me, a única forma que me veio à mente foi o desnecessário dormir, contudo, mesmo assim, deitei-me planando na relva e fechei os olhos procurando não pensar em mais nada...
Ao longe, ouvi assobios insistentes, curtos e continuados, logo seguidos de muitos socos no meu peito, abri os olhos e, por alguns segundos confusos, vi um lindo garotinho soqueando-me, ao mesmo tempo em que me beijava no rosto, sem  saber bem o que estava ocorrendo, perguntei:
Quem é você? E ele me respondeu:
Sou eu vovô!... Daniel!  Filho de “Iêiei ”e mãe Di”.
De pronto, sentei-me em minha cama abraçando sofregamente ao meu netinho querido e ainda ouvindo o assobiar insistente de meu filho Anderson a chamar Daniel da sala de televisão.

TUDO FORA UM SONHO!...

Observações: Ao ter esse sonho, cheguei à conclusão de que ele era o oposto de pesadelo e que dele poderia extrair muitos ensinamentos, o maior deles: a moeda Caridade e Amor para que nunca utilizássemos as do Egoísmo e Orgulho, que só nos levaria ao plano opaco, quiçá... Inferno!
Também tive a convicção de que o Altíssimo inventou o sonho para nos preparar para o desencarnar definitivo, quando Ele  tirará o nosso espírito de nosso corpo carcereiro.

Sebastião Antônio BARACHO.
[email protected]
Fone: (31) 3846 6567

Ps. A seguir, uma homenagem minha ao “Pai da aviação!”:
RÉQUIEM PARA UM SUICIDA!
Homenagem a Drumond

Oh! Deus dos perdões impossíveis!
Retire de nós o martírio dos castigos
Causados por nossa carne perecível
E secionada por nossa vontade vilã.

Deposite no éter às nossas obras,
Porém, não pese o nosso desatino
Na mesma balança de eqüidade
Da benfazeja alma que desgarra!

Separe do joio o trigo puro
Crescido da mesma rama afim,
Mas, não jogue na fogueira,
O teu filho pelo gesto impuro!

Se alguém, em momento de angústia,
Separa a alma do corpo carcereiro,
Terá como acusador mais ferrenho
O seu passado do gesto derradeiro.

A alma sai do corpo violentado
Levando consigo ao julgamento
Toda bondade que o âmago emana
Pela fluidez do bem antes praticado.

Só será castigado o suicida
Que tiver a alma enlameada
Por más ações praticadas
Durante a vida desregrada.

Se até o carvão gera a luz.
Do lodo nasce também o lírio,
Por que o suicida não irá a Jesus
Apenas por um erro de delírio?

Sebastião Antônio BARACHO.
[email protected]


Autor: Sebastião Antônio Baracho


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