Violência doméstica contra a mulher:um enfoque à luz da Lei Maria da Penha



INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo de estudo a violência que acontece dentro do ambiente doméstico, sendo as mulheres as principais vítimas. Verifica-se que este é um problema muito grave, atingindo milhões de pessoas no Brasil e em todo o mundo.
O crime de violência doméstica era considerado crime de menor potencial ofensivo, sendo julgado nos Juizados Especiais Criminais. Mas, em setembro de 2006, entrou em vigor a Lei Maria da Penha (Lei nº. 11.340/06) que trouxe novos instrumentos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, fazendo alterações no Código Penal, na Lei de Execução Penal e no Código de Processo Penal.
Uma das alterações importantes foi fazer com que a competência para o julgamento desses crimes fosse dos Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e não mais dos Juizados Especiais Criminais.
O presente estudo é de caráter exploratório, de abordagem dedutiva, qualitativa, com o método de interpretação jurídico sociológico, sendo adotado o procedimento técnico especializado bibliográfico e quanto à técnica de pesquisa foi utilizada a documentação indireta.
O tema violência doméstica contra a mulher não é recente, porém a lei é muito atual, datando de sete de agosto de 2006. O material de estudo que trata especificamente da nova legislação é escasso, e poucas são as mulheres que têm conhecimento dos seus direitos e garantias. Considerando o exposto, o estudo tem por escopo a Lei Maria da Penha, procurando averiguar sua aplicabilidade e eficácia na prática, haja vista a precária situação em que os brasileiros vivem diante da triste realidade social e jurídica. A finalidade da lei já é reconhecida, uma vez que ela criou mecanismos para prevenir e coibir a violência contra a mulher, punindo seus agressores, mas se ela realmente vai alcançar este objetivo, só o tempo dirá.
O presente trabalho, para uma melhor compreensão e estruturação do estudo, foi dividido em três capítulos. No primeiro capítulo, foi realizado um breve histórico sobre a origem da Lei nº. 11.340/06, o porquê de sua denominação "Lei Maria da Penha", e a assistência dada à mulher quando for submetida à violência doméstica. No segundo capítulo, foi realizada uma análise sobre a política assistencialista a mulher que sofre violência.
No terceiro capítulo, realizou-se uma análise das principais inovações trazidas por esta lei, pois se considera de extrema importância uma vez que altera o ordenamento jurídico através da mudança no Código Penal.
Esta lei vigente trouxe para o ordenamento jurídico uma proteção para as vítimas, sendo destacado o surgimento da lei e dos artigos mais importantes, como a assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar, dos procedimentos e também da equipe de atendimento multidisciplinar. Protegendo as vítimas que, na maioria das vezes, não tinham a quem pedir socorro, e estimulando-as a denunciar tais agressões.

CAPÍTULO I

A LEI MARIA DA PENHA (nº. 11.340/06 )

1 O SURGIMENTO DA LEI MARIA DA PENHA

A lei nº. 11.340/06, editada em sete de agosto de 2006, passou a ser conhecida como Lei Maria da Penha, porque em 1983, no dia 29 de maio, na cidade de Fortaleza, no Estado do Ceará, a farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, enquanto dormia, foi atingida por tiro de espingarda, tendo como autor dos disparos seu marido, o economista Marco Antônio Heredia Viveiros. Devido a esse tiro, que atingiu a sua coluna, destruindo a terceira e a quarta vértebras, Maria da Penha ficou paraplégica. Acontecendo que depois de uma semana de ter retornado do hospital, a vítima foi submetida a uma descarga elétrica, planejada pelo então marido.
Mesmo negando a autoria dos ataques, as provas obtidas no inquérito policial o incriminaram, assim o réu foi então pronunciado em 31 de outubro de 1986, sendo levado a júri em quatro de maio de 1991, quando foi condenado. No entanto apenas em setembro de 2002, passados, portanto, mais de 19 anos da prática do crime, foi seu autor finalmente preso.
Preso em setembro de 2002, não chegou a cumprir nem 1/3 em regime fechado, sendo posto em regime aberto, retornando para o Estado do Rio Grande do Norte.
Com passar do tempo, diante da inoperância da legislação brasileira, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos recebeu, em 20 de agosto de 1998, a denúncia apresentada por Maria da Penha juntamente com o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM).
Tal atitude culminou com uma condenação do Estado brasileiro perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, através do Relatório 54/01, que concluiu ter sido o Brasil omisso em relação ao problema da violência contra a mulher de modo geral e, em particular, na adoção de medidas preventivas e repressivas contra Marco Antônio, recomendando providências por parte do governo brasileiro, visando tornar efetivas as Convenções destinadas a combater a violência contra a mulher.
A Lei nº. 11.340/06 cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, contendo quarenta e seis artigos divididos em sete títulos: Disposições Preliminares, Da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, Da Assistência à Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar, Dos Procedimentos, Da Equipe de Atendimento Multidisciplinar, Disposições Transitórias e Disposições Finais.
Nas Disposições Preliminares, constam os artigos 1º ao 4º que esclarecem os direitos fundamentais de qualquer mulher (direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à moradia, ao acesso à justiça, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito, à convivência familiar e comunitária dentre outros), independentemente da sua classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião.
Tais artigos visam garantir os direitos humanos das mulheres na esfera das relações domésticas e familiares, resguardando-as de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, preservando a sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.

CAPÍTULO II

2. DA ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

Este título é especificado na Lei nº. 11.340/06 nos artigos 8º ao 12º, sendo dividido em três capítulos que são: Das Medidas Integradas de Prevenção, Da Assistência à Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar e Do Atendimento pela Autoridade Policial.
O capítulo I, Das Medidas Integradas de Prevenção, traça diretrizes para a formação de políticas públicas voltadas a coibir ou prevenir este tipo de violência por meio de um conjunto articulado de ações entre União, Estados, Distritos Federal, Municípios e entes não governamentais.
O capítulo II, Da Assistência à Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar, prevê medidas específicas de proteção ás vítimas, visando atendimento e intervenção de defesa, socorro e assistência em diversas áreas, dando ênfase á atenção social, à saúde e à esperança.
A preocupação em preservar a integridade física e psicológica da vítima deve ser sempre observada. Quando for constatada a necessidade de preservação da sua integridade a mulher poderá ser afastada do trabalho sem perder o seu emprego, conforme o parágrafo 2º do art.9º da referida lei. Assim, se ela for servidora pública terá acesso prioritário à remoção se precisar, e se trabalhar em iniciativa privada, a manutenção do vínculo empregatício será assegurada por até seis meses.
O último capítulo, Do Atendimento pela Autoridade Policial, disciplina a intervenção atendimento policial, voltados à segurança da vítima, pretendendo garantir, através da repressão penal, que será aplicada, apenas a condutas violentas tipificadas como crime.
A violência contra a mulher tem que ser entendida como uma questão de saúde pública. O Judiciário não pode arcar sozinho com isso. Trata-se de uma demanda multidisciplinar.
De acordo com a juíza e autora Adriana Ramos de Melo,

As Delegacias de Atendimento à Mulher (DEAM?s) devem ser verdadeiros centros de atendimento, com serviços integrados, tais como alimentação hospedagem para as vítimas em situação grave, acompanhamento médico e psicológica orientação jurídica e assistência social.

Nesse quadro, o trabalho do juiz é voltado para o social. O magistrado não pode ficar preocupado tão somente em resolver o processo, mas sim, com o que esta por trás, ouvindo a família e buscando perceber o que eles realmente esperam do Judiciário.

CAPÍTULO III

O QUE MUDOU COM A NOVA LEI

3.1 INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI Nº. 11.340.06

3.1.1 Lei específica e criação dos juizados

O art. 1º da Lei nº. 11.340/06 esclarece que a Lei Maria da Penha cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, como também dispõe sobre a criação dos Juizados, estabelecendo medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência.
Esta lei trouxe muitos avanços significativos, como a criação de mecanismos de intervenção preventiva, repressiva e assistencial, a fim de assegurar a integridade física, psíquica, sexual, moral e patrimonial da mulher.
Os Juizados poderão ser criados pela União, no Distrito Federal, nos Territórios e pelos Estados que contarão com uma equipe de atendimento multidisciplinar, a ser integrada por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde, segundo art. 29, assim como a implantação de curadorias necessárias e do serviço de assistência judiciária.
As Varas Criminais acumularão as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes de tal violência enquanto não forem estruturados os Juizados Especiais. Inclusive, estes crimes terão direito de preferência para o processo e julgamento das causas de violência doméstica.

3.1.2 Formas de Violência

Antes do advento da Lei Maria da Penha, não se estabelecia as formas de violência doméstica. Porém, esta lei se preocupou em ser taxativa no tocante a estas formas, especificando-as como sendo: física, sexual, psicológica, moral e patrimonial.
Importante observar o termo "entre outras" trazido no caput do art. 7 º, provando que este rol não é exaustivo, podendo haver o reconhecimento de outras ações que configurem o crime de violência doméstica.

3.1.3 Prisão preventiva e prisão em flagrante

A lei Maria da Penha alterou o código de Processo Penal com o acréscimo do inciso VI ao artigo 313, possibilitando ao juiz a decretação da prisão preventiva quando não forem suficientes as medidas protetivas para proteger a vítima, havendo riscos à integridade física ou psicológica. A nova lei possibilita também a prisão em flagrante e, segundo Dias " a inovação é bem - vinda, pois vem atender às hipóteses em que a prisão em flagrante não é cabível".

3.1.4 Cesta básica

O legislador procurou deixar claro que a integridade da mulher não tem valor econômico e não pode ser trocada por moeda. A vedação está expressa em seu artigo 17: "é vedada à aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa".

3.1.5 Representação, renúncia e retratação.

Nos crimes de ação penal pública incondicionada não cabe a renúncia, uma vez que não existe representação. Porém, o crime de violência doméstica e familiar contra a mulher, como é de ação penal pública condicionada a representação da ofendida, caberá a renúncia, de acordo com o art. 16, perante o juiz em audiência especialmente designada com tal finalidade, até o recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

3.1.6 Comparecimento ao programa de recuperação e reeducação

O juiz poderá determinar o comparecimento do réu a programa de recuperação e reeducação, obrigando-os a participar dos programas de acompanhamento psicossocial.Segundo art. 44, § 4 º, CP, estando a pena no contexto das medidas alternativas, descumpridas a ordem judicial, a pena restritiva de direitos transforma ? se em privativa de liberdade.

Considerações finais

A violência doméstica e familiar é gênero, do qual é espécie a violência contra a mulher, e apesar de ter sido um assunto ignorado durante muito tempo, nos últimos anos ela vem ultrapassando o âmbito privado e ganhando dimensões públicas, em virtude de seus altos índices.
A Lei Maria da Penha foi um grande avanço na proteção da mulher em virtude da alta crise de impunidade e do assustador aumento de agressões dentro do ambiente familiar. Se era certo dizer que a mulher ao longo dos anos lutou incessantemente para a edição de um ordenamento jurídico capaz de proteger os seus direitos, a Lei Maria da Penha veio ao encontro desse anseio.
Entretanto, como relatado anteriormente, o processo legislativo, por si só, não conseguirá extirpar da sociedade a violência doméstica. Muito há o que se fazer: mudança de cultura, educação, melhor distribuição de renda, enfim qualquer tipo de violência só cederá com políticas públicas eficientes que visem acabar com as desigualdades sociais e de gênero.
Diante do exposto, conclui-se que, ao contrário da legislação anterior, a Lei Maria da Penha atende não apenas as expectativas dos operadores do direito, mas toda a sociedade na medida em que cria meios de garantir, por um lado, a imediata e efetiva proteção das mulheres que correm perigo de vida e, por outro, a participação compulsória dos agressores em trabalhos educativos de conscientização e esclarecimento dos direitos da mulher.



REFERÊNCIAS

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JESUS, Damásio E. de. Código Penal Anotado. Editora Saraiva: Brasília, 2007. A violência doméstica foi incluída no parágrafo 9º do Art. 129, crime de lesão corporal, do Código Penal Brasileiro, pela Lei nº. 10.886 de 17 de junho de 2004.

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Autor: Larissa Lucena Dos Santos


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