Novo Tribunal do Júri



INTRODUÇÃO
O presente artigo científico é resultado de uma análise sobre as principais mudanças do Tribunal do Júri depois da alteração do Código de Processo Penal Brasileiro.
O Tribunal do Júri é um conselho popular composto por indivíduos que integram a sociedade, cuja competência é julgar as infrações penais que conferem maior reprovação na comunidade, qual seja, os crimes contra a vida. Os sete jurados são responsáveis ativamente pela absolvição ou condenação dos indiciados, o que de certo traduz-se como a expressão máxima da participação popular no Direito.
Vejamos o novo Tribunal do Júri, sua origem, características e as críticas que surgiram depois da alteração do Código de Processo Penal.
1. ORIGEM

Há quem afirme que o gênese do Tribunal do Júri está no chamado Conselho dos Anciãos que data o período antigo, pois nesta instituição hebraica havia ampla publicidade dos debates, o acusado tinha direito de defesa, a preservação das provas etc.
Em seu manual de processo penal, Julio Mirabete descreve que o júri tem origem mítica, de caráter religioso, conforme a crença de que, se reunindo doze homens de consciência pura sob a invocação divina, a verdade será encontrada entre eles. O mesmo autor completa que a modernidade também contribuiu para a solidificação do Tribunal do júri, a Inglaterra e depois a França com a Revolução de 1789.
A concepção moderna de um Tribunal popular, segundo Guilherme de Souza Nucci, está explicitada na máxima de que nenhum cidadão poderá ser despojado, preso ou tolhido de seus bens, costumes e liberdades, senão em razão de julgamento de seus pares. A máxima, já preceituada no século XIII na Inglaterra, teve grande impacto na República instalada após a Revolução de 1789, onde o julgamento do júri " impunha-se como justo e imparcial, porque produzido pelo povo, sem a participação de magistrados corruptos e vinculados aos interesses do soberano" . Após a experiência na França e na Inglaterra, o tribunal do júri lançou bases para a contemporaneidade de uma instituição composta por cidadãos de relevante idoneidade moral capaz de julgar outrem que feriu o pacto social através de uma conduta social inaceitável.
No Brasil, o Tribunal do júri foi institucionalizado no período colonial pelo Príncipe-regente, que seguindo a tendência mundial compôs um corpo de jurado com 24 cidadãos "bons, honrados, inteligentes e patriotas". A primeira Constituição, de 1824, trazia as atribuições do Tribunal logo no capítulo próprio para o Poder Judiciário, ademais, os jurados tinham competência para decidir sobre causas cíveis e criminais.
As Constituições republicanas seguintes mantiveram o júri, todavia, este não era de natureza popular. A de 1946, que mais tarde lançou base para a atual, trouxe o caráter popular do Tribunal, talvez a intenção não fosse a mesma dos dias atuais, cuja garantias constitucionais são respeitadas. Segundo Nucci, o real motivo da Constituição do Estado Novo ter ressurgido com o Tribunal Popular:

A constituição de 1946 ressuscitou o Tribunal Popular no seu texto, reinserindo-o no capítulo dos direitos e garantias individuais, como se fosse uma autêntica bandeira na luta contra o autoritarismo, embora as razões tenham sido outras, segundo Victor Nunes Leal, ou seja, por conta do poder de pressão do coronelismo, interessado em garantir a subsistência de um órgão judiciário que pudesse absolver seus capangas.

A Constituição de 1988, solidificou os preceitos de sigilo das votações e plenitude da defesa, soberania dos veredictos, inseridos no capitulo dos direitos e garantias individuais. O tribunal do júri é uma garantia individual, mais que isso, é um direito e clausula pétrea.


2. CARACTERÍSTICAS
As características atribuídas ao Tribunal do júri variam de doutrinadores para doutrinadores, contudo, Néstor Távora lista 4 peculiaridades:
a) Órgão heterogêneo: o tribunal do júri por ser um órgão composto por um juiz-presidente e vinte e cinco jurados, dos quais sete formarão o Conselho de Sentença, tem este caráter heterogêneo na origem e composição do tribunal.
b) Órgão horizontal: não há posição hierárquica que sobrepõe as outras, o juiz-presidente não detém maiores poderes que os jurados e nem este estão sobre aquele. Na verdade, as atribuições do juiz-presidente e dos jurados são diferentes o que confere as relações inter-júri um nível igualitário.
c) Órgão temporário: o tribunal acontecerá somente durante alguns período do ano. " pelo alto número de crimes dolosos contra a vida, não é raro que o tribunal, notadamente nas capitais, opere durante todos os meses do ano. A definição dos períodos de reunião do júri é dada pela lei de organização judiciária de cada estado-membro (art.453, CPP), sendo que, em um mesmo dia, o Conselho de Sentença poderá apreciar mais de processo, desde que as partes concordem, devendo ser tomado novo compromisso (art. 452, CPP)."
d) Decisão por maioria dos votos: o art. 483, parágrafo 1 e 2 do Código de Processo penal, com redação da lei n. 11.689, dispõe que mais de três votos em um dado sentido já é suficiente para ter uma resposta do júri, isto porque, o legislador na tentativa de preservar o sigilo das votações fez com que o veredicto fosse decidido apenas nos quatro primeiro votos(maioria de sete), preservando também a integridade dos jurados.

3. JULGAMENTO POPULAR

A participação popular no julgamento do mérito dos crimes contra a vida inaugura a segunda fase do rito do júri, nesta etapa os vinte e cinco jurados assumem um papel importantíssimo no processo, pois serão eles que julgarão o mérito da ação.
Conforme o art.436 do Código de processo penal, estão aptos a serem jurados cidadãos maiores de 18 anos de notória idoneidade, isto é, que sejam detentores de valores morais concretos. Estes não podem se esquivar da obrigação do júri alegando divergências políticas, filosóficas, religiosas, pois se assim fizer importará no dever de prestar serviço alternativo, sob pena de suspensão dos direitos políticos (art.438). É notório que o legislador ao descrever a função do jurado atribuiu a eles qualidades imprescindíveis para que todos, independentemente de cor ou etnia, raça, credo, sexo, profissão, classe social ou econômica, origem ou grau de instrução, possam fazer parte do sistema judiciário, assim como fazer com que sintam-se responsáveis ? enquanto representantes da sociedade ? pelas decisões ali tomadas.
É relevante mencionar este aspecto do tribunal do júri quanto a sentença decretada pelo corpo de jurado. Conforme já exposto acima, as infrações penais contra a vida são condutas que conferem o maior grau de reprovação no núcleo social, em razão disso, deste inaceitável comportamento que enseja a instalação do júri para que a sociedade, representada pelos jurados, vote a favor ou não de acordo com o caso concreto. A sentença dada pelos sete jurados é de grande valia, uma vez que simbolicamente será uma decisão tomada pela a sociedade ali representada, em caso de condenação ou absolvição, as conseqüências são de responsabilidade de toda a comunidade, não apenas daqueles que estiveram na decisão do julgamento diretamente. Melhor explicando, o poder de decidir sobre a conduta de outrem é uma responsabilidade, digo, um encargo não só dos setes jurados, mas de toda a sociedade que terá que conviver com um criminoso se o absolves ou ter papel impositivo para recolhe-lo a uma penitenciária.
No que tange ao aspecto jurídico o julgamento popular só tem inicio após a preclusão da pronúncia, a consumação da delimitação do thema decidendum, a certidão de que a decisão precluiu para o Ministério Público e para a defesa. Uma vez que a thema decidendum torna-se inalterável:

Haverá possibilidade de oferecimento de rol de testemunhas pelas partes, até o número de cinco para cada, no mesmo prazo de cinco dias em que era apresentado o libelo-crime acusatório anteriormente à alteração legislativa trazida pela Lei 11.689. (...) Com a supressão do libelo, a pronúncia passou a ser o único parâmetro para a delimitação da acusação, ficando a acusação livre pra sustentar em plenário circunstâncias agravantes que antes deveriam ser consignadas no libelo-crime acusatório.

Nestor Távora suscita que o libelo era peça essencial, imprescindível para o processamento do acusado, a supressão deste dificultou de certa maneira a compreensão do teor descrito na pronúncia, uma vez que, esta é eivada de termos técnicos.

4. MUDANÇAS RECENTES: CRÍTICAS

Em 2008, a Lei 11. 689 modificou parcialmente o Código de Processo penal, especialmente a parte que trata de procedimentos. Assim, é óbvio que o Tribunal do júri foi reformulado em decorrência da lei, um dos intuitos do legislador foi tornar mais célere e mais prático os procedimentos para desafogar o sistema judiciário ainda atrelado a velhos hábitos burocráticos.
As mudanças mais significativas no procedimento envolvente do Tribunal do júri:
a) Aumento do número de jurados: vinte e cinco cidadãos de notória idoneidade farão parte do corpo de jurados, antes este número era vinte e um.
b) Supressão do libelo: "o libelo era a petição inicial da segunda fase do júri, retratava a pronúncia e fixava a amplitude da acusação que não podia ultrapassar seus limites, porém se admitia que ficasse aquém, na esteira de que o papel atual do Ministério Público no processo criminal é dúplice, agindo não só como parte, mas também como fiscal da lei." Os críticos afirmam que tal ausência fez fluir o julgamento do tribunal pois desburocratizou muitos atos.
c) Solicitação de diligência: o presidente do Tribunal do júri concede cinco dias para que o Ministério Público ou querelante e a defesa para que possam solicitar qualquer diligência, se não somente será permitido em situações de extrema necessidade.
d) Alegações finais: no rito anterior eram apresentadas de forma escrita, agora estas são orais. Estudiosos processualistas afirmam ser válido tal mudança, uma vez que, compacta em um único momento as considerações finais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
As mudanças do Tribunal do Júri apontam para um procedimento célere, econômico, e mais próximo da população, isto é, a extinção do libelo, o aumento do número dos jurados para 25 e a prevalência da oralidade nas alegações finais, possibilitam uma forma de julgamento mais participativo e concentrado em menos fases processuais.
O novo rito do Tribunal do Júri, por certo, atrai o Processual Penal para a vanguarda dos ramos do Direito, pois prioriza o princípio da oralidade e a participação popular nas fases de julgamento e defesa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MIRABETE. Júlio. Manual de Processo Penal. Atlas.São Paulo: 1999
TÁVORA, Nestor. Curso de Processo Penal.Lumen Juris. Porto Alegre: 2009.

Autor: Marília Gabriela Santos Anchieta


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