REEDUCAÇÃO AO INVÉS DE RECICLAGEM




REEDUCAÇÃO AO INVÉS DE RECICLAGEM: UMA PROPOSTA DE ADEQUAÇÃO DE NOMENCLATURA NO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO

Abelardo Julio da Rocha



I- INTRODUÇÃO
Entre as penalidades previstas na Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro, artigo 256, inciso VII, está prevista a freqüência obrigatória em curso de reciclagem.
Mais à frente o legislador estabelece os casos em que o condutor infrator será submetido a esta penalidade, verbis:
Art. 268. O infrator será submetido a curso de reciclagem, na forma estabelecida pelo CONTRAN:
I - quando, sendo contumaz, for necessário à sua reeducação;
II - quando suspenso do direito de dirigir;
III - quando se envolver em acidente grave para o qual haja contribuído, independentemente de processo judicial;
IV - quando condenado judicialmente por delito de trânsito;
V - a qualquer tempo, se for constatado que o condutor está colocando em risco a segurança do trânsito;
VI - em outras situações a serem definidas pelo CONTRAN. (gn)
Não há como deixar de perceber que, segundo o Código de Trânsito Brasileiro, a primeira circunstância que recomenda a aplicação da penalidade denominada freqüência obrigatória em curso de reciclagem é a necessidade de reeducação do condutor infrator.
Inegável, todavia, que nas demais circunstâncias também se vê cristalinamente a necessidade de reeducação do infrator, vez que sua conduta no trânsito mostra-se nociva aos demais usuários da via, sobrevindo, inclusive, em alguns casos, condenação criminal em razão disto.
II- DA NECESSIDADE DE REEDUCAR O CONDUTOR INFRATOR
Neste caminhar, vê-se que a penalidade sob lentes busca, em particular, provocar no condutor infrator uma profunda modificação de comportamento, o que só é possível por meio da educação no trânsito.
Aliás, é interessante destacar que serão penalizados com a "freqüência obrigatória em curso de reciclagem" os condutores que demonstrarem no trânsito pouca ou nenhuma civilidade, ou então utilizarem o veículo como arma.
Não há como afastar, obviamente, o caráter punitivo da reciclagem do condutor infrator, até porque tal natureza deriva de previsão legal, no entanto, é certo que o escopo maior colimado pelo legislador foi o de reeducar o mau motorista, chamando-lhe à reflexição acerca de sua má conduta.
Não é outro o papel da educação senão buscar mudanças de comportamentos na sociedade.
Se não for assim, o condutor sancionado concluirá a reciclagem cheio de mágoas contra o Estado e em nada modificará seu proceder no trânsito.
Então nos parece, neste particular, que o legislador deveria ter utilizado o termo reeducação e não reciclagem, como se vê no texto legal.
III- DA ETMOLOGIA DO TERMO RECICLAGEM
Muito embora a palavra reciclagem seja definida nos dicionários da língua portuguesa como sinônimo de aperfeiçoamento ou o melhoramento de alguma coisa, etmologicamente reciclar é possibilitar que alguma coisa realize mais um ciclo em sua vida.
Dizendo de outro modo, é refazer um ciclo.
A palavra reciclagem difundiu-se na mídia a partir do final da década de 1980, quando foi constatado que as fontes de petróleo e de outras matérias-primas não renováveis estavam se esgotando rapidamente, e que havia falta de espaço para a disposição de resíduos e de outros dejetos na natureza.
A expressão vem do inglês recycle (re = repetir, e cycle = ciclo).
Surgiu no Brasil graças a uma classe de trabalhadores que, sem outra opção de vida, passou a separar materiais contidos no lixo doméstico para vendê-los às indústrias.
Estas indústrias utilizando-se destes materiais os transformam, tornando-os aptos a serem utilizados novamente como matéria prima, ou seja, possibilitando-lhes mais um ciclo de vida.
A reciclagem dá ao material vida mais longa, com possibilidades de novas utilidades.
Todavia, em relação ao ser humano, reeducando para o trânsito, não nos parece apropriada a utilização desta nomenclatura.
Não é preciosismo, como poderia parecer ao leitor menos atento à profundidade desta reflexão.
Ao determinar a submissão do condutor infrator à "freqüência obrigatória em curso de reciclagem", não pretendeu o legislador o reinício de um novo ciclo, mas, sim, uma mudança de comportamento caracterizada, sobretudo, por uma tomada de consciência acerca de sua má conduta.
IV- DA DISCRIMINAÇÃO SOFRIDA PELO CONDUTOR INFRATOR DURANTE A RECICLAGEM
A primeira e mais grave conseqüência da inadequação da nomenclatura utilizada pelo legislador para indicar a reeducação do infrator é a discriminação que este padece ao comparecer no Órgão Executivo de Trânsito do Estado respectivo para freqüentar o curso de reciclagem a que foi submetido.
É comum os reeducandos para o trânsito, já em sala de aula, olharem-se mutuamente e se perguntarem o que o outro teria feito para merecer a reciclagem.
Inaquilatável o constrangimento que se instala.
Chega mesmo a haver introspecção dos alunos ante o receio de estar ao lado, de repente, de um criminoso.
Mais constrangedor, ainda, é para o educador, cuja missão, naquele momento, perante pessoas que estão ali mercê da aplicação de uma penalidade, é conduzir um processo de educação no trânsito.
Pessoas que estão sendo punidas, em geral, tendem a oferecer uma resistência inicial a qualquer abordagem porque esta situação gera no ser humano sentimento de insatisfação e contrariedade.
Mas, se ao contrário do que consta no texto atual do Código de Trânsito Brasileiro, houvesse uma penalidade de "freqüência obrigatória a curso de reeducação", certamente o condutor infrator teria uma outra percepção da realidade a ser enfrentada.
V- CONCLUSÃO
Ante o exposto, a nosso ver, o condutor infrator deve ser reeducado e não reciclado, como consta da atual redação do artigo 256, inciso VII, do Código de Trânsito Brasileiro. Aliás, neste mesmo sentido, deve ser banida do Código de Trânsito Brasileiro a palavra reciclagem.
Deve o Estado submeter o mau motorista a processo de mudança de comportamento, o que não se confunde com o reinício de um novo ciclo, como ocorre com os materiais na indústria. Trata-se de reeducação.
Isto porque educação engloba os processos de ensinar e aprender.
Trata-se, em última análise, de um ajustamento do infrator à conduta que dele se espera, enquanto personagem ativo e responsável pela segurança no trânsito.
Enquanto processo de sociabilização, a educação se extrema do conceito de reciclagem porquanto é exercida nos diversos espaços de convívio social, seja para a adequação do indivíduo à sociedade, do indivíduo ao grupo ou dos grupos à sociedade.
É por meio da educação que o indivíduo internaliza valores caros à sociedade na qual está inserido e, assim, poupa a si mesmo de uma consequente segregação social, em razão de maus hábitos.
O condutor infrator, por fim, deve ser reeducado para aprender a se comportar adequadamente na condução de veículo automotor, garantindo-se, assim, segurança e paz no trânsito.


Autor: Abelardo Julio Da Rocha


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