PETIÇÃO DE HERANÇA



PETIÇÃO DE HERANÇA


Introdução

Quando da abertura da sucessão, ocorre a imediata transferência de bens aos herdeiros (artigo 1.784 do Código Civil). É o princípio de sausine. No entanto, existe a possibilidade de a herança cair em mãos de quem não detém a condição de herdeiro, não excluindo, com isso, o direito sucessório de quem é verdadeiramente herdeiro.
O verdadeiro sucessor pode ter sido preterido, por exemplo, porque não era conhecido, porque não se encontrou testamento ou este veio a ser anulado, ou por se tratar de filho não reconhecido.
Em casos como esses, cabe ao sucessor prejudicado demonstrar a sua qualidade, para obter do possuidor a restituição do que a ele compete.
A saída é a via judicial, através da ação de petição de herança, conhecida como petitio hereditatis, que se constitui a proteção específica da qualidade de sucessor, para ser reconhecido como tal e obter, em consequência, a restituição da herança, no todo ou em parte, de quem a possua, na qualidade de herdeiro, ou mesmo sem título. E o que dispõe o artigo 1.824 do Código Civil: "O herdeiro pode, em ação de petição de herança, demandar o reconhecimento de seu direito sucessório, para obter a restituição da herança, ou de parte dela, contra quem, na qualidade de herdeiro, ou mesmo sem título, a possua".
Assim, "a petição de herança é a ação pela qual o herdeiro procura o reconhecimento judicial de sua qualidade, com vistas a recuperar todo ou parte do patrimônio sucessório, indevidamente em poder de outrem" (GONÇALVES, 2010, p. 143).
Alerta Carlos Roberto Gonçalves (2010, p. 142) que nem sempre a omissão do nome do herdeiro nas primeiras declarações ou no curso do inventário justifica o ajuizamento de uma ação, pois, conforme dispõe o artigo 1.001 do Código de Processo Civil, "aquele que se julgar preterido poderá demandar a sua admissão no inventário, requerendo-o antes da partilha". Nesse caso, o juiz, após ouvir as partes no prazo de 10 (dez) dias, decidirá. Se não acolher o pedido, remeterá o requerente para os meios ordinários, mandando reservar, em poder do inventariante, o quinhão do herdeiro excluído até que se decida o litígio.
Segundo o citado autor, o que o artigo 1.001 do estatuto processual proíbe é a reabertura de procedimento de inventário já encerrado, para que se examine a habilitação de herdeiro preterido, uma vez que até a partilha, qualquer interessado tem legitimidade para requerer o seu ingresso no inventário, não, contudo, depois de realizada.
Depois de encerrado o inventário, somente através de ação de petição de herança é que alguém pode pretender sua parte no patrimônio hereditário.
"Mesmo antes da abertura do inventário ou da partilha, o herdeiro pode pedir a reserva de bens enquanto tramita a ação de conhecimento em que busca reconhecer sua qualidade de sucessor. Depois de ultimado o inventário, a ação é a de petição de herança" (DIAS, 2008, p. 592).
Admite-se a cumulação de ações, desde que compatíveis os pedidos e adequado o rito processual. Frequentemente, cumula-se a petição de herança com a ação de investigação de paternidade ou com a declaratória da condição de companheiro.
A ação de petição de herança não se confunde com a ação reivindicatória, apesar de ambas terem a mesma causa de pedir: o direito sucessório do autor sobre bens que estão na posse indevida de outrem. O que as distingue é que a petição de herança tem caráter universal, ou seja, com ela o autor visa a uma universalidade: o patrimônio deixado pelo de cujus. Por sua vez, a reivindicatória é uma ação singular ou particular que pretende bens específicos, tendo por objeto coisas individualizadas.
Como bem ensina Maria Berenice Dias:

A ação reivindicatória é movida contra pessoa estranha à sucessão, em tudo igual à ação que seria proposta pelo autor da herança se vivo fosse. Na ação de petição de herança, é buscado o reconhecimento da qualidade de herdeiro e, sucessivamente, a restituição da herança. Assim, quando está em jogo a qualidade de herdeiro do autor, a ação é sempre de petição de herança. De outro lado, quando não se discute a condição de herdeiro entre autor e réu, a ação é a reivindicatória. (DIAS, 2008, p. 597).

Natureza jurídica

Muito se discute sobre a natureza jurídica da petição de herança.
Para alguns autores, trata-se de ação pessoal, ação de estado, destinando-se ao reconhecimento da qualidade sucessória de quem a intenta e visando, precipuamente, à positivação de um status. Para outros, cuida-se de ação real, uma vez que a herança é considerada bem imóvel (artigo 80, inciso II, do Código Civil), sendo uma universalidade de bens. Para uma terceira corrente, tal ação possui natureza mista, porque se destina, num primeiro plano, à apuração do título hereditário, exibindo índole eminentemente pessoal; e, num segundo, à reivindicação universal do patrimônio, de natureza real.
De acordo com Orlando Gomes (2006, p. 260), "a petitio hereditatis é uma ação especial, cuja singularidade provém da natureza particular do seu objeto". È uma ação de quem pretende ver reconhecido o seu direito sucessório e, também, para obter a restituição de todos os bens da herança, ou de parte deles, por via de consequência. Teria, desse modo, caráter misto pela duplicidade de seu objeto, por inseparáveis os propósitos de reconhecimento da qualidade hereditária (fim declaratório) e da restituição dos bens (caráter condenatório).
Segundo Carlos Roberto Gonçalves (2010, p.143), é necessário esclarecer o alcance do primeiro objeto da referida ação, isto é, o reconhecimento do direito sucessório, em razão de ordem de vocação hereditária ou de disposição testamentária.
Segundo a lição de Orlando Gomes,

A ação de estado é premissa da petição de herança, quando o título de herdeiro depende da prova de parentesco, como acontece em relação ao filho ilegítimo não reconhecido. Certificada a qualidade de parente sucessível, não implica, entretanto, investidura na de herdeiro, assim entendido o que deveria ter sido chamado. Atestada, porém, a qualidade sucessória, positiva-se o direito à herança, legitimando-se o pedido de restituição dos bens hereditários.
Em relação ao afastamento de herdeiro testamentário, a anulação em ação proposta pelo herdeiro legal também constitui premissa da petitio hereditatis, se, em conseqüência, lhe cabe recolher a herança, Em suma, ingressa em juízo para que se lhe reconheça o título de herdeiro com que se apresentava o possuidor dos bens hereditários.
Provada a qualidade sucessória, a recuperação da herança, no todo ou em parte, é natural e necessário corolário. (GOMES, 2006, p. 261, destaques no original).

Para Carlos Roberto Gonçalves (2010, p. 144), a petição de herança não tem o caráter de ação de estado, embora tenha duplo objeto - reconhecimento do direito sucessório e a restituição dos bens hereditários-, pois o primeiro é premissa do segundo, sendo este que, prática e especialmente, o herdeiro pretende atingir, cuja carga é condenatória
Predomina na doutrina o entendimento de que a ação de petição de herança é ação real, tendo, pois, natureza condenatória.

Legitimidade

Cabe a quem se afirma herdeiro e busca esse título, pretendendo que lhe pertença exclusivamente a herança, ou parte dela, valer-se da ação de petição de herança.
Dispõe de legitimidade ativa qualquer herdeiro, tanto legítimo quanto testamentário, assim como os cessionários e os adquirentes de bens hereditários. O herdeiro testamentário, seu substituto ou o fideicomissário têm legitimidade para a demanda.
Ocorrendo o falecimento do herdeiro preterido antes ou depois da abertura da sucessão, havendo direito de representação, os sucessores ode, propor a ação.
De acordo com Maria Berenice Dias (2008, p. 594), o herdeiro resultante das técnicas de reprodução assistida post mortem pode fazer uso da ação petitória para o reconhecimento de seu direito à herança.
Se não reconhecida a união estável pelos herdeiros em sede de inventário, o companheiro sobrevivente dispõe de legitimidade para a propositura da ação de reconhecimento da união, cumulada com a ação de petição de herança.
A ação também pode ser proposta por um herdeiro contra um coerdeiro que recebeu mais do que tinha direito.
A herança é um todo unitário de propriedade indivisível e regula-se pelas normas do condomínio (artigo 1.791 do Código Civil). Promovida a ação por somente um dos coerdeiros, a todos aproveita (artigo 1.825 do Código Civil). Qualquer dos coerdeiros pode demandar a restituição de todos os bens, ainda que seja o único a acionar o terceiro estranho à sucessão.
Em qualquer caso, compete ao autor a prova de seu título e qualidade.
Legitimado passivamente é o possuidor dos bens hereditários, com o título de herdeiro ou outra qualificação, ou mesmo sem título. Nesse rol, encontra-se o herdeiro aparente, ou seja, aquele que se encontra na posse de bens hereditários como se titular da fosse.
Cumulada a petição de herança com investigação de paternidade, constarão como demandados todos os herdeiros do falecido (e não o espólio), além do possuidor dos bens hereditários, formando um litisconsórcio passivo necessário, em razão da natureza da relação jurídica (artigo 47 do Código de Processo Civil), ainda que os herdeiros tenham renunciado à herança ou optado por sua cessão.

Herdeiro aparente

Quem está na posse dos bens da herança como se fosse herdeiro aparenta condição que não tem, aparecendo aos olhos de todos como titular definitivo dos direitos, ações e obrigações transmitidos. É o herdeiro aparente, assim considerado, por se encontrar na posse de bens hereditários, como se fosse o legítimo titular do direito à herança, assumindo, pública e notoriamente, essa condição.
O herdeiro aparente é reputado herdeiro legítimo, por força de erro comum ou geral, ou seja, é aquele que, não sendo titular dos direitos sucessórios, é tido como legítimo proprietário da herança, em consequência de erro invencível e comum; nunca foi herdeiro pela essência, mas foi pela aparência.
O resultado da ação de petição de herança contra o herdeiro aparente vai depender da natureza de sua posse, se de boa ou de má-fé.

Efeitos da sentença

Reconhecida a qualidade hereditária do autor da petição de herança, o efeito natural e principal é a transmissão da titularidade do patrimônio deixado em seu favor. A procedência do pedido da inicial, decretada em sentença transitada em julgado, gera o reconhecimento da ineficácia da partilha em relação ao autor da ação, dispensada sua anulação, bastando o simples pedido de retificação da partilha realizada anteriormente.
Os efeitos produzidos pela sentença são distintos em relação ao herdeiro aparente ou ao simples possuidor e em relação ao terceiro adquirente.
Em relação ao herdeiro aparente, sendo ele possuidor, sua responsabilidade rege-se pelas regras da posse, que pode ser de boa ou má-fé (artigo 1.826 combinado com os artigos 1.214 a 1.222, todos do Código Civil).
Assim, o herdeiro aparente, condenado na petição de herança, tem de restituir os bens com todos os seus acessórios. Responderá, ainda, por perdas e danos, bem como pelos frutos que tiver colhido, ressalvado o direito de retenção, se estiver de boa-fé. Faz jus ao ressarcimento das benfeitorias necessárias, ainda que de má-fé; das úteis, se estiver de boa-fé; e quanto às voluptuárias, somente no caso de boa-fé, poderá retirá-las, se puder fazê-lo sem danificar a coisa (artigos 1.219 e 1.220 do Código Civil).
É de boa-fé a posse se o herdeiro aparente a houver adquirido na convicção de ser o verdadeiro herdeiro (artigo 1.201 do Código Civil). É importante a crença do possuidor de se encontrar em uma situação legítima, pois se ignora a existência de vício na aquisição da posse (como a existência de parente que o precede na ordem de vocação hereditária ou se supõe válido testamento absolutamente nulo), ela é de boa-fé; se o vício é do seu conhecimento, a posse é de má-fé. Após a citação, o herdeiro aparente fica constituído em mora e se transforma em possuidor de má-fé (artigo 1.826, parágrafo único do Código Civil e 219 do Código de Processo Civil).
Quanto ao terceiro adquirente, deve-se verificar se a alienação que lhe foi feita pelo herdeiro aparente é válida ou não. Será considerado válido o negócio se alienados os bens a título oneroso a terceiro adquirente de boa-fé (artigo 1.827, parágrafo único, do Código Civil). Se o terceiro adquiriu de má-fé, o ato é ineficaz, competindo-lhe, por conseguinte, restituir os bens. Em relação aos bens recebidos a título gratuito, independe se o donatário estava de boa ou má-fé: cabe a restituição do bem. Em resumo: são eficazes as aquisições de boa-fé, por título oneroso, e ineficazes as de má-fé por esse mesmo título, bem coo as feitas a título gratuito.

Prescrição

Há muito o Supremo Tribunal Federal sumulou o entendimento de que a petição de herança é prescritível, através da Súmula 149, que dispõe: "É imprescritível a ação de investigação de paternidade, mas não o é a de petição de herança". Como não há previsão expressa, o prazo é o de 10 (dez) anos (artigo 205 do Código Civil).
O termo inicial do lapso prescricional e a data de abertura da sucessão. Todavia, se a legitimação depender do prévio reconhecimento da paternidade, será a data em que o direito puder ser exercido, ou seja, o momento em que for reconhecida a paternidade, e não o da abertura da sucessão. Nesse sentido, decidiu a 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, na Apelação Cível 134.291.4/4-00-Ribeirão Preto, de relatoria do Desembargador Ênio Zuliani. (GONÇALVES, 2010, p. 154).

Referências bibliográficas

DIAS, Maria Berenice. Manual das sucessões. 1ª ed., 3ª tir., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

GOMES, Orlando. Sucessões. 13ª ed. rev. e aumentada por Mario Roberto Carvalho de Faria, Rio de Janeiro: Forense, 2006.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 7: direito das sucessões. 4ª ed., São Paulo: Saraiva, 2010.

ALUNO DE DIREITO DA FACULDADE LAUDO DE CAMARGO "UNAERP" - LEONARDO POMPOLO DA COSTA.
Autor: Leonardo Pompolo Da Costa


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