A Ordem Do Discurso Dentro Da Lingüística Jurídica



Michel Foucault começa esta obra, que é na verdade a sua aula inaugural no Collége de France, dizendo que ao invés de tomar a palavra, ele gostaria de ser envolvido por ela e transportado para uma dimensão que estivesse além de todo o começo possível, porém Foucault também diz que não se deve temer o começo, pois se há algum poder no discurso, é somente de nós que ele provém.

Em seguida o autor passará a analisar o que ele chama de os três grandes sistemas de exclusão que atingem o discurso, a palavra proibida, a segregação da loucura e a vontade de verdade, os quais para ele, se cruzam, se reforçam ou se compensam formando uma rede complexa e mutante.

O primeiro deles abordará principalmente dois assuntos que naquela época já eram os mais polêmicos: sexualidade e política, que ligavam-se diretamente ao desejo e ao poder, o que não era de se admirar, pois mostrava ou escondia o desejo, também era o próprio objeto deste desejo, e o discurso político representava exatamente o poder o qual se pretendia.

O segundo procedimento assemelha-se mais a uma separação dos discursos pronunciados pelos loucos á qualquer validade ou expressão da verdade, que era rejeitado não só pelas autoridades judiciárias, como até mesmo pelos religiosos. Foucault suscita que isto poderia acontecer devido á capacidade que estes tinham de , ao contrário que se pensava ,  serem os únicos com reais e estranhos poderes de prever o futuro , e saber a verdade que ninguém sabia.

Para a Europa, por muito tempo, de fato a palavra do louco não existia e era tão somente pela percepção empírica das pessoas á estes discursos que se julgava quem era ou não era louco. Dizem que após o séc. XVIII isso realmente mudou  e que a palavra do louco não é mais tão nula, pois ela é reconhecida até mesmo nos discursos das pessoas mais normais, quando estas deixam escapar aquilo que queriam dizer. Mas na verdade longe de ter um fim a esta separação, o que existem são mais e aprimoradas técnicas de se avaliar a capacidade mental das pessoas, seja através da medicina, seja através de novos métodos da própria
linguagem.

O terceiro sistema de exclusão constatado ainda no séc. VI é o discurso verdadeiro, que é respeitado e temido pois advinha de quem emanava de direito o poder institucionalizado, porém, um século mais tarde  este discurso já não tinha mais a sua força no ato ritualizado proferido pelo soberano, mas na própria essência do enunciado , o que provocou uma verdadeira revolução em todos os sentidos pois o homem desalienou-se de uma fonte originária da verdade absoluta, e procurou descobrir outras fontes de conhecimento.

Esta vontade da verdade iniciada em meados do séc. XVI e XVII, especialmente na Inglaterra incentivava um conhecimento técnico cada vez maior para a verificação dos resultados em todos os níveis do conhecimento, pelo sujeito cognocente.

Para Foucault, este sistema de exclusão, á exemplo dos demais também tinha uma base institucional, mas era ainda conduzida pela maneira como o conhecimento a exemplo do direito, medicina sociologia e psicologia são impostos, valorizados e distribuídos em uma sociedade e desta forma exercendo uma certa supremacia ao demais discursos.

É deste último procedimento de exclusão do discurso que o autor mais fala, porquê enquanto os dois primeiros tornam-se cada vez mais obsoletos e fracos, o terceiro torna-se mais forte e admirável, porém é o menos falado como se ao chegar os resultados do discurso verdadeiro fosse só o que importava, talvez porque, alojado neste discurso esteja apenas o desejo e o poder de se atingir uma meta e desta forma só se divulgam os bons
frutos destes discursos verdadeiros.

Os sistemas de controle e delimitação anteriormente abordados por Foucault funcionam exteriormente e como procedimentos de exclusão, mas também existem para o autor os que são exercidos internamente pelos próprios discursos no âmbito do acontecimento e do acaso.

O primeiro deles seria o comentário, pois existem discursos que por mais bem elaborados que seja, não conseguem se preservar intocáveis, inalteráveis e inertes são os chamados discursos que se dizem no cotidiano e que são um tanto quanto efêmeros. Por outro lado existem os que são ditos que não passam, assim como os códigos jurídicos, as grandes
obras literárias e a bíblia.

Na verdade isto não é uma regra absoluta, pois muitas vezes, grandes textos que parecem inabaláveis acabam desaparecendo e sobram apenas os comentários, mesmo que mantendo a função do principal apenas mudando a configuração original.

Mesmo tendo os textos que se dizem uma grande vulnerabilidade, isto é importantíssimo, pois permite construir, a partir dos novos discursos um conhecimento cada vez mais apurado da verdade, a função do comentário é apenas de mostrar, portanto, o que havia de escondido ou não compreendido no primeiro texto.

O autor seria mais um princípio de controle do discurso, enquanto elemento aglutinador da origem e consistência do texto, mesmo existindo muitos que não são endossados por um autor.

Foucault refere-se agora aos textos que necessariamente são atribuídos a um autor como nas obras de filosofia, literatura, ciências etc...Enquanto na idade média era o nome do autor que validava ou não uma discurso científico, do séc. XVII aos dias atuais este
pensamento tem enfraquecido, o que já não ocorre com os discursos literários
onde o nome do autor ainda é e deverá ser cada vez mais fundamental. É, portanto a identidade ou a individualidade do autor que limita o discurso.

As disciplinas são outro princípio de limitação mutante e importante para o conhecimento da verdade, mesmo que para se chegar á uma verdade tenha que se formular e reformular várias vezes novas proposições, mesmo porque as disciplinas também são feitas de erros e de verdade. São contrárias ao do princípio do autor, pois dispõem de um conjunto de
métodos á disposição de quem quer que seja, independente de quem os criou.

Além do mais, para poder ser considerada uma disciplina, uma proposição deve satisfazer a complexas e fortes exigências. Ao adentrar em mais um grupo de sistemas de controle dos discursos, Foucault trata de valer-se destes para determinar as formas de funcionamento dos discursos peculiares aos grupos sociais, os quais só participam os indivíduos habilitados para tal.

Estava ele falando do ritual, o qual qualifica e define tais indivíduos que farão todo um teatro que dará eficácia ao membros do seu grupo (religioso, judiciário etc...).

Cabe ás sociedades de discursomanter e difundir esses discursos em seus restritos grupos, que até hoje, de alguma forma continuam exercendo uma carga de segredo em seus discursos. Existe também a apropriação social do discurso, que é utilizada politicamente
pelo sistema de educação, que não deixa de ser uma ritualização do discurso com seus poderes e saberes.

O sujeito fundador tem á sua disposição signos, marcas, letras que não são necessários transformarem-se em discursos para serem manifestados.

O autor define a essência do discurso como o surgimento da verdade que aparece quando tomamos consciência de si mesmos ao tempo em que se tem conhecimento total de tudo o que pode ser dito neste discurso. Em uma filosofia do sujeito fundante o discurso é um jogo de escritura, em uma filosofia da experiência originária, um jogo de leitura e em uma filosofia da mediação universal, um jogo de troca os quais apenas põem em jogo os signos, transformando-se o discurso apenas em significante.

O autor propõe, para que se análise as condições e os efeitos que o temor do poder do discurso causa na sociedade atual, optar por questionar a nossa vontade de verdade, devolver o caráter de acontecimento ao discurso e suspender a supremacia do significante.

Ainda em seu trabalho Foucault propõe os seguintes princípios: Princípio da inversão, onde diz que é necessário reconhecer o papel negativo de um recorte e de uma exclusão do discurso, o princípio da descontinuidade onde os discursos se ignoram ou se excluem, se e se cruzam descontinuamente, um princípio de especificidade que admite o discurso como uma violência que fazemos ás coisas para que estes encontrem uma regularidade e não esperar que o discurso já contenha o seu significado pré-definido.Há ainda o princípio da exterioridade que manda não passar do discurso para o centro do seu pensamento, mas ao contrário, passar do próprio discurso em sua íntegra para as possibilidades exteriores.

Se hoje temos quatro noções que orientam a análise que são a noção de acontecimento, a de regularidade, a de possibilidade e a de série, estas são opostas ás idéias que dominavam antigamente onde se buscava a unidade de uma obra, de uma época ou de um tema, a importância das significações ocultas, a marca de um autor e o ponto da criação.

A observação que se faz á história atual é que ela antes de considerar um elemento, procura determinar todos os fatores possíveis de conhecimento técnico deste elemento e também na atualidade o que importa como noções fundamentais são as da série e dos acontecimentos e as noções que a elas ligadas: causalidade, regularidade, dependência, descontinuidade e transformação.

Se pensarmos nos discursos pelo princípio da descontinuidade, devemos considerar este descontínuo como cesuras que rompem e golpeiam o instante e o sujeito. Em suma devem existir uma tríplice noção que ligaria a história dos sistemas de pensamento á prática dos historiadores: o acaso, o descontínuo e a materialidade.

Tendo como orientação às noções anteriormente ditas, Foucault divide sua análise em um conjunto crítico e outro genealógico, o primeiro relacionado ao princípio da inversão, tratando ainda sobre a análise de vários projetos a respeito dos procedimentos de exclusão, unificação e reagrupamento dos discursos e o segundo sobre de que maneira se formam os
discursos, interior ou exteriormente, seja descontínua, dispersa e regular, observando sempre os limites da formação real.A diferença entre o elemento crítico e o genealógico reside no ponto de delimitação e de perspectiva, mas, além disso, esses elementos enfim completarem-se e ajudarem-se mutuamente.

Foucault conclui que a análise do discurso, da forma em que foi colocada, não mostra toda a abrangência de um sentido, mas sim o sistema de exclusão e controle que é colocado de forma impositiva. O autor ainda relata que se valeu de modelos e apoios, sem os quais não teria conseguido desenvolver o seu raciocínio e agradece á alguns colaboradores que o
incentivaram como M. Dumézil e M. Canguilhem, o qual atribui ter por ele compreendido porquê não ter de ficar preso á história da ciência e principalmente á Jean Hippolite, mesmo sendo este muito influenciado pela obra de Hegel.

Jean Hippolite foi sem dúvida um grande mestre para Foucault, a ponto de no final, ele compreender porque sentia tanta dificuldade em começar, era porque gostaria que Hippolite estivesse presente o acompanhando e o apoiando durante todo o discurso.

Informações gerais :
Esta obra tem o título original de : Lòrdre du discours , com o subtítulo : Leçon inaugurale au collège de France , prononcée lê décembre 1970.

Na França foi publicada pela Éditions Gallimard, Paris, 1971.

Tradução: Laura Fraga de Almeida Sampaio São Paulo-SP , Edições Loyola , 1996 ( 79 páginas)


Autor: Mauro Roberto Alves de Oliveira


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