PAIDEIA: JESUS CRISTO E O MITO DA CAVERNA



PAIDÉIA - JESUS CRISTO E O MITO DA CAVERNA

1. INTRODUÇÃO

Certamente todos já devem ter ouvido falar sobre o "Mito da Caverna", em que Platão, há quase 2.400 anos atrás, descreveu a existência de homens confinados a viver acorrentados pelos pescoços e pernas desde a infância, sem poderem ver a luz do sol.

Nesta alegoria desenvolvida no livro A República , Platão descreve um diálogo entre Sócrates e seus discípulos, expondo metaforicamente a condição do homem que vive na esfera das aparências, e sua permanência ou não neste estágio, assim como a possibilidade de conhecer o inteligível.

No imaginário diálogo escrito por esse grande pensador da humanidade, os homens enclausurados nesta caverna não tinham condições de olhar para trás e lados, só para frente, onde viam refletidas na parede da caverna sombras de outros homens em seus cotidianos, transportando objetos e estatuetas de animais, sem poder vê-los diretamente. Como nunca viam outras coisas, mas apenas essas sombras, tinham-nas, as coisas, como originais.

Platão sugere uma transição desse estágio primário em que se encontram aqueles homens ao propor se pensar que eles fossem liberados de seus grilhões, e, com isso, "curados da falta de compreensão" que se abatia dentro da caverna. Porém, sempre que um prisioneiro fosse libertado de suas correntes e se dirigisse para cima, na direção da luz, não suportaria a dor causada pelo brilho, impedindo-o de enxergar as coisas como verdadeiramente elas são.

Somente pela acomodação dos olhos fora da caverna, à luz do sol, é que se poderia enxergar as coisas com mais facilidade, ou seja, o próprio ente, em vez de suas siluetas enfraquecidas.

Nesse estágio o homem compreenderia que somente a "Verdadeira Luz" , e não a sombra de seus reflexos, é a causa de tudo aquilo que se tinha antes, deturpadamente, como realidade.

Apesar da percepção metafísica proporcionada ao homem nesse período, Platão indica que a jornada ainda não se findou.

Com efeito, àquele que foi dada a possibilidade de enxergar a verdade tem por obrigação conduzir os acorrentados à Luz. Assim, nesta "alegoria", Platão instiga o homem livre a retornar à caverna para levar o conhecimento à respeito das sombras refletidas nas paredes do subterrâneo.

Porém, os homens que lá estão não compreenderiam as afirmações passadas pelo recém chegado do exterior e duvidariam dos relatos sobre tudo o que foi visto, colocando em risco a própria vida daquele que transmite tais informações.

Nada mais coerente quando focamos que Sócrates foi vítima dessa ignorância relatada por Platão, condenado à morte por suas idéias, e em seguida, o próprio Cristo, crucificado por aqueles que não conseguiram enxergar a Luz que advinha de seus ensinamentos.

2. PAIDEIA E JESUS

Contemporaneamente, a interpretação do filósofo alemão Martin Heideger sobre o "mito da caverna", nos dá conta de que a transformação do homem por meio daquilo que Platão denominou PAIDEIA , "se submete a uma mudança na essência da verdade". Noutras palavras, significa uma reorientação, um processo em que o homem muda de comportamento "que leva ao desabrochar" do próprio ser. Isso acontece pela modelagem da atitude moral, pela redenção da alma imortal, pelo desdobramento das forças criativas, pelo despertar da solidariedade, pelo respeito ao corpo, ou pela combinação desses fatores.

No mito, pelo processo de dialética em que o homem se depara, é possível à alma ver sua própria essência ? o objeto do conhecimento. A violência dessa transformação é libertadora porque desliga o ser do ente, a alma do corpo, forçando-o a renunciar o sensível pelo inteligível.

De fato, o homem lá na caverna, apegado à sua opinião inequívoca do que acha que é real "nem sequer pode pressentir a possibilidade de que o seu real seja apenas uma sombra". Não pode, porque não quer conhecer a luz que provém do exterior da caverna de seu ser.

Em sua obra Fédon, Platão deixa claramente perceber que "o pensamento filosófico mais profundo necessita de um afastamento dos sentidos", do que Sócrates chama de corpo, "e exige uma racionalidade mais abstrata e etérea".

Noutros termos, aquele que está acorrentado a sentimentos sensoriais refletidos no que entende por ser verdade, deve se libertar para caminhar em direção à luz, pois a realidade está no que não enxergamos com nossos olhos do corpo.

Trata-se de uma transição para fora da caverna, para a luz do dia, a partir daquilo que aparentemente se crê seja real, para o que de fato é a realidade. A Paideia, então, pode ser compreendida como uma firme atitude de transformação para querer desvelar o real com base em evidências postas, afastando a aparência do real, ou seja, a ignorância.

Por meio dela permite-se, assim, a apreensão das Idéias e, por conseguinte, alcançar a essência da razão.

Essa Idéia é a causa de tudo. Segundo Heidegger, ela é, também, "a Idéia que se chama o Bem". Essa causa mais elevada, e primeira, é denominada por Platão e por Aristóteles como "O Divino". Mas seu alcance, não se dá para todos. Ela é "supra-sensível que se avista com o olhar não sensível", e que se alcança com ferramentas inconcebíveis para o corpo.

Na vertente maçônica, essa metáfora poderia ser interpretada como a Escada de Jacó ou Despertar da Consciência, caminho íngreme da realidade espiritual percorrido por aqueles que viviam no caos dentro das cavernas.

Postas tais balizas, verifica-se, com perfeição, como tais argumentos se amoldam com perfeição aos ensinamentos do Cristo, valendo lembrar que naquela época, apesar da Judéia estar ocupada pelos romanos, grande era a influência da civilização helênica.

Vale então uma reflexão: Jesus não teria sido influenciado pelos ensinamentos de Sócrates e Platão, ou seu Espírito superior e transcendental já era portador destas elevadas idéias?

Não há dúvida que a transformação da alma vaticinada por Platão, e depois pregada por Cristo, é a essência da reorientação a que todos os homens devem aspirar como ideal de crescimento espiritual, afastando-se da ignorância das trevas.

Inolvidável que a ignorância dos homens provocou a morte de Jesus, mas antes, suas sementes foram lançadas com toda a força de suas Idéias, alterando para sempre a humanidade.

De fato, somente um espírito mais elevado e não acomodado como o de Jesus poderia provocar tamanha transformação na sociedade, com repercussões profundas que ecoam até os dias de hoje.

O cristianismo, no desprezo pelas coisas materiais, e com a mensagem de "vida bem-aventurada, baseada na fraternidade dos homens e no culto puro do verdadeiro Deus" , produziu por toda parte experiências audaciosas, sinceras e promissoras.

Assim, a PAIDEIA descrita por Platão há 400 anos antes de Jesus, vem se concretizar depois por meio das lições do Mestre, E NO PRÓPRIO MESTRE, como sendo o caminho para se chegar ao G.A.D.U..

Para evidenciar esses argumentos, disse Jesus, em João, 14:6: "Eu sou a verdade! Ninguém chega ao Pai senão por Mim.". E ainda no Evangelho de João, 8:12: "Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida."

3. CONCLUSÃO

Já se passaram mais de 2000 anos desde os ensinamentos de Cristo, Sócrates e Platão. Este último, metaforicamente, já argumentava que "os olhos" devem se acostumar aos poucos para poder enxergar a luz do conhecimento. Mas nada disso se dá sem que estejamos submetidos à dor da transformação. Não há mudanças sem rompimento de paradigmas.

O mundo de hoje vive na ilusão. Não se percebe a realidade, porque os homens estão dentro da escura caverna de suas mentes, percebendo apenas uma pálida sombra das coisas. Seus olhos estão cegos, e seus corações enrijecidos para não acreditarem no Mensageiro, que viu, verificou e atestou a realidade das coisas. Vivem esses homens presos na escuridão, acreditando nas sombras como vã realidade.

Com Heidegger concluímos que nisso consiste a Paideia: tornar os homens livres e firmes para a clara visão da essência fora da caverna, por meio da ascensão até a visão da Idéia mais elevada.

Quem contemplou as idéias no mundo inteligível desce aos que ainda não as contemplaram para ensinar-lhes o caminho. Por isso, Platão dissera que não é possível ensinar o que são as coisas, mas apenas ensinar a procurá-las. Tal tarefa não pode ser recusada por aqueles já contemplados pelo privilégio de sair do cativeiro.

Noutros termos, a missão dos libertos é conduzir os acorrentados à liberdade, mas não sem riscos à própria vida. Aquele que foi liberto deve retornar ao interior da caverna e proporcionar aos cativos o desvelamento da Verdade.

O Verbo nos proporciona a luz e há muito já foi dado pelo Cristo. Basta que cada um queira se libertar dos grilhões que o prendem na escuridão.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

HEIDEGGER, Martin. A doutrina de Platão sobre a verdade. Obras completas de Martin Heideger. Frankfurt: Vittorio Klostermann, 1976 (Tradução Cláudia Drucker e Silvana Gollnick).

PLATÃO. A República, Ed Rideel, 2005, vol. VII, p. 514-517.

PLATÃO. Fedão. Diálogos platônicos.

RENAN, Ernest. Vida de Jesus. Ed. Martin Claret, São Paulo, 2006

Autor: Vladimir Salles Soares


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