Bens Irredutivelmente Sociais



Taylor já aborda o conceito de bem-estarismo, isto é, a cultura do bem-estarismo, onde tudo é justificado sob a alegação "supra-bondosa" de um bem-estar geral, que pode ser entendida como uma característica do utilitarismo.
A primeira forma de utilitarismo alertado pelo filósofo canadense Charles Taylor é o conseqüencialismo. Este nada mais é que o ato de se colocar as finalidades acima de todas as coisas, anulando-se a legitimidade dos meios; acima até mesmo da universalidade ética. Ironicamente, a mesma e única ética que garante a liberdade política do conseqüencialista dizer o que ele pensa. Logo, em última análise, ser um conseqüencialista é não se importar com o direito de ser um conseqüencialista. É claro que como homens públicos e bem-informados, os conseqüencialistas sabem do risco. Por cinismo, fingem não saber.
A segunda forma de utilitarismo é o próprio pressuposto utilitário. Para Taylor o pressuposto utilitário é uma doença que leva o mesmo gen do conseqüencialismo.
O terceiro sintoma do utilitarismo é o atomismo. "O atomismo trata-se sobre as utilidades a ser ponderadas nos estados de coisas são as de indivíduos." Este, calcado em raízes filosóficas, visa exclusivamente os bens individuais, ou seja, o todo é formado pelas partes. Sem partes não há todo. Assim, a sociedade é formada pelos homens. Sem o bem-viver previamente estabelecido de cada homem a sociedade se arruína, pois o homem é o "átomo" da sociedade.
De acordo com Taylor, entra-se aí no seguinte problema. Os indivíduos logicamente contribuem com o pensamento de uma determinada nação ou região. Mas a estrutura de tal pensamento existe imersa em um "pano de fundo" social, recheado de significados e termos verbais construídos por todo um processo cultural coletivo.
É importante analisar, portanto, como Taylor procura desconstruir essa visão atomista, que é a base rochosa sobre a qual se assenta a doutrina liberal. A saída de Taylor passa pela linguística. Segundo o filósofo o pensamento só pode existir e subsistir quando imerso em um contexto mais amplo, em um pano de fundo, ou como o autor chama, uma "dimensão do significado". Seria impossível e absurdo, por exemplo, atribuir a cidadãos da Roma Antiga ou da Idade Média ações racionais no sentido em que Max Weber observa como fundamentais para o desenvolvimento do capitalismo moderno, Charles Taylor uma vez que tal forma de agir não fazia parte da "dimensão do significado" daquelas sociedades.
Taylor dá o exemplo dos termos "gratificante" e "sofisticado", que jamais poderiam aparecer em um romance medieval, pois tal tipo de classificação não estava presente no pano de fundo do séc. XIII, não podendo ser utilizada, portanto, pela linguagem, e nem mesmo estar presente no pensamento, uma vez que este seria dependente das bases lingüísticas de um dado contexto. Como sentencia Taylor: "num sentido mais forte, certos pensamentos são impossíveis em certas circunstâncias." Esse pano de fundo, no entanto, não pode ser localizado em indivíduos, mas apenas em uma situação de intercâmbios contínuos.
Evocando Saussure, Taylor se apropria da distinção entre duas dimensões distintas: langue e parole. 'A segunda refere-se aos fenômenos de fala particulares, mas pressupõe a existência de uma série de códigos que lhe permitem ganhar significado, a langue. O que o individualismo metodológico pressupõe, não obstante, é que, ao tomar o indivíduo como unidade analítica fundamental, é possível deixar para segundo plano ou mesmo ignorar a dimensão da langue. Mas isto seria um contra-senso, uma vez que, segundo a distinção saussuriana, a parole só pode se dar em um contexto mais amplo que lhe outorgue significado. Este pano de fundo seria a sociedade: "reconhecer o lugar independente da dimensão da langue significa aceitar em nossa ontologia social algo que não pode ser decomposto em ocorrências individuais. Esse é o passo crucial que nos faz sair do atomismo."
Essa discussão lingüística permite Taylor perceber com mais clareza a relação entre bens individuais e bem sociais.
As teorias atomistas tenderiam a ressaltar que não existem bens irredutivelmente sociais, uma vez que seria impossível determinar escolhas coletivas, mas apenas particulares. Uma vez que a sociedade é um conjunto de indivíduos, e cada um destes persegue uma concepção de bem própria não obrigatoriamente coincidente com os outros integrantes da sociedade, a única solução cabível seria que cada pessoa, e somente ela, pudesse perseguir suas escolhas. Não haveria espaço, portanto, para bens irredutivelmente sociais uma vez que seria impossível (ou pelo menos improvável) escolhas plenamente compartilhadas por toda uma comunidade.
O que as dimensões langue-parole permitem perceber, no entanto, é que estas concepções individuais "só podem ser boas de certa maneira, ou satisfatórias ou positivas à sua forma particular, por causa da compreensão do pano de fundo desenvolvido em nossa cultura." Isso significa que a cultura de uma sociedade acaba perpassando e mesmo garantido e justificando as concepções da boa vida dos cidadãos individuais. Enfim, é a cultura que torna os bens possíveis. A cultura, portanto, não pode ser colocada como bem individual, "ela é ?pública? no sentido de que não pode ser obtida por uma pessoa sem que seja garantida a todo um grupo."
Há ainda uma outra forma de definir os bens como irredutivelmente sociais: trata-se daqueles que incorporam necessariamente compreensões comuns; tal é 'o caso de sentimentos como o amor ou a amizade, que não podem ser reduzidos ao espaço individual uma vez que devem ter caráter recíproco. Um bem social é, portanto, indecomponível.'
A noção fundamental que Taylor defende, por conseguinte, é a de que é imprescindível para uma sociedade democrática estabelecer uma concepção comum de bem, da boa vida. Para tal, argumenta Taylor, é necessário introduzir no debate questões como identidade e comunidade, ou mais precisamente o tema do patriotismo. O arrazoado do filósofo canadense procura garantir as estruturas de uma "sociedade livre", no sentido de não-despótica. Como qualquer sociedade exige um certo número de sacrifícios, e em um governo despótico a disciplina é mantida pela coerção, uma sociedade que se queira ver livre deve substituir a coerção por alguma outra coisa, por uma espécie de auto-imposição. Essa "coisa" é a identificação voluntária por parte dos cidadãos com a polis, é a "vertu" de Montesquieu.
Taylor irá tratar esse interesse pelo bem-comum como patriotismo, a adesão a uma determinada comunidade histórica e política: "a condição essencial do regime livre (não despótico) é que os cidadãos tenham uma identificação patriótica mais profunda." Além do mais, postula Taylor, "o patriotismo não apenas tem sido um importante bastião da liberdade como continuará a sê-lo insubstituivelmente." A enfática assertiva está baseada na idéia de que unicamente o auto-interesse (onde está calcado o argumento liberal) jamais conseguirá dar conta de engendrar uma efetiva mobilização coletiva que possa a vir fazer frente a déspotas potenciais.
Esclarecida a crítica de Taylor a um modelo ontológico atomista e sua explícita defesa da necessidade da busca de um bem-comum, Charles Taylor ressalta a importância de haver esse tipo de discussão, que chama de discussão moral, uma vez que ela oferece clareza para nossa realidade atual, e é exatamente isso que o bem-estarismo não permite segundo a opinião do autor: "Enquanto pensar que todos os bens têm de ser individuais, e que qualquer outra concepção é incoerente, você não pode ver que há aqui um argumento moral."
Pela perspectiva do próprio Taylor, o atomismo nada mais é que uma confluência de interesses mútuos. Portanto, fatores como a praça pública, a rua asfaltada e a polícia, não estão no rol dos "bens irredutivelmente sociais", simplesmente porque beneficiam indivíduos, pois estes bens, em verdade, são abstratos.
Fica transparente, assim, que os bens irredutíveis não estão nas coisas nem nos direitos às coisas, como querem os utilitaristas em todos seus tipos de utilitarismo. Por fim, Taylor afirma: "E é por isso que vale a pena mostrar por todos os lados do debate que existem de fato bens irredutivelmente sociais."
Como percebemos, Taylor em sua avaliação crítica de um modelo liberal, calcado em uma ontologia atomista, propõe uma noção holista da natureza humana e da sociedade, o que lhe permite estabelecer uma noção de bem comum, através da distinção saussuriana entre langue e parole. Longe de isso ser um impeditivo da liberdade, como podem sugerir os seguidores da tradição liberal clássica, Taylor procura mostrar que a própria noção negativa de liberdade acaba por hierarquizar os desejos, o que seria, mais uma vez, um indicativo da possibilidade (e necessidade) do estabelecimento de bens comuns, uma meta única a ser alcançada e respeitada por todos os cidadãos de uma determinada sociedade civil.


Autor: Ana Paula Silva


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