A Desaposentadoria



A DESAPOSENTADORIA

A possibilidade do segurado em renunciar sua aposentadoria ? a chamada "desaposentadoria" - para com isso conseguir um benefício financeiramente mais vantajoso para aqueles que, apesar de já terem se aposentado, permanecem no mercado de trabalho após jubilação, começa encontrar respaldo jurídico favorável. Por se tratar de direito patrimonial disponível, nos parece clara a possibilidade de renúncia.

Dessa forma, o ponto conflitante da doutrina e também na jurisprudência sobre o tema versa apenas sobre a obrigatoriedade das devoluções referentes aos valores até então recebidos com o advento da aposentadoria inicial, para percepção do benefício novo, pelo mesmo regime previdenciário, considerando-se o tempo e salário de contribuição, observados a partir da primeira aposentadoria.

Analisando a jurisprudência, encontramos a decisão da 6ª Turma do TRF ? 4ª Região, a qual sustenta a necessidade de restituição das contribuições da seguinte maneira:

"tem entendido perfeitamente cabível o pedido de concessão de novo benefício, desde que haja renúncia da sua situação de jubilado com efeito ex tunc, ou seja, com a devolução dos proventos até então recebidos, atualizados monetariamente pelos índices oficiais vigentes em cada recebimento, até o efetivo pagamento, sob pena de enriquecimento indevido por parte do aposentado que requer a renuncia" (AC 2008.71.00.017998-2 ? Sexta Turma, Relator Victor Luiz dos Santos Laus, DJU 29/07/2009);

"Para a utilização em novo benefício, do tempo de serviço e respectivas contribuições levadas a efeito após a jubilação originária, impõe-se a devolução de todos os valores percebidos, pena de manifesto prejuízo ao sistema previdenciário e demais segurados, com rompimento do equilíbrio atuarial que deve existir entre o valor das contribuições pagas pelo segurado e o valor dos benefícios a que ele tem direito" (AC 2000.71.00.00.001821-5 ? Sexta Turma Relator Desembargador Federal Néfi Cordeiro, DJU 03/09/2003).

No entanto, notamos que tal entendimento, sustentado pelo Tribunal supracitado, considerando a devolução das importâncias recebidas à título de aposentadoria pelo "antigo" aposentado interessado em "desaposentar-se" necessita de provas (embasamento matemático, monetário e atuarial). Tais decisões judiciais apenas defendem o locupletamento por parte do desaposentado em prejuízo do sistema de contribuição previdenciária, todavia, sem nenhuma prova perita de técnica contábil para provar e sustentar tal interpretação.

Já o STJ, tem a seguinte inteligência: "o ato de renunciar a aposentadoria tem efeito ex nunc e não gera o dever de devolver valores, pois, enquanto perdurou a aposentadoria pelo regime geral, os pagamentos, de natureza alimentar, eram indiscutivelmente devidos".

As Turmas da 3ª Seção no STJ acrescentaram, que a renúncia à aposentadoria, para fins de aproveitamento do tempo de contribuição e concessão de novo benefício, seja no mesmo regime ou em regime diverso, não importa em devolução dos valores percebidos"
(AgRg no REsp 926120 / RS, Quinta Turma, Relator Ministro JORGE MUSSI, DJU 08/09/2008).

Assim, com o artigo ora apresentado, pretendemos nos aprofundar no estudo da matéria em epígrafe, sobretudo no intuito de abordar um enfoque à questão jurídica em tela nas esferas judiciais.

A Previdência Social nada mais é do que um seguro social. E como qualquer outro seguro, é um instituto contributivo e seu regime de contribuição tem que alcançar um equilíbrio financeiro e atuarial, segundo os próprios preceitos da Constituição Federal estabelecidos em seus artigos 195 e 201.

Em outras palavras, isso quer dizer que, os benefícios nada mais são do que uma conseqüência das contribuições feitas ao sistema, e que este benefício tem, obrigatoriamente, que estar relacionado às contribuições realizadas.

Chamamos de cálculo atuarial a análise de determinado benefício previdenciário e a avaliação e conclusão do seu custo. A ferramenta matemática que estabelece a quantidade de contribuições mensais que são necessárias para se dar início ao pagamento da aposentadoria pretendida.

Através de modelos estatísticos e cálculos de probabilidade, projeta-se o perfil dos fluxos de caixa arrecadados com um determinado plano previdenciário, a partir dos seguintes pressupostos: a base legal, a base cadastral e a base atuarial.

Combinando as variáveis acima e projetando-as no tempo, estabelecemos se as contribuições são suficientes para a contemplação do respectivo benefício
previdenciário.

O total dos recursos da Previdência, provenientes da arrecadação de todas contribuições e de seu investimento no mercado financeiro, tem que ser suficiente para o pagamento das aposentadorias e benefícios delas decorrentes, até a morte de seu último beneficiário, e de estarem disponíveis na ocasião de sua exigência formal e legal. A isso nomina-se, tecnicamente,
"equilíbrio financeiro e atuarial".

Caso um regime de previdência social não consiga existir através das contribuições dos segurados e de seus empregadores, este regime começa a
apresentar déficits crescentes. Esses déficits, a fim de preservar o sistema previdenciário, são suportados com recursos do Tesouro Nacional.

Até 1998, o cálculo usado para atingir o valor do benefício inicial de aposentadoria era negligente em relação à esse equilíbrio financeiro e atuarial, pois o benefício inicial era baseado unicamente na média aritmética simples dos trinta e seis últimos salários-de-contribuição, (sendo que os últimos 12 (doze) meses não eram atualizados, o que mudou posteriormente, para a atualização integral dos 36 (trinta e seis) últimos salários-de-contribuição). O que resultava dessa fórmula de cálculo era o grande benefício das categorias profissionais com melhor remuneração que, ao final de carreira, conseguiam auferir melhores salários. Isso estava radicalmente contra o histórico contributivo do segurado, uma vez que os trinta e dois anos anteriores a esses três últimos da base de cálculo estavam calculados em salários menores, especialmente os do inicio de carreira. Assim, o mais justo em qualquer regime
de previdência que queira ser equilibrado e longevo, cumprindo suas funções, deveria poder refletir todo o histórico contributivo do segurado desde o primeiro dia de trabalho.

Pois bem, o sistema de cálculo acima, não é necessário dizer, levou a anos de desequilíbrios crescentes, e com a não aprovação da idade mínima para a aposentadoria na reforma constitucional oriunda da PEC 20, aprovada em 1998, o Ministério da Previdência Social buscou encontrar formas de se estabelecer a correlação entre as contribuições e os benefícios pagos para se caminhar, gradativamente, para o desejado equilíbrio financeiro e atuarial.

Tal medida certamente deveria observar as disposições constitucionais, especialmente o tema mais polêmico: o não estabelecimento de uma idade mínima. A nova fórmula de cálculo do beneficio inicial passou a considerar, então, não mais os últimos trinta e seis meses de contribuição, mas sim todos os meses de contribuição desde julho de 1994 até a data da aposentadoria.

O período escolhido foi em razão da estabilidade da moeda com o Plano Real a partir de julho de 1994. Assim, gradativamente, seriam considerados para efeitos de aposentadoria períodos contributivos cada vez maiores até chegarmos aos 35 anos de contribuição, considerados para aqueles que começaram a trabalhar em julho de 1994.

Por uma decisão em favor dos trabalhadores optou-se por se descartar os 20% piores (menores) salários de contribuição.

Feito isso, haveria necessidade de uma fórmula que correlacionasse a poupança previdenciária com o usufruto dessa poupança, pois a simples consideração dos 80% melhores salários de contribuição não garantia o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema previdenciário previsto no art. 201 da Constituição Federal, talvez o mais importante dispositivo constitucional referente à previdência social em nossa Carta Magna.

A fórmula proposta, chamada de fator previdenciário, passou a considerar fatores como: o tempo e alíquota de contribuição, a idade e a expectativa, de sobrevida, introduzindo "variáveis atuariais" no cálculo do beneficio.

Tal fórmula ensejava uma "capitalização escritural". Isto significa que, embora o INSS use as contribuições mensais para pagar os benefícios mensais e não haja formação de poupança - ou seja, não há lastro ou reservas financeiras - seria como se todas as contribuições do segurado fossem sendo virtualmente capitalizadas. As contas são imaginárias, pois os recursos arrecadados são usados para o pagamento de benefícios em manutenção, e o cálculo do beneficio é feito com base na divisão de um valor acumulado contabilmente em nome do segurado dividido pela expectativa de sobrevida (IBGE) do mesmo segurado no momento da aposentadoria.

Assim a poupança virtualmente acumulada seria gasta nos meses em que o segurado vivesse na condição de aposentado, sendo extintas as reservas no momento da sua morte ou da inexistência do último beneficiário.

Se observarmos na fórmula do fator, a primeira parte retrata rigorosamente isso, ou seja, compatibilizar o histórico da vida laboral do segurado com
as perspectivas futuras da sua manutenção na inatividade (TC x a=poupança/ ES = usufruto da poupança).

Deve ser considerado ainda que houve a adoção de uma alíquota única de contribuição de 31% (0,31), beneficiando todos os segurados como se
todos contribuíssem pela alíquota máxima (20% do empregador e 11% do empregado).

A segunda parte da fórmula é, na verdade, um bônus pela permanência em atividade e pela não aprovação da idade mínima para a aposentadoria na Constituição reformada em 1998. Neste caso, optou-se por um bônus que privilegiasse aqueles que, mesmo podendo se aposentar, decidissem permanecer em atividade laboral mais tempo contribuindo e aumentando sua poupança previdenciária virtual.

Trata-se de uma remuneração análoga a uma taxa de juros real (por isso é que na fórmula do fator previdenciário, adiciona-se 1 e dividi-se por 100) que será tanto maior quanto mais tempo for a permanência do segurado como contribuinte do sistema.

Como o fator idade foi introduzido no numerador na segunda parte da equação, quanto maior a idade na aposentadoria maior o fator previdenciário e maior o valor da aposentadoria inicial.

Conclui-se assim, pelo fato do tempo de contribuição, alíquota de contribuição e idade estarem no numerador, que quanto maior forem, maior será o fator previdenciário. Por outro lado, a expectativa de sobrevida está no denominador. Quanto maior ela for, menor o fator e menor o valor inicial de aposentadoria.

Agora, imaginemos que um segurado hipotético continue na ativa, visto que é permitido por lei, ou mesmo volte a trabalhar posteriormente e consequentemente também volte a contribuir para o regime, quer seja com CTPS assinada, quer seja como pessoa jurídica terceirizada. As novas contribuições na verdade representarão um "excesso contributivo" em relação ao beneficio que já é recebido. Como o regime é contributivo e busca o equilíbrio financeiro e atuarial, podemos dizer que estas contribuições adicionais também têm que gerar um benefício correspondente, pois, caso assim não seja, elas passariam a se configurar como nada mais que um imposto/taxa e não como previdência social.
Assim, para a promoção da justiça atuarial, bastaria a aplicação do instrumento do fator previdenciário para o cálculo do beneficio adicional correspondente a estas contribuições adicionais. Se imaginarmos que o segurado não requereu o benefício e continuou contribuindo ao INSS e, recalcular sua aposentadoria neste novo momento pelo fator previdenciário, ela vai dar uma nova aposentadoria quase com certeza maior que a anterior, e que representa, sem nenhuma dúvida, o equilíbrio atuarial entre beneficio e contribuições.

Devemos aqui ressaltar que não há o que se falar, sob qualquer argumento, do ponto de vista atuarial, na devolução dos valores recebidos anteriormente, pois houve a exata e total contribuição para o montante do beneficio recebido nos anos anteriores ao pedido da desaposentadoria.

A aposentadoria anterior recebida foi "paga" pelo segurado através das contribuições que ensejaram a primeira aposentadoria. Trata-se, agora,
de somente se correlacionar um adicional de beneficio novo decorrente das novas contribuições efetuadas no período de trabalho exercido e contribuído após a primeira aposentadoria.

Então, há fonte de custeio (artigo 195, §5º CF) capaz de justificar a concessão desse novo benefício, inviabilizando a restituição dos valores recebidos com a primeira aposentadoria.

Assim, configura-se que qualquer exigência referente a devolução dos valores, até então recebidos pelo aposentado para nova jubilação, converge para o enriquecimento ilícito por parte da Autarquia Previdenciária. Posto que comprovada a preservação do equilíbrio financeiro atuarial do sistema contributivo previdenciário tanto pela incidência do fator previdenciário no cálculo do novo benefício como pelo recolhimento das contribuições previdenciárias vertidas após aposentadoria.

Por fim, não restam dúvidas de que já estão disponíveis os instrumentos técnicos e legais para se promover justiça atuarial e social no caso da "desaposentadoria", e sem a devolução de quaisquer valores. Para tanto, basta aplicá-los.

Autor: Clariana Elias


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