PARKOUR: O CORPO VIVENDO A URBANIDADE ATRAVÉS DA ARTE DO DESLOCAMENTO.



PARKOUR: O CORPO VIVENDO A URBANIDADE ATRAVÉS DA ARTE DO DESLOCAMENTO.


Edilson Laurentino dos Santos
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RESUMO

Este trabalho propõe uma discussão preliminar sobre a atividade física denominada "Parkour", também conhecido como "A arte do deslocamento" na perspectiva de buscar elementos para entendê-lo enquanto Fenômeno Contemporâneo da Cultura Corporal, vislumbrando suas contribuições como uma prática corporal alternativa na contemporaneidade, suas concepções filosóficas de vivência social com os espaços urbanos e da natureza, sua perspectiva de intervenção urbana através da ludicidade e do prazer na exploração destes espaços e a quebra de paradigmas sobre a obrigatoriedade da competição enquanto fator predominante nas práticas esportivas.
Palavras-chave: Parkour; Cultura Corporal; Educação do Corpo.


APRESENTAÇÃO
Cada vez mais a sociedade moderna, fundamentada na lógica do capitalismo competitivo e consumista, personifica sentimentos individualistas, egocêntricos e exacerbados, que se apresentam nas mais diversas relações cotidianas das pessoas.
Indubitavelmente, esta mesma sociedade vive numa busca incessante por bens de consumo para preencher um vazio existencial que toma conta de todos. Ela caracteriza-se, essencialmente, pelo "Ter" em detrimento do "Ser", pois a lógica do consumo nos diz que, quanto mais consumirmos mais seremos felizes, mesmo que para isso sejamos induzidos a consumir, também, até o que não nos é útil: se eu "Tenho" eu "Sou". Tudo isso é imposto a partir de um discurso ideológico muito bem fundamentado, disseminados em diversos meios de comunicação de massas, no intuito de fazer parecer a todos que a vida só será mais prática, mais fácil, mais rápida, e quem sabe até, menos complicada e extenuante se consumirmos sem parar.
Inseridos numa sociedade tecnológica, aonde as informações chegam a uma velocidade até então inconcebíveis, queremos sempre que a solução de nossos problemas tenha a mesma resolutividade, e esteja bem ali a nossa frente, onde não tenhamos que desprender energia e esforços para resolvê-los. Quisá tivéssemos um controle remoto (analogia bastante pertinente considerando a contemporaneidade tecnológica) e no momento que não gostássemos de uma determinada situação em casa, no trabalho ou na escola, pudéssemos num click , acelerá-las sem dar a devida atenção ou simplesmente saltá-las por completa, como se o fato de ignorarmos o problema momentaneamente, resolvesse toda a situação.
Desejamos que tudo o que é externo a nós resolva nossas pendências, nossos problemas, e isso não seria incomum, numa sociedade onde nos educam a pensar que as "máquinas" resolvem tudo, inclusive nossas pendências afetivas, emocionais e espirituais.
Voltando nossa atenção às contradições existentes entre o discurso utilizado pela sociedade do consumo, quando afirma que, se adquirirmos e consumirmos mais e mais os produtos oferecidos pela infindável catarata de propagandas estaremos também mais preenchidos, satisfeitos e seremos mais felizes, Martins (1993) nos diz que:
"A satisfação trazida pelo dinheiro parece vir não do fato de simplesmente possuí-Io, mas sim de possuir mais do que os outros. Numa sociedade de consumo, ter dinheiro significa poder consumir e é sinônimo de busca de felicidade e status. A compra de um produto tido como importante pelo grupo social ao qual o consumidor pertence produz uma imediata sensação de prazer e realização e geralmente confere status e reconhecimento a seu proprietário. Também, conforme a novidade vai-se desgastando, o vazio ameaça retornar. Quando isso ocorre, a solução padrão do consumidor é se concentrar numa próxima compra promissora, na esperança de que a satisfação seja mais duradoura e mais significativa".

A busca por felicidade e satisfação é constante, quase que infinita. Muitos dizem que são realmente felizes. Porém, não é isso que estamos presenciando. Cada vez mais vemos uma sociedade assolada pelas doenças da modernidade , somatizando cânceres, cardiopatias diversas, obesidade, psicoses e transtornos fóbicos e de ansiedade , como a anorexia, a bulimia e o Transtorno Obsessivo Compulsivo ? TOC.
Como é possível que esta sociedade, apesar de toda a modernidade, tanto social quanto tecnológica, pensada e idealizada para oferecer comodidade e proporcionar felicidade para as pessoas, produza tanta dor, tristeza e destruição? Por que o acesso a todos esses bens de consumo tão desejados só aumentam, na maioria das vezes, o vazio existencial das pessoas?
Desejaríamos que as respostas a todas estas questões fossem simples como parecem ser óbvias, se não fossem as inúmeras contradições de uma época de perplexidades em que a própria história nos mostra.
Ao ressaltarmos estas mudanças profundas e significativas, cada vez mais vivenciadas pela sociedade moderna, numa lógica de mundialização e globalização em todos os setores, considerando-os como sendo fenômenos socioculturais da contemporaneidade, tendo em vista que o Esporte e o Lazer, também estão incorporados a este grupo de bens de consumo, identificamos a possibilidade de estudá-los e discuti-los, especificamente no campo da Cultura Corporal.
Por estes fatores consideramos de relevante importância discutir a atividade denominada Parkour , como sendo um desses fenômenos e sua influência direta no comportamento de adolescentes e jovens que o praticam.
As práticas corporais são fenômenos que se mostram, prioritariamente, ao nível corporal e que constituem-se como manifestações culturais de caráter lúdico, tais como os jogos, as danças, as ginásticas, os esportes, as artes marciais e acrobacias, entre outras práticas sociais. Estas manifestações são compostas por técnicas corporais, como já identificava e categorizava o antropólogo Marcel Mauss (2003), na passagem do século XIX para o século XX. É também um forma de linguagem como expressão corporal e os fenômenos acima apontados constituem o acervo daquilo que vem sendo chamado de Cultura Corporal.
Estas manifestações, entre outros fenômenos culturais que se expressam corporalmente, são constituintes da corporalidade humana e alguns deles, vêm sendo tematizados e se constituindo enquanto objetos estudo e pesquisas nas mais diversas áreas do conhecimento, como a Sociologia, a Antropologia, a Educação, e por áreas especificas, com por exemplo a Educação Física e as Ciências do Esporte.
A partir destas reflexões acerca das práticas corporais decidimos investigar a atividade física Parkour, como mais uma possibilidade de educação do corpo na contemporaneidade, onde um grade número de praticantes, na sua grande maioria, adolescentes e jovens, constroem uma identidade corporal significativa, a partir da relação com os obstáculos encontrados nos espaços urbanos onde vivem.
Partindo destas primeiras análises para entender o Parkour enquanto um Fenômeno Contemporâneo da Cultura Corporal, Soares (1997, p. 07) vai nos dizer que;

"Talvez seja o corpo o lugar mais visível de inscrição da cultura humana, seu registro mais verdadeira. Esta constatação nos leva a um alargamento de formas, modelos e técnicas específicas que viabilizem a "educação do corpo'".

As manifestações culturais jovens estão presentes nos mais diversos setores da sociedade, e tentam nos dizer a todo o momento que eles existem e querem ser ouvidos, vistos, sentidos, que querem falar. Paes (2006) nos dirá que "as culturas juvenis são intimamente performativas porque, na realidade, os jovens nem sempre se enquadram nas culturas prescritivas que a sociedade lhes impõe".
Essas manifestações se expressam de formas variadas: no jeito dos jovens falar, no jeito de vestir, no modo como se relacionam afetivamente, no modo como criam códigos de linguagem para se comunicarem, como as tatuagens, os piercings, as pichações, as grafitagens os mais diversos símbolos e signos criados para identificarem-se como grupo, tribos, etc. Elas conotam uma perspectiva estética, simbólica e são também recurso de comunicação que Arce (1999) vai chamar de "marcas de identificação, uma redefinição do relacionamento com o mundo que os cercam".
Em si tratando de juventude, precisamos pontuar algumas questões referentes à atual conjuntura da juventude brasileira, para situarmos em que realidade o Parkour vai se inserir enquanto prática corporal ao chegar a nosso país, inicialmente em São Paulo em 2004, e logo depois em Brasília respectivamente.
A grande questão que fica clara com a chegada do Parkour ao Brasil é que ele, de imediato, sofre uma grande repressão por parte da população das cidades por onde começou, principalmente por parte dos aparelhos de controle social, e algumas vezes repressores, como a polícia, por exemplo. O preconceito foi e ainda é a maior barreira a ser vencida pelos praticantes desta atividade, e está aparentemente relacionado à sua "radicalidade", onde seus praticantes são normalmente taxados como vândalos, delinqüentes, e até em alguns casos, marginais. Porém analisamos que este fato se deu mais pela falta de conhecimento das pessoas acerca do próprio Parkour, enquanto atividade física. Do que por sua aparente radicalidade transgressora. Na verdade este fato pode está mais intimamente ligado a atual realidade social que vivemos em nosso país, repleta de violência e vazia de oportunidade, de espaços de convivência social, numa perspectiva "multicultural", livres e seguros para o uso da população.
Estamos vendo diariamente em noticiários da TV, em jornais e revistas, uma onda de violência que assola no país, onde o grupo etário mais atingido é de jovens, vitimados por acidentes, chacinas, tráfico, desocupação. E esta violência que vitima a juventude brasileira é um fato concreto e sabemos que para além das questões relacionadas à má distribuição de renda, à negação de direitos sociais básicos como educação, saúde, emprego, cultura e lazer, e também ocorre por não haver Políticas Públicas sistematizadas e estruturadas para dar suporte a uma juventude que está à margem da sociedade de direitos.
Os dados no Brasil são alarmantes, como apontado o a Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI) na pesquisa intitulada "Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros 2007 , onde na década 1994/2004, o número total de homicídios registrados pelo SIM passou de 32.603 para 48.374, o que representa um incremento de 48,4%, bem superior ao crescimento da população, que foi de 16,5% nesse mesmo período. Mesmo considerando o impacto das políticas de desarmamento implementadas em 2004, as taxas de violência homicida continuam extremamente elevadas. No nível internacional, entre 84 países do mundo, o Brasil, com uma taxa total de 27 homicídios em 100.000 habitantes, ocupa a 4ª posição no ranking, só melhor que a Colômbia, e com taxas bem semelhantes às da Rússia e da Venezuela. As taxas de homicídio de 2004 foram ainda 30 ou 40 vezes superiores às taxas de países como Inglaterra, França, Alemanha, Áustria, Japão ou Egito. As vítimas de homicídio são preferencialmente jovens na faixa dos 15 aos 24 anos, que os homicídios atingem maior expressividade, principalmente na dos 20 aos 24 anos de idade, com taxas em torno de 65 homicídios por 100.000 jovens. É na faixa da minoridade legal, dos 14 aos 17 anos, que os homicídios vêm crescendo em ritmo assustador, com pico nos 14 anos, onde os homicídios, na década 1994/2004, cresceram 63,1%.
É inegável que os processos socioculturais neste contexto urbano em que vivemos atualmente, e pelo qual passa a juventude, trazem uma gama de possibilidades de informação e experimentação que não existiam há dez anos.
A cadeia de relacionamentos que se constrói no mundo virtual, por exemplo, é de uma dimensão ilimitada. As possibilidades de fazer novos amigos, vivenciar novos "prazeres", novas "aventuras", passa a ser imediata, ali, disponível, por apenas um teclar. Vale salientar que quase não há limites nisso tudo. Tem-se a possibilidade de conhecer novos modelos de comportamento, de culturas, de convivência e relacionamentos. Também é assim quando nos referimos às práticas corporais no esporte, nas atividades físicas de lazer escolhidas pelos jovens contemporâneos.
Há uma busca pelo prazer extremo, no limiar, com o máximo de excitação e adrenalina. E de certa forma, a atividade física aqui discutida, o Parkour, se inseri dentro dessa nova "onda de novidades" proveniente do mundo da informação on-line, globalizada, circulando nos mais diversos meios de comunicação, e que, de certa forma, transformam-se em modismo.
Ao discutir a relação das praticas culturais da juventude com a realidade da cidade de Angra dos Reis, Estado do Rio de Janeiro, Carraro (2002) afirma que:
"as culturas juvenis são exemplares da efetividade desse sistema global de comunicação, pois em grande medida se definem pela adoção de determinados signos de identidade que as interconectam num mercado cultural global".
E de certa forma o Parkour é um resultado dessa cultura global, disseminada pelos meios de comunicação global. E Carraro (idem) ainda nos diz que:

"O reconhecimento da existência de referências culturais globalizadas nas culturas juvenis não deve servir, contudo, para que pensemos os jovens como meros consumistas das referências internacionais 'desterritorializadas'".

Uma vez que as identificações globais não existem fora das culturas, práticas e lógicas próprias aos lugares reais de existência, porém (idem):

"deve-se considerar que há sim uma constate busca por identidade, singularidade dentro da pluralidade contemporânea, afirmando que pode contribuir relações sociais e culturais profundas e sinceras com suas realidades".
No momento em que a sociedade moderna vive a era da informatização, com avanços tecnológicos em vários setores e a velocidade com que as informações estão sendo transmitidas (mesmo que elas não sejam sempre claras e fidedignas), vemos apresentarem-se mais uma das contradições do capital: o discurso da "acessibilidade às tecnologias da informação" pela maioria da população. Sabemos bem que esta afirmativa é controversa.
Na realidade a utilização dos recursos tecnológicos ainda é um privilégio de poucos que detém um grande poder aquisitivo, onde o que resta na verdade para a maioria da população ainda é o desejo da posse.
Estudos do UNICEF, do IBGE e de centros de pesquisa de universidades brasileiras afirmam que os adolescentes e jovens são o segmento etário mais vulnerável e desejoso por consumir tais bens. Poderíamos afirmar, com uma certeza quase absoluta, que os jovens são o grupo social mais afetado e influenciado pelas mudanças da sociedade moderna, a chamada "Era Digital" .
Esta afirmativa se comprova quando observamos a quantidade de jovens e adolescentes que acessaram a internet em nosso país nos últimos dois anos, principalmente em lan-houses, abertas em cada esquina nos grandes centros urbanos (e também nas localidades rurais) do país, pois os sites de relacionamento, entretenimento e pesquisa bateram recordes no Brasil se comparados com outros países .
Este basicamente foi o percurso que os jovens brasileiro se utilizaram para conhecer o Parkour, que de certa forma, tornou-se um Fenômeno Contemporâneo da Cultura Corporal.
Mas algo nos chamou atenção em relação à divulgação do Parkour pela internet: o que nos vem à mente quando visualizamos um computador ligado na internet e um internauta, principalmente um jovem? Sem dúvidas é a imagem de alguém que ficará plantado em frente da tela deste computador por horas, isolado do mundo real, vivendo a virtualidade (tanto a oferecida pela internet como a criada por ele mesmo). Mas ao abrir os sites e blogs e encontrar o Parkour, este internauta tem uma surpresa: este novo "esporte", contraditoriamente, convida este mesmo espectador/internauta a sair da frente do computador e buscar explorar o mundo que está lá fora esperando por ele, para ser vivido e experimentado em sua essência, sem virtualidades.
Quando começamos a nos familiarizar com a filosofia preconizada pelos idealizadores do Parkour, percebemos uma proposição diferenciada com relação às experimentações destes territórios, inclusive quando comparados aos esportes formais e com os denominados "esportes radicais". Primeiro porque os idealizadores do Parkour não o identificam como um esporte propriamente dito, com toda a institucionalização, a delimitação de regras técnico-específicas, com a "demarcação territorial" dos espaços onde cada um deles deve ser praticado, experimentado. Segundo que entre os praticantes orienta-se que não haja competição, pois os idealizadores entendem que os esportes têm em sua essência a competição como o meta final, e o Parkour se propõe a ser uma atividade "cooperativa" e "Integrativa", e não "competitiva", "segregadora". Esta posição assumida pelos idealizadores do Parkour pareceria radial em demasiado se a realidade contemporânea das práticas esportivas, e até mesmo em alguns casos do lazer, não fosse exatamente essa.
Afirmam que o essencial para o praticante do Parkour é descobrir possibilidades de experimentações corporais através da relação direta com os diversos obstáculos existentes no mundo, nos ambientes que normalmente passam despercebidos pela maioria das pessoas. Isso porque fomos educados a pré-concebemos locais específicos para a prática das atividades físicas e do esporte e tudo que venha transgredir estas formalidades estruturais e arquitetônicas, ou não são aceitas, ou são menosprezadas.
Há uma consciência de compartimentalização ? isso é bem cartesiano ? dos espaços sociais, das relações pessoais, a afetividade e também dos urbanos. Fontanella (1995, p. 15), quando discute a construção da subjetividade do corpo afirma que "o homem desde que é histórico, é dividido", e que a unidade original do homem é o seu passado, pois quando passou, através da ciência a conhecer, mensurar, fragmentar e, teoricamente, controlar as forças da natureza, começou a dividir-se também, enquanto elemento constitutivo desta mesma natureza.
Mesmo que muitas concepções teóricas construídas através da história nos conduziram ao ideário de "senhores da natureza", de onde deveríamos extrair seus mais íntimos segredos, ainda não a conhecemos de todo e ainda não nos tornamos tão senhores dela assim como pensaram, por nós e para nós, um dia.
A filosofia do Parkour preconiza a descoberta de potencialidades físicas de forma consciente e harmoniosa, fazendo com que o praticante possa ter uma maior consciência corporal, através da superação dos obstáculos existentes no percurso, e com isso melhorar sua auto-estima, transferindo esta capacidade de superação para as situações difíceis da vida cotidiana, frente aos mais diversos obstáculos, sejam eles quais forem. Espera-se que realmente haja uma relação do praticante com e espaço escolhido para a prática, e que esta não seja estática, fria, inconsciente, como se o espaço não significasse nada para àquela experiência corporal. Desta forma busca-se uma "re-significação" da relação com o espaço, um "re-encontro" das pessoas com seu habitat.
E por não existir um espaço demarcado, pré-estabelecido para que o Parkour possa ser praticado, há uma infinidade de possibilidades de experimentações corporais, e que de certa forma, torna-se acessível aos que começam a praticá-lo, possibilitando o desenvolvimento de potencialidades como força, resistência, agilidade, coordenação motora, ao mesmo tempo em que desenvolve a concentração, força de vontade, determinação e coragem. Qualidades que favorecem o bem estar e a qualidade de vida.
Os praticantes de Parkour tornam-se, potencialmente, ótimos praticantes de outras atividades físicas que necessitam de autocontrole, agilidade, destreza, força, raciocino rápido e observação. E por oferece grande liberdade de experimentação e nenhum custo para ser praticado, torna-se bastante atrativo para um grupo significativo da população ? eminentemente jovem - que não disponha de recursos financeiro para pagar academias e outros espaços de lazer.
O Parkour apresenta-se na contemporaneidade brasileira como um desafio interessante para nós, do ponto acadêmico e científico, se o pensarmos enquanto uma proposta de caráter pedagógico, inovador, no sentido de desenvolver uma pratica emancipatória no trato com o conhecimento da Educação Física e proporcionar novas possibilidades de experimentações corporais, numa construção sócio-histórico-cultural. E analisando esta expectativa sobre ele, Taffarel (2000), no seu artigo intitulado "Sistema complexo Temático: homem-esporte-saúde" afirma que:
"O homem põe-se em movimento, pelas suas pernas, braços, cabeças e mãos, as forças de que seu corpo é dotado para se apropriar das matérias e dar-lhe uma forma útil à sua vida, Vê-se, então, que essas atividades não abjetam a ?expressão corporal? de idéias ou sentimentos. Elas são a materialização de expressões ideológicas, religiosas, políticas, filosóficas ou outra, subordinadas as leis histórico-sociais que originam formas de ação social elaboradas e, por isso, são portadoras de significados ideais do mundo objetal, das suas propriedades, nexos e relações descobertas pela prática social conjunta."

Temos clareza de que esta discussão com relação ao Parkour e a tudo que ele vem questionar enquanto um fenômeno social só está começando.
Andar pelas ruas das grandes cidades se tornou algo tão banal, tão corriqueiro que já não percebemos as mudanças que ocorrem no ambiente circundante. Estamos tão robotizados, programados em nossos afazeres diários que não percebemos as cores dos prédios, das casas, do detalhe das marquises, as plantas floridas nos jardins das praças. Não observamos as árvores que ainda existem em algumas avenidas e que resistem heroicamente à urbanização desenfreada e às toneladas de monóxido de carbono liberados pelos veículos todos os dias.
Não percebemos quantos novos prédios são construídos em nossa cidade, e levamos um susto quando, repentinamente, conseguimos nos desligar por alguns instantes da "matéria" e nos percebemos seres "realmente humanos", e olhamos mais atentamente de lado e dizemos "Nossa! Esse prédio está aí desde quando?!" ou até mesmo "Eu não percebi que tinham mexido nessa praça". Esta situação torna-se mais preocupante ainda quando passamos a ignorar as pessoas.
Temos a sensação de que, ou estamos perdendo a sensibilidade para observarmos as mudanças ao nosso redor, ou estamos fazendo vistas grossas para estas mudanças por medo de admiti-las. Ou até mesmo as duas situações se complementam. Cada vez mais vemos menos crianças brincando nas ruas dos bairros, das velhas brincadeiras infantis como pega-pegou, barra-bandeira, queimado, batatinha frita 1-2-3, corridas de carrinhos de rolimãs, e tantas outras que faziam as ruas de nossos bairros mais vivas, mais alegres e mais humanas.
Num tempo das tecnologias onde os brinquedos e as brincadeiras também são industrializados, para que perder tempo com a elaboração delas? Basta irmos aos shopping Center e levarmos nossas crianças numa dessas lojas enormes de brinquedos e comprar um vídeo game com mais de 2000 jogos, ou então irmos num desses "Games Stations" e curtir aquela infinidade de maquinas que se esforçam bastante para interagir conosco e nos fazer felizes. Mas não nos esqueçamos de levar bastante dinheiro, pois tudo isso será pago e custa muito caro.
Fazemos esta reflexão com a preocupação de educadores que somos, onde observamos cada vez menos pessoas se relacionando com o ambiente em que vivem, quando das suas práticas de lazer e esportivas. E esta perda da identificação com estes espaços sociabilizadores das cidades talvez esteja associada à falta de segurança, à violência ou até mesmo ao abandono dos mesmos pelos poderes públicos.
A Identificação com o bairro, com a praça, com os parques, com a comunidade está cada vez menor. E perdendo-se essa identificação que é sociocultural, perde-se também sua essência espiritual com a história desses espaços, que na verdade, é parte de cada indivíduo. E esta relação de identificação denota um aprendizado coletivo daquele local.
Nelson Carvalho Marcelino (2001) nos diz que:
"o crescimento desordenado das cidades, agrava o isolamento de seus habitantes, e sua condição de passividade frente às decisões que afetam diretamente sua vida diária. É perfeitamente lógica, neste esquema de raciocínio, a falta de espaços para o lazer, quase sempre colocado numa falsa hierarquia de necessidades. Nas grandes cidades atuais sobra pouca ou quase nenhuma oportunidade espacial para a convivência. O vazio que fica entre o amontoado de coisas é insuficiente para permitir o exercício mais efetivo das relações sociais produtivas em termos humanos. Os equipamentos urbanos para o lazer , quando concebidos, quase sempre são assumidos pela iniciativa privada, que os vê como uma mercadoria a mais para atrair o consumidor".

Como vemos a urbanização das grandes cidades, atendendo apenas as exigências especulativas das grandes corporações imobiliárias, está cada vez mais desconsiderando a importância dos espaços públicos pensados para as práticas esportivas e de lazer. Quando proponho uma discussão de "intervenção urbana" do Parkour, é preciso deixar claro esta proposição.
Referimo-nos a reflexão que ele traz quando seus praticantes vão se "re-apropriando" de espaços da cidade que estavam esquecidos ou negligenciados pelos poderes públicos para estas atividades. "Estamos acostumados à intensa privatização do saber, das práticas, do ambiente em que vivemos. Esperamos também a normatização das coisas em detrimento da criatividade e das desconstruções e redimensionamentos", afirma Eduardo Bittencourt, psicanalista clínico, e um dos precursores do Parkour no Brasil.
As nossas práticas corporais de lazer estão perdendo sua essência coletiva, cooperativa e estão cada vez mais institucionalizadas, burocratizadas e mecanizadas. Preferimos nos conectar a internet ("inter" - para dentro, sozinho) e vivermos na virtualidade, do que sairmos às ruas, aos parques, às praças e nos socializarmos ("sócio" - com alguém ? para fora) com as outras pessoas. Certa vez o Professor Jürgen Dieckert disse que nós não precisávamos de "inter-net" mas sim de "sócio-net". Que deveríamos nos utilizar sim dos recursos da tecnologia da informação, se assim o quiséssemos, para construirmos novos relacionamentos, mas que essencialmente deveríamos transpô-los e vivê-los na realidade e não na virtualidade.
O Parkour que basicamente foi apresentado e divulgado pelo mundo através da internet é uma prova viva do que afirmou o professor Dieckert, que a internet pode tornar-se "socionet", pois convida seus praticantes internautas a também se relacionarem com o mundo lá fora, não ter medo da realidade mesmo nesses tempos de violência. Devemos ocupar estes espaços para que eles não fiquem nunca ociosos e abandonados.
O Parkour convida-nos a darmos vida as nossas cidades e dar vida com as nossas vidas (nossas alegrias, fantasias, desejos, sonhos, envolvimento), num processo de reconstrução-construção dos espaços de convivência social. Precisamos voltar a contemplar os espaços. Marcelino (2001) nos diz que:
"Ainda que não se trate de uma relação exclusiva, sem dúvida, a gratificação pela contemplação de espaços urbanos constitui, onde deveria constituir, estímulo à sensibilidade, um dos aspectos que podem ser trabalhados na educação pelas práticas de lazer".

Marcelino fazendo referência a Wilheim (1976) quando este afirma que "percorrer a cidade pode ser enfadonho e desgastante ou, pelo contrário, revelar-se uma experiência altamente informativa e agradável para os sentidos", entendemos que esta é a intervenção direta do Parkour como filosofia de vida. Ele prega essencialmente essa necessidade de contemplar a cidade e percorrê-la de forma prazerosa, sentindo-a e vivendo-a com tudo que ela tem para nos oferecer, até mesmo os obstáculos.


REFERÊNCIAS

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Autor: Edilson Laurentino Dos Santos


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