UMA BREVE DISCUSSÃO ACERCA DAS DICOTOMIAS ENTRE AS TEORIAS E AS PRÁTICAS EDUCACIONAIS ENBASADAS NAS IDÉAS DE MORIN EM - A CABEÇA BEM-FEITA



UMA BREVE DISCUSSÃO ACERCA DAS DICOTOMIAS ENTRE AS TEORIAS E AS PRÁTICAS EDUCACIONAIS ENBASADAS NAS IDÉAS DE MORIN EM - A CABEÇA BEM-FEITA

Clecia Simone G. R. Pacheco


Introdução


O livro Cabeça Bem Feita traz o pensamento de Edgar Morin sobre a necessidade e a relevância de uma reforma no pensar, que, conseqüentemente, poderá modificar o ensino. Nesta abordagem ele aponta o desafio da complexidade, "o conhecimento das partes depende do conhecimento do todo e o conhecimento do todo depende do conhecimento das partes", pretendendo religar os conhecimentos dispersos, porém, para tal exige-se uma nova postura do sujeito. Aborda a temática de como ensinar a viver, como ensinar a compreensão das emoções para uma formação que verdadeiramente favoreça a autonomia do espírito, isto é, uma educação que leve o homem a ser cidadão responsável, crítico-construtivo, que compreenda seu espaço e o espaço no seu entorno.


Discussão


No prefácio da obra "A cabeça bem-feita: repensar a reforma reformar o pensamento" de Edgar Morin (2002), o autor vem explicando que o amadurecimento da idéia para escrever o livro levou em torno de 10 anos. Ele coloca que sentia e verificava cada vez mais a necessidade de uma reforma no pensamento, que segundo sua óptica só seria ou só será possível a partir de uma reforma no ensino.
Um dos conceitos chaves abordado nesta obra é o da complexidade e, além disso, um dos pontos de essencial relevância no pensamento de Morin é de que somente através da educação, aquela que não é mera explanação de conceitos, mas que também nos auxilia a compreender as nossas condições, somente por meio da educação é que alcançaremos o bem-estar, ou como ele discorre, "viver a parte poética de nossas vidas." (p. 11).
Observa-se que toda a discussão de Edgar Morin, na obra "Cabeça bem-feita", gira em torno da reforma do ensino para a educação do século XXI e, além disso, fica claro que esta educação está baseada numa necessidade da humanização do ser humano, ou seja, a educação do futuro necessita resgatar o que é o ser humano e quais a qualidades, características, ações que lhes confere esta condição.
O primeiro capítulo do livro é intitulado "Os desafios", e neste o autor coloca a questão da hiperespecialização que segundo ele, "impede de ver o global (...) bem como o essencial (...)" (p. 13), uma vez que com a hiperespecialização os problemas são analisados cada vez mais isolados, mais específicos e particulares. Assim deixamos de analisar as influências que estes problemas sofrem exteriormente, ou quais são as relações que foram deixadas de lado com a particularização do mesmo. Sendo assim, o problema fica isolado, mas não solucionado, não alisado coerentemente.
Partindo destes pressupostos, é possível observar a questão da complexidade que Edgar Morin considera tão importante, ou melhor, a falta da mesma na análise dos problemas estudados tão isoladamente. Como especialistas deixamos muitas vezes de ver o "todo" e as relações existentes neste todo, assim a visão e a razão que fomos desenvolvendo tornou-se fragmentada, como o próprio Edgar diz, criou-se verdades ilusórias, não reais, o que eu chamaria de dicotomia teoria e prática, isto é, há uma distancia entre o que o que pregamos na educação e o que de fato executamos.
Edgar Morin (2004, p.15):
(...) quanto mais os problemas se tornam multidimensionais, maior a incapacidade de pensar sua multidimensionalidade; quanto mais a crise progride mais progride a incapacidade de pensar a crise; quanto mais planetários tornam-se os problemas, mais impensáveis eles se tornam.
Um dos pontos principais do livro está em torno da questão do que é a Cabeça Bem-Feita. Para o autor, uma cabeça bem-feita é aquela em "vez de acumular o saber precisa dispor ao mesmo tempo de: - uma aptidão geral para colocar e tratar os problemas; - princípios organizadores que permitam ligar os saberes e lhes dar sentido". (p. 21). Não basta saber, é preciso saber entender e desvendar o saber.
O terceiro capítulo do livro denominado de "A condição humana" o autor enfatiza a importância de sabermos, enquanto seres terrestres, a nossa verdadeira condição, qual a origem e importância de nós seres humanos no universo, enquanto pessoas que pode transformar para melhor ou para pior a nossa passagem aqui no planeta Terra. Por isso, Morin aponta a Cosmologia, Ciências da Terra, Biologia, Ecologia como as ciências capazes de "situar a dupla condição humana: natural e metanautral." (p. 37). É óbvio, sempre reforçando o fato da grande complexidade que é o ser humano, totalmente biológico e totalmente cultural. O próximo capitulo se intitula- "Aprender a viver", Morin coloca a ética da compreensão humana como a questão mais relevante, nos mostrando o cenário obscuro em que vivemos na atualidade, onde há uma incompreensão generalizada entre todas as esferas da sociedade, entre várias sociedades, entre as pessoas cultas e não-cultas, entre pais e filhos, entre professores e alunos, etc. O autor propõe como possível solução a inserção de estudos interdisciplinares que homogeneizasse a pedagogia, filosofia, psicologia, sociologia, historia, que na visão dele serviriam para trazer a clareza e o entendimento de que todos somos humanos e assim também temos mecanismos de egocentrismos e de auto-justificação, através da percepção disto seria mais fácil trabalhar contra questões contemporâneas como o ódio e o racismo.
"Enfrentar a incerteza" é a temática tratada no quinto capitulo, onde o primeiro ponto destacável, é que precisamos aceitar o destino incerto de toda humanidade, inclusive o de cada um individualmente falando. Edgar Morin vai além e aponta três princípios de incerteza no conhecimento: o primeiro é cerebral: o conhecimento nunca é reflexo do real, mas sempre tradução e construção, isto é, comporta o risco de erro; - o segundo é físico: o conhecimento dos fatos é sempre tributário da interpretação; - o terceiro é epistemológico: decorre da crise dos fundamentos da certeza. (p. 59). Analisando esta fala do autor, é possível concordar de que o destino da humanidade é incerto, porém, não interpretando como sendo impossível de haver modificações favoráveis. Assim, não acreditaríamos que a educação é a saída para um mundo melhor, mais digno e mais igualitário. Além disso, precisamos estar alertados ao que o autor denominou de "ecologia da ação", ou seja, "toda a ação, uma vez iniciada, entra num jogo de interações e retroações no meio em que é efetuada, que podem desviá-la de seus fins e até levar a um resultado contrário do esperado (...)" (p. 61).
No capítulo seis, "A aprendizagem cidadã", Edgar menciona a necessidade de atitudes como responsabilidade e solidariedade com a pátria, entretanto esta pátria é formada por um Estado, conseqüentemente por uma sociedade e/ou comunidade que também são formadas por seres humanos. É possível entender a visão do autor, tendo em vista que nos dias atuais é muito comum nos depararmos com situações em atitudes como responsabilidade e solidariedade praticamente não são evidenciadas. Parece que a cada dia os humanos estão menos humanizados, e a impressão que temos enquanto educadores, é a sensação de impotência, tendo em vista que, o que tem sido ensinado nas salas de aulas não tem sido uma aprendizagem cidadã, parece que mais uma vez nos deparamos com certa dicotomia entre o que deveria ser a educação e o que de fato ela tem sido, para alguns educadores.
Fazendo uma analise do sétimo capítulo, é possível visualizar o que Morin explica como seria a Educação de acordo com as propostas mencionadas por ele nos capítulos anteriores do livro, para os três graus de ensino, primário, secundário e Universidade. No primário seria estimulado o questionamento, que nesta fase do desenvolvimento humano é natural e, além disso, é nesta fase da vida humana que devemos ensinar a criança a contextualizar o que está sendo ensinado e a realidade que o cerca. É importante que no ensino primário a criança entenda vários processos, tais como, de onde viemos, para onde vamos, qual foi a trajetória do desenvolvimento do Homo sapiens até os dias atuais e este estudo seria realizado de maneira interdisciplinar, levando em conta psicologia, sociologia, física, química, biologia. Já o ensino secundário, deveria ser o momento de aprender o que deve ser a verdadeira cultura e é óbvio, entender a cultura que na realidade existe, ensiná-lo a valorizá-lo esta cultura da qual o mesmo faz parte enquanto ser humano que é. No ensino universitário, Morin propõe que a Universidade continue com seu papel de conservação, transmissão e enriquecimento do patrimônio cultural, mas o ponto chave é que o conteúdo a ser conservado/transmitido, seria um conhecimento adequado e adaptado às reais necessidades da sociedade, um conhecimento interdisciplinar. Diante dessa proposta de Morin, analisamos que a Universidade hoje tem transmitido apenas conteúdos, que descontextualizados da realidade vivenciada pela sociedade, isto é, o que se conserva e/ou transmite na Universidade, das teorias consideradas importantes para o processo de aprendizagem dos alunos, não tem nexo com a realidade social da maioria, o que faz com que visualizemos mais uma dicotomia entre as teorias e as praticas educacionais.
Nos capítulos seguintes, o autor, explica que a "Reforma do pensamento" não é uma idéia que está surgindo somente agora com seu livro, mas que já tem sua fundamentação na "cultura das humanidades, na literatura e na filosofia, e é preparada nas ciências" (p. 89). Para Morin há necessidade de um pensamento, "que compreenda que o conhecimento das partes depende do conhecimento do todo e que o conhecimento e que o conhecimento do todo depende do conhecimento das partes, que reconheça e examine os fenômenos multidimensionais, em vez de isolar, de maneira mutiladora, cada uma de suas dimensões, que reconheça e trate as realidades, que são, concomitantemente solidárias e conflituosas (como a própria democracia, sistema que se alimenta de antagonismos e ao mesmo tempo os regula), que respeite a diferença, enquanto reconhece a unicidade". (p. 88-89). O papel da reforma proposta por Morin concentra suas forças em especial na forma de superar e "reparar os caminhos que vêm sendo percorridos pelo desenvolvimento da ciência" (MARTINAZZO, 2002, p. 27).
No entanto, a discussão mais relevante que o autor levanta é a respeito da inter-poli-transdisciplinariedade. Morin enfatiza que a interdisciplinaridade não é meramente a união de disciplinas, mas cada uma discutindo o "objeto" separadamente. É possível dizer que interdisciplinaridade é a proposta de estabelecer comunicação entre as disciplinas escolares, o que não é fácil, mas que também está longe de ser impossível. A interdisciplinaridade não é ciência, mas é o ponto de encontro entre o movimento de renovação da atitude frente aos problemas de ensino e pesquisa e a aceleração do conhecimento científico. Ela surge como uma crítica a uma educação por "migalhas", fragmentação do conhecimento. Interdisciplinaridade não é uma panacéia que garantirá um ensino adequado, ou um saber unificado, mas um ponto de vista que permite uma reflexão aprofundada, crítica e salutar sobre o funcionamento do mesmo. Conforme I. Fazenda (1979) uma real interdisciplinaridade é antes uma questão de atitude; supõe uma postura única frente aos fatos a serem analisados, mas não significa que pretenda impor-se, desprezando suas particularidades.
Conclusão


É possível identificamos dois pontos fundamentais no pensamento de Morin: a urgência da humanização do homem e a interdisciplinaridade, que segundo a minha óptica a prática da interdisciplinaridade no contexto da sala de aula, implica na vivência do espírito de parceria, de integração entre teoria e prática, conteúdo e realidade, objetividade e subjetividade, ensino e avaliação, meios e fins, tempo e espaço, professor e aluno, reflexão e ação, dentre muitos dos múltiplos fatores integrantes do processo pedagógico. Fica evidenciado que a interdisciplinaridade traz em seu íntimo os quatro preceitos que Morin menciona sobre o quê é, e como seria este novo pensamento, a questão da complexidade e da contextualização. Nela não existe lugar para pré-conceitos, para a descontextualização, para a não-discussão, para o egocentrismo e/ou individualismo. O que a reforma do pensamento propõe é educar os homens dentro de uma visão sistêmica, onde os conhecimentos estejam ligados. Onde haja uma união entre o pensamento científico e o pensamento
humanista, onde se trabalhe com um sistema aberto, vivendo e enfrentando as incertezas dentro de uma visão transdisciplinar.
Então aqui está o grande desafio a ser superado: dizimar a dicotomia entre as teorias e as praticas no processo educativo, no desenvolvimento das aprendizagens humanas, para que o pensamento possa humanizar de fato, para que haja nas escolas e nas Universidades a efetivação da interdisciplinaridade, da transdisciplinaridade, para que os educadores transformem suas atitudes. Assim, é possível propor a reformulação dos paradigmas educacionais de forma que os alunos sejam encorajados ao autodidatismo, para então se fazerem sujeitos de "cabeças bem-feitas". Somente assim, é possível reformar o pensamento e repensar as reformas indispensáveis ao processo educativo.

Bibliografia

MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.

MORIN, Edgar. La cabeza bien puesta. Reparar la reforma. Reformar el pensamiento. 1ª Ed. 3ª reimp. ? Buenos Aires: Nueva Visión, 2002.


MARTINAZZO, Celso José. A utopia de Egar Morin: da complexidade à concidadania planetária. Ijuí: Ed Unijuí, 2002.


FAZENDA, Ivani C. A. (org). Práticas Interdisciplinares na Escola. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2001.

Autor: Clecia Simone Gonçalves Rosa Pacheco


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