VOGAIS E CORES: HÁ, DE FATO, ALGUMA RELAÇÃO?



CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A estilística tem aparecido em anos recentes como um ramo de estudo que, acima de tudo, desafia a sensibilidade e o raciocínio de muitos pesquisadores da linguagem, investigando o desvio linguístico e as questões onde a descrição gramatical é insuficiente.
Vários são os teóricos que trataram e investigaram pioneiramente a estilística. Vemos os fundamentos teóricos, bem como os conceitos de estilo, já na segunda metade do século XX (BALLY, 1951). No Brasil, observamos o estilo e o fato expressivo serem tratados por uma ótica tradicional. (A.F de CASTILHO, 1908; ALBUQUERQUE e M, 1911; BUENO, 1964; RAMOS, 1968; LAPA, 1970; CÂMARA JR, 1977; VILANOVA, 1979; MONTEIRO, 1991;).
Como característica essencial de seu trabalho, o estudo reflexivo da estilística, José Lemos Monteiro nos traz questões pertinentes, que se encontram em constantes questionamentos ainda hoje, tais como a arbitrariedade ou motivação do signo linguístico, bem como os fenômenos de motivação sonora, que entra em consonância com outras áreas do saber ,como a psicologia e a teoria literária. Em seu estudo, Monteiro (1991) investigou de que forma essa motivação sonora acontece entre os falantes, através de pesquisas e entrevistas.
Nesse âmbito da questão da motivação sonora, situa-se a teoria da correspondência entre sons, cores e odores, isto é, a possível relação entre vogais e cores (MONTEIRO, 1991) que o presente trabalho pretende problematizar e questionar. Existe de fato uma relação entre o fato sonoro, e os sentimentos e impressões sentidas pelos indivíduos? De que forma essa associação é feita? É a partir dessas indagações que iremos trabalhar o fato expressivo e os conceitos de estilo e estilística, para melhor entendermos tal discussão.

CONCEITOS DE ESTILO E ESTILÍSTICA

Estilística, do alemão stilistik, é um ramo do saber humano que se dedica a estudar os chamados "desvios linguísticos" de uma determinada língua, autor, ou obra, os valores expressivos em si, constituindo-se como estilo. A estilística seria uma espécie de retórica moderna, uma ciência da expressão e uma crítica dos estilos individuais, segundo Pierre Guiraud (1970). Como podemos observar, tal estudo tem investigado esse papel expressivo envolvido em um estilo particular, o que atestaria a particularidade de cada obra ou autor. Esse estilo é o que faz com que não confundamos Machado de Assis com Guimarães Rosa, por exemplo, pois, ambos são escritores com estilos diferenciados. Sendo assim, resume M. Murry (1949.65), "estilo é a qualidade de linguagem peculiar do escritor, que comunica emoções ou pensamentos".De fato, não nos referimos somente a escritores para usarmos a designação estilo, pode-se falar também no estilo de uma língua, por exemplo. No Português e em outras línguas, usa-se a desinência de plural - s e seus alomorfes. Já em algumas outras línguas essa característica não se faz presente. Essa é uma de várias outras particularidades que se podem encontrar ao compararmos as línguas naturais. Tais fatos sociais (as línguas) não gozam de iguais recursos. Dentro dessas comparações temos também aquelas línguas que trazem uma certa riqueza sonora. Para Edward Sapir (1953), por exemplo, a sonoridade das vogais do Inglês é pobre se comparada àquelas do francês.
Para Martinet (1976), o estilo pode ser compreendido de duas formas: ou como um conjunto de escolhas ou como um afastamento em relação à norma. Mas o que seria tal afastamento dessa norma padrão? Ora, entende-se por afastamento da norma padrão em um âmbito estilístico aquele que exista pra causar uma emoção, pois quando se trabalha com questões estilísticas deve-se levar em conta, sobretudo, a Emotividade e a Expressividade do discurso.
Existem, no entanto, palavras mais "expressivas" que as outras? Segundo Monteiro (1991) palavras como: mar, estrela, amor, paixão, saudade entre outras, parecem ter uma carga expressiva maior que: farinha, arroz, cadeira, pires, etc. Ainda segundo o autor, essas palavras na verdade estão inseridas em um contexto ao serem utilizadas em uma dada obra ou contexto linguístico.

A RELAÇÃO ENTRE VOGAIS E CORES

Dessa forma, observa-se que as pesquisas relacionadas ao estilo e a expressividade são bastante extensas, levando em conta a importância de se asseverar as diferenças do estilo para análise de diversos discursos e obras. José Lemos Monteiro (1991) traz-nos uma idéia, e discute-a largamente em seu livro A estilística . A idéia de que "as sinestesias constituíam um processo cósmico em que tudo se amalgamava e refletia uma só realidade, sem que houvesse fronteiras nítidas entre sensações, pensamentos e emoções".
Recorrendo ao poeta francês Charles Baudelaire, que primeiro levantou a questão da associação entre som físico e linguístico (em seu poema Les parfums, les coulers et les sons se répondent) relata-nos que a existência (ou não) da relação entre vogais e cores esbarra em diversas dificuldades de interpretação, devido à interferência de fatores culturais ou percepções pessoais. Tal variação é atestada quando se apresentam, por exemplo, os nomes das cores em diversas línguas. Helmut Gipper (1979) relata que B.Berlin e P.Kay compararam os nomes das cores em 68 línguas. Admitindo-se a natural diversidade de percepção entre uma língua e outra, podemos passar para a interpretação possível entre a associação que se faz entre determinados sons, e sensações.
Entre as vogais, costuma-se dar diversas idéias e intencionalidades. No português, por exemplo, podemos citar o caso do fonema /u/. Medeiros e Albuquerque (1911) afirma que, em entrevistas com 61 pessoas, todas fizeram a associação da vogal /u/ com a cor preta, exceto duas pessoas. A pesar de tais dados serem questionáveis, de fato, frequentemente, essa associação é feita por via indireta, pela evocação de sentimentos. É o caso de palavras como sepultura, sepulcro, túmulo, onde a vogal /u/ reforça o valor semântico de tristeza, que se revestem das conotações de tons escuros (MONTEIRO 1991).
Segundo Antônio Feliciano de Castilho(1908) o fonema /u/ ,pelo seu som abafado(emitido com a boca quase fechada)expressa uma idéia de desânimo,de angústia,de assuntos lúgubres.
Porém, é questionável tal ligação quando pensamos em palavras como luz ou puro, onde não vemos essa conotação de tristeza ou escuridão. Segundo Jose Lemos Monteiro (1991) esse questionamento é justificado quando pensamos que o corpo sonoro não se resume em único fonema, estando ligado à diversos outros. Outra justificação seria a que tal conotação seria variável segundo a situação e o contexto em que está inserido o fonema.
Quando retornamos ao poema que iniciou essa discussão (Les parfums, les coulers et les sons se répondent de Charles Baudelaire) vê-se que as interpretações possíveis de tais correspondências entre vogais e cores são de fato muito subjetivas.As correspondências entre vogais e cores são extremamente pessoais (ARAUJO, 1973). Porém, é totalmente inegável que, se a língua constitui-se como um reflexo da cultura, possa-se então formar uma norma com base nas associações frequentes (MONTEIRO 1991).
Com base nisso, José Lemos Monteiro (1991) organizou uma pesquisa, com base em uma entrevista com 150 pessoas (poetas ou estudantes de letras), formulando-se as seguintes perguntas: "Você percebe alguma associação entre vogais e cores?"e "Se sua resposta for afirmativa ,que cor(es)você relaciona às vogais A,E,I,O,U?"
De forma geral, a pesquisa revelou que os entrevistados (apenas 18% responderam de forma negativa a primeira pergunta) fazem sim uma relação entre vogais e cores. A correspondência foi a mais variada possível, tendo todas as vogais sendo relacionadas a cores diferentes. Assim, levanta-se a hipótese que as correspondências se explicam por motivos de ordem linguística.(MONTEIRO, 1991).
Apesar de o que se tem definido ser muito pouco, comprovou-se que o "fenômeno da audição colorida", de fato existe. E no âmbito da poesia e das realizações sinestésicas, a sonoridade e o efeito belo estão intimamente ligadas a uma adequada combinação de fonemas. O /u/ nem sempre será relacionada a cor escura, nem o /a/,tantas vezes ligada a claridade, será relacionado à pureza. Utilizando as palavras de Monteiro (1991 p.143): "E aí que está um dos segredos da língua, que colore as palavras com as tintas das vogais, para que os sentimentos e as emoções não sejam incolores como as frias idéias, mas vibrem numa orquestração que eleva a alma, em busca da essência da linguagem."
Com base nessas afirmações, o presente trabalho vem reanalisar a perspectiva desse fenômeno de relação entre sons e tons, tantas vezes sentido pelo falante, mas que pouco se consegue explicar.
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BIBLIOGRAFIA

ALBUQUERQUE, e Medeiros. A vogal preta. 3 ed. São Paulo:Companhia das letras, 1911.
BUENO, Silveira. Estilística brasileira. São Paulo: Saraiva, 1964.
CÂMARA, Jr. J.Mattoso. Contribuição à estilística portuguesa. 3. ed. Brasília: INL, 1977.
CASTILHO, de A.F. Tratado de metrificação portugueza.5 ed. Lisboa: Sociedade Editora, 1908.
LAPA, M. de Rodrigues (1970). Estilística da língua portuguesa. 6 ed. Rio de Janeiro: livraria Acadêmica, 1970.
MONTEIRO, José Lemos. A estilística. São Paulo: Ática, 1991.
RAMOS, Maria Luíza. Fenomenologia da obra literária. Rio de Janeiro: Forense, 1968.
VILANOVA, José Brasileiro Tenório. Aspectos estilísticos da língua portuguesa. Recife: Universitária1979.


Autor: Victor Flavio Sampaio Calabria


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