TOC E O CONSUMISMO NA CONTEMPORÂNEIDADE



De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da Associação Psiquiátrica Americana (DSM-IV-TR) o Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), também chamado transtorno de ansiedade ou transtorno de personalidade anancástica, é identificado como forma de alterações do comportamento (rituais ou compulsões, repetições, evitações), dos pensamentos (obsessões como dúvidas, preo¬cupações excessivas) e das emoções (medo, desconforto, aflição, culpa, depressão).
As obsessões são vistas como pensamentos ou impulsos que invadem a mente de forma repetitiva e persistente. Apesar de serem consideradas absurdas ou ilógicas, causam ansiedade, medo, aflição ou desconforto que a pessoa tenta neutralizar realizando rituais ou compulsões. Compulsões (respostas/ações) que se comportam como atos mentais voluntários e repetitivos, executados em resposta a obsessões, ou em virtude de regras que devem ser seguidas rigidamente ?. Vale salientar que nem todo pensamento ou ação repetitiva pode ser classificado como obsessivo compulsivo. Muitas vezes pode ser realizada alguma superstição ou mesmo um ritual, mas estes comportamentos serão considerados como compulsivos apenas se ocuparem um tempo considerável na rotina do indivíduo, ocasionando, conseqüentemente, um grau de sofrimento ou impedimento para realização de atividades, ou seja, se produzirem um comprometimento social.
Dentre os vários tipos de compulsões podemos considerar o ato de comprar compulsivamente (acumular, guardar ou colecionar coisas inúteis) o assunto de grande interesse para uma análise funcional, como também um dos fatores da contemporaneidade. Trata-se de comportamentos compulsivos ou aditivos (shopholic), onde o comprador compulsivo é, praticamente, um dependente do comportamento de comprar, precisando fazê-lo sem limites para sentir-se bem no ato da compra, tendo sentimento de arrependimento a posteriori .
Esse comportamento de consumir compulsivamente faz com que a pessoa que consome obtenha coisas pelo fato de consumir, mas, não pela necessidade do objeto que é consumido, sentindo-se culpado pela compra tendo como decorrência disso a perda do controle da situação.
A mesma cultura que reforça comportamentos imediatistas e nocivos exige autocontrole por parte das pessoas em relação a diversos comportamentos mantidos por reforçadores condicionados.
A maioria das vezes é dada uma responsabilidade pessoal, como se toda essa responsabilidade fosse inerente ao indivíduo, colocando este organismo como total responsável por comportamentos que foram modelados e reforçados pela sua própria cultura.
Não devemos recorrer a explicações mentalistas para entender o comportamento do indivíduo que não tem autocontrole, que é impulsivo, ou pode-se dizer também que ele é um sujeito irresponsável, consome em demasia sem se ater às conseqüências futuras.
Para Skinner, o ideal seria uma análise das variáveis externas que se relacionam com o organismo, e afirma que a dificuldade em se comportar para obter conseqüências futuras, pode ser a explicação de inúmeros problemas sociais, como o consumismo sem "consciência" de estar se comportando só no momento, porém o resultado pode ser drástico a longo prazo. Portanto, pensar comportamento do indivíduo envolvido com o mundo, situa-se num modo de princípio de ordenamento com o mesmo, na medida em que estas relações podem se modificar poderá mudar o comportamento.
A manipulação por meios de comunicação social faz com que muitos indivíduos sejam levados ao consumismo de variados produtos. Estamos condicionados a uma vida de satisfações básicas, estimulada pelo jogo ideológico cultural.
Sendo o consumismo cheio de contradições, busca-se com isso criar variadas formas de "tapar buracos", iludir-se com o material para esquecer a vida real, "colocar os pés no chão".
Consumismo numa visão marxista e outros autores que apóiam Marx:

Botelho (2002) afirma que nas grandes metrópoles contemporâneas, o comportamento de certos indivíduos diante de carência afetiva, tristeza, solidão, tensão, estresse ou simples tédio, vão às compras. Esse ato de refrear uma inquietação a partir do consumo é um exemplo banal, vulgarizado até, da íntima relação que há entre a psicologia individual, entre modos comportamentais e estados sentimentais e a estrutura econômico-social moderna. (BOTELHO, 2002) .
É possível destacar que, pessoas sem condições financeiras para manter certo status social, estão cada vez mais sendo influenciadas por estímulos ambientais e culturais.
Em seu raciocínio, Botelho (2002), faz um diagnóstico sobre a avaliação crítica da economia política e da problematizarão do consumo moderno, ressaltando que, os limites na falta da fundamentação crítica derivam o próprio consumo, invertendo o desenvolvimento iminente ao processo de troca e tropeçando numa explicação volitiva grosseira. (BOTELHO, apud CAMPBELL, 2001)
Vivemos em um mundo onde quem comanda são as publicidades e indivíduos com tal transtorno internalizam a propaganda e se projeta para um mundo de ostentação, bem estar, reconhecimento prestígio ou satisfação de uma "necessidade".
Skinner ressalta que ao acreditar que as práticas culturais emergiram do efeito agradável do reforçamento, e que grande parte do efeito fortalecedor das conseqüências do comportamento se perdeu. O efeito fortalecedor se perde quando os reforçadores são chamados de recompensas, ocorre um atentamento para a falha das práticas culturais. "... Pessoas são recompensadas, mas o comportamento é reforçado..." (Skinner, 1987, p. 3). 5
Ao se considerar o dinheiro como um reforçador secundário condicionado pode analisar a promoção de seus efeitos agradáveis e das conseqüências do comportamento, em detrimento dos efeitos fortalecedores, que têm desgastado as contingências de reforçamento. (SKINNER, 1987).
Em uma boa troca, o objeto comprado é mais altamente reforçador que o dinheiro gasto, e a venda se processa rapidamente.
Quando as conseqüências reforçadoras para o comprador excedem largamente as conseqüências aversivas de pagar o preço de um artigo, o simples comportamento de comprar é reforçado. O efeito reforçador de um artigo, e daí o preço que possa ser conseguido por ele, é ampliado por muitas técnicas de mercadologia. Torna-se o artigo "atraente" pela aparência, embalagem, etc. Propriedades desse tipo fazem com que um objeto seja reforçador tão logo seja visto pelo comprador em perspectiva, de forma a não requerer uma história prévia com objetos semelhantes (SKINNER, 1988).
O fato de possuir dinheiro faz com que o indivíduo tome posições grandiosas. Luiz, (2005) afirma que quando um indivíduo mantém um poder aquisitivo alto é digno de louvor. Porém quando não o tem, o papel se inverte como podemos apreciar na frase de Marx:

O dinheiro é o bem supremo, logo, é bom seu possuidor, o dinheiro poupa-me, além disso, do trabalho de ser desonesto, logo, presume-se que sou honesto; sou estúpido, mas o dinheiro é o espírito real de todas as coisas, como poderia seu possuidor ser um estúpido? Além disso, seu possuidor pode comprar as pessoas inteligentes e quem tem poder sobre os inteligentes não é mais inteligente que o inteligente? (LUIZ, 2005 apud MARX, 1991).

Marx é a referência clássica para este percurso que nos propomos. Viveu no início da sociedade industrial e já apontava algumas de suas principais características. Sua teoria sobre o consumo permite-nos desenvolver dois conceitos, recorrentes em outros autores que lhe seguiram: a alienação e a opressão. Estes dois conceitos são inicialmente desenvolvidos na sua teoria sobre o fetichismo da mercadoria que poderíamos assim sintetizar: a mercadoria é uma ilusão sobre o produto, forjada pelo capitalismo. (Da Silva et al. 2002)
Uma relação social definida, estabelecida entre homens, assume a forma ilusória de uma relação entre coisas. (...) É o que acontece com os produtos da mão humana, no mundo das mercadorias. Chama isto de fetichismo, que está sempre grudado aos produtos do trabalho, quando são gerados como mercadorias (MARX 1867/1980 apud DA SILVA, 2002, p.81).
Atualmente o consumismo está presente em quase todos os lugares, e não deixa de ser uma das características da humanidade, não necessariamente como um todo. Em certos indivíduos podem surgir a partir de um ato compulsivo em gastar e consumir, uma patologia que trará problemas futuros. O consumidor compulsivo se excita com o ato de comprar e não com o objeto comprado.
A priori poderemos discernir o que um analista do comportamento propõe no seu método de pesquisa científica, numa perspectiva relacional com vários teóricos como Charles Darwin, Francis Bacon, Ernst Mach, Karl Marx entre outros (Matos, 1999).
Na medida em que o funcionalista comportamental investiga e se utiliza de unidades funcionais do comportamento, ele pode prever como também controlar o comportamento através da manipulação das variáveis. Assim, não só mudando o resultado do comportamento por sua exposição direta a contingências, mas propondo que tal mudança seja resultante de interpretações e descrições destas contingências.
Desde quando o primeiro comportamento foi observado através de uma simples ameba, notou-se o processo de evolução até seus estágios de complexidade. Skinner (1987) descreve em seu artigo "A Modelagem do comportamento Filogenético", que mudanças geológicas bem conhecidas poderiam ter fornecido algumas das seqüências de contingências necessárias. Adaptando para o nosso modo capitalista de consumo, a necessidade que se coloca no modo de consumir objetos possa ter sido imposta aos sujeitos que consome, numa perspectiva de mudança contemporânea proposta por uma sociedade capitalista para explicar o comportamento de consumir exageradamente tudo que se aperfeiçoa no mercado.
A partir da evolução dos processos comportamentais, na medida em que o comportamento vai se modificando poderemos explicá-lo por imitação e modelação comportamental. Numa base filogenética poderíamos definir o comportamento de imitar se um sujeito se comportar de forma igual ao outro sujeito que está se comportando, sem nenhuma relação ambiental. Em contrapartida a imitação operante se diferencia do processo de evolução, pois, quando organismos ou sujeitos se comportam por causa das contingências de reforçamento um comportamento igual em outro organismo ou sujeito tende a aparecer ou ocorre à probabilidade de ser reforçado pelas mesmas contingências .
Neste ínterim, a imitação e a modelação exercem papel de excelência no desempenho e na passagem destes papéis, que são as contingências de reforçamento, sendo que alguns sujeitos ficam sob controle a partir das mesmas contingências, onde através da imitação o comportamento foi passado mais veloz por modelação. Portanto, uma cultura pode ser nomeada como contingências de reforçamento social quando são mantidas por grupo, onde à proporção que vai evoluindo novas práticas culturais vão se expondo, independente de como surjam, assim, contribuindo para a sobrevivência de um grupo e, por isso, são passadas de geração a geração se perpetuando. Na medida em que, tal prática acontece alguns comportamentos vão tendo uma maior ou menor sensibilidade de respostas ao meio ambiente, onde se refere que algumas práticas comportamentais vão ter maior freqüência em alguns organismos ou sujeitos do que em outros, podendo ser considerado á margem da conduta social.
Quando acontece tal marginalidade do comportamento social poderemos então fazer jus as palavras de Guilhardi (2008) onde para o Behaviorismo Radical, ele retrata que o consumo fora das regras "... raramente pode ser considerado um TOC. É provavelmente um repertório instalado no mundo moderno que acolhe e mantém tal classe comportamental, e está associado a déficit importante de repertório social e de engajamento mais significativo com a rotina (aliás, árdua) da vida.".
Portanto, já em (1931) Skinner considerava reflexo como uma relação observada, descrição das relações entre estímulo e resposta, assim, como o comportamento, do qual o reflexo seria uma analogia de uma relação entre eventos ambientais e eventos comportamentais. Tornando-se inútil uma consideração, onde há ambiente sem comportamento e comportamento sem ambiente, na medida onde podemos dizer que o comportamento pode ser controlado, quando se torna passível de descrição.
Na perspectiva de Matos (1999) "um comportamento estranho jamais se é dito "patológico", pelo analista comportamental, e se ele ocorre é porque de alguma maneira ele é funcional, tem um valor de sobrevivência". Sendo assim, o TOC pode ser um conjunto de respostas que se manifestam sob a forma de alterações comportamentais na forma de rituais ou compulsões, repetições, evitações, dos pensamentos como preocupações excessivas entre outros. Para Guilhardi (2008) retoma que "Analisar a história de contingências da pessoa e ampliar seus interesses por eventos mais significativos, desenvolver maior interesse pelo outro, engajar-se com a comunidade e tornar-se um cidadão mais útil, me parece mais complexo, porém mais significativo". 8


PREVENÇÃO DE RESPOSTAS

Na análise comportamental, o TOC é tratado pela técnica de prevenção das respostas, se mostrando necessário, mas não suficiente. Atualmente nos consultórios dos analistas comportamentais cada vez mais se convence que os familiares têm o papel preponderante (que é subestimado por muitos) na instalação e manutenção do TOC.
Através da análise funcional foram selecionados os comportamentos do TOC nos organismos como compulsivos e obsessivos assim, tornando os eventos públicos do comportamento de comprar que são: acumular, guardar ou colecionar coisas inúteis. Que para Skinner dão vazão para as contingências de reforço na implicação da relação do sujeito com o seu mundo ou contexto num modo sistemático de relações com as variáveis que partem das relações do próprio sujeito. Portanto, tal relação se mantém num conjunto de classes de respostas semelhantes ou que são mantidas por uma mesma conseqüência.
Estas classes de respostas que consideramos externas provêm do consumo exacerbado que faz parte do repertório comportamental do sujeito ou do organismo. Para Skinner (1988) mesmo sendo óbvio a vantagem biológica da evitação, o padrão emocional da ansiedade parece não ter propósito útil. Neste caso ocorre uma interferência do comportamento normal do indivíduo desorganizando o comportamento de evitação que, de outra forma, seria eficiente para lidar com as circunstâncias.
No entanto, os eventos privados do comportamento mental que são interpretados como compulsões, persistem de forma privada tornando-se públicos como, por exemplo, pensar insistentemente em fazer compras.
As associações das variáveis independentes e dependentes (causa e efeito) transformam-se numa relação funcional entre eventos diferentes que consideramos como obsessões e compulsões acontecendo ao mesmo tempo em certa ordem infligida pelo paciente. Podendo assim, priorizar as variáveis ambientais através do comportamento como condições necessárias para a instalação e manutenção de qualquer comportamento.
Neste ínterim, há uma necessidade do analista do comportamento analisar e intervir a partir da história de vida do indivíduo, identificando as contingências passadas e atuais para poder compreender e interpretar as variáveis que controlam e mantém os padrões comportamentais indesejados.
Podemos assim, evidenciar o repertório comportamental do sujeito como aprendidos na medida em que o organismo apresenta uma determinada sensibilidade aos comportamentos passados (modelação) que é refletidos no presente o ato de comprar e assim saber por que o reforçador reforça. Sendo evidenciado a imitação no processo cultural.
Contudo, ao tratarmos o TOC pela técnica da prevenção de respostas de fuga-esquiva (onde ocorre uma substituição de comportamentos onde sujeito tenta driblar o ato de comprar ou tentar não comprar), neste caso, a compulsão (ato de comprar, não se conter), está expondo o sujeito/cliente aos eventos aversivos, neste caso a obsessão (idéia de comprar).
No entanto, para esses comportamentos denominados de obsessivos compulsivos serem extintos se faz necessário a diminuição dos rituais de passagem até se extinguirem por completo, pois, a orientação familiar no caso de pessoas mais próximas não compartilhar desses rituais se torna de grande eficácia.
Portanto, o analista do comportamento propõe que deve ocorrer uma associação de medicações sob uma orientação psiquiátrica junto á uma terapêutica comportamental que o TOC está muito além da resolução de uma problemática, não sendo tratado ou visto como um problema isolado em si, não tendo uma idealização no seu tratamento.


REFERÊNCIAS:

ALMEIDA, Sheila Menezes de. Quando gastar torna-se uma obsessão. 2008. Disponível em:. Acesso em: março 2008.

BALLONE, GJ. Perguntas mais freqüentes sobre comportamentos compulsivos - in. PsiqWeb, Internet, revisto em 2005. Disponível em: Acesso em: 29 fev. 2008

BEZERRA, Márcia Dias. A Problemática das Vestes: Uma Visão Multifacetada. Sociedade e Meio Ambiente. Universidade Federal Fluminense. 2004. Disponível em: Acesso em: 29 fev. 2008

BOTELHO, Maurilio Lima. Contribuições da crítica da economia política para a problematização do consumismo moderno. 2002. Disponível em: Acesso em: mar. 2008.
CORDIOLI, Aristides Volpato & Colaboradores. TOC - Transtorno obsessivo compulsivo. 2003 Disponível em:. Acesso em: 29 fev. 2008

GUILHARDI, Hélio José. Terapia por contingência. [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por: em 14 mar. 2008.


LUIZ, Lindomar Teixeira. A ideologia do consumismo. Colloquium Humanarum, v. 3, n.2, Dez. 2005, p. 39-44. Disponível em: Acesso em: mar. 2008

MATOS, Maria Amélia. Análise Funcional do Comportamento, vol. 16, n° 3, 1999. Disponível em: Acesso em: fev. 2008

MIRALDI, Luciana. Terapia por contingência. [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por: em 24 abr. 2008.

NASCIMENTO, Robson da Cruz. Uma Introdução ao Conceito de Autocontrole Proposto pela Análise do Comportamento. PUC Minas ? Unidade São Gabriel, Vol. III. 2006. Disponível em: Acesso em: fev. 2008

SILVA, et al. Consumo e subjetividade: trajetórias teóricas. Estud. psicol. (Natal) vol.7 nº. 2 Natal July/Dec. 2002. Disponível em: Acesso em: mar. 2008

SKINNER, Burrhus Frederic, 1904. Ciência e Comportamento Humano/ B. F. Skinner; Tradução: João Carlos Todorov, Rodolfo Azzi, 10ª ed. ? São Paulo. 1988.

Autor: Geane Santos


Artigos Relacionados


A Concepção Ambientalista

Toc - Transtorno Obsessivo Compulsivo

Transtorno Obsessivo-compulsivo

O Comportamento E Suas Consequências

Psicoterapia Cognitivo-comportamental

O Processo De Aprendizagem Altera O Comportamento Humano, Facilitando A Convivência Entre Pessoas Em Sociedade

AnÁlise Do Filme “wall-e” Sobre A Perspectiva Comportamental