DISLEXIA: UM TRANSTORNO DE APRENDIZAGEM DIGNO DE INTERVENÇÃO E PASSIVEL DE SOLUÇÃO



DISLEXIA: UM TRANSTORNO DE APRENDIZAGEM DIGNO DE INTERVENÇÃO E PASSIVEL DE SOLUÇÃO

Clecia Pacheco (Psicopedagoga)
Reinaldo Pacheco (Pedagogo)

Para discorrermos sobre a dislexia, é indispensável que antes tracemos alguns conceitos, significados, na visão de alguns estudiosos do assunto. Assim, a palavra dislexia foi o primeiro termo genérico utilizado para designar vários problemas ou dificuldades de aprendizagem. DIS (distúrbio) LEXIA, do latin (estudo) e no grego (linguagem), ficando assim, dislexia = dificuldade na leitura. Então é possível afirmarmos que a dislexia é a "genitora dos transtornos de aprendizagens" tão comum nos dias atuais. Mas afinal, o que é mesmo transtorno de aprendizagem?
Na visão de Sara Paín, 1980, (In Alicia Fernandez, 2001, p. 144), "o transtorno de aprendizagem é uma falha no processo de aquisição de certos conhecimentos e não dos conhecimentos em geral", sendo assim é possível afirmar que o sintoma problema de aprendizagem toma a inteligência como terreno onde o aprender e o pensar estão comprometidos e o sintoma torna-se "o grito de denuncia" do transtorno. Por outro lado surge a inquietação: Mas o que é dislexia? Como se manifesta? Quais são os sintomas? Como intervir?
Segundo Davis, (2004, p. 36), a dislexia não resulta de lesões cerebrais ou nervosas, nem também é originada por uma má-formação do cérebro, do ouvido interno ou do globo ocular, como era imagina por pesquisadores de outrora. "A dislexia é produto do pensamento e uma forma especial de reagir ao sentimento de confusão." Esse sentimento de confusão é denominado pelo autor também de desorientação, que em sua óptica significa que a percepção dos símbolos se altera e se distorce de forma que ler ou escrever se torna bastante difícil ou quase impossível. Segundo ele, ironicamente, essa alteração da percepção é precisamente o mecanismo que os disléxicos consideram útil para reconhecer objetos e situações da vida real em seu ambiente antes que iniciassem a aprender a ler.
De acordo com Davis, 2004, p. 43, a desorientação não é nada anormal, mas sim, é um fenômeno comum, sendo uma função natural do cérebro humano. Ocorre geralmente quando estamos assoberbados por estímulos e quando o cérebro recebe informações conflitantes dos diversos órgãos dos sentidos e tenta relacioná-los e não consegue. Aí surgem as dificuldades que o disléxico tem que serão discorridas mais adiante.
Beatriz Scoz, 1994, p. 22, fala sobre os distúrbios de aprendizagem, que designa como sendo: afasias, disgrafias, discalculias, dislexia e, considera-os como os principais responsáveis pela incapacidade de algumas crianças para aprender.
No entanto Sara Paín 1985, In Scoz, 1994, p. 29, afirma que a aprendizagem depende da articulação entre fatores que ela descreve como sendo internos (referentes ao funcionamento do corpo, considerado com instrumento responsável pelos automatismos, coordenação e articulação) e, externos ao sujeito. Os problemas ou transtornos de aprendizagem são considerados pela autora, "não como o oposto de aprender, mas como um processo diferente deste, um estado particular de um sistema que, para equilibrar-se, precisou adotar um determinado tipo de comportamento que determina o não aprender e que cumpre assim uma função positiva."
Já García, 1998, p. 173, em seu capitulo 8, do Manual das Dificuldade de Aprendizagem, aborda sobre Dificuldades de Aprendizagem da Leitura. E o referido autor reafirma as idéias de Davis que diz, que o transtorno não é devido nem à deficiência mental, nem a uma inadequada ou escassa escolarização, nem a um déficit visual ou auditivo, nem muito menos neurológico. Mas como se manifesta tal transtorno na visão do mesmo?
Esse transtorno denominado por ele como "dislexia", ou como "transtorno de desenvolvimento de leitura", manifesta-se através de "uma leitura oral lenta, com omissões, distorções e substituições de palavras, com interrupções, correções, bloqueios. Produz-se uma afetação, também, da compreensão leitora." Desta forma, pode-se afirmar que existem várias características típicas que vão facilitar o educador a detectar a criança disléxica em sala de aula.
Quando um disléxico tem um problema com a escrita, geralmente é diagnosticado como agrafia ou disgrafia. Isso está relacionada à desorientação, já citada na visão de Davis, 2004.
Então, discorremos agora algumas características que se apregoa a um disléxico:
1- Consiste em um rendimento da leitura (correção, velocidade ou compreensão) substancialmente inferior ao que é esperado para a idade cronológica, a inteligência e a escolaridade;
2- É caracterizado por distorções, substituições ou omissões, por lentidão e erros na compreensão, tanto na leitura em voz alta quanto na silenciosa;
3- Geralmente, vem associado ao transtorno da expressão escrita e da matemática, mas não é uma regra;
4- De 60% a 80% dos disléxicos, são do sexo masculino;
5- Respondem por cerca de quatro a cinco casos dos transtornos de aprendizagem;
6- Raramente é diagnosticado antes da 3ª ou 4ª série, mas, já pode ocorrer na pré-escola;
7- O diagnostico precoce e a intervenção, o prognóstico é positivo na maioria dos casos;
8- Nada impede do transtorno persistir na idade adulta.
Alem das características descritas, é crucial destacar a grande dificuldade de concentração dos disléxicos, e para tanto, é relevante expor a diferença entre concentrar-se e prestar atenção. Os disléxicos conseguem prestar atenção, quando algo é prazeroso. Já concentrar para um disléxico "é algo que ameaça a própria vida e não é nada agradável. Na verdade, é muito angustiante." O tédio causa essa desconcentração, e é por conta disso, que uma criança disléxica se desconcentra com extrema facilidade, pois o tédio leva a mesma a dois caminhos na visão de Davis, 2004, p. 83. "Uma criança disléxica entediada fará uma dentre duas coisas: ou ela irá desorientar para dentro de sua própria imaginação criativa (devaneio) ou ela irá mudar sua atenção para algo que é interessante (distração/desatenção)."
Esta observação é importantíssima, e chama atenção, principalmente para aqueles "educadores", que ainda despreparados e/ou sem buscar pesquisar/estudar problemas ou transtornos que podem vir a vivenciar em suas salas de aulas com seus alunos, permanecem com suas metodologias enfadonhas, suas aulas cansativas, sem nenhum atrativo didaticamente falando, e que acabam por "entediar" as crianças disléxicas, que acabam tendo comportamentos atípicos nas suas salas de aulas (horas distantes, desconcentrados, horas hiperativos para driblarem o tédio) e, que muitas vezes acabam sendo rotulados pelos próprios professores.
É fundamental colocar que, da mesma forma que o lado negativo da dislexia, onde duas pessoas jamais apresentam as mesmas dificuldades, o dom da dislexia também é diferente para cada indivíduo. Entretanto existem as características gerais que todos os disléxicos possuem em comum, que já foram discorridas anteriormente.
Segundo Davis, 2004 p. 123, assim como o aspecto negativo da dislexia, o dom da dislexia também é evolutivo, tende a crescer e tem que ser criado pelo próprio disléxico. Mas como considerar a dislexia como um dom? Então, na visão deste estudioso, "o dom final da dislexia será o dom do domínio, onde o disléxico será capaz de dominar muitas habilidades mais rapidamente do que uma pessoa comum levaria para compreendê-las ou conhecê-las."
Davis 2004, p. 123, discorre que o processo primário do pensamento do disléxico é um modo não-verbal de pensar em imagens que ocorre à velocidade de trinta e duas imagens por segundo. Segundo o mesmo, enquanto que um pensador verbal poderia em um segundo, ter entre dois e cinco pensamentos, um pensador em imagens teria trinta e dois pensamentos. Imagine a velocidade que "trabalha" a mente de um pensador em imagens, neste caso especificamente, o disléxico. Daí, uma das razões para Davis discorrer sobre o dom da dislexia.
Existem várias características positivas num individuo disléxico. O disléxico é intuitivo (capaz de muitos insights), tem pensamento multidimensional (utiliza todos os sentidos), é bastante curioso e criativo. Davis, 2004, p. 132, afirma que "devido a pensar por imagens, ao pensar intuitivo, ao pensar multidimensional e à curiosidade, a criatividade do disléxico é extremamente acentuada". Isso só reafirma novamente sua óptica a respeito da temática abordada, quando diz que a dislexia é um dom que se desenvolve de diversas e variadas maneiras nos sujeitos disléxicos, ou seja, "a dislexia é o resultado de um talento perceptivo", onde em algumas situações ele pode se tornar uma desvantagem, em outras não.
Entretanto, se a dislexia fosse apenas um fator negativo, os indivíduos que sofrem com os transtornos de aprendizagem, estariam "condenados" ao fracasso, mas, não é isso que as pesquisas apontam. Pelo contrário, existem personagens famosas que se destacaram e que se destacam internacionalmente, pessoas que deixaram seus legados científicos históricos, que foram/são diagnosticadas como disléxicas. Entre eles Devis, 2004, p. 32 destaca: Albert Einstein, Thomas Edison, Alexandre Graham Bell, Charles Darwin (inventores/cientistas); Leonardo da Vinci, Pablo Picasso, Vicent van Gogh, Walt Disney, Hans Christian, Agatha Christie (artistas, escritores); Winston Churchill, John Kennedy, Nelson Rockefeller, General Georg Patton (políticos/estrategistas); John Lennon, Tom Cruise, Harrison Ford, Robin Williams, Whoopi Goldberg, Quentin Tarantino (músicos/atores/diretores); Henry Ford, Ted Turner (empresários) e Magic Johnson, Muhammad Ali, Jacki Stewart (esportistas), entre outras personalidades destacáveis.
Portanto, é indiscutível a inteligência e capacidade dos disléxicos e, por conta disso, Davis, 2004, p. 134, afirma que "a dislexia não deveria ser chamada de transtorno de aprendizagem. Deveria ser chamada com maior exatidão de risco de condicionamento", pois quando a aprendizagem é apresentada através de experiências práticas, interativas, dinâmicas, "os disléxicos conseguem dominar muitas coisas mais rapidamente do que a pessoa comum levaria para compreendê-las." Essa pessoa comum seria um individuo não-disléxico. Embasada nessa afirmação é imprescindível afirmar que, o maior problema dos disléxicos no que diz respeito à dificuldade de aprendizagem em sala de aula, são as metodologias utilizadas pelos professores e as didáticas desenvolvidas pelos mesmos. Se adequadas aguçarão a inteligência, as habilidades e competências do disléxico. Se inadequadas, configurarão no seu fracasso escolar, que poderá até trazer como conseqüência maior, a repetência e a evasão escolar, proporcionando ao mesmo, uma frustração muitas vezes incorrigível na sua vida estudantil.


Referencias Bibliográficas

DAVIS, Ronaldo Dell com BRAUN, Elder M. O dom da dislexia: por que algumas das pessoas mais brilhantes não conseguem ler e como podem aprender. Tradução: Ana Lima e Gracia Badaró Massad. Rio de Janeiro: Rocoo, 2004.
FERNANDÉZ, Alicia. Os idiomas do aprendente: analise de modalidade ensinantes em famílias, escolas e meios de comunicação. Tradução: Neusa Kern Hickel e Regina Orgler Sordi. Porto Alegre: Artmed, 2001.
GARCÍA, Jesus Nicasio. Manual de dificuldades de aprendizagens: linguagem, leitura, escrita e matemática. Tradução: Jussara Haubert Rodrigues. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
SCOZ, Beatriz. Psicopedagogia e realidade escolar: o problema escolar e de aprendizagem. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.


Autor: Clecia Simone Gonçalves Rosa Pacheco


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