O DIREITO ENQUANTO FORMA DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS E A REFORMA PROCESSUAL: O CASO DA LEI Nº. 11.441/07



Por viver o Homem organizado em Sociedade, é natural, e até saudável, que aconteçam os conflitos, visto que é um ser dotado de livre arbítrio, existindo, portanto, a diversidade de idéias e interesses. Neste contexto, nasce o Direito enquanto instrumento de resolução dos conflitos ou lides que surge a partir do momento em que há a intervenção de um ser humano na esfera de direitos de outrem.
Deste modo, a lide é composta por um interesse primário, que se relaciona com o direito material ou substancial, isto é, o direito que um indivíduo possui de usar, gozar e dispor de uma propriedade, e um interesse secundário, que se dá no momento em que o exercício dos direitos é atacado, interrompido, agredido, aviltado ou ameaçado por outrem, com a natureza processual de poder se utilizar do processo para recuperar o pleno exercício do interesse primário, revelando-se com o objetivo de fazer com que se cesse o impedimento ao exercício do direito que se reflete no interesse primário.
Assim, cabe à Ciência do Direito estudar e indicar os meios e instrumentos de efetivação do direito e a conseqüente resolução de litígios.
O processo, atualmente, figura entre os meios de resolução de conflitos mais utilizado na esfera jurisdicional, contudo, existe ainda o que a doutrina majoritária classifica como equivalentes jurisdicionais que, segundo DIDIER JR. (2007), são as formas de resolução de conflitos, autorizadas pelo ordenamento jurídico, em que não há exercício da jurisdição estatal.
Com base neste conceito, têm-se como equivalentes jurisdicionais, a Autotutela ? resolução de conflito de interesses pela imposição da vontade de uma das partes. Em regra, tal composição é vedada pelo ordenamento jurídico pátrio, ressalvando-se os casos previstos em lei, sendo, contudo, passível do posterior controle jurisdicional, que assume o papel de legitimador da defesa privada, pautando-se no fundamento de que nem sempre o Estado-juiz está presente quando um direito é violado ou quando está prestes a sê-lo, ou, ainda, pela ausência de confiança entre pessoas; Autocomposição ? há o consentimento espontâneo de uma das partes em sacrificar o interesse próprio, total ou parcialmente, em favor do interesse alheio, consistindo, assim, em legítimo meio alternativo de pacificação social, culminando na desmistificação do dogma da exclusividade estatal para a resolução de conflitos de interesses, podendo ocorrer dentro ou fora do processo jurisdicional. Este gênero de resolução de conflitos tem como espécies a Transação, que consiste em concessões mútuas; Submissão, que é resultado do reconhecimento da procedência do pedido, isto é, uma parte submete-se a outra; e Renúncia da pretensão deduzida.
Além dos equivalentes jurisdicionais supracitados, vislumbra-se ainda a Mediação, que se distingue das anteriores por existir aí a presença de um terceiro ? mediador ? que tenta conduzir as partes à solução do conflito. O mediador deverá ser um profissional qualificado que tem o papel de conduzir os litigantes ao descobrimento das causas do problema e assim alcançar a autocomposição. De acordo com o Projeto Lei 94, de 2002, a mediação poderá ser prévia, que é opcional, e incidental que é obrigatória, sempre que for distribuída a demanda. Por fim, tem-se a Arbitragem, que, assim como no caso da mediação há a presença de um terceiro, porém, consiste numa técnica mediante a qual os litigantes buscam em uma pessoa da sua confiança a solução amigável e imparcial da lide. Este equivalente tem ocupado espaço cada vez maior no âmbito da resolução não jurisdicional das lides, sendo regulamentada pela Lei Federal nº. 9.307/96, podendo ser constituída por meio de um negócio jurídico denominado convenção de arbitragem.
A partir desta simples discussão, é possível perceber que a conciliação vem ganhando importância cada vez maior na resolução dos litígios, deixando de ser o Estado-juiz o único responsável pela efetivação dos direitos. Isso é resultante do enorme inchaço sofrido pelo Poder Judiciário, frente ao grande número de conflitos e conseqüentes ações ajuizadas que posteriormente se transformam em processo. Constitui-se, assim, numa demonstração da preocupação do Estado com o fato do processo ter se tornado apenas um meio, que nem sempre, leva os litigantes ao seu objetivo maior que é a resolução do conflito da maneira mais justa para ambas as partes, fazendo com que não seja cumprida a função maior do Direito: a realização da justiça.
A ineficiência processual implica, ainda, no descumprimento do principio constitucional do livre acesso á justiça, ressalvando-se que este princípio deve ser entendido não apenas no seu aspecto formal do direito que tem todo e qualquer cidadão de motivar o juiz para a tomada de decisão frente ao seu litígio, mas compreendendo-o, também, como sendo a real efetivação dos direitos, o que implicará, necessariamente, na realização da justiça.
Segundo GRINOVER, o ordenamento jurídico vigente e o labor dos processualistas põem em destaque uma série de princípios e garantias que interpretados, harmônica e conjuntamente, conduz as partes à ordem jurídica justa, fazendo com que o acesso à justiça seja a idéia central à qual converge toda a oferta constitucional e legal de tais princípios e garantias.
Desta forma, pretende-se oferecer a mais ampla admissão de pessoas e causas ao processo garantindo-se a todas elas a observância das regras que consubstanciam o devido processo legal, para que possam participar efetivamente da formação do convencimento do juiz que julgará a causa, podendo, portanto, exigir dele a efetividade de uma participação em diálogo que resultará numa solução que seja justa, capaz de eliminar todo resíduo de insatisfação, realizando, deste modo, a dinâmica dos princípios e garantias do processo, na sua interação teleológica apontada para a pacificação com justiça.
É nesta busca constante que o Estado realiza as reformas processuais para que o processo cumpra, de fato, o seu papel de efetivador do direito com a maior celeridade possível.
A Lei nº. 11.441, de 04 de Janeiro de 2007, em mais uma tentativa de efetivação dos direitos e cumprimento do princípio da razoável durabilidade do processo, possibilita a realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual por via administrativa. Isso, de fato, resulta no desafogamento do Poder Judiciário, contudo, deve ser analisada e aplicada com certa precaução, sob pena de causar uma insegurança jurídica, visto que isso pode dar margem ao aumento da corrupção nos Cartórios Brasileiros. Ora, vivendo em um país onde a corrupção é algo cultural, a desburocratização ao mesmo tempo em que resulta numa maior celeridade processual pode também se constituir em indicador de aumento do índice de corrupção administrativa no Poder Judiciário, o que resultará numa insegurança jurídica.
O ordenamento jurídico pátrio determina ser o advogado indispensável ao funcionamento do Poder Judiciário, logo este dispositivo legal de reforma processual civil determina que as escrituras sejam lavradas apenas se as partes estiverem na presença deste profissional o que se constitui, em regra, numa garantia.
Contudo, tendo em vista que tal procedimento é oneroso para as partes interessadas, exceto nos casos em que fique comprovado que as mesmas não dispõem de poder aquisitivo para cobrir tais gastos, é possível que haja a criação de empecilhos para a sua realização frente aqueles que dispõem de recursos para pagá-lo, resultando, assim, no enriquecimento ilícito dos tabeliões.
Com isso, faz-se necessário que sejam criados mecanismos fiscalizadores que garantam a efetivação de tais direitos de maneira mais célere e sem incorrer em maiores custos por conta de atos de corrupção.
Ressalvados tais aspectos que podem resultar em insegurança jurídica, pode-se concluir que, num momento em que a conciliação enquanto composição de conflitos ganha cada vez mais espaço e torna-se consideravelmente mais importante, esta lei inaugura de fato uma nova perspectiva no Direito Processual Civil, visto que propicia a celeridade processual e o acesso à justiça sem abrir mão da segurança jurídica, quando, de modo taxativo, resguarda os direitos dos incapazes, que devem ser tutelados jurisdicionalmente, e assegura a necessidade da presença do profissional operador do direito como "mediador" e garantidor da "ordem processual", o que não extingue a necessidade dos mecanismos de fiscalização.












REFERÊNCIAS

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini & DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

DIDIER JR. Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. v. 1. 7.ed. Salvador: Editoras Podivm, p. 68-71.

MARQUES, Luiz Guilherme. Celeridade no Processo Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 51, out. 2001. Disponível em: . Acesso em: 14 abr. 2007.

MORAES, Lúcia Maria de. A Lei nº 11.441/07: separações consensuais e partilhas feitas por via cartorária. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1372, 4 abr. 2007. Disponível em: . Acesso em: 14 abr. 2007.

PARREIRA, Antonio Carlos. A Lei nº 11.441 e a possibilidade de prisão por dívida alimentar. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1358, 21 mar. 2007. Disponível em: . Acesso em: 14 abr. 2007.

SOARES, Flávio Romero Ferreira. Comentários à Lei nº 11.441/2007. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1292, 14 jan. 2007. Disponível em: . Acesso em: 14 abr. 2007.

LEI Nº. 11.441 de 04 de Janeiro de 2007.

LEI Nº. 5.869 de 11 de Janeiro de 1973 ? CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.

Autor: Thais Elislaglei Pereira Silva Da Paixão


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