Responsabilidade Civil do Advogado Pela Perda de Uma Chance












IONÁRA REGINA SEBEM DA CUNHA





RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO PELA PERDA
DE UMA CHANCE












PORTO ALEGRE
2010






1.Responsabilidade Civil do Advogado Pela Perda de Uma Chance

1.1. Responsabilidade Civil Pela Perda de Uma Chance

A teoria da perda de uma chance teve início na França em 1889, com características da responsabilidade civil, voltada exclusivamente para indenizar a oportunidade perdida ou a possibilidade de evitar determinado prejuízo. A real análise da teoria da perda de uma chance se concentra na reparação da oportunidade perdida e a frustração ao não poder evitar um prejuízo, diferente da responsabilidade civil que é um instituto voltado a reparação de danos causados por uma pessoa física ou jurídica. Contudo, ambos têm caráter indenizatório e saneador das questões sócio-econômicas, de forma que, a teoria da perda de uma chance veio de encontro a resolver questões novas relacionadas ao dano sofrido por uma determinada vítima.
Os exemplos clássicos da teoria da perda de uma chance são: do cavalo que fica aos cuidados do jóquei, tendo sido entregue por seu proprietário a este, e vem a sofrer um acidente por descuido, não podendo participar de um Grande Prêmio; de um pintor que envia uma obra de arte pelo correio e por culpa destes ou de outros envolvidos, não tem a sua obra em tempo ao destino da exposição, por extravio ou entrega atrasada; do advogado que de forma negligente não interpõem no prazo um recurso, frustrando a possibilidades do cliente ter sua pretensão examinada por um Tribunal. Nos casos exemplificados, citando o mais discutido por todos os doutrinadores que é o do cavalo, em que não se poderia saber ao certo se o animal iria ganhar o Grande Prêmio, mas é a oportunidade que ele tinha de concorrer que foi frustrada, as chances que foram alvo de negligência, que se avalia como indenizável.
No entanto, esta teoria teve seu início relacionada a questões voltadas a erros médicos denominados "a chance de uma cura", que no caso tem o exemplo de um médico que fez um diagnóstico errado, causando a impossibilidade de cura do paciente. A atenção nestes casos está na real oportunidade de cura, que o paciente possuía se não tivesse a interferência de um ato negligente do médico, afastando as possibilidades do paciente em ver seu quadro revertido.
A perda de uma chance é caracterizada, toda a vez que uma expetativa concreta for frustrada, afastando a possibilidade de conseguir um êxito ou de evitar um prejuízo. Portanto, para os franceses a chance com caráter jurídico significa, "probabilidade", já que para a jurisprudência e doutrinadores (literatura do direito) este pensar está mais condicionado a oportunidade, em tradução brasileira. Estas definições são demonstrativos de chances concretas, quando se fala em probabilidade e oportunidade, não são as chances hipotéticas que tem relevância, mas as reais possibilidades.
O marco da responsabilidade civil pela perda de uma chance no Brasil foi a conferência do Prof. François Chabas, estudioso do instituto da perda de uma chance, na França, para a Faculdade de Direito da UFRGS, em 23/05/1990, no Rio Grande do Sul. Desde então, idéias como, "o prejuízo não é a perda de uma aposta, como um resultado esperado, mas da chance que teria de alcançá-la" e as definições divididas através dos elementos que são:
a) um resultado que se perdeu, podendo ser caracterizado como dano;b) o nexo causal entre a conduta; c) as chances que se perderam. Contudo, estes são elementos técnicos a luz da jurisprudência francesa, em que o resultado perdido é as chances perdidas que representam um dano a vítima, o nexo de causalidade é um elemento de ligação entre a conduta de um agente e o fato ocorrido e as chances perdidas são as reais oportunidades que foram frustradas por um agente.
Julgamentos, como na ação de negligência médica de 1990, através da decisão do Desembargador Ruy Rosado de Aguiar Júnior, em que uma paciente submetida a cirurgia corretiva da miopia com grau quatro (4), tendo como resultado uma hipermetropia de grau dois (2), e cicatrizes na córnea, acarretando uma visão nebulosa e imperfeita. Logo, ficou claro que houve um agravamento do quadro da paciente em questão, com consequências reconhecidas de erro médico no procedimento cirúrgico.
Para o Brasil esta questão é bem aceita por entender-se, que houve dano patrimonial na perda de chances, a vítima deixou de se beneficiar ou evitar uma perda pelo fato culposo do agente. Por haver uma interferência, frustrando as expectativas da vítima que almejava conseguir um lucro ou poder ver resolvida uma situação prejudicial.
Cabe ressaltar que não é o dano o principal enfoque desta teoria, mas a oportunidade perdida, que traria a solução almejada pelo cidadão. Na qualidade de demonstrar maior amplitude e importância nas questões diretamente ligadas as mudanças sócio-econômicas e tendo como principal característica as oportunidades do cidadão, em caráter de ter assegurados direitos e garantias individuais.
Um exemplo que teve importância, demonstrando a perda de uma chance na Inglaterra em 1911, no caso Chaplin versus Hicks, que uma concorrente de um concurso de beleza , competindo com cinquenta (50) candidatas finalistas, com doze (12) prêmios, sendo acusado o organizador do concurso. Entendeu o Juiz que, era o direito da autora fundamentando que seria de 25% a chance de perceber um dos prêmios, quantificando de forma pioneira, pela perda de uma chance, neste país. Neste exemplo temos uma forma de como se quantifica, quando esta questão da chance perdida fica demonstrada diante de um fato. Portanto, é ao Juiz que cabe uma atenção especial na forma de quantificação, quando esta hipótese se demonstrar concreta e séria.
Historicamente, o dano com relação a responsabilidade civil pela perda de uma chance apresenta um valor econômico de caráter patrimonial e diante de uma "vitória" sempre terá um valor menor ou reduzido do total estimado. Certamente, a obtenção da vantagem está diretamente ligada a uma probabilidade superior a cinquenta por cento (50%) com caráter sério e real, tanto que para o cálculo da indenização o Juiz irá quantificar através desta análise, que se baseia no conceito adotado pelo Direito Italiano.
Um dos casos mais famosos do Superior Tribunal de Justiça, STJ é do "Show do Milhão", em que a autora diante da possibilidade de ganhar o prêmio máximo, encontra dificuldades ao responder a pergunta, sendo que foram apresentadas quatro (4) opções, todas com porcentagens que não estão afixadas em nenhuma Lei do país. Certamente, uma pergunta de impossibilidade de resposta, tanto que, a autora impetrou ação contra empresa do Grupo Sílvio Santos, demonstrando que os povos indígenas tem direito a terras, mas não estão definidas a quantidade a que estes tem direito, o que foi alvo da pergunta. A quantificação ficou estruturada pelo Juiz com base na existência de quatro (4) possibilidades de resposta.
No entanto, essa teoria nasce na França nos Tribunais, trazendo uma análise através das decisões jurídicas, ao contrário dos primeiros experimentos do Brasil, que se demonstraram através de teses de mestrado e doutrina (livros de direito). Com isso, é clara a experimentação de uma nova teoria da responsabilidade civil, que não atende a todos os casos em que houve a atitude faltosa de outrem, um advogado por exemplo, mas que ainda precisa de atenção para ser efetiva em determinadas ações. Não se quer confusões com outros institutos, mas a verdadeira preocupação que esta teoria oferece, é que sempre que alguém tiver sua pretensão frustrada, ou sua oportunidade retirada, tenha este apoio jurídico.
Contudo, a responsabilidade civil pela perda de uma chance e as suas peculiaridades é de grande importância nos experimentos jurídicos e análises doutrinárias, apresentando a novidade e a modernidade, visando o equilíbrio das relações, sempre que as chances e oportunidade forem afastadas do cidadão. Com este apelo social, a teoria que visa minimizar a frustração da pessoa ou cidadão quer ser saneadora e não apenas um contexto indenizatório, tanto que para isso requer atenção especial.

2. A Responsabilidade Civil do Advogado Pela Perda de Uma Chance

A responsabilidade civil do advogado pela perda de uma chance é uma análise voltada a conduta do profissional que com seu ato lesivo, frustra as oportunidades do cliente. Importante ressaltar, que este profissional liberal possui uma relação de contrato com o cliente, assim como, a necessidade de uma postura ética regulada por órgão competente (OAB). Contudo, existe uma relação de meio, em que este irá atuar através de todos os meios legais na defesa de seu cliente, que aparentemente, assegura o advogado a representar de forma livre o cliente que o contrata. No entanto, com uma atitude lesiva e desleixada este profissional liberal responde por seus atos e quando lesar as chances que eram concretas, tem claros fatores que apontam para o questionamento da perda de uma chance.
Independentemente, da obrigação de meio do advogado com o cliente sua atuação será de diligência, capacitação e cuidado, independente do resultar favorável ou desfavorável do processo, que foi colocado aos seus cuidados. Contudo, o Código de Defesa do Consumidor representa a segurança do cliente, na qualidade de consumidor e "hipossuficiente", que é a parte frágil da relação e o advogado como o prestador de serviços.
Este ordenamento traz o equilíbrio neste tipo de relação, cliente e advogado, definindo os papeis de responsabilidade e direitos assegurados. Entretanto, cabe ficar demonstrada a negligência, imprudência e imperícia do advogado, que será responsabilizado quando estes elementos estiverem presentes no dano causado pelo profissional.
O mais importante a demonstrar neste enfoque, é que para que haja a utilização da teoria da perda de uma chance, quando o advogado agir com negligência, esteja principalmente ressaltada a oportunidade com relação ao lucro esperado ou a condição de evitar um prejuízo. A hipótese deve ser séria e concreta, porque será a análise mais importante a que demonstrar que houve a real frustração do cliente nas suas chances que foram perdidas pela interferência danosa. A atenção desta teoria da perda de uma chance com relação ao advogado não está na negligência, mas sim, na oportunidade perdida que se configura no dano, não se define o dano final, mas a possibilidade existente em uma pretensão deste cliente.
Os atos do advogado estão regulados pelo Estatuto da Advocacia (Código de Ética e Disciplina da OAB) em que deveres éticos permeiam a atuação profissional. No entanto, quando comprovados dolo e culpa, e diante de um dano concreto desencadeado pelo profissional liberal, este estará incorrendo em um ato ilícito na sua conduta, podendo ser responsabilizado. Entretanto, a hipótese da perda de uma chance precisa do elemento oportunidade perdida, chances que o cliente tinha se um recurso fosse interposto no prazo pelo advogado, são as chances que o cliente tinha de ver apreciado por um Tribunal,que foram frustradas por um ato faltoso do profissional.
Conceitualmente, o instituto da perda de uma chance é aquilo que o cliente deixou de obter, um êxito com capacidade concreta em sua pretensão ou viu retirada a sua oportunidade de evitar um prejuízo, diante de uma conduta omissiva, aquilo que deixou de fazer ou comissiva, aquilo que fez de forma lesiva realizada pelo advogado. Avalia-se, a culpa do profissional diante das chances perdidas pela pessoa do vitimado, não é o ato do advogado que requer a maior atenção, mas a oportunidade perdida que terá como liame a conduta danosa que conduziu a perda de uma chance que teria se não tivesse o profissional agido faltosamente com o cliente.
O exemplo clássico, que demonstra a perda de uma chance, é o caso do advogado que perde os autos e não comunica ao seu cliente e não tem o cuidado de restaurá-los, age com descaso e o cliente não tem sua pretensão examinada, esta seria a sua oportunidade, independente de ser positiva ou negativa.
Em casos assim, com a máxima cautela e atenção ao ato do profissional, por não possuir sempre a utilização da teoria da perda de uma chance, para não banalizar ou fazer o uso indevido do instituto em questão, com pedidos recheados de má-fé e ações sem propósito.
Em suma, a responsabilidade civil do advogado pela perda de uma chance está diretamente ligada a proteger as oportunidades na relação de advogado e cliente, sempre que o requisito das chances forem frustradas e a pretensão séria e concreta for abalada por ato faltoso de profissional do direito. O dano analisado sempre será a oportunidade perdida ou a possibilidade de evitar um prejuízo.

CONCLUSÃO

Através das notícias do Superior Tribunal de Justiça, STJ, em 21/11/2010, com o título, "Perda da chance: uma forma de indenizar uma provável vantagem frustrada", e Espaço Vital, site de pesquisa jurídica, que representam termômetros dos acontecimentos jurisdicionais e análises de relevância social. Estes são demonstrativos da crescente discussão e da importância que esta teoria trouxe ao ordenamento jurídico brasileiro e que vem sendo analisada.
Não é mais possível que a vítima, cliente ou a pessoa que sofre o dano, também tenha que arcar com os prejuízos cumulados com a oportunidade perdida, sendo que foi lesado neste contexto. Trata-se, de uma hipótese saneadora e moderna, que vem sendo adotada pelos Tribunais de forma correta.
Contudo, serão ainda necessários mais experimentos e discussões mais aprofundadas para conceituar com mais precisão e ampliar a importância que o caráter moderno da responsabilidade civil pela perda de uma chance tem a apresentar ao cidadão.

É também, a responsabilidade civil do advogado pela perda de uma chance uma teoria inovadora que alargou o caráter reparador aos profissionais do direito, sempre que estiver presente a perda de oportunidades diante da pretensão séria e concreta.
Em suma, o ordenamento brasileiro absorveu bem a teoria da perda de uma chance e a responsabilização do advogado quando for necessária a hipótese, tratando-se de um meio jurídico eficaz.



Autor: Ionára Regina Sebem Da Cunha


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