O DECLINIO DA VELHA PROSTITUTA



Os traços do rosto coberto de rugas, já não são os mesmos. O corpo adquiriu formas diferentes, estranhas, infiéis, que só atraem os menos exigentes, os que necessitam de um carinho urgente, fácil e barato. As roupas excessivamente coloridas, provocantes, vulgares, fazem parte da profissão. Caminha lentamente observando carros e pessoas, distribuindo olhares carregados de uma vulgaridade de quem nada tem a perder. A noite que se inicia morna e iluminada, promete. Não importa que tenha envelhecido, diria que adquiriu experiência. O sorriso do qual fez a moldura do oficio, guarda para uma abordagem. Carrega consigo, às vezes, uma sisudez sem rancor; afinal considera que é uma vida como outra qualquer. Coragem para o trabalho árduo um dia lhe faltou; fraquejou, sonhou demais e a sorte lhe enviou as agruras dessa vida. Entretanto, nesta noite faltou-lhe companhia como lhe faltam sonhos, esperanças e aspirações por uma vida decente.
O retorno para o pequeno quarto alugado é lento, hesitante e cheio de decepção. A noite que tanto prometia, nada lhe concedeu. Não queria chorar, pois mancharia a maquilagem ordinária. Subiu os degraus do velho prédio, abriu a porta e jogou a bolsa, velha companheira, sobre a cama. Algumas lágrimas surgiram e olhou para encardida folha de papel que um dia, um velho cliente "metido" a poeta, ao conhecer sua história, colou na parede suja:

"Sonha com a volta pro Norte,
Espanta com essa pouca sorte.
Chora a dor desse exílio,
Contempla o retrato do filho.
Enxuga na blusa este pranto,
Esquece depressa o espanto,
Afinal, tens que batalhar!"

Leu com indisfarçável angústia, retocou o batom vermelho e pegou novamente a bolsa surrada, pois constatou que a noite quente e interminável ainda a esperava!


Autor: Miguel Lima


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