ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO



ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO









ELINEIZE SOARES DE OLIVEIRA













Desde nossos primórdios, o homem se faz presente, transformando a natureza pelo trabalho e estabelecendo relações sociais. E assim, as relações de trabalho vão reestruturando continuamente através do tempo e dos recursos proporcionados pelo mundo globalizado, essencialmente capitalista e tecnológico.
No contexto atual, nos deparamos com um cenário onde tais relações apresentam-se viciadas por práticas abusivas. Assédios e humilhações cometidos no ambiente de trabalho implicam uma série de conseqüências, como a saúde do trabalhador, além de ferir princípios tutelados constitucionalmente como, por exemplo, a dignidade da pessoa humana.
Desse modo, este estudo tem por finalidade suscitar uma análise de assédio moral no trabalho, abordando uma temática que em verdade sempre existiu, mas só na última década teve sua complexidade significativamente explícita em debate, devido aos graves efeitos, atingindo a saúde dos trabalhadores, que em vários casos terminam necessitando de longas licenças para o tratamento da saúde, chegando até ao desligamento profissional.
Assim, a temática tratada é de extrema relevância, pois a partir de uma melhor compreensão dos fatos geradores desse fenômeno e ciente das possíveis conseqüências podemos estabelecer estratégias, na tentativa de prevenir e combater tal prática no ambiente de trabalho, que em muitos casos terminam sob apreciação judicial.










O assédio moral apresenta-se como um fenômeno que consiste na exposição do trabalhador em situações humilhantes e constrangedoras, de maneira prolongada e repetitiva durante a jornada de trabalho.
Etimologicamente a palavra assédio vem do latim olesidere, que significa pôr-se adiante, sitiar atacar. Na língua portuguesa, assédio significa insistência inoportuna, junto de alguém, com perguntas, propostas, pretensões ou outra forma de abordagem forçada (FERREIRA, A. 1995, p. 66).
O tema abordado é mencionado por vários autores com nomenclaturas diferentes: assédio moral, psicoterror, terror psicológico, mobbing (usado na Alemanha, Dinamarca, Estados Unidos, Finlândia, Itália, Suécia e Suíça), bulling (Inglaterra e Canadá), harassement (Estados Unidos), ifime (usado no Japão) entre outros. No Brasil, o termo "assédio moral" tornou-se o mais utilizado pelos autores.
Contudo, torna-se necessário esclarecer que cada uma das terminologias mencionadas possui um significado diferente para seu respectivo autor, mas em essência traduzem os elementos que irão caracterizar o assédio moral como: a conduta abusiva; a natureza psicológica que atente contra a dignidade psíquica do individuo; a reiteração de conduta; e a intenção de excluir a vítima.
Acerca dessas considerações, Stadler define o assédio moral como:
Toda e qualquer conduta abusiva, de natureza psicológica, que atente contra a dignidade psíquica do individuo, de forma repetitiva e prolongada, que possa causar danos à integridade física ou psíquica de uma pessoa, buscando a exclusão da vítima do ambiente social.
A partir dessa definição e com base nos elementos caracterizados já mencionados podemos compreender um pouco melhor esse fenômeno.
Quando falamos em conduta abusiva estamos fazendo referência ao excesso, ou seja, há uma atitude abusiva do poder do empregador que se vale da intimidação e discriminação contra seu empregado. Entretanto, vale salientar que o assédio moral no trabalho pode acontecer não só por parte do empregador com seu subordinado, mas também entre colegas do mesmo nível profissional.
Outro elemento a ser considerado é a natureza psicológica do atentado a dignidade psíquica do individuo, pois esse tipo de lesão "invisível" acarreta prejuízos à personalidade, transformando a vítima em uma pessoa insegura e às vezes dependente de remédios.
Assim, quando se trata de reconstruir um homem lesado em seu ser, em sua dignidade, em seu pensar, querer ou sentir, não é simples, pois sua vontade, seu intelecto e seus sentimentos e sua "unidade existencial" podem ter ficado tão comprometidos, que o impeçam de dirigir sua vontade e suas forças na sua própria reconstrução (SILVA 2002, p. 238-239 apud STADLER, 2008, p. 73).
Esse tipo de dano a saúde do trabalhador, atinge sua essência, refletindo, portanto, não só nas relações laborais, mas também no âmbito afetivo em todo o convívio social e familiar.
Outro aspecto importante para identificar o assédio é a reiteração da conduta, ou seja, há que ser uma ação prolongada e repetitiva, dessa forma, conflitos esporádicos descaracteriza o assédio.
O último elemento caracterizador do assédio moral, que não pode ser desprezado é a exclusão da vítima do ambiente de trabalho, pois toda a ação do agressor tem por finalidade desestabilizar emocionalmente a vítima, levando-a a desistir do seu posto de trabalho.
Dadas as considerações iniciais que nos permite identificar o assédio, faz-se necessário colocar que existem duas concepções que abordam a temática em questão.
A primeira, tratada como uma abordagem psicológica aponta o assédio moral como uma questão individual, uma "perversão do ego" de caráter psicopatológico, tendo como grande colaboradora dessa teoria Marie France Hirigoyen.
A segunda concepção, mais difundida e também mai complexa "considera cada indivíduo como produto de uma construção sócio-histórica".
Por isso, com vistas a uma melhor compreensão dessa teoria, faremos uma viagem no tempo, pois para compreender o presente, é particularmente útil o conhecimento de seu passado imediato. Em síntese, a análise da construção histórica da sociedade nos permite conhecer a história e tentar não perpetuar os erros do passado e a partir daí facilitar a formulação de estratégias para prevenir e combater ações futuras.
Como dito anteriormente, a discussão acerca do assédio moral nas relações de trabalho, somente nos últimos anos com o acelerado avanço tecnológico propiciada pela ordem capitalista vigente, ganha destaque nos debates, com intenção de proteger direitos já garantidos, porém sem uma lei específica.
Segundo os estudiosos do tema, as relações de trabalho no Brasil, sempre foram configuradas a partir de uma imposição daqueles que se julgavam superiores. E foi assim no Brasil colônia, quando os colonizadores exploravam e humilhavam índios e depois os negros. Essa rede de condicionamento perpetuou-se historicamente na colônia, na casa grande, nos feudos e na moderna sociedade capitalista, mas agora de forma mais sutil, ou seja, de forma mascarada.
Nesse sentido, Althusser em sua teoria crítica reprodutivista afirma:
Numa linguagem mais científica, que a reprodução da força de trabalho não exige somente uma reprodução de sua qualificação, mas ao mesmo tempo uma reprodução de sua submissão às normas da ordem vigente, isto é uma reprodução da submissão dos operários à ideologia dominante por parte dos operários e uma reprodução da capacidade de perfeito domínio da ideologia dominante por parte dos agentes da exploração e repressão, de modo a que eles assegurem também "pela palavra" o predomínio da classe dominante (1985, p.58).
Desse modo, percebemos que a organização do trabalho sempre esteve associada a procedimentos que condicionam não simplesmente a uma subordinação profissional hierárquica, mas principalmente uma submissão ideológica de manutenção dos mecanismos da sociedade capitalista.
E neste cenário capitalista, predominantemente neoliberal, no qual o mundo tornou-se uma grande aldeia global, devido aos contínuos avanços tecnológicos que as práticas abusivas do poder legal de comando do empregador têm demonstrado sua força.
A intensificação de processos tecnológicos, onde cada vez mais substituem o homem pela máquina, acaba gerando o estimulo a uma competitividade desmedida, onde o homem tem aflorado seus instintos mais primitivos em uma tentativa de sobrevivência, ou seja, de garantir sua vaga no mercado de trabalho.
Muitos autores têm considerado esses processos pelo qual o trabalhador vem passando como uma agressão que o condiciona a reproduzir essa ação de forma mecânica e imediata com o objetivo de proteger-se da violência do sistema.
Diante do exposto torna-se relevante perceber que a prática envolvendo o assédio moral na relação de emprego raramente são notadas e até mesmo reconhecidas pelo próprio assediado. Inicialmente, é comum que este negue o fato de estar sendo vítima de uma situação de assédio, pois tem receio de prejudicar sua atuação ou de criar uma situação ofensiva, hostil, de intimidação ou abuso no ambiente em que é assediado. Somente quando já foi excluído do ambiente de trabalho é que a vítima irá procurar ajuda, geralmente por intermédio do Poder Judiciário.
Nesta espécie de fenômeno encontramos duas figuras típicas: o assediador e o assediado. O primeiro utiliza estratégias para desestabilizar a vítima, humilhá-la diante de outros funcionários, a ponto de que sua única alternativa seja abandonar o emprego.
Segundo Heloani:
Esses agressores possuem traços narcisistas e destrutivos, estão freqüentemente inseguros quanto à sua competência profissional e podem exibir, às vezes, fortes características de personalidade paranóica, pela qual projetam em seus semelhantes sua "sombra", ou melhor, aquilo que não conseguem aceitar em si mesmos (2005, p.104).
Por outro lado, a figura do assediado é caracterizada por uma personalidade transparente e sincera. Geralmente são pessoas que desempenham com excelência sua função. Daí é o próprio assédio que pode vir a patologizar a vítima a depender da sua capacidade de resistência em sua estrutura psíquica.
A doutrina moderna tem classificado o assédio no trabalho de acordo com a posição que a vítima e o agressor ocupam na empresa: vertical descendente, horizontal e vertical ascendente.
O assédio vertical descendente é aquela em que o assediador é um chefe, ou seja, um superior hierárquico e a vítima seu subordinado. Identificada com o instituto do abuso do direito é também a mais comum. Já na classificação horizontal, o assédio acontece entre colegas de trabalho, costuma ocorrer quando dois colegas disputam um mesmo cargo. A última modalidade é o assédio moral vertical ascendente, em que os empregados procuram atingir seu superior.
Nesta relação, figurada por esses dois personagens, constatamos algumas condutas que podem caracterizar o assédio moral, voltados para desestabilizar emocionalmente a vítima segundo Lippmann (2004, p. 37 apud Stadler, 2009 p.78). São elas:
- Isolamento da vítima dos demais colegas de trabalho, separando-a em sala isolada e distante, ou em local humilhante como um corredor, subterrâneo, garagem etc.;
- Críticas públicas, tendendo para a humilhação ou ridicularização;
- Tratamento da vítima ou do grupo por um apelido pejorativo;
- Brincadeiras, sarcasmos e piadas envolvendo o assediado;
- Solicitação de tarefas abaixo ou acima da qualificação do assediado;
- Mandar que o empregado faça tarefas inúteis;
- Obrigação do cumprimento de metas ou resultados impossíveis;
Assim, constata-se que tais condutas constituem em penalidade para o assediador e efeitos danosos à saúde física e mental do trabalhador.
Nesse sentido, a Lei n° 8.213/91 e Decreto Social brasileira, trazem nos arts. 20 e 21 o assédio moral no trabalho enfocado como fator de risco, sendo considerado como doença do trabalho, equiparado a acidente de trabalho, tendo CIPA ? Comissão Interna de Prevenção de Acidentes como órgão competente para prevenir e combater essas ações.
É importante ressaltar, que mesmo sem uma lei específica definindo o combate ao assédio moral, o direito positivo garante a proteção ao trabalhador através da CLT onde muitos dos comportamentos descritos como de assédio moral podem ser configurados em várias alíneas do art. 483 da CLT.
A esse respeito, a jurisprudência brasileira tem se manifestado de forma determinante, em que os magistrados têm demonstrado preparo e sensibilidade na tutela aos direitos fundamentais dos trabalhadores, reprimindo, dessa forma, práticas perversas e abusivas, conforme mencionado.
"O tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Norte, condenou a Companhia de Bebida das Américas (AMBEV), em ação civil pública promovida pelo Ministério do Trabalho, em razão de prática de medidas motivacionais abusivas, caracterizadoras do assédio moral. A empresa foi condenada em 28 de agosto de 2006 ao pagamento de R$ 1 milhão por danos morais aos seus trabalhadores. [...] nos autos ficou comprovado que a empresa rio-grandense dividia seus vendedores em equipes, estipulava metas e promovia, nas reuniões mensais, a distribuição de prêmios em dinheiro à equipe vencedora e de "prendas às integrantes da equipe perdedora [...] O caso AMBEV é paradigmático. A empresa, de porte nacional, registra condutas abusivas dirigidas a seus vendedores, em vários estados da federação, apesar de contar com um Código de Ética e um setor próprio para reclamações denominado "setor gente e gestão"" (ARAÚJO, 2006, p.1 apud STADLER, 2009, p.86).
Percebe-se, portanto, que a jurisprudência tem cada vez mais aberto precedentes que respaldam o direito positivo existente permitindo, inclusive, reparação pecuniária.
Nota-se que na atual concepção jurídica, o trabalhador violentado moralmente é atingido no direito da personalidade, na sua auto-estima, na sua imagem, corroendo princípios e valores que norteiam a dimensão subjetiva do ser humano.
Por isso é de suma importância não só combater, mas primordialmente prevenir o assédio moral no trabalho. Com base nessa perspectiva de prevenção torna-se fundamental estabelecer estratégias, nas quais o gestor de RH possui um papel preponderante. Nesse sentido, rever a filosofia que norteia os procedimentos laborais seria um grande passo. Sabe-se da necessidade da empresa estimular e cobrar resultados de seus colaboradores, contudo, tais ações não podem ultrapassar o respeito à dignidade da pessoa humana. É preciso abrir espaço para as discussões onde todos (empregados e empregadores) possam falar e ser ouvidos, pois lidar com a complexa subjetividade humana exige respeito e reflexão. Para tanto, é necessário saber ouvir em vias de uma reestruturação à partir da realidade concreta, onde a prática passa a ter mais importância que a teoria e conseqüentemente o Código de Ética não será apenas palavras codificadas em uma folha de papel, mas um reflexo dos valores que condicionam a filosofia da empresa.

Alicerçada sobre um contexto histórico-social permeado por desigualdade, violência e imposição ideológica, as relações de trabalho continuam perpetuando na atual sociedade os mesmos vícios de outrora.
Atitudes perversas e humilhações no ambiente de trabalho configuram o que hoje se denomina assédio morais. É com base no entendimento deste fenômeno e da importância de seu estudo que se verificou neste trabalho o emaranhado de suas conseqüências que está prática pode suscitar. Em essência não haverá vencido, nem vencedor, pois os efeitos são catastróficos para ambas as partes.
O assediador poderá responder em juízo com possível indenização quando figurado ato ilícito causador de dano moral. A vítima, ou seja, o assediado poderá enfrentar as atitudes agressivas através de respaldo que possibilita o direito aos danos morais materiais e imateriais, conseqüente da violência sofrida. Contudo, sabe-se que a prestação pecuniária não irá reparar o dano afetivo e psicológico. Por isso, estratégias de combate e prevenção ao assédio moral no trabalho devem nortear uma prática verdadeiramente significativa, pautada sob aspectos da realidade concreta e acessível aos membros dessa coletividade.
Em suma, fica aqui registrado que o trabalho contribui para melhor conhecer os elementos que norteiam a prática abusiva como um mecanismo de controle ideológico ao trabalhador, causando desequilíbrio na vida profissional, o qual se vincula a uma lógica econômica selvagem estruturada pelo sistema capitalista que condiciona as múltiplas determinações da vida do indivíduo.




REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO

ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado. Rio de Janeiro: Graall, 1985.
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 5ªed. São Paulo: LTn, 2009.
STADLER. Denise de Fátima. Uma Análise da Teoria do abuso de Direito Aplicada ao Poder do Empregador. São Paulo: LTn, 2008.






Autor: Elineize Soares De Oliveira


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