A chuva, o ônibus, o cheiro.



A chuva, o ônibus, o cheiro.

As pessoas paradas na fila, na vida.

Eram diferentes, umas lapidadas, desenvolvidas outras mais rudes.

Incrivelmente eram todas humanas, ou não?

Pretendiam e conseguiriam pegar o ônibus.

Poderia demorar um pouco, talvez horas, mas eram persistentes, obstinadas, conseguiriam.

Havia crianças, mulheres, homens.

Todos os mesmos destinos, o lugar a que eles se destinaram a morar.

Lugares longe de seus trabalhos eram onde moravam.

Duas ou mais horas de distância, de aperto, empurrões, pisadas nos pés, cheiros desagradáveis e muita falta de educação.

Após um bom tempo o coletivo parou no ponto.

Chovia.

O motorista sem cuidados conduziu o ônibus raspando os pneus na sarjeta por sobre as poças de água encharcando os passageiros.

As crianças riam, os mais velhos falavam mal.

Os poucos passageiros que chegaram desceram.

Quase sempre o ônibus chegava ao ponto final com pouca gente.

Tão logo o ônibus foi esvaziado, o motorista insensível às pessoas na fila e na chuva fechou a porta para conversar com o fiscal e preencher dados na folha presa a uma prancheta.

Todos esperavam humilde e pacientemente.

A porta foi aberta.
Hora de entrar.
Alguns tinham mochilas às costas e outros grandes bolsas que esbarravam nas pessoas e por vezes até derrubavam as mais fracas.

Os velhos eram as vítimas mais frequentes e os que invariavelmente viajam em pé.

Os lugares reservados aos idosos estavam sempre ocupados por jovens que não ligavam para as placas de avisos sobre as reservas de lugares especiais.

Em poucos minutos o ônibus ficou lotado e a fila, lá fora, ainda maior.

O condutor teve dificuldade para começar a viagem, as pessoas paradas nos degraus emperravam as portas que não conseguiam ser fechadas.

Tarefa cumprida o ônibus deu a primeira arrancada.

Todos se chacoalharam, alguns se chocaram, se pisotearam, logo na primeira das inúmeras ocorrências deste tipo.

Para alguns, as dores já iniciaram no primeiro minuto da viagem.

Chovia.

As janelas permaneciam fechadas.

Os vidros ficaram embaçados.

A única visão possível era a interna.

Crianças choravam, tinham que chorar.

Permanecer duas ou mais horas ali dentro era para fazer qualquer um chorar, mais ainda pelo cheiro dos flatos soltos pelos passageiros sem nenhum pudor e consciência.

O cheiro era nauseante, misturado ao resto das quentinhas com miúdos de frango, sardinha, arroz, feijão, macarrão e banana. Ovo não, por que foi comido todo, ficou só o restinho da gema grudada nas laterais das marmitas.

Os solavancos facilitavam a flatulência que flutuava e enchiam todos os cantos com o cheiro do ovo comido, que se uniam perfeitamente aos seus companheiros cheiros de suor e roupas não trocadas há meses.

Lá ia o ônibus vagarosamente tentando se desviar de outros coletivos formando fila única que quase não se mexia naquele intenso e interminável engarrafamento.

A fila de ônibus na avenida parecia uma imensa serpente sem fim.

A chuva dava um ar tétrico aquela paisagem diária.

A visibilidade prejudicada pela chuva e o maior número de carros nas ruas, elevava o tempo de viagem por cerca de meia hora.

No final de duas horas e meia, a viagem chegou ao fim, isto era por volta das vinte e uma horas e trinta minutos.

Para no dia seguinte, as quatro e trinta, pontualmente tudo reiniciar.

Autor: Antonio Ribeiro


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