ALEXANDRE PARENTE



João Paulo Filgueiras












ALEXANDRE PARENTE
Um diletante à sombra dos coronéis












Faculdade de Ciências Humanas do Sertão Central ? FACHUSC
Salgueiro
2010
João Paulo Filgueiras












ALEXANDRE PARENTE
Um diletante à sombra dos coronéis


Trabalho de Conclusão de Curso apresentado a Faculdade de Ciências Humanas do Sertão Central ? FACHUSC, como exigência parcial para a obtenção de diploma ou certificado no curso de Licenciatura em História.
ORIENTADORA: Profª. Ms. (doutoranda) Maria Jorge Santos Leite






Faculdade de Ciências Humanas do Sertão Central ? FACHUSC
Salgueiro
2010
João Paulo Filgueiras












ALEXANDRE PARENTE
Um diletante à sombra dos coronéis




Salgueiro, 12 de Novembro de 2010.

____________________________________________________
Professora orientadora Ms. Maria Jorge Santos Leite

____________________________________________________
Professora Examinadora: Ms. Kennya Lima Almeida

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Professora Examinadora: Raphaela Hildita de Sá Guedes Deodato


EPÍGRAFE

































"As coisas todas no poder se abrigam,
O poder na vontade,
Que se abriga por sua vez na cobiça,
Ora a cobiça, esse lobo de todos.
Tendo apoio redobrado da força e da vontade
Transforma logo em presa o mundo todo,
Para depois, se devorar por último".

(William Shakespeare)

DEDICATÓRIA







Aos meus pais, que sempre me apoiaram.





Aos meus tios e avós, recordados por esse trabalho.


















AGRADECIMENTOS.












À minha orientadora, profª. Ms. (doutoranda) Maria Jorge Santos Leite, por sua valiosa orientação, paciência e apoio.

Aos prof. Kênnya Lima Almeida e Waldemar Silva Júnior, cujas sugestões de leitura forneceram minha fundamentação teórica.

À minha família, a "Seu Chicô", a "Dona Lilíta", as irmãs Áurea e Naísa e a "Luizão" que forneceram às informações necessárias.

Aos demais professores e colegas do curso, pela cooperação e as bibliotecas da FACHUSC e Municipal, onde encontrei abundante bibliografia.







RESUMO


Partindo do nome de uma rua da cidade de Salgueiro-PE este trabalho procura reconstituir a biografia de um comerciante local: Alexandre da Cruz Parente, filho de um boiadeiro e suposto descendente do fundador da cidade, ele procurou reinventar sua identidade após ser expulso do sítio familiar por perseguições políticas e foi pioneiro entre os muitos pequenos empresários comerciais do seu clã surgidos após a década de 1950. Uma doença acabou com sua vida e as possibilidades de ascensão familiar no final dos anos 60. O cotidiano local, a ancestralidade familiar e a miscigenação cultural do sertanejo foram estudados a partir do personagem e das suas relações familiares e profissionais. O período que se seguiu a Segunda Guerra Mundial revolucionou as relações socioeconômicas e culturais em todas as partes do mundo e teve um impacto significativo na cidade. Também a nova moda genealógica de se investigar ancestralidade judaica no interior brasileiro recebeu embasamento acadêmico sendo analisados junto com outros povos esquecidos, os ciganos e mouros. As narrativas do passado ancestral, romantizadas, tiveram uma influencia decisiva no comportamento de Alexandre e seus parentes. A semelhança entre o não conformismo do personagem e de seu famoso ancestral, o capitão-mor Filgueiras bem como o pacifismo da família Parente e sua identificação com o clã Sá, são relevantes. Também a herança judaico-portuguesa e sua tradição comercial e avara são fundamentais para se compreender o comportamento dos personagens.




Palavras-chaves: família, comerciante, pós-guerra, hereditariedade.
























ABSTRACT


The name of a street of Salgueiro-PE brasilian city is the start of the academic work wich tell the life of a place merchant: Alexandre da Cruz Parente cawboy son and descendent of the city found, he tried change your identity after had be basished of the family farm for politcs chases and he was a pioner between the very little merchants of your family arise after 1950. A dickness destroy your life and possibility of your family develop in the end of 60 years. The cotidian place, family ancestrality and cultural mixture of the country was to study start of the person and your family and profissional relations. The period after the Second World War was a revolution social, economics and cultural relations in all world and have a significative impact in the city. Too the new genealogy mode of to look the jeus ancestrality in brasilian in door receive a academic embased and was study for other peoples, gypcys and Moslens. Romantics ancestral past time history have a influence in the behavior of Alexandre and your family. Your no conform and the behavior of your ancestry Captain-mor Filgueiras, the pacifism of the Parente family and your identidy of the Sá family are very disclose. The tradition merchant and economic of the ibéric jeus are essencial for to undestand the behavior of the persons.


Keywords: family, merchant, postwar, hereditary.




















SUMÁRIO


Resumo------------------------------------------------------------------------------------------------6

Abstract-----------------------------------------------------------------------------------------------7

Introdução---------------------------------------------------------------------------------------------10

I ? Uma rua, um nome, uma vida.---------------------------------------------------------------14
1.1. A rua.------------------------------------------------------------------------------------14
1.2. O homem.-------------------------------------------------------------------------------15

II ? A "Belle Époque" familiar-------------------------------------------------------------------24
2.1. As revoluções do pós-guerra.----------------------------------------------------------24
2.2. As décadas de 1950/60.-----------------------------------------------------------------26

III ? Conquistas e Sofrimentos-------------------------------------------------------------------31
3.1. Ancestralidade e Conquista do Sertão.------------------------------------------------31
3.2. Ciganos, mouros e judeus.--------------------------------------------------------------38

IV ? Considerações Finais-------------------------------------------------------------------------41

V ? Anexos--------------------------------------------------------------------------------------------43

VI ? Referências Bibliográficas------------------------------------------------------------------49











LISTA DE ANEXOS

Brasões-------------------------------------------------------------------------------------43
Família Parente---------------------------------------------------------------------43
Família Filgueiras------------------------------------------------------------------43

Fotos----------------------------------------------------------------------------------------43
Alexandre da Cruz Parente-------------------------------------------------------43
Casa----------------------------------------------------------------------------------43
Jovita Parente Figueiras----------------------------------------------------------43
Natividades Parente---------------------------------------------------------------43
Aristides da Cruz Parente---------------------------------------------------------43
Ana Parente Filgueira--------------------------------------------------------------43
João da Cruz Parente---------------------------------------------------------------43
Pio Grangeiro Parente--------------------------------------------------------------43
Sobrinhos de Alexandre-----------------------------------------------------------44

Internet
Barbalha-----------------------------------------------------------------------------44
Cerco a Recife----------------------------------------------------------------------45
José Pereira Filgueiras-------------------------------------------------------------48


INTRODUÇÃO


Este trabalho procura conhecer a biografia de um pequeno comerciante da cidade de Salgueiro-PE, partindo do nome de uma das ruas da cidade. Sua hereditariedade, vínculos familiares e o cotidiano do local, além das relações de classe do seu meio social, serão trabalhados e compreendidos dentro do contexto do pós-guerra e da colonização do Sertão.
A abordagem não se deterá apenas sobre Alexandre seus pais irmãos e sobrinhos. Parentes distantes e algumas famílias unidas a dele por laços matrimoniais também serão apresentadas, particularmente a do major João Parente e seu filho Pio. Essas comparações permitem compreender melhor as relações familiares e os costumes dessas famílias sertanejas. Uma "micro-história" com pretensões literárias, semelhante à narrativa de Carlo Ginzburg, "O queijo e os vermes", (1986) utilizando o "paradigma indiciário" deste mesmo autor, resultará num "ensaio memorialista" permitindo vários níveis de leitura e narrações semelhantes à "descrição densa" de C. Geertz, que devem agradar aos leitores sem formação acadêmica permitindo simultaneamente aos historiadores boa fonte de análise da realidade sertaneja, e flertando com a polêmica "história alternativa" alemã, baseada em relatos orais.
Cabe aqui um conceito de cultura: a maneira de pensar, sentir e agir de um grupo social, seus costumes, sua forma de se relacionar socialmente, seu modo de produção, sua identidade particular, onde o mais importante é o que se pensa de si mesmo e não a realidade histórica ou social. A cultura surgiu com o próprio ser humano, sendo uma de suas características básicas, possuir e produzir cultura. Qualquer grupo social possui elementos culturais de diversas origens herdadas dos seus ancestrais ou apreendidas do contato com outros grupos e acumular essa cultura torna-se a grande vantagem competitiva da sociedade ocidental. Daí utilizar-se a teoria de Max Weber, de "A ética protestante e o espírito do capitalismo", na qual a cultura
protestante ligada ao incentivo ao estudo, a valorização do trabalho e da usura, foi a grande responsável pelo desenvolvimento capitalista, ou que pelo menos teve grande contribuição nesse desenvolvimento. A intensa miscigenação cultural ocorrida na América Latina e no Sertão em particular pode ser uma das causas do seu subdesenvolvimento, organizar elementos culturais muitas vezes contraditórios é um processo lento que ainda não pode ser totalmente realizado.
Os objetivos desse trabalho são: conhecer a cidade de Salgueiro nos anos 1950-60 através da biografia de um comerciante e sua família, o reflexo das mudanças ocorridas na sociedade e economia global após a II Guerra Mundial no local e a influencia da sua família na colonização sertaneja. Revelar a influência das construções ideológicas no destino dos familiares e na dominação política do lugar. Registrar a memória de pessoas comuns, (contando a história de um mundo camponês que desapareceu frente ao progresso), analisar a cultura local através delas e os conflitos de classes. Estabelecer comparações entre a conquista do sertão e a do Velho Oeste americano e investigar indícios da influência cultural indígena, negra, cigana, moura e cristã nova sobre a família analisada.
Os poucos estudos historiográficos sobre Salgueiro situam-se em dois extremos, ou analisam a vida dos coronéis e líderes políticos ou as comunidades marginalizadas da região. Pouco se tem investigado sobre as massas que habitavam o município. Compreender essa população é um desafio pela escassez de registros documentais e conflitos entre as versões das fontes orais, mas indispensável para se compreender a história da cidade e se tentar futuramente escreve-la, para isso, se encontrará neste trabalho informações valiosas sobre o cotidiano e as relações de classe no período do pós-guerra, bem como a conquista do Sertão. Para os parentes do personagem e curiosos do passado do lugar pode ser lido como um memorial familiar. Os que preferirem uma abordagem cultural da sociedade ou buscarem temas para suas próprias produções encontrarão muitas possibilidades.
A escolha do personagem entre inúmeras possibilidades teve como motivo principal o fato de ter sido um tio do autor deste trabalho facilitando assim a obtenção das impressões dentro e fora do clã por ter vivido na cidade. A dificuldade de se estudar a própria família foi compensada com o volume de informações obtido e o fato de ser a continuação de uma pesquisa iniciada na adolescência buscando compreender sua própria identidade. O personagem estava numa posição social curiosa, era um pequeno comerciante filho de um boiadeiro e descendia, segundo relatos de diversas fontes, dos fazendeiros que colonizaram a região. Dessa forma, estava socialmente ligado à elite local, mas do ponto de vista econômico, como a maioria dos "brancos pobres" ficava numa classe intermediária entre a família Soares e a massa negra da cidade. Do ponto de vista político era totalmente marginal, sobrevivia graças aos laços estabelecidos com outros comerciantes locais na "Associação Beneficente de Salgueiro", chamada "Casa de Farinha" por abrigar a "ralé" da cidade, fundada por seu parente e amigo, o médico Dr. Severino Alves de Sá.
Apenas um livro rigorosamente histórico foi publicado sobre a história da cidade, "O coronelismo em Salgueiro: uma análise da trajetória política do coronel Veremundo Soares (1920-1945)", do professor Waldemar A. S. Júnior, contém valiosas informações sobre o povoamento e desenvolvimento político e socioeconômico do município (2008). Antes dele, alguns autores memorialistas exaltaram fatos curiosos sobre o município, sem valor historiográfico. Pesquisas sobre o quilombo de Conceição das Crioulas, feitas pela orientadora deste trabalho, ainda não publicadas em forma de livro, estão inacessíveis a esta análise.
Pesquisas geonímicas, como o de Paulo M. L. de Menezes e Cláudio J. B. dos Santos, revelam a importância de se fazer esse estudo, observando que ele permite compreender tanto a formação histórica de uma localidade como as suas relações de poder, como no caso de Mossoró-RN, onde a família Rosado domina a política local denominando as ruas da cidade com seu sobrenome, mantendo-se idealizada na memória social, a mesma coisa ocorre no sertão pernambucano (2006).
A teoria adotada gera discussões na Europa e nos Estados Unidos. Surgiu como uma alternativa à historiografia positivista e marxista. Dessa forma a história sócio-cultural usa conhecimentos de áreas como a antropologia cultural, em sua base estruturalista, conciliando com conceitos marxistas como a luta de classes aplicada a nível cultural. O americano Marshall Sahlins acreditava ser necessária outra cultura para compreender uma cultura, (2006) o que nos leva a pensar que pesquisar sua própria identidade só pode resultar num fiasco, mas o próprio Sahlins admite que o passado é outra cultura, portanto é possível ser imparcial com sua história familiar. A analise de Ginzburg em "O queijo e os vermes", baseia-se em documentos inquisitoriais, ao contrário deste trabalho, memorialista. Utilizando indícios é possível conduzir a pesquisa como uma investigação policial, mas cada nova fonte acresce dados e modifica significativamente a compreensão. Uma forma narrativa de expressão pode perder o objetivo monográfico, fortemente dissertativo. Pouca discussão teórica foi utilizada, mas estão lá os frutos de uma exaustiva análise, quase uma descrição densa no estilo de Geertz. A história cotidiana alemã defendida por Medick, que procura resgatar o indivíduo esquecido pela história social foi atacada por Kocka para quem ele limita a capacidade de análise e carece de metodologia. O francês Roger Chartier propõe um consenso no qual se utiliza análise social dentro de uma abordagem cultural, é o que esse trabalho se propõe fazer. (MARTIN, 2007).
A obra se divide em três capítulos, no primeiro, partindo-se da rua Alexandre Parente, conta-se à biografia do personagem relacionada ao contexto familiar e social e se faz uma tentativa de compreender historicamente sua cultura e psicologia. O segundo mostra as revoluções ocorridas nos anos 1950/60, os contrastes sociais do período e o cotidiano da família de Alexandre e de seu cunhado barbalhense. O terceiro procura narrar a conquista do sertão com base no imaginário popular da família em contraste com a versão dos historiadores, busca também contar a versão dessas famílias sobre sua própria origem e analisar a influencia cultural dos diversos grupos que formaram o biótipo sertanejo e a identidade familiar.
A metodologia utilizada baseou-se na análise de relatos orais, de pessoas da família e das memórias do próprio autor sobre informações recolhidas ao longo da vida. A análise crítica foi adotada nas discussões acadêmicas com alunos e professores do curso de Licenciatura em História da FACHUSC e com a professora Lilita, na Escola Dom Malan. Para conhecer o cotidiano, contribuiu o sapateiro Chicô, valioso não apenas pelos seus conhecimentos como pela visão sóbria e crítica da sociedade local e de Alexandre. Sobre a hereditariedade, contribuíram Inês Callou do Guarani, as irmãs Áurea e Naiza Parente e o popular Luizão. Muita informação sobre o assunto foi recolhida de sites na internet, sem valor acadêmico, mas que são inseridos como relatos orais. A pesquisa bibliográfica foi intensa, além dos livros de Ginzburg e prof. Júnior, usou-se Eric Hobsbawm, Mircea Eliade, Caio Prado Júnior e Manuel Correia de Andrade, além de textos do curso e artigos acadêmicos.









I ? UMA RUA, UM NOME, UMA VIDA...
"Tudo Compreender é tudo perdoar"
Provérbio Francês.
1.1. A rua

Muitas ruas recebem nomes de personagens anônimos ou pouco conhecidos. É possível reconstituir o passado recente de uma comunidade recorrendo a essa curiosa fonte de pesquisas. Geralmente se encontram, no caso de ruas surgidas a menos de meio século, pessoas na cidade que conviveram com o personagem e podem informar o motivo da homenagem.
A rua Alexandre Parente, sinuosa e acidentada, formada por habitações simples e de baixa renda, fica no bairro Santa Margarida, marcado pela fama de violento. A cidade de Salgueiro, município do Sertão Pernambucano distante cerca de 512 Km do Recife, tem uma área de 1726,4 Km² (IBGE, 2007.) e uma população total de 55.435 habitantes. Situada no entroncamento rodoviário entre as BR 232 e 101, a cidade tem forte vocação comercial. Nos últimos anos, a construção da ferrovia trans-nordestina, de um aeroporto e de um pólo de logística promete aquecer o setor de serviços da região. As obras de transposição das águas do São Francisco também passam pelo município.
Segundo Waldemar Alves da Silva Júnior, professor de Administração de Empresas da UPE Campus Salgueiro, que lecionou no curso de Licenciatura em História da FACHUSC, o planejamento urbano do centro da cidade analisada segue o modelo espanhol, quadriculado. Já sua periferia segue o modelo português, irregular. Como outros bairros da periferia, o Santa Margarida exibe essa irregularidade. Também chamado de "Alto do Curtume", surgiu numa área acidentada, no lugar onde se situava a antiga empresa de beneficiamento do couro que era produzido na região. O bairro recebeu o nome da sua padroeira e uma capela dedicada à santa foi erigida no alto de um monte, ao redor do qual se estendem suas ruas e vielas. A rua Alexandre Parente se conecta perpendicularmente com as ruas que vão diretamente da capelinha à catedral de Salgueiro. Seu relevo acidentado forma uma letra U, descendo e subindo os morros locais.

1.2. O homem.
A rua foi uma homenagem feita por Chiquinho Rosa, proprietário de boa parte das terras que deram origem ao bairro, a um amigo comerciante, Alexandre da Cruz Parente, filho de uma das famílias mais antigas da cidade. Os dois, emergentes, costumavam participar de festas na época. Essas festas ocorriam em um clube chamado pejorativamente de "Casa de Farinha" porque aceitava pessoas de cor, pobres e mulheres de má reputação.
A casa onde o personagem morou, no centro da cidade, em frente ao coreto da pracinha da catedral, ainda abriga membros da sua família. A fachada possui tijolos muito largos, sendo possível sentar confortavelmente na janela central. Duas portas separam irmãs litigiosas. De um lado vive Dona Natividades, casada com um funcionário público aposentado. De outro, apenas um corredor, parte do muro, banheiro e um quarto, sobrevive Dona Jovita, solteira. A casa está separada por uma meia parede de gesso. É abafada e muito quente nas duas partes. Seus habitantes, idosos, contam uma história de abandono, conflitos e decepções.
Natividades Parente era feirante no mercado público da cidade. No final da década de 1980 casou-se com um coletor estadual aposentado. Limitado intelectualmente, ele foi empregado pelo clientelismo local e explorado pela própria família. Possuidor de bens imóveis e financeiros despertou na esposa o sonho de tornar-se a líder do clã. O patriarcalismo estimulava nos membros bem-sucedidos deste, uma cultura filantrópica que promovia o parasitismo, essa característica dificultou o desenvolvimento econômico familiar. Pouco tempo depois de casados, não tinham muito mais que a maior parte da casa do pai dela e uma aposentadoria. Nem sequer conquistaram a estima ou gratidão dos beneficiados.
Jovita Parente foi à irmã preferida de Alexandre, um solteirão. Ele dividia a casa paterna com ela, outra irmã, Eurides e alguns sobrinhos. Após a morte prematura dele, voltou a viver no sítio do pai. Na década de 1990 teve que se mudar para a casa de Maria, a matriarca, sua segurança estava ameaçada depois do assassinato em que um sobrinho se envolveu e por problemas de saúde. Algum tempo depois, conseguiu a divisão da casa da família para onde se mudou. Passou a viver lá com Dona Eurides e o filho desta, estudante. Mais tarde morou com uma irmã deficiente. Com o fim do sofrimento dela passou a residir sozinha, quase esquecida.
A irmã deficiente, Parenta, tinha um fenótipo um pouco diferente das demais, que parecem portuguesas com alguns elementos indígenas. Ela era morena e franzina. Considerada deficiente mental desde a juventude, foi escondida pela família. Não tinha sequer registro de nascimento, só veio a existir legalmente na terceira idade, para se aposentar rural. Quando teve que sair do sítio, ficou escondida dentro de casa. Tornou-se paralítica. Teve pouco acesso à assistência médica. Viveu mais de oitenta anos e no seu velório o constrangimento de seus orgulhosos parentes era evidente.
A família, numerosa, possui representantes em várias classes sociais e regiões do país. Há os que ainda residem na cidade e seus arredores. Exploradores de fronteiras, muitos se mudaram para o Mato Grosso, principalmente a cidade de Cáceres.
A casa foi comprada por Aristides da Cruz Parente, pai de Alexandre ? um comerciante de gado ? há mais de 60 anos. O antigo proprietário era Moisés Domingo, pecuarista. O imóvel já foi bem diferente, o terreno comprido e estreito, tinha um teto muito alto, duas salas, um corredor, três quartos, uma cozinha, uma dispensa, dois banheiros e um muro. Foi modificada na década de 90 e hoje, além de dividida, exibe cerâmica no piso e forro no teto.
A família, na época, residia no sítio Aboboreira, na fronteira com Serrita, ainda hoje pertencente ao clã. A casa foi adquirida para terem um imóvel urbano, símbolo de status social e onde ficar quando precisavam pernoitar na cidade. Por esses relatos, fornecidos pelos próprios herdeiros, é possível verificar a prosperidade que a família desfrutou nesse período e como alguns camponeses conseguiam se destacar como negociantes. Em outra versão Aristides teria comprado a propriedade junto com um irmão e a família teria adquirido o resto mais tarde.
Mas essa prosperidade era recente. "Maria Aristides", a filha mais velha ? nasceu em 1920 ? relatava a fome que eles passaram durante a seca de 1932/33. Os únicos alimentos disponíveis na região eram o pão de macambira, um cacto até hoje utilizado nas secas como forragem animal e a semente de mucunã, um cipó venenoso. Moradores antigos do lugar narram histórias semelhantes. A seca foi agravada pela Grande Depressão, quando as commodities perderam seu valor no mercado mundial.
O também comerciante e fazendeiro João Parente de Sá Barreto ? parente distante de Aristides ? mandava o seu filho mais velho, "Papa", e um empregado, Simeão, buscarem provisões na cidade de Bodocó, na região do Araripe. O trajeto de ida e volta, feito por animais de carga, levava quase vinte dias. Dessa forma, o próspero João Parente, sua família e agregados escaparam da fome. Devem ter recebido do coronel Jeremias Sá de Terra Nova, Pereira Dum das Traíras (atual Distrito de Guarani), Chico Tonheiro de Umãs ou Chico Romão de Serrita, subsídios que estes receberam do governo e dividiram com seus protegidos.
O major João Parente era proprietário de um mini-latifúndio que abrangia boa parte das fazendas Contendas, Tamboril e Riachinho. De uma família influente de Terra Nova, município vizinho a Salgueiro, seria primo da mãe de Glicério Parente, líder político daquela cidade e parente do Cônego Sizenando Sá Barreto, que foi pároco de Parnamirim ? outro município sertanejo. (Teve, segundo seu neto, inclusive um parente ministro no governo militar, Hélio Beltrão, neto de um irmão que migrou para a cidade de Altinho-PE.) O filho mais velho, Antonio de Sá Barreto Parente, "Papa", seria, segundo os sobrinhos, bisavó de Luiza Parente, campeã pan-americana de ginástica artística. Seu empregado Simeão dos Reis, filho de uma escrava, foi levado pelo major para Contendas e viveu mais de um século de vida. Ele e seus numerosos descendentes teriam comprado dos herdeiros do fazendeiro aquela propriedade que hoje desfruta do status de quilombo.
Os rebentos do major migraram para outras regiões do país, tentando escapar da pobreza, dois deles, Pio e Girino , trabalharam nas fazendas de café do interior de São Paulo onde se envolveram em conflitos com os feitores locais. Papa, Girino e Chiquinho foram então ao Recife, o primeiro casou-se com uma moça de família importante e tornou-se encarregado da Rede Ferroviária. Girino tornou-se um revendedor de móveis usados em um bairro pobre de Olinda, Peixinhos. Chiquinho acabou casando com uma negra em Alagoas até ser encontrado e trazido pelos irmãos. Dé tornou-se um religioso na Bahia, Cícero e Grangeirinho ficaram na região como suas irmãs mulheres.
Os Aristides sobreviveram à grande seca. O patriarca voltou a comprar gado na região e revender no Agreste e no Cariri cearense. Alexandre e Antônio, os mais velhos, ajudavam-no. Ele e sua mulher Ana Filgueira Parente tiveram ao todo onze filhos, dez ultrapassaram a infância ? pois as condições de higiene, a alimentação inadequada e a falta de acesso à serviços de saúde ceifavam a vida das crianças sertanejas. Os rapazes ajudavam o pai com os negócios. As moças auxiliavam a mãe com as tarefas domésticas e o cuidado dos irmãos menores. O progenitor tinha um poder quase absoluto sobre os membros da família, depois dele vinha à mãe e abaixo dela os irmãos e irmãs mais velhos. Para sobreviver a essa hierarquia familiar os mais novos buscavam a proteção de alguém mais poderoso. Essa cultura patriarcal gerou os problemas anteriormente relatados, pois o clã não conseguiu libertar-se da dependência mútua mesmo na maturidade.
O Mandonismo foi beneficiado por esses hábitos, pois o coronel local assumia uma figura paternal em relação aos seus dependentes. Agregados, camponeses e parentes dependiam dele, que apesar de ser um líder paramilitar, representava o estado. Dele provinha proteção ou punição. Muitos sentem saudades de uma época em que se podia dormir de portas abertas. Outros se ressentem de ofensas sofridas e perseguem os descendentes de seus antigos senhores ou simplesmente os temem como antes. O chefe de uma família pobre dependia de um fazendeiro que estava ligado ao coronel. Era o curral eleitoral.
O clientelismo também pode ser associado a esse processo. As famílias do sertão eram numerosas, tinham pouco acesso à educação e serviam de mão-de-obra familiar desde pequenos. Aprendiam a obedecer muito cedo e levavam a lição pela vida afora. Tinham baixa auto-estima e quando ascendiam a um cargo público ou eram bem sucedidos nos negócios se sentiam no dever de favorecer seu clã familiar. Uma prole numerosa e unida era fundamental para o pobre, que precisava de empregados. ? Estimulados pelos fazendeiros, que também necessitavam de braços servis e de votos. ? e para o rico, que precisava de filhos para casar ou lutar. ? Casamentos arranjados eram fundamentais para garantir a ampliação das terras do clã e em arranjos políticos.
Por exemplo, Pio Grangeiro Parente, filho do major João Parente e de Ana Grangeiro ? de uma família tradicional do cariri cearense ? casou-se com Maria Dolorosa Filgueiras ? neta de Antonio Filgueiras Sampaio, líder político de Barbalha ? sua prima em segundo grau. O pai dela era um coletor federal, Antonio Correia, tido como pardo . Órfãos na infância, ela e o irmão, Correia Neto, foram criados pelos avós maternos. Alexandre "Jeremias", irmão de Glicério Parente, casou-se com Solina, sua parente barbalhense, mais rica. Esses casamentos asseguravam a influencia dos clãs cearenses sobre o sertão pernambucano, impedindo que as linhagens familiares se distanciassem.
O atraso socioeconômico da região também foi provocado por esses costumes, uma prole numerosa sem acesso à educação dificultou o desenvolvimento capitalista e transformou o nordestino em mão-de-obra pouco qualificada em outras regiões. O inverso também é verdadeiro, a falta de interesse político e econômico na região facilitou o desenvolvimento de uma cultura de resistência, ligada à tradição. Segundo Manoel Correia de Andrade, as inovações tecnológicas chegavam mais rapidamente ao litoral nordestino, e só muito mais tarde ao interior.
Caio Prado Júnior relata traços da primitiva sociedade colonial (1500-1650) que ainda parecem presentes na sociedade sertaneja do período entre guerras : As cidades eram habitadas pelos fazendeiros que lá mantinham residência temporária. Aqueles mais abastados mantinham milícias com as quais dominavam a região. As normas vigentes beneficiavam os mais fortes em detrimento dos pequenos proprietários. Poucas famílias aparentadas detinham todo o poder local e o resto da população ficava totalmente dependente. (1994). Essa analogia sugere calcular um atraso social de mais de três séculos nessa região e o interesse das oligarquias sertanejas nesse isolamento.
Foi nesse contexto que Alexandre cresceu. Destacou-se pelo porte avantajado e pela sua coragem. A família Parente, da qual seus pais descendiam (eram parentes em quarto grau) destacava-se no comércio e agropecuária mas não eram valentes. A prosperidade levou Aristides a ampliar também sua propriedade rural, a cultura aristocrática da família fazia com que se sentissem monarcas em seu território. O sítio Aboboreira fora herdado do sogro, Alexandre Martins Parente, "médico e aviador" (curandeiro e fabricante de vestimentas de couro usadas pelos vaqueiros) ou comprado dos cunhados. Esse processo geralmente envolvia conflitos, como na Europa Medieval, com outros fazendeiros.
Gumercindo Filgueira Sampaio, líder político local, casou-se pela segunda vez com Maria Nogueira, prima de Ana Filgueira e vendeu uma pequena propriedade herdada pela mulher a Aristides. Clarisbalte Filgueira Sampaio, nome de outra rua da cidade era sobrinho de Maria Nogueira e primo de Ana Filgueira. Inconformado com a perda da propriedade familiar ele provocou um conflito com o boiadeiro. Segundo os relatos, acompanhado por seus empregados, entrou no terreno para tirar madeira, que segundo ele, não teria sido vendida. Alexandre interferiu e para não ser estrangulado, esfaqueou o primo no braço. Uma briga entre rapazes. Francisco Filgueira Sampaio, o coronel Chico Romão de Serrita, tio de Clarisbalte, pensou em punir o agressor e sofreu a oposição de vários familiares e amigos, como Enésio, na época o prefeito daquela cidade e casado com uma irmã do coronel, e Pio Parente, seu aliado.
O coronel Chico estava envolvido com a famosa vendeta denominada "Guerra de Exu" na qual as famílias Sampaio e Alencar se enfrentaram. Os jornais sensacionalistas do Sudeste divulgavam esse conflito como atualmente fazem com as guerras do Oriente Médio, as FARC na Colômbia ou as milícias e traficantes no Rio de Janeiro. Fotos de guerreiros esfarrapados com fuzis na mão eram estampados pela imprensa envaidecida pela superioridade burguesa de sua região em comparação aos irmãos "bárbaros" do "Norte".
A briga do sobrinho colocou o coronel em uma situação difícil, se matasse Alexandre poderia causar desunião na família, prejudicando a "guerra". Mas se ele ficasse impune demonstraria fraqueza. Deixar o caso para a justiça, que na época estava sobre o seu controle, pareceu uma boa solução, mas o menino tinha defensores e assim o líder paramilitar teve de amargar esse revés.
Para escapar da perseguição, Alexandre se mudou para Salgueiro que nesse período era dominado pelo coronel Veremundo Soares, adversário político de Chico Romão. Encontrou proteção na figura do médico Severino Alves de Sá, herdeiro da família mais tradicional da cidade e casado com uma parenta de Veremundo, um emergente.
Os conflitos de terra entre parentes eram comuns no período, levas de fazendeiros conseguiram formar grandes sesmarias nas terras conquistadas aos índios locais. Com a divisão da terra entre os herdeiros, começou uma competição dentro dos próprios clãs. Os vencedores são até hoje as lideranças locais, os perdedores uma massa ressentida que não tem do que se orgulhar a não do sobrenome e laços familiares.
Para Mircea Eliade, a cultura popular ocidental preserva traços da religiosidade primitiva. Uma casa ou fazenda, bem como a cidade natal, tornam-se os centros do mundo, são encantados pela relação afetiva desenvolvida pelos seus habitantes. (2001) A fazenda Aboboreira, herança materna onde Alexandre e seus irmãos nasceram e foram criados representava para ele, esse papel.
Os fazendeiros agiam como "nobres medievais" na aquisição e defesa de propriedades, muitas vezes a coação era utilizada para adquirir uma propriedade pelos mais ricos. O processo de expansão capitalista do período do pós-guerra complicava as coisas.
Um pequeno sitiante cujo primo, um rico fazendeiro, interessou-se pelas suas terras, recusou-se a vende-las. "Você está com a razão, mas eu tenho o dinheiro", esse argumento o fez perder sua amada propriedade, mudar-se para Salgueiro e tornar-se um alcoólatra como alguns filhos e netos. (O outro não tinha filhos, tornou-se um dos homens mais ricos do sertão e na velhice ele e a esposa morreram abandonados pela família.) Seu filho com uma parteira mestiça, é casado com uma Aristides. Depois de envolver-se em uma confusão gerada pelo alcoolismo acabou preso. Como era praxe então, pediu a Dr. Severino, seu parente, que o tirasse de lá. Tendo negado o pedido, aliou-se a família de Gumercindo Sampaio.
Dr. Severino Alves de Sá, genro de Quincas Araújo, aliado de Veremundo Soares, e o primo, Dr. Romão de Sá Sampaio, filho de Gumercindo, parente do Coronel Chico Romão, eram médicos na cidade. Com o declínio do clã Soares, ocuparam o espaço político municipal. Destacaram-se pela honestidade, morreram pobres. Como os Filgueiras Sampaio em Barbalha e os Coelhos em Petrolina, usaram um curioso método. No melhor estilo dividir para governar, o prestativo Dr. Romão, que nunca foi violento, apoio os coronéis locais, seus parentes. Aqueles que ficavam insatisfeitos com essa política recorriam a Dr. Severino cujo lema era: "Ande direito e conte comigo".
Alexandre e seu pai jamais perdoaram a família Sampaio. Foi ela, no entanto, que o tornou "o homem da família". Em Salgueiro, longe de sua amada "Brobeira" (a fazenda era assim chamada no dialeto regional) dedicou-se ao comércio. Faliu, plantou uma safra de arroz em uma terra arrendada, passou a comprar produtos locais como a cebola e levar para outras cidades de onde trazia gêneros necessários ao comercio local. Progrediu chegando a possuir três armazéns.
Suas irmãs Jovita e Eurides ? a caçulinha enferma e a proferida de Aristides ? moravam com ele desde a década de 1950. Mais tarde levou alguns sobrinhos pobres para estudarem na cidade. Seu irmão Antônio, companheiro de viagem pelos Sertões, teve cerca de dezoito filhos. Criava os meninos como fora criado. Jussier, um dos estudantes, lembra da conversa entre os dois. "Você está querendo me tirar os meus trabalhadores?" Perguntou o pai, ao que Alexandre retrucou: "Quer que os meninos se criem ?uns cavalos? feito você?".
Essa percepção da necessidade de educar seu clã não se estendia as mulheres. Suas irmãs foram impedidas de estudar pelo pai. As mais velhas, namoradeiras, fizeram com que temesse a liberdade proporcionada pela educação.
O bom coração do comerciante devem ter impedido que ele constituísse a própria família para tornar-se o provedor do pai e irmãos. Jussier lembra que ele subsidiava a família de Antonio. Conta também o que falavam dele pelas costas, a sua fama de rancoroso e... A frase não foi completada, mas é evidente que um rapaz bem-sucedido e solteiro deve ter incomodado a sociedade machista de Salgueiro.
A origem humilde com certeza seria uma desvantagem e confundia-se com a questão matrimonial. Também tinha fama de avaro, na época de crise, comia rapadura com farinha, costume de vaqueiro. Um livro de etiqueta dos anos 50 e uma versão ilustrada da bíblia católica eram os seus livros. Procurava ser sofisticado, como muitos emergentes da época, frequentando as festas do lugar e participando da vida social do período. Valsava nas festas de formatura sendo um excelente dançarino, isto deve ter afastado muitas pretendentes. As moças mais sofisticadas deviam acha-lo rude, as da roça, afetado. Comprou um Jipe Williams na década de 60 para lazer, negócios e certamente, se exibir. Teve muitos afilhados, alguns se tornaram importantes.
Apesar de intuitivamente ser um bom negociante, não estudou o suficiente. Gostava de se exibir socialmente e dava hospitalidade a seus parentes de outras cidades, mas no lar, continuava mantendo os hábitos simples da infância humilde. Comia como um camponês, dormia de rede, criava animais na Aboboreira. Relatos o descrevem como um "Caipira grosseiro". A sociedade o aceitava pelo capital adquirido e laços familiares, mas, a mania de afetar uma elegância que ele não tinha devia torná-lo cômico. Era um diletante.
Essa reação não era percebida pelas mulheres da casa. Pensavam realmente serem de uma família importante. Como não podiam frequentar a escola, as atividades da paróquia eram seu passatempo. Jovita se dedicava ao lar. A mais nova se divertia brincando com as outras meninas da rua da matriz. Admiravam sinceramente o irmão e viam nele o príncipe com quem sonhavam se casar. Um modelo masculino. Essa projeção causaria nelas dificuldades de relacionamento com rapazes. Dona Jovita jamais se casou.
À medida que os meninos cresciam, o herói se tornava demasiadamente humano. Namoravam e o ambiente escolar permitia que percebessem o contexto real em que viviam. Devem ter, na fase da auto-afirmação da personalidade, odiado o tio. Era muito autoritário. Não conseguiam se identificar com ele.
A dor do nosso personagem ao perceber a rejeição dos sobrinhos deve ter sido imensa. Renunciara a própria felicidade para lhes proporcionar a oportunidade que não tivera. Não era aceito pelas mulheres desejadas e não podia pensar em abandonar às irmãs. Era mal compreendido agora dentro da própria casa, pelas pessoas que ele mais amava. Estava sem opções. Tinha responsabilidades demais e estava em conflito.
Na década de 1960 começou a apresentar problemas de saúde. As irmãs não sabem precisar sua doença, mas há indícios de que fosse um tumor cerebral, que o deixou cego. Os gastos com a saúde e a impossibilidade de trabalhar o empobreceram. Depois da sua morte, em 1969, Jovita voltou para a fazenda paterna. Eurides, costureira, sobreviveu com um sobrinho pequeno até 1978 quando casou com o neto do Major João Parente.
A família não levou os negócios adiante, os meninos que moraram na casa não aprenderam os negócios nem se identificaram o estilo do tio. Depois dele, tiveram que procurar negociar sem ter a mesma vocação. No campo afetivo, um deles casou-se com a filha de uma dona de cabaré e mudou-se para o Centro Oeste onde sua família prosperou. Outros tiveram dificuldades para manter um relacionamento estável , a causa pode ter sido a insegurança que a figura doentia de Alexandre e os conflitos de classe teriam causado na personalidade dos rapazes. Alguns rebentos se destacaram no cenário econômico da cidade, mas, carregam ainda hoje marcas da ausência paterna e desprezam essa família.
Seus parentes acabaram seguindo seu exemplo, deixando de lado o comercio rural e se dedicando a pequenos empreendimentos comerciais nas décadas seguintes. Geralmente mercearias, lojinhas de roupa e padarias. Dessa forma sobreviveram economicamente.
Segundo a família ele teria se recusado a levar o tratamento até o fim, apesar das advertências de seus médicos. Isso reforça a teoria defendida neste trabalho. Como o personagem Menochio de Carlos Ginzburg, que desafiou a inquisição e os valores de sua época, esse "Prometeu sertanejo", que enfrentou a fome, os coronéis, a falta de escolaridade e a exclusão social e econômica, sucumbiu ao golpe mais traiçoeiro. Sem conseguir atingi-lo diretamente, a sanção social jogou contra ele aquilo que mais amava, seus familiares. Derrotado, sem energia para continuar, preso aos próprios valores com que fora criado e não conseguia romper, nosso personagem não conseguiu enfrentar o seu adversário mais poderoso a doença que o atingiu. É possível que não quisesse mais sobreviver. Desafiou os deuses e foi por eles punido, um personagem trágico.


II ? A BELLE ÉPOQUE FAMILIAR.
"O guerreiro em tempos de paz se volta contra si mesmo".
Friedrich Nietzche

2.1. As "Revoluções" do Pós-Guerra.
Hoje, a rua em que Alexandre viveu abriga predominantemente pessoas na terceira idade que moram no local já há muitas décadas. Representam a decadência da antiga classe de pequenos comerciantes, fazendeiros e funcionários públicos que dominavam a região.
Embora a pirâmide social estivesse centralizada na figura do coronel Veremundo, uma classe intermediária entre os mandões e o campesinato surgiu competindo com a família Soares que monopolizava a economia local. A "casa de farinha" foi o ponto de encontro em que alguns clãs emergentes encontraram espaço para se desenvolver.
Foi nesse espaço que Alexandre aproximou-se de Dr. Severino e Chiquinho Rosa, essas relações permitiram que ele e outros se desenvolvessem apesar dos arrogantes Soares.
A irmã do escritor Raimundo Carrero que ainda habita a casa do pai , um comerciante local na época, revela que na sua opinião o mundo foi bom até a década de 1960, as mudanças ocorridas após acabaram com essa Belle Époque.
Segundo Eric Hobsbawm, a maior parte do mundo viveu um período medieval até a década de 1950 ou 60. Claro que não se refere literalmente a um medievalismo europeu. Com a maioria da população vivendo no campo e a renda sendo muito baixa, as condições sociais econômicas e tecnológicas eram distintas da dos países industrializados em processo acelerado de modernização. O pós-guerra estendeu essa modernização aos países atrasados (2004). O sertão era uma das regiões mais atrasadas do mundo e foi inserida nesse processo.
As famílias tradicionais do nordeste foram atingidas por essas mudanças, de um momento para outro a base de sustentação em que se apoiavam, as relações clientelistas entre
os mandões do lugar foram desconstruídas sem que um estado do bem-estar social no nível europeu se estabelecesse. O capitalismo, que efetivamente colonizou o Novo Mundo e foi se afirmando aos poucos no sertão a cada etapa de seu desenvolvimento local eliminava os grupos ligados aos dominadores antigos que a eles opunham resistência. Foi assim com os índios cariris que aos poucos tiveram que competir com grupos nativos ou africanos vindos do litoral. Mais tarde esses sofreram com a invasão dos fazendeiros baianos. O período analisado foi um dos mais traumáticos, para os quais esses homens ligados a terra se viram totalmente despreparados.
A política do período visava a industrialização nacional nos colocando no seleto clube dos NICs (Paises de Recente Industrialização) (IDEM). Essa industrialização estava concentrada no Sudeste, particularmente em São Paulo, e os nordestinos formaram a mão-de-obra barata que subsidiou o desenvolvimento do "Sul".
A cultura subversiva do pós-guerra escandalizava os conservadores fazendeiros locais e criava conflitos de geração. A exigência de uma escolarização foi determinante para manter o sucesso nas décadas seguintes, os poucos que tiveram a oportunidade de cursar uma universidade nas capitais, os filhos de alguns fazendeiros e comerciantes abastados e esclarecidos fizeram a transição para a classe média e geralmente, substituíram seus pais e avós como senhores políticos do lugar.
As aristocráticas famílias locais negligenciavam estudo, e como no leste europeu, tiveram pouca aptidão para a classe média moderna. O clientelismo empregava os rebentos dos clãs mais influentes, que não precisavam ser competentes para conseguir um emprego público.
Os conceitos de cultura emergente, dominante e residual ilustram esse processo. Modernidade (ou mais precisamente, pós-modernidade) era uma cultura emergente, exigia um bom nível de escolaridade, competência, uma família nuclear. Mandonismo, clientelismo e patriarcalismo dominavam essa região. Ainda havia os elementos culturais diversos do passado ancestral latentes nos costumes dos clãs.
Dessa forma as revoluções mundiais surgidas no pós-guerra encontravam no sertão uma sociedade pouco favorável ao desenvolvimento de uma economia capitalista moderna. E para se desenvolver, o antigo e o moderno se envolveram em um interminável confronto.

2.2. As Décadas de 1950/60.
A cultura patriarcal resistia a modernização da cidade. Para uns a família Soares impediu o desenvolvimento. Outras pessoas acreditam que sem eles a sociedade regrediu. Havia o curtume, fábrica de óleo e bolacha, cinema. A agricultura prosperava. Eram empreendedores brilhantes. Os Parentes sobrevivam estabelecendo laços matrimoniais com outras famílias como a Alencar, Muniz, Torres, Sampaio e Sá. Boa parte deles se destacou na História do município, como políticos, empresários comerciais e fazendeiros.
Os ramos mais conservadores desse clã tiveram menos êxito, a cultura residual impedia que se modernizassem e a própria pobreza tornava o processo de ascensão social muito árduo. Mas a origem pioneira lhes dava algum status útil nessas uniões vantajosas. Para certas fontes, todos os clãs da região seriam aparentados. Três classes formariam o grupo básico das povoações, as "famílias" fazendeiros brancos ou mestiços claros influentes na política e economia procuravam estabelecer relações matrimoniais com seus equivalentes. Os negros e mestiços escuros (cabras) eram explorados pelos fazendeiros ou trabalhavam de chapeado, carregando sacos. Algumas pessoas brancas pobres formavam um grupo intermediário entre as "famílias" e os "cabras", possuindo terras ou dedicando-se ao comércio. Essas relações de classes ainda existem em distritos da região. As três classes não se casavam entre si. Dessa forma a mobilidade social era restrita. Pobres brancos gozavam de vantagens, eram mais protegidos pelas "famílias". Os negros enfrentavam um branqueamento às vezes forçado, suas filhas e mulheres se relacionavam com os fazendeiros. Os rebentos de uniões com negras eram protegidos, raramente reconhecidos ou aceitos. Filhos e netos do major João Parente se aproveitavam desse costume. Estes relatos indicam que até a década de 1950, a maioria da população de Salgueiro, branca ou negra, era aparentada entre si. A imigração do pós-guerra modificou essa base genética.
Embora as relações entre os grupos fossem tensas, causando ressentimento, há casos em que clãs negros e "famílias" decadentes estabeleciam uma relação de cooperação e amizade. Histórias como essas se encontram no Sítio Aboboreira, onde as irmãs de Alexandre são defendidas, inclusive de seus familiares, por um afro-descente com quem os Aristides desenvolveram uma sólida amizade baseada no respeito mútuo e consideração. Apesar de não se casarem entre si, os relatos não revelam qualquer conflito ou mesmo sentimento de desigualdade. Alguns membros dessa família negra possuem hoje, um status social muito superior ao desfrutado pela maioria dos Aristides. A pequena propriedade vizinha aos parentes adquirida há muito tempo impediu que fossem explorados e permitiu essa ascensão.
O sítio Contendas mantém relações conflituosas com os fazendeiros locais. Estes contam relatos nos quais o major João Parente teria sido bom com os negros e seus filhos venderam parte da propriedade a eles, as filhas solteiras deixaram suas partes de herança para seus afilhados negros. Isto deve ser verdade, mas a família exibe um racismo ostensivo e possui índole violenta. Existem relatos de atos hostis dos fazendeiros contra os quilombolas. A teoria do professor Pedro de Umãs de que o nome Contendas originou-se do conflito entre os quilombolas locais e fazendeiros é improcedente. A maioria se originou de um patriarca, Simeão dos Reis, empregado trazido pelo major João Parente. Provavelmente esse nome é remanescente dos conflitos entre fazendeiros e índios no século XIX. O sítio Trincheira também deve ter a mesma origem e é habitado por pessoas loiras.
Alguns fazendeiros dependem do trabalho negro, o bolsa-família prejudicou bastante seus interesses. A preguiça e muitas vezes incapacidade física de realizar trabalhos muito pesados, já que os casamentos consanguíneos degeneraram o biótipo de algumas famílias, além da pobreza que impede esses proprietários de pagar um preço razoável aos empregados causaram esses problemas.
A revolução social do pós-guerra modificou essas relações. Brancos pobres passaram a se destacar com seus empreendimentos comerciais. Membros pobres de algumas "famílias" também tiveram espaço. Os valores e costumes acabaram sendo solapados por essas mudanças. Hoje, os remanescentes de grupos surgidos nesse momento se encontram em franca decadência.
Segundo fontes, Alexandre era bastante humano com seus chapeados. Muitos eram seus afilhados ou amigos. Mas suas irmãs não podiam conversar com empregadas nem namorar fora das "famílias". Segundo certo personagem as elites aristocráticas e burguesas eram muito ignorantes com as outras classes. Ele lembra com ressentimento do preconceito que impedia até que brancos pobres namorassem moças de "família", e percebe que os problemas de saúde decorrentes da endogamia. As irmãs de Alexandre eram as mais inacessíveis e as mais pobres. A família Soares costumava dançar com as noivas de pessoas de outras classes sociais. Atitudes hipócritas eram promovidas também pelos comerciantes. Para competir com os coronéis, projetavam nas classes subalternas as humilhações que sofriam das elites.
Quanto ao saneamento, a cidade não dispunha na época de água encanada. Ela era trazida de um açude por chapeados nas costas de animais ou nas deles próprios como na época da escravidão. Energia elétrica era gerada por um motor e utilizado no centro da cidade por algumas horas. Naturalmente pertencia aos Soares. Alexandre tinha um rádio ABC movido a pilhas, onde suas irmãs se divertiam escutando novelas. Às vezes assistiam a um filme no cinema local ou freqüentavam as festas com o irmão. Outra diversão da mais nova, que aprendeu a ler sozinha, eram os cordéis como "O Pavão Misterioso". Quando os primeiros carros chegaram na cidade, as pessoas fugiam com medo. Esse temor chegou aos anos 1940. Os políticos Chico Romão e Glicério Parente adquiriram jipes reformados da Segunda Guerra Mundial. Alexandre deve ter comprado o seu para se parecer com eles. Glicério possuía uma casa vizinha aos Aristides de onde assistia as festas. A caçula Eurides ficava com a chave da casa, o que revela alguma consideração entre as duas famílias, apesar das diferenças sociais. Eles não participavam dos mesmos ambientes que os Soares, descritos com ressentimento pelos homens da família. As mulheres guardam melhores recordações, Veremundo é descrito como amável e a mulher do Dr. Severino tratava as "Aristides" com bastante cortesia. Os Menezes, Carreros e algumas outras famílias da elite local, mais pobres, estabeleceram laços com as "matutinhas" (camponesas), algumas dessas amizades duram até hoje.
Pio Parente com sua esposa e filhos viviam sua era de ouro. A cidade de Barbalha estava sobre o domínio de seu primo e tio de Dolorosa, Luiz Filgueiras, do cunhado deste, Argemiro Sampaio de Serrita e do também primo Dr. Lírio Callou. Segundo os filhos de Pio, a matriarca da família, Sinhá, possuía inclusive escudos portugueses de ouro e castiçais portugueses de ouro e prata. No casarão onde residia estavam retratos de vários ancestrais da família, de origem portuguesa. A influencia política era muito grande, na cidade e região.
Os Filgueiras Sampaio dominaram Barbalha, Jardim, Serrita e tiveram influência política em Salgueiro, Novo Exu, Missão Velha e Terra Nova, seus domínios equivaliam à área do Líbano. No cariri seu império familiar durou mais de um século e meio. Luiz Filgueiras foi acionista de empresas como a indústria automobilística Williams.
Pio herdou parte dos sítios São Pedro e São Paulo e foi muito favorecido por Sinhá. Comprou a fazenda Cirquinha. Plantou mandioca e cultivou cana para sua engenhoca. Depois se tornou dono de um armazém e caminhoneiro. Construiu a melhor casa da cidade no período. Viajou por várias cidades do Nordeste. Seus filhos estudavam no colégio Santo Antonio, organizado pelos padres Salvatorianos. Suas filhas em um colégio de freiras vizinho a sua casa, das irmãs beneditinas. Essas escolas formavam a elite da região e foram fundadas na década de 1950. Estudavam com os melhores professores, boa parte deles padres, alguns estrangeiros.
Taumaturgo Filgueiras Parente, o filho mais velho, gostava de assistir filmes nos cines Nerolí de seu tio-avô Luiz Filgueiras e no Cine Aldeon de Argemiro Sampaio. Os dois únicos cinemas da cidade na época. Claro que não precisava pagar. Com seus primos ricos, costumava frequentar festas nas cidades vizinhas, tornou-se um playboy renomado.
Estavam acima da lei. Certa vez, Major Pio irritado por não conseguir passagem em um avião em Aracajú, disparou contra o avião e como "punição" recebeu apenas um passaporte válido em todo o território nacional. Revendia armas em sua casa. Tinha vínculos com os caudilhos locais, com a perseguição destes, sua casa na Cirquinha foi cercada e revistada pelo exército que não encontrou nada, pois seus poderosos parentes tinham avisado com antecedência e ele as escondeu. Tempos depois chegou a usa-las para libertar dois parentes presos por matarem o membro de outra família importante da região. Chegaram boatos de que a cadeia onde estavam presos fora invadida pela família rival e todos os homens de Barbalha foram mobilizados. Pio participou pessoalmente além de emprestar vários de seus revólveres, rifres e fuzis. Nesse dia fez as pazes com seu primo Luiz Filgueiras com quem entrara em conflito tempos antes por este considera-lo um explorador de sua mãe.
O filho do meio, Geraldo foi estudar em Recife, no colégio Carneiro Leão. Morou na casa de seu tio Girino, em Peixinhos. Ficou chocado com a pobreza do lugar. Embora a capital do estado no período fosse o centro da "civilização" no estado, a pobreza de sua periferia e a exploração do proletariado era bem mais terrível do que no Sertão.
O caçula Iraldo tornou-se alcoólatra, a causa do vício foi atribuída de forma Sócio-darwinista ao "sangue mulato" dos Correias, com os quais se parecia. Na verdade a rejeição provocada pela sua aparência deve ter originado a revolta do menino. O racismo científico do sertanejo originou-se da impressão de superioridade que as novas raças de gado mais produtivos introduzidos na época em relação aos bovinos coloniais com os quais se identificavam por estarem ligados a séculos, somados ao preconceito tradicional dos brancos em relação aos outros grupos e as novas idéias trazidas da Europa pela República e difundidas por intelectuais como Euclides da Cunha, causaram sobre o intelecto das elites aristocráticas locais. O sentimento de inferioridade desses mestiços em relação aos europeus e as populações do Sul, devem ter sido muito fortes. Estimularam uma busca paranóica de auto-afirmação racial, onde os membros claros discriminavam seus irmãos morenos. O próprio Iraldo costumava torturar um menino negro criado por seu tio afogando-o no açude.
De um momento para outro essa família se autodestruiu. Na década de 1960, Pio, depois de uma briga de bar, matou seu melhor amigo e parente. Teve que fugir e vender todos os seus bens. Dolorosa morreu pouco depois de uma doença misteriosa. Suas filhas tiveram que morar em Contendas. A mais velha, Sirley, no auge de sua angustia, invejava os negros tão alegres e felizes vivendo naquela miséria. Os rapazes viraram "pau-de-arara". Trabalharam em São Paulo e Rio de Janeiro. Pio mudou de nome, "Seu Antonio", e trabalhou com seu filho Geraldo como caseiro de uma rica madame meio francesa numa chácara em São Paulo.
Os irmãos ficaram deslumbrados com a cidade grande, conheceram a vida cosmopolita tão diferente da que estavam acostumados. Apenas Geraldo que já havia se acostumado à pobreza e a vida na capital se profissionalizou e trabalhou duas décadas como inspetor de qualidade . Taumaturgo e Iraldo, os outros dois, não conseguiram se adaptar e voltaram para o sertão. No final da vida "Major Pio" ainda conseguiu adquirir, com a ajuda dos filhos, a fazenda Riachinho, que pertencia a seu irmão. Viveu 94 anos, deixou ainda um sítio, gado e um nome de respeito. Taumaturgo, solteirão, juntou-se com uma quilombola casada. Sirley passou a viver sozinha.
Os filhos de Luiz Filgueiras se envolveram numa disputa pela herança e se mataram uns aos outros. Os netos envergonhados migraram para outras regiões do país. Estudaram e ficaram ricos novamente. A tradição familiar se perdeu na região.
A política hostil aos coronéis que se desenvolveu a partir da revolução de 1930, e se intensificou com a queda do Estado Novo nos anos 1940, a excessiva divisão das propriedades e a implantação de formas mais modernas de produção capitalista do pós-guerra causaram essas desavenças. O colapso da família patriarcal diante de uma modernização acelerada e as tentações do consumo que destruíram esses valores originou para essa família sua "Grande Guerra".






III ? CONQUISTAS E SOFRIMENTOS.
Os males por si só se destroem.
Autor desconhecido.

3.1. Ancestralidade e Conquista do Sertão.

Algumas famílias do interior costumam ter uma cultura particular, os sobrenomes dos filhos são escolhidos de acordo com os valores ou tradições que os pais desejam transmitir. Dizem que a família Parente é branca, honesta, pacífica e bons comerciantes. Também são associados à preguiça, acomodação e covardia. Dos Filgueiras, dizem viver pouco, serem orgulhosos e violentos, mas de origem nobre. Dessa forma, os próprios parentes se descriminam de acordo com os próprios valores ou critérios racistas. A família Filgueira Sampaio em Salgueiro e Serrita adotou preferencialmente Sampaio considerando-o mais nobre já que em Portugal esse clã é muito importante, recentemente elegeu um presidente (George Sampaio) teve vários donatários nas índias e títulos de nobreza . Não existe prova de que a família nordestina seja descendente direta destes. Também no Brasil existem vários personagens influentes como Cid Sampaio , que foi governador de Pernambuco. Em Barbalha, prefere-se usar o nome do capitão-mor Filgueiras, que participou da Confederação do Equador. Geraldo Filgueiras Parente conta que Alexandre "Jeremias" editou e distribuiu um livro que contava a história dos principais ramos da família. Segundo ele, o capitão-mor teria apoiado uma rebelião de Bárbara de Alencar com cem homens, foi derrotado e preso e ao ser levado ao Rio de Janeiro, fez uma greve de fome e morreu a caminho. Seu filho, "Filgueirinha" também se envolveu em conflitos com o estado e teria sido apedrejado. Este teria uma deformação nos pulsos e seria tão forte que subia em um galho de umbuzeiro montado em seu cavalo.

Estes relatos recordam os exageros do livro "Carlos Magno e os Doze Pares de França", que sua avó paterna Ana Grangeiro, costumava ler com os seus jovens netos. Esse livro narra as aventuras do imperador franco e seus cavaleiros lutando contra os mouros. Está repleto de princesas, gigantes e seres mitológicos. Relatos medievais das origens do povo ibérico e valores cavalheirescos e belicosos devem ter encantado rapazes letrados e mulheres românticas do sertão que viam em seus bravos ancestrais ou companheiros os valores aristocráticos do livro.
Para Mircea Eliade, culturas tradicionais tendem a encantar as suas origens, criar modelos de conduta e copiar seu proceder, dessa forma se libertam de aspectos insuportáveis da realidade. Romantizando o passado, conseguiam lidar melhor com seus aspectos dolorosos, todas a mitologias das culturas antigas tinham o mesmo motivo, não eram mentiras. (1992) Contavam fatos do passado de uma forma idealizada, fácil de recordar e de admirar. A família Filgueiras se orgulhava de seus patriarcas e imitava seu modo de agir.
A família de Pio Parente isolou-se do mundo após sua decadência nos anos 60. Os sete filhos tiveram apenas quatro netos, de dois filhos homens. Algumas filhas não se casaram para não se misturar com famílias consideradas inferiores e nenhuma delas teve descendentes. Dois rebentos homens foram vítimas fatais do alcoolismo, a maioria escolheu o próprio aniquilamento. Dessa forma repetiram o ato do capitão-mor que teria se suicidado para escapar de sua vergonha.
Segundo uma árvore genealógica da família Callou, o major João Parente de Sá Barreto e sua nora Dolorosa Filgueiras seriam descendentes do fundador de Barbalha, Francisco Magalhães Barreto e Sá, considerado descendente de Men de Sá, terceiro Governador-Geral do Brasil e era filho do Alferes Antonio Pinheiro de Magalhães. O prefeito atual se chama Antonio Inaldo de Sá Barreto, sobrinho da mulher de Glicério Parente, Adélia de Sá Barreto.
As irmãs de Alexandre relatam ter ouvido falar no Filgueirão e seu filho Filgueirinha, mas não se impressionaram tanto com esses relatos. Consideram os Parentes herdeiros da família Sá , tão importante quanto a rival Sampaio. Pesquisadores da história local como Marcos Angelim e o popular Luizão confirmam que Aristides seria bisneto de Manoel de Sá, fundador da cidade que, segundo a versão da família, teria surgido em torno de uma capela construído por ele. Um filho, Raimundo de Sá, teria se perdido na mata e a mãe do garoto prometeu a Santo Antonio uma igreja se ele fosse achado. A criança reapareceu milagrosamente dias depois. A cidade, como muitas outras do país, surgiu em torno de um templo religioso, onde as pessoas se sentem seguras e cria-se uma relação de proximidade entre as dimensões do sagrado e o terreal, crimes históricos, como o massacre de populações indígenas, são esquecidos, o espaço é recriado e organizado e o estado se faz presente.
A invenção de genealogia nobre, e de uma tradição de liderança é fundamental para se estabelecer uma dominação política. A identidade da família Sá foi reinventada com o declínio dos Soares. Segundo Sahlins, os povos da ilha de Fiji, no Oceano Pacífico, se envolveram em um conflito liderado por duas famílias nobres locais que ele compara a Guerra do Peloponeso. (2006). Os Sá reinventaram sua identidade sob a liderança do pacífico Dr. Severino e formaram a índole dos Aristides que evitam conflitos e violências com clãs mais agressivos e se ressentem das injustiças sofridas. Dessa forma surgiram os dois partidos atuais: a família Sá pode ser comparada à cidade cosmopolita de Atenas e os valentes Sampaios aos guerreiros de Esparta. A luta pelo controle local dura até hoje. A ligação familiar com pessoas pobres, real ou não, incomoda os burgueses, mas é estimulado pelos políticos, de onde retiram boa parte de seu eleitorado dado o costume patriarcal de se votar nos parentes.
A colonização do Sertão está inserida no processo de desenvolvimento capitalista. Surgido na Europa, o capitalismo se beneficiou da formação da nação portuguesa, um país pioneiro, e de sua vocação marítima e comercial para lançar os portugueses à procura de novas terras e rotas comerciais. Primeiro a metrópole se beneficiou do pau-brasil, depois se lançou à monocultura canavieira. O "desertão" tornou-se lugar de renegados. Com o desenvolvimento e povoação da costa, vários grupos estabeleceram sesmarias, primeiro no Agreste e depois no Sertão. Caio Prado Júnior relata que o norte da colônia foi ocupado por proprietários abastados, nobres e grandes mercadores que estabeleceram grandes sesmarias enquanto no Sul predominaram pequenas propriedades de proprietários modestos. (1994.) A professora Ms. Kênnya, coordenadora do departamento de História da FACHUSC, conta que para o Brasil não vieram nobres, apenas pessoas pobres e alguns cristãos novos, as pesquisas atuais apontam nesse sentido. No entanto, havia na Península Ibérica uma pequena nobreza numerosa, resultado das guerras de reconquista, parte dela pode ter se estabelecido no litoral nordestino. A grande nobreza e a burguesia, boa parte judaizante, deve ter financiado suas atividades econômicas. No caso da Conquista do Sertão, ocorrida muito mais tarde, aventureiros portugueses e membros decadentes das famílias do litoral devem ter se somado aos mestiços emergentes, que transferiram suas engenhocas para as regiões de serra e montaram fazendas de gado na Caatinga nordestina.
As guerras de reconquista na Península Ibérica formaram na cultura desses povos uma tradição guerreira. Grupos morenos lembravam seus inimigos mouros, terras distantes deveriam ser dominadas. Mulheres estrangeiras, conquistadas para a sua cultura. A colonização do Sertão motivou guerras contra os índios e negros que se refugiaram na região para resistir a perseguição do estado, o nome Contendas (e Trincheira), segundo professor Pedro, descendente de quilombolas de Umãs, seria uma recordação desses conflitos.
No sítio Ouro Preto, Antonio da Cruz Neves e um escravo delator, armaram uma cilada para os remanescentes indígenas da região, os homens foram eliminados em um galpão com a ajuda de pistoleiros e suas mulheres e terras se tornaram propriedade do fazendeiro e comparsas . Aristides da Cruz Parente nasceu no sítio Baixio Verde, vizinho ao Ouro Preto, que ainda pertence a seus parentes, era filho de Antonio Alexandrino da Cruz, um fazendeiro que possuía uma engenhoca de rapadura e era sobrinho do autor do massacre. Maria Aristides conta que sua bisavó era uma índia, pega a força e discriminada pela própria família.
A cultura indígena marcou pouco essa família. Mas a aparência mestiça provavelmente dificultou a ascensão socioeconômica dos Aristides. E essa ancestralidade negada por quase todos os parentes, prejudicou a auto-estima e a identidade cultural do clã. Alexandre Martins Parente, pai de Ana Filgueiras, foi agricultor e receitava remédios de plantas, porque não havia outra forma de tratar doenças no seu tempo. (O primeiro médico de Salgueiro foi Dr. Orlando Paraym, genro de Veremundo, na primeira metade do século XX.) Sua neta Eurides possui uma religiosidade marcante, acredita que doenças e infortúnios são causados por feitiçarias de seus inimigos. Essas características: remédios de plantas e superstições lembram costumes dos negros do Congo, trazidos como escravos para o Brasil. O medo da magia é comum ao catolicismo medieval, dos colonizadores portugueses. Isto indica que deve ter havido uma miscigenação com grupos africanos ou uma difusão cultural do contato entre os avós de Alexandre Parente e seus amigos afrodescendentes realçando superstições medievais.
A família conta que os Parentes descendem de certo Pereirinha que ocupou as terras entre os atuais municípios de Terra Nova e Cabrobó. Seus currais imensos se estendiam pelo sertão. A genealogia de Inês Callou revela que o major foi trineto de Antonio Pereira da Costa, mas não há nenhuma referência a este personagem disponível. O professor Júnior no seu livro fala que um certo Pe Antonio Pereira pediu sesmaria onde hoje está o município. (2008). Esse padre viveu no século XVII e deve ser parente do patriarca familiar.
As terras do sertão pernambucano e cearense ocupados pelos ancestrais de Alexandre foram doadas pela poderosa família baiana Garcia D?Ávila. A casa da Torre acumulou o maior latifúndio brasileiro, para ocupa-los, sesmarias foram distribuídas. Escravos e mestiços foram utilizados como vaqueiros. Boa parte dessas propriedades foi concedida aos grandes senhores do litoral que nomearam administradores de sua confiança, geralmente algum parente pobre. Muitos vaqueiros conseguiram ascender socialmente e adquirir propriedades, já que o salário costumava ser uma parte do gado nascido na fazenda, permitindo que acumulasse recursos e se tornasse fazendeiro. Na região do Cariri, desenvolveu-se o cultivo da cana de açúcar, engenhocas de fazer rapadura e mão-de-obra qualificada foram trazidas do litoral. Antigos senhores de engenho decadentes do litoral e engenheiros (trabalhadores qualificados) bem sucedidos devem ter migrado para esses oásis sertanejos, dando origem aos clãs da região (ANDRADE, 2004). Parcela significativa das famílias do Sertão Central vieram do Cariri Cearense.
O sertanejo surgiu da união entre grupos portugueses, indígenas e africanos, embora sua elite seja considerada branca existem relatos de que muitas famílias importantes possam ter origem mestiça. Brígida de Alencar, ancestral do famoso escritor José de Alencar e vários políticos importantes, é considerada por conhecedores da história local, uma índia adotada por um português. (ALMEIDA, 2010) Sua ascensão social permitiu que seus filhos e netos se casassem com pessoas brancas e formassem uma das famílias mais notáveis do Nordeste. Colonos brancos tiveram pouco interesse em se instalar nas regiões tropicais do continente americano, por isso as regiões temperadas tiveram mais facilidade em se desenvolver economicamente, para lá fluíram grupos europeus escapando da pobreza ou perseguições religiosas do velho mundo. Para as regiões quentes vieram pessoas pobres, decadentes ou perseguidas para serem senhores de escravos negros e indígenas. A tecnologia sertaneja, com suas casas de barro e cercas de pau em pé, lembra os usos neolíticos de alguns grupos africanos. Mesmo regiões temperadas, como o oeste americano, exigiram adaptação física e tecnológica dos pioneiros Yankes. No sertão miscigenação, adaptação e difusão cultural formaram vaqueiros, bandoleiros e coronéis. Esses guerreiros da Civilização do Couro são semelhantes aos cawboys do Velho Oeste, esses grupos tiveram de lutar por recursos escassos, movidos pela necessidade de sobreviver, por vingança ou pela cobiça gerando os conflitos e problemas sociais da região. (PRADO JÚNIOR, 1996).
Esta ocupação além de ter gerado graves problemas sociais, teve forte impacto ambiental, cada etapa do desenvolvimento local agravou suas consequências. No início do século XX o Riacho Grande, que atravessa a Aboboreira mantinha um pouco de água no leito, mesmo nas piores secas. Aristides cavava poços para beber e matar a sede do gado. A água vinha de lençóis freáticos ou das serras do cariri. A exploração intensiva secou o riacho. Pio Parente foi, na infância, um caçador de emas que já não existem na região. A fazenda Riachinho ainda hoje é uma propriedade bem preservada, onde aparecem inclusive jaguatiricas, chamadas no local de onça de bode.
Antes dos cercamentos, que valorizaram as propriedades e arruinaram os pequenos criadores, o gado pé-duro de origem portuguesa, bem adaptado ao clima sertanejo, proliferava nas fazendas da região. Junto com outros animais, muitas vezes se tornavam semi-selvagens. Foi a era de ouro dos vaqueiros. Os netos do major João Parente vinham passar as férias no sertão e recordam a farra que era fugir de animais ferozes. Havia fartura de carnes e laticínios, já que apenas o couro era aproveitado . Apenas o caçula, Iraldo, esbelto e moreno com a aparência de um nômade do Saara, dedicou-se a função de vaqueiro. Casou-se com uma moça da família Callou, com quem namorou por décadas, e teve três filhos. Esta família segundo relatos, teve a mesma origem que os Parentes.
Conta-se que o major João Parente tinha irmãos homens que mudaram o sobrenome da família. Um deles adotou o sobrenome Sabiá, migrou para outra região onde seus filhos tiveram uma considerável projeção social (um tornou-se padre e trabalhou no Canadá.) Um tio sentia muito calor e decidiu tornar esse o sobrenome de sua família. O segundo relato deve ser falso, o sobrenome Callou é de origem francesa, talvez tenha nos chegado por Portugal. Endogâmicos, alguns são louros de olhos azuis, tem baixa estatura e tendência para a obesidade. São hábeis vaqueiros e não valorizam o estudo. Esta família tem sua árvore genealógica onde confirmam o parentesco com o major. Os vínculos com Glicério Parente estão presentes, sendo confirmados na versão dos netos do major e da mulher de Glicério, Adélia de Sá Barreto, também parente do major. Conclui-se destas evidencias que sobrenomes e vínculos familiares foram criados ou negados por interesses diversos.
O capitão-mor José Pereira Filgueiras, orgulho familiar, existiu realmente, segundo o Arquivo Nacional, ele nasceu na Bahia em 1758, proprietário de terras no Cariri, lutou a favor do Império na Revolução Pernambucana de 1817, prendendo Tristão Gonçalves de Alencar Araripe e sua Mãe Bárbara. Por esses serviços recebeu o título de capitão-mor do Crato. Foi comandante das forças expedicionárias e esperava receber um título de nobreza. Insatisfeito com o Imperador D. Pedro I aderiu a Confederação do Equador, invadiu Fortaleza ao lado de seu antigo inimigo Tristão de Alencar. Com o fracasso da Confederação foi preso e morreu de febre palustre a caminho do Rio de Janeiro. Percebe-se a contradição com a versão segundo a qual ele morreu de inanição, mas foi a versão idealizada que marcou a cultura familiar. As vendetas de Exu são uma evidencia de que conflitos entre os Filgueiras e os Alencar se estenderam ao século XX. As duas famílias acabaram se casando entre si, resolvendo os problemas entre os dois clãs.
Em uma outra versão o capitão participou também da guerra de independência do Brasil no Maranhão e não morrera durante a viagem como na versão familiar e na oficial. Ele teria escapado e fugido para o interior de Minas Gerais. Lá fundou o sítio Perdigão e constituiu família. O ministro Francisco Campos, que reformou a educação no Governo de Getúlio Vargas, seria seu descendente mineiro. Segundo o professor Marcos Antonio Filgueira, pesquisador genealógico, ele seria filho de um português, José Quezado Filgueiras Lima, vindo para a Bahia no século XVIII, e de uma baiana, Maria Pereira de Castro. Nesse período era muito frequente o casamento de portugueses pobres com mulheres de famílias abastadas e mestiças para clarear as elites.
O sobrenome Pereira é muito encontrado na região sertaneja, provavelmente por causa dos descendentes dos donatários de capitanias que possuíam esse nome e devem ter deixado um número muito grande de descendentes, mestiços criados e afilhados, pois o gentio (índio ou negro) ou judeu muitas vezes recebia o sobrenome dos padrinhos ao serem batizados. Mesmo na metrópole, era muito comum encontrar pessoas com esse nome. Segundo Djanira de Sá Almeida, muito usados pelos lavradores portugueses. Existem até hoje famílias tradicionais de fazendeiros que se orgulham de se chamar Pereira e boa parte da população mestiça brasileira também exibe o mesmo sobrenome.

3.2. Ciganos, Mouros e Judeus.

A historiografia tem dedicado muita energia para resgatar a diáspora africana e um pouco menos a do holocausto indígena. Outras minorias foram esquecidas. Os ciganos estiveram presentes em Salgueiro até a década de 1990, quando Antonio Sampaio, irmão de Dr. Romão e amigo de Pio Parente, permitia que eles se arranchassem no sítio Bode Assado, as margens da BR 232 e próximo à Aboboreira. A beleza da mulher cigana encantava a população que temia sua fama de desonesta e inconstante. Se ela se envolve com alguém de outra cultura, é expulsa da comunidade. Deve ter havido casos de amor com rapazes sertanejos, inclusive filhos de fazendeiros locais, mas o preconceito escondeu essas raízes. João de Sá Parente, ex-seminarista e viúvo, casou-se com sua parenta Maria Aristides. Possuía casas alugadas e fazendas. Tinha fama de ocultista, possuía livros de interpretações de sonhos e dizia ler mãos, habilidade alegada também por Cícero Parente, filho do major João Parente de Sá Barreto, que costumava abrigar grupos ciganos na fazenda Riachinho, chamado por eles de "Os Dois Riachos", por ser cortado pelo rio Terra Nova e um afluente. A influencia cigana deve ter existido sobre uma parte da família Parente, seja por terem uma ancestral cigana ou pela convivência com esse povo. Menochio de Carlo Ginzburg foi executado pela inquisição por ler os mesmos livros que o marido de Maria Aristides, seu pensamento assemelhava-se ao de grupos indianos, ele também podia ter ascendentes ciganos. Esse grupo nômade foi expulso da Índia muitos séculos atrás e se espalhou pelo mundo. A Espanha foi muito influenciada pela sua cultura musical. Eles não têm pátria e são até hoje, vítimas de preconceitos em todos os países.
Os muçulmanos dominaram a Península Ibérica por sete séculos, ela tornou-se uma das jóias do Islã, símbolo de sua alta cultura, tolerância e riqueza. Nela conviviam árabes, mouros (povos do norte da África), cristãos (moçarabes), ciganos e muitos judeus sefarditas (espanhóis). Com a reconquista, sofreu uma dolorosa regressão cultural, mouros e judeus foram exilados, escravizados ou vitimados pela inquisição. Muitos mouros regressaram aos domínios africanos, poucos restaram na região. Mesmo assim, o tempo que passaram nela marcou a cultura e o biótipo do povo ibérico. A semelhança do ambiente sertanejo com a aridez marroquina e a miscigenação de portugueses com povos negros parece ter criado um tipo de atavismo , famílias como a Filgueiras tiveram um papel no desenvolvimento da região semelhante ao de grupos como os grupos Berberes, do Marrocos, vistos com respeito e admiração pelos europeus e usados como soldados durante o Imperialismo . A cultura patriarcal dos Filgueiras Sampaio, clã valente de políticos, fazendeiros e comerciantes tinha tendências poligâmicas e outros costumes dos muçulmanos.
Paralelamente, sobreviveram costumes mais delicados de origem matriarcal semelhantes aos dos judeus sefarditas. Segundo alguns pesquisadores a cultura marrana foi preservada na cultura feminina dos seus descendentes. Judeus ortodoxos consideram de sua etnia apenas os filhos de mãe judia. O que revela o quanto essa linhagem matrilinear é valorizada por esse povo.
Os judeus foram perseguidos pela inquisição espanhola no final do século XV, e muitos (cerca de 120 mil) se estabeleceram em Portugal. Dessa forma, passaram a representar cerca de 20% (200 mil) da população total daquele país na época (cerca de um milhão de habitantes). Formavam a elite cultural e econômica da nação, competindo com a burguesia cristã e incomodando a igreja e a Espanha que agora tinha que se preocupar com os recursos intelectuais e financeiros do vizinho. O casamento do rei português D. Manuel com a filha dos reis de Espanha acabou com o clima de tolerância religiosa no país. Mas ao invés de expulsar os judeus, o ardiloso rei decidiu converte-los à força ao catolicismo. Os cristãos novos continuaram a praticar secretamente ritos hebreus e com o tempo, criaram sincretismos entre a religião judaica e católica. A inquisição perseguiu de forma paranóica qualquer indício de práticas marranas. (GUIMARÃES, 2007.) Foram queimados milhares de pessoas, inclusive grande parte da burguesia e intelectuais. Isso explica porque o reino não conseguiu se industrializar e se desenvolver intelectualmente (KAYSERLING, 1971).
Apesar de proibirem a imigração, boa parte deles fugiu para países europeus mais tolerantes, como a Holanda que se tornou uma potência financeira, o oriente médio ou as Américas, inclusive o Brasil. Salvador atraiu muitos deles, inclusive familiares do famoso Uriel Acosta, com a implantação da inquisição também por aqui migraram para os estados mais ao norte, ou para o interior, onde podiam viver sem o temor do Santo Ofício. Com o domínio holandês sobre Pernambuco, muitos cristãos novos que já viviam como senhores de engenho ou mascates, voltaram ao judaísmo. Outros vieram da Holanda, como Lourença Filgueira e Manoel Martins (David Abravanel Dormido) descendente de Isaac Abravanel, intelectual judeu. (Davi Abravanel emigrou para a Inglaterra). Com a derrota dos batavos, os ricos voltaram para a Europa, Antilhas ou Estados Unidos, onde fundaram uma sinagoga em Nova York. Os pobres fugiram para a região das Minas Gerais, sobrevivendo como criptojudeus .
A família Filgueiras possuí hábitos curiosos. Costumam casar-se entre parentes, a carne em algumas casas é lavada com água fervente para retirar todo o sangue, alguns não gostam de entrar em casas de pessoas de fora da família, Alexandre da Cruz Parente tinha o primeiro nome do avô materno, Alexandre Martins Parente, costumes judeus. Também são muito comuns nomes bíblicos como o do Coronel Jeremias Sá pai de Glicério Parente, e Abraão Correia tio de Dolorosa Filgueiras. Alexandre Parente tinha um primo chamado Nahum, nome judeu. Ana Filgueira, mulher de Aristides e Ana Grangeiro, mulher do major João Parente possuíram cópias do Velho Testamento. Por que senhoras católicas iriam se interessar em possuir apenas a Antiga Aliança de Deus com os Judeus?
Segundo o professor Marcos Antonio Filgueira, existem relatos que indicam uma possível ancestralidade cristã nova para a família. Os Filgueiras de Salgueiro jamais ouviram falar nisso. Sirley Filgueiras Parente contava que a família é de origem portuguesa, sua bisavó tinha retratos de vários ancestrais e lamentava não ter mais quase nada do sangue desse português por causa da miscigenação. O professor Marcos conta que Manuel Dias Filgueira, rico traficante de escravos, tido como cristão novo por José Gonçalves Salvador, pesquisador da origem dos cristãos novos no Brasil, pediu sesmaria no Ceará em 1710. Ele acredita que foi esse o responsável pela vinda da família para a região. O sobrenome de Maria Pereira de Castro era muito comum aos cristãos novos que costumavam ter dois nomes, um judeu e outro cristão. Existem muitos judeus nos Estados Unidos denominados Filgueiras. Em Portugal há uma cidade na região do Porto (província onde se estabeleceram judeus espanhóis) com esse nome e era comum adotarem também sobrenomes de plantas, animais ou das cidades onde viviam.
A tese do professor Waldemar Júnior, sobre uma possível imigração espanhola para a região de Salgueiro, conduz a outra teoria, a de que judeus sefarditas (espanhóis) participaram na formação da cidade. Os criptojudeus de Portugal tentaram criar a irmandade de Santo Antonio, presidido pelo professor e diácono Antonio Homem, o plano foi descoberto e Antonio queimado pela inquisição (IDEM). Curiosamente esse santo, popular na Itália, Portugal e Brasil é padroeiro das Cidades de Salgueiro e Barbalha .

IV ? CONCLUSÃO


O período de 1950/60 foi um momento decisivo para a família de Alexandre Parente, apesar de se considerarem ligados por laços de parentesco às famílias Sá e Sampaio e descendentes do fundador da cidade, foram sendo marginalizados e perseguidos pelos ramos mais poderosos do próprio clã e com a ascensão da família Soares nos anos 1920 acabaram totalmente excluídos dos benefícios clientelistas. O declínio do Coronel Veremundo, provocado pelas mudanças ocorridas no pós-guerra, permitiu que pessoas pobres, como Alexandre, tivessem condições de se dedicar a empreendimentos comerciais e se desenvolver de forma autônoma. Mesmo nas décadas anteriores, o desenvolvimento econômico da região causado pelos subsídios que os coronéis e seus aliados recebiam do governo, permitiu a seu pai Aristides desfrutar honradamente algum conforto como comerciante de gado.
Com sua morte precoce, os familiares de Alexandre perderam o rumo, não tinham nenhuma orientação burguesa nem conseguiam entrar nos círculos das elites do lugar. A falta de estudo e vocação comercial acabaram liquidando qualquer possibilidade de ascensão social, além do mais, a cultura residual de fazendeiros rudes e empobrecidos, camponeses ligados à produção agro-pastoril e o comercio de produtos da terra e orgulhosos de suas origens só contribuiu para a decadência familiar. Também seus homônimos barbalhenses com maiores oportunidades acabaram não conseguindo adaptar-se aos novos tempos. Os primeiros, apesar de numerosos, lutam para encontrar sua identidade e seu lugar nessa nova sociedade, sendo cada vez mais excluídos pela incapacidade de valorizar o estudo e a obediência proletária. O outro clã optou pela extinção. A família Parente acabou se beneficiando do pioneirismo de Alexandre, já que alguns primos pobres buscaram seguir seu exemplo e conseguiram dominar boa parte do pequeno comércio local até a década de 1990, quando a globalização permitiu que empresas de outros lugares predominassem na cidade.
A cultura residual dos pioneiros foi uma das grandes desvantagens dos Aristides, que não são ainda hoje capazes de pensar e agir como os imigrantes europeus, em um processo no qual o sertão nordestino guarda em relação ao Sudeste as mesmas diferenças culturais existentes entre o Leste Europeu e a Europa Ocidental. Tanto aqui como na Europa do Leste, o capitalismo provocou relações de dominação que fortaleceram a aristocracia local em
detrimento do desenvolvimento de uma classe média burguesa. Do ponto de vista cultural, a resistência patriarcal e seus valores dificultaram o desenvolvimento econômico, da mesma forma que a região onde existia a antiga Alemanha Oriental após 20 anos de unificação ainda exibe dificuldades de alcançar o mesmo nível de desenvolvimento da parte ocidental. A origem pioneira dos Parentes parece ser verdadeira, embora eles neguem a miscigenação visível tanto no biótipo quanto na cultura do clã. Quanto à ancestralidade judaica (sefardita), os indícios comprovam uma influencia tanto deste grupo quanto dos mouros na cultura familiar, o que não significa dizer que eles tenham essa origem, dada a difusão desses elementos na cultura portuguesa da qual eles inegavelmente descendem.
Este trabalho espera ter convencido os leitores de que é possível fazer um estudo sócio-cultural significativo usando a história oral, sites não oficiais e um personagem comum, bem como a importância de conhecer e registrar a percepção social de um grupo ágrafo em uma abordagem mais literária. Esse modelo permite ainda conciliar a Nova História Cultural com as análises de autores marxistas, construindo um relato interessante sem deixar de lado a crítica dos problemas sociais.















V ? ANEXOS

5.1. Brasões


5.2. Fotografias





A casa da matriz. Natividades
Jovita F. Parente. Natividades


Alexandre da Cruz Parente






João da Cruz Parente Aristides da Cruz Parente Ana P. Filgueira






Sobrinhos do personagem

5.2. Internet

Barbalha
Ceará - CE
Histórico
Nascida em terrenos particulares, sob o signo de uma verdadeira prosperidade econômica, dentro da qual se desenvolveu uma sociedade laboriosa, afortunada e nobre. A cidade de Barbalha originou-se nas terras de Capitão Francisco Magalhães Barreto Sá, casado com D. Maria Polucena de Abreu Lima, sergipana, em Vila Nova, o qual, obtendo licença do visitador Manuel Antônio, dando-lhe o patrimônio de meia légua de terras e gados, cujo templo foi sagrado pelo padre André da Silva Brandão, Vigário de Missão Velha, aos 23 de dezembro de 1790, em obediência à provisão firmada por Dom Diogo de Jesus Jardim, Bispo de Pernambuco, datada de 6 de junho de 1778.
Francisco Magalhães Barreto e Sá, o consagrado fundador de Barbalha, descendia de Men de Sá, 3º Governador-Geral do Brasil, e era filho de alferes Antônio Pinheiro de Magalhães, falecido a 16 de setembro de 1751, em Milagres, em cuja capela foi sepultado, e de Inês de Sá Souto Maior.
Foi em redor da capela construída pelo citado fundador de Barbalha que surgiram as primeiras casas originando a formação do pequeno arraial que posteriormente foi elevado a freguesia pela Lei Provincial número 130, de 30 de agosto de 1838, tendo como primeiro viagário o Pe. Pedro José de Castro e Silva.

biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/dtbs/ceara/barbalha.pdf - Similares

O Arquivo Nacional e a História Luso-Brasileira
A Confederação do Equador
Cerco a Recife
Oficio de Manoel Carvalho Paes de Andrade, presidente da província de Pernambuco, a Tristão Gonçalves de Alencar Araripe, presidente da província do Ceará pedindo a aceleração de uma marcha que contenha maior numero possível de combatentes para enfrentar as tropas que vêm do Rio de Janeiro.
Conjunto documental: Confederação do Equador
Notação: caixa 742, pct. 01
Data-limite: 1808-1878
Titulo de fundo: Confederação do Equador
Código do fundo: 1N
Data do documento: 25 de agosto de 1824
Local: s.l.
Folhas(s): -
Em data de hoje escrevo de officio ao Exmo. Filgueiras [1] para acelerar sua marcha com o maior numero de gente que puder reunir, e mesmo agregar em caminho para acabarmos de uma vez com os escravos do Imperador novamente chegados do Rio de Janeiro em numero de mil e duzentos, segundo as informações mais verídicas, e até cartas do Rio de Janeiro. Temos em nosso bloqueio [2] a nau D. Pedro, e a seu bordo Lord Cochrane, o qual já me ofereceu artigos de capitulação [3], que não aceito pelos motivos que verá da Proclamação, e por que não sei capitular, só sei vencer, ou morrer.
Do impresso junto verá a concordata que fiz com o governo do Rio Grande do Norte, e parece-me muito a propozito fazer-se o mesmo entre este e esse governo, sendo do agrado de V.Ex.ª poder assinar dita concordata por parte deste governo o padre Luiz Carlos Coelho da Silva a esse fim autorizado nessa ocazião. A força daquella Província vai operar já sobre a Parahiba de acordo com as forças do centro da mesma Parahiba, que vão ser reunidas por [Belarmino] de Arruda Câmara, cujo irmão Major desta Província vai com elle: as forças que estavam ás ordens do Prezidente Temporário, tão bem se hão de reunir, e deste modo pretendo que em dias do próximo setembro fiquem concluídos os negócios da Parahiba, para mais dezafrontados entrarmos nas Alagoas, e sacudirmos para fora dos limites da Confederação [4], que he no Rio de São Francisco do Norte, aos frios escravos, que indignos pisam nosso solo.
Lord Cochrane tem-nos ameaçado com grande bombardeamento, o que muito tem assustado as mulheres e homens [cobardez] como ellas, deste Recife; porem eu nunca tive tanta coragem, e agora he que julgo a nossa cauza na crize da decisão a nosso favor. Tanto maior he o perigo, quanto mais glorioza hé a victoria. Conte V. Exª com a minha Constancia, assim como eu conto com a firmeza de V. Ex.ª, e cooperação do Exmo. Filgueiras.
Deos Guarde a V. Exª [ms.] [as.] Secretaria do governo de Pernambuco 25 de Agosto de 1824./
Ill mo e Exmo Snr. Tristão Gonçalves de Alencar Araripe [5], Prezidente do governo da Província do Ceará. Manoel de Carvalho Paes de Andrade [6]

[1] José Pereira Filgueiras nasceu na Bahia, em 1758. Proprietário de terras, chegou a ser capitão-mor do Crato, no Ceará, durante a revolução pernambucana de 1817. Sob seu comando, a rebelião foi debelada, tendo seus líderes (nomes como Tristão de Alencar, e sua mãe Bárbara de Alencar) presos e remetidos para Fortaleza. Foi feito comandante em chefe das forças expedicionárias por D. Pedro I. Porém, devido a insatisfações para com promessas não cumpridas pelo Imperador, Filgueiras mandou uma circular às câmaras da província, em termos pouco respeitosos para com a Majestade Imperial, e, retirou-se para Fortaleza, fazendo várias prisões, depondo o Presidente e anexando o Ceará à Confederação do Equador, proclamada em Pernambuco. Ao lado de Tristão Araripe (presidente), tornou-se o Governador das armas, no Ceará. Foi preso em novembro de 1824, durante a repressão ao movimento, pelas tropas imperiais, e morreria de febre palustre a caminho do Rio de Janeiro.
[2] No ano de 1824, o Recife foi bloqueado 2 vezes: o primeiro começou em fins de março, com a chegada de uma divisão composta pelas fragatas Niterói e Piranga. Sob comando de John Taylor, seu objetivo era garantir a nomeação de Francisco Paes Barreto, realizada por d. Pedro I e rejeitada pelo senado e pelas câmaras municipais de Pernambuco. A sua chegada, o comandante Taylor apresentou a proclamação do imperador, exigindo o cumprimento das suas ordens, ao que o senado resistiu. Incicialmente, alegando que aguardavam uma resposta definitiva do imperador, já que haviam pouco antes enviado uma representação ao Rio de Janeiro com o intuito de esclarecer e rogar ao imperador a compreensão e aceitação dos pontos de vista constitucionalistas dos pernambucanos. A reação de Taylor foi que se convocasse uma reunião do Grande Conselho para deliberar sobre a questão. Os mais de 300 membros do conselho, cientes que o objetivo da divisão naval enviada era impor o nome de Paes Barreto em substituição ao de Paes de Andrade, decidiram manter sua decisão, rejeitar o presidente escolhido pelo imperador e enviar outra representação ao Rio de Janeiro. O capitão John Taylor, então, decidiu decretar o bloqueio do porto do Recife, ao que Paes de Andrade respondeu determinando a prisão dos emissários de Taylor que se encontrassem em terra.
Em 11 de junho de 1824, depois de rejeitar mais um presidente - Carlos Mayrink - e de recusarem-se a jurar o projeto de constituição "apresentado" pelo imperador, as câmaras de Pernambuco receberam a notícia da suspensão do bloqueio, que pois na corte receava-se um ataque de forças portuguesas ao Rio de Janeiro e por isso, d. Pedro determinava o retorno de todas as embarcações a esta cidade. Suspenso o bloqueio em primeiro de julho, deixados à propria sorte em caso de invasão portuguesa, os pernambucanos recebem a proclamação da Confederação do Equador em 02 de julho de 1824.
Com a continuação da revolta e a não-concretização da invasão do Rio de Janeiro pelos portugueses, uma nova esquadra é enviada ao Recife, desta vez sob o comando de Cochrane, que encontrou a revolta já disseminada por várias províncias do norte. Esta força naval partiu do Rio de Janeiro, e contava com a nau d. Pedro I, a corveta Carioca, o brigue Maranhão, e os navios Harmonia e Caridade. As tropas terrestres do general Francisco Lima e Silva, compostas por 1.200 homens, encontravam-se também embarcadas. Elas foram levadas para Jaraguá em meados de agosto, enquanto a esquadra seguia para o Recife, onde aportaria em 18 de agosto. Diante da recusa à rendição, a cidade é bombardeada pela primeira vez. Parte da esquadra segue para o Ceará, e em outubro Cochrane estaria em Fortaleza debelando a rebelião cearense. Este último bloqueio, e a atuação das tropas de Lima e Silva acabariam na invasão do Recife e derrocada do movimento.
[3]Os rebeldes que levaram a cabo o movimento pela Confederação do Equador jamais capitularam de forma integral: a medida que as forças do "exército cooperador da boa ordem" avançava, algumas facções das forças confederadas capitulavam, e outras seguiam em marcha pelo interior de Pernambuco. Assim que chegou ao Recife, Cochrane emitiu várias proclamações, que resultaram em um ultimato aos rebeldes, dando-lhes até o dia 28 de agosto para se entregar. As negociações, mediadas pela pintora e preceptora da família real Maria Graham, mostraram-se infrutíferas, pois os confederados se mostravam irredutíveis a qualquer rendição sem que se incluísse imediata convocação de uma assembléia constituinte.
Depois do massacre de uma parte das forças rebeldes no Recife, em inícios de setembro, as tropas e lideranças restantes se refugiam em Olinda. Lima e Silva tenta forçar sua rendição incondicional, que acarretaria a execução sumária para as lideranças, e possivelmente para muitos outros oficiais também. Poucos aceitam, e a maioria prefere continuar a luta no interior. Meses depois, após um período de sérias privações e seguidas derrotas, a última coluna a resistir rende-se às tropas de Lamenha - ele mesmo, aliás, um desertor da Confederação - que apresentara termos de rendição benevolentes que jamais iriam se cumprir.
[4] Refere-se aos limites estabelecidos pelo estado a ser criado pelo movimento, reunindo as províncias do norte e quaisque outras que a elas se quisessem unir no futuro. Assim também ficou conhecido o movimento revolucionário republicano, iniciado no estado de Pernambuco, a 2 de julho de 1824, segundo a proclamação de Manuel de carvalho Paes de Andrade. O movimento se alastrou pelo nordeste do país, e tem ligações com as idéias liberais do século XVIII, com a Revolução Pernambucana de 1817, e representou a principal reação contra a tendência absolutista e a política centralizadora do governo de d. Pedro I, esboçadas na dissolução da Assembléia Constituinte de 1823 e, sobretudo, na Carta Outorgada de 1824, a primeira Constituição do país. A mesma evidenciava uma preocupação com a região sudeste brasileira, especialmente o Rio de Janeiro (sua capital à época), em detrimento das demais regiões do Brasil, além de ter no "Poder Moderador" um elemento que evidenciava as tendências absolutistas do Imperador.
A Confederação buscava uma independência dos estados do nordeste brasileiro e a formação de uma confederação a exemplo dos Estados Unidos da América. D. Pedro I era declarado traidor, já que seus propósitos seriam o de entregar o Brasil nas mãos dos portugueses. Ao mesmo tempo, eram convocadas todas as províncias do norte a ignorar a autoridade imperial, e reunirem-se num Estado federativo republicano independente, sob a presidência de Pernambuco, e que ficaria conhecido como Confederação do Equador.
O Ceará foi, depois de Pernambuco, o estado que mais ativamente tomou partido na rebelião. Entre seus líderes, Tristão Gonçalves de Alencar Araripe e José Pereira Filgueiras. Várias cidades cearenses como Crato, Icó e Quixeramobim (antes Vila de Campo Maior) aliaram-se aos confederados pernambucanos, demonstrando suas insatisfações para com o governo imperial. Após confrontos com o governo provisório controlado pelo Imperador, foi estabelecida a República do Ceará, em 26 de agosto de 1824, tendo Tristão Alencar como presidente do Conselho que governaria a província. A forte repressão das forças imperiais, todavia, rapidamente derrotaram o movimento rebelde. As execuções das lideranças puseram fim ao movimento, cujo lema era "Religião, Independência, União e Liberdade", e custaram a Província de Pernambuco a perda de parte de seu território (a antiga comarca de Rio São Francisco), incorporada à província da Bahia. O movimento deixou também um rastro de rivalidades mortais, estagnação econômica e confrontos políticos por toda a região.
[5]Tristão Gonçalves de Alencar Araripe nasceu no Crato, em 1789, filho de Bárbara de Alencar, revolucionária de 1817 e da Confederação do Equador, (além de ter sido a primeira prisioneira política do Brasil, por sua participação em 1817). Ao lado da mãe, do irmão José Martiniano de Alencar, e do tio Leonel Pereira de Alencar, participou da Revolução Pernambucana de 1817, e na tentativa de revolucionar terras cearenses, no que seria chamado de República do Crato. Contudo, não houve êxito. Os revolucionários foram presos pelo capitão-mor José Pereira Filgueiras e enviados para presídios em Fortaleza.
Quando da sua liberdade, e da eclosão da Confederação no Crato, aderiu ao movimento, tornando-se uma de suas figuras mais representativas. Tanto que em 26 de agosto de 1824, foi proclamado pelos rebeldes republicanos como presidente da Província do Ceará, destituindo-se, assim, do cargo o Tenente Coronel Pedro José da Costa Barros. Ao seu lado, José Pereira Filgueiras figurava como comandante das armas, velho comandante militar, outrora seu inimigo político mas com quem, lutando pela mesma causa em 24, formaria uma dupla de irresistível poder político.
Em outubro de 1824, em meio ao massacre promovido pelas forças imperiais, Tristão Gonçalves foi morto pelas tropas do capitão-mor das fronteiras, Antônio de Amorim, no município de Jaguaretema, interior do Ceará.
[6]O político brasileiro Manuel de Carvalho Paes de Andrade nasceu em Pernambuco, nos anos 1770. Quando jovem, passou uma temporada em Portugal e, de volta a Pernambuco, dedicou-se ao comércio. Esteve presente na Revolução Pernambucana de 1817 e, com a derrota do movimento, refugiou-se nos Estados Unidos, temendo a retaliação das autoridades. Após a anistia, em 1821, retorna ao Brasil, e ocupa o cargo de Intendente da Marinha. Foi eleito presidente da província de Pernambuco, provisoriamente, em 13 de dezembro de 1823, após a renúncia de Francisco Pais Barreto. Em 8 de janeiro de 1824, foi confirmado presidente pelos eleitores pernambucanos, contrariando as ordens do governo imperial, que indicara Francisco Pais Barreto para a presidência. Manoel de Carvalho foi o responsável pela proclamação da Confederação das Províncias Unidas do Equador, em 2 de julho de 1824. Malogrado o movimento, desloca-se para a Inglaterra, onde vive por volta de sete anos. Já de volta ao Brasil, foi eleito senador pela Província da Paraíba, e em 1834, foi novamente presidente da província de Pernambuco, além de deputado geral e senador do Império do Brasil, entre 1831 e 1855. Faleceu no Rio de Janeiro, em 1855.

www.historiacolonial.arquivonacional.gov.br/.../start.htm?...


José Pereira Filgueiras
(1758-1824)

JOSÉ PEREIRA FILGUEIRAS, nascido na Bahia em 1758 foi Capitão-Mór do Crato no Ceará. Durante a revolta de 1817, fez contra-revolução, armou os povos, reconduziu todos os movimentos liberais que agitaram o Norte do País, que reconduziu e prendeu os conspiradores. Em 1822, ante a agitação que se desenhava no Crato, entre "Corcundas e Patriotas". FILGUEIRAS, fez cumprir ali o Decreto Imperial, que dividiu o Brasil em províncias.

O Imperador fez dele comandante em chefe das forças expedicionárias. Vendo, porém que D. Pedro não cumpriu as promessas que havia feito, mandou uma circular às câmaras da província, em termos pouco respeitosos para com a Majestade Imperial, e, retirando-se para Fortaleza, fazendo várias prisões depondo o Presidente e anexando o Ceará à Confederação do Equador, proclamada em Pernambuco.
FILGUEIRAS, era um bravo general, mas, seu exército não passava de um bando armado, sem melhor organização. Teve seu pesar, para manter as tropas, de permitir o saque. Procurou no entanto dar aspecto legal à pilhagem, processando as apreensões e levando-as a débito da receita pública.
Nas suas lutas constantes foi vencido e preso a 2 de novembro de 1824, na fazenda do Juiz, cercado, sem víveres e vendo seu exército dispersado, rendeu-se ao Major Bento José Lemenha Lins, mas, conseguiu fugir. Perseguido pelos Dragões Imperiais deles se libertou nas proximidades de São Romão, na Bahia, tendo subido o Rio São Francisco até as proximidades da Fazenda Perdigão, que ele fundou e que até hoje é próspera do oeste mineiro.
Foi avô de Antônio Alves Filgueiras que aqui deixou enorme descendência, e tio de José Caetano, renomado escritor e poeta brasileiro, autor de várias obras de direito.
www.amweb.com.br/filgueiras/jose_pereira_filgueiras.html


VI ? REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

6.1. Livros

ANDRADE, Manoel Correia de. A terra e o homem do Nordeste: contribuição ao estudo da questão agrária do Nordeste. 7 ed. São Paulo: Cortez, 2004.
BURKE, Peter. O que é a história cultural? Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.
CONRAD, Joseph. O coração das trevas. São Paulo: Martins, 2007.
ELIADE, Mircea. El mito del Eterno Retorno. Buenos Aires: Emecé. 2001.
__________________. O Sagrado e o Profano. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Livros técnicos e científicos, 1989.
GUINZBURG, Carlo. Mitos, Emblemas, Sinais: Morfologia e História. São Paulo: Companhia de Letras, 2003.
_________________. O queijo e os vermes. São Paulo: Cia de Letras, 1986.
HOBSBAWM, Eric J. A Era dos Extremos (1914-1991). São Paulo: Companhia de Letras, 2004.
_________________. A Era dos Impérios (1875-1914). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
KAYSERLING, Meyer. "História dos Judeus em Portugal". Pioneira, 1971.
LARAYA, Roque Barros. Cultura um conceito antropológico. 11 ed. Rio de Janeiro: Zahar editor, 1997.
MEGGERS, Betty J. A América Pré-Histórica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
MELO, Evaldo Cabral de. Rubro Veio: o imaginário da restauração pernambucana. 2ª ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997.
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____________________. Formação do Brasil Contemporâneo, São Paulo: Brasiliense, 1986.
SAHLINS, Marshall. História e Cultura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
SANTOS, Clóvis Roberto. Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) ? Guia de elaboração passo a passo. São Paulo: Cengage Learnig, 2009.

SILVA JÚNIOR, Waldemar A. O coronelismo em Salgueiro: Uma análise da trajetória política do coronel Veremundo Soares (1920-1945). Recife: Bagaço, 2008.
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. 2ª ed. Pioneira, s/d.

6.2. Periódicos

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ROCHA, Elaine P. O racismo refletido na literatura brasileira e sul-africana entre 1909 e 1953. XII Encontro de História Anpuh-Rio. 2008.

6.3. Artigos

MARTIN, Jesús Martinez. História Sócio-Cultural: El tiempo de la história in la cultura. 2007. Universidade Complutense de Madrid.
MENESES, Paulo Marcio Leal de e SANTOS, João Barreto dos. Geonímia do Brasil: Pesquisa, reflexão e aspectos relevantes. 2006. Universidade Federal do Rio de Janeiro.

6.4. Internet

ALMEIDA, Djanira Sá. Família Alencar. WebArtigos.com. www.webartigosos.com Acessado em 20/10/2010.
__________________. Família Sampaio. WebArtigos.com. www.webartigosos.com Acessado em 20/10/2010.
___________________. Família Sá. WebArtigos.com. www.webartigosos.com Acessado em 20/10/2010.
FILGUEIRA, Marcos. Ascendência pela família Filgueira. www.marcosfilgueira.wikidot.com acessado em 15/10/2010.
GUIMARÃES, Marcelo Miranda de. A restauração dos B´nei Anusim (Filhos Forçados). www.anusim.org.br Acessado em 20/10/2010.
PEREIRA, Maria. A maior tragédia do sertão cearense. www.mariapereiraweb.net Acessado em 15/10/2010.


Autor: João Paulo Filgueiras


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