Corinha



Corinha

Autor: Eduardo Silveira



A rua toda estava em festa, com a passagem do ano novo. Homens, mulheres e crianças se atropelavam, esbarravam-se uns nos outros, alguns fingiam estarem bêbados, só para poderem se "encochar" nas mulheres.
A casa de Dona Corina era o centro da festança.
Isso porque, naquela noite, seria realizado o casamento de sua filha Corinha , menina nova,"cheia" de dotes físicos, e pela qual o coronel Ardovino Catão, o noivo, fazendeiro muito rico e respeitado na região de Catuapé, tanto se encantara.
O som da vitrola era ensurdecedor. Os rapazes rebolavam pra lá e pra cá ao som da música, com as não menos rebolativas e roliças moças. Cada um querendo atrair mais atenção que o outro na festa. Coronel Ardovino, não disfarçava os olhares indecentes e insinuantes sobre Corinha. Onde quer que ela fosse, lá estava ele de olhos pregados em todo o seu corpo, tentando adivinhar as "delícias" que estavam por vir.
Corinha era o " prato do dia" das comadres...Era um disse me disse sem fim.
Algumas mais discretas comentavam:
- "É, casando com um homem rico desses, ela nunca mais vai ter problemas na vida".
Outras mais despeitadas alfinetavam:
" Esse é que é o verdadeiro "golpe do baú".
E outras , mais maldosas, envenenavam: - Tão novinha e dizem que já não é mais virgem".
E riam, com as bocas desdentadas e cheias de comida, até não mais poder.
A noite já ia alta. Dona Corina não media esforços para agradar ao genro coronel.
O senhor aceita um bolinho de aipim? Uma cervejinha? Pode pedir, viu? Não se acanhe, dotô. E arrematava:
- Corinha, minha filha, traz um pedaço de torta pro coronel. E, lá vinha Corinha com o quitute pedido, estampando no rostinho de menina e no corpo de mulher, uma mistura de sedução, encantamento, charme e magia, que ela distribuía, sem o menor pudor, por onde passava. E isso, fazia o coronel babar mais que um boi velho.
As horas passavam... Eis que finalmente chegou o grande momento. Fez-se um silêncio de morte, quando o coronel pediu a palavra.
- Senhoras e senhores aqui presentes...- Disse ele e continuou: - Eu, coronel Ardovino Catão...E começou a desfiar um discurso que ele havia ensaiado, várias vezes, em frente ao espelho, seguindo os ensinamentos do seu advogado doutor Clemente.
Ao final do discurso, as comadres suspiravam, as moças estavam vermelhas, de tanta vontade de rir por causa das palavras pronunciadas erradas, e os rapazes, nem se fala.
Após o término da cerimônia, Corinha, que olhava admirada, a bela aliança de ouro cravejada de diamantes que adornava sua mão, começou a rir. Mas não era um riso de nervoso ou coisa assim não. Era um riso quase histérico e que se transformou numa sonora gargalhada. O coronel se espantou e perguntou-lhe: - O que é isso, Corinha? O que aconteceu?
- Nada. Nada. ? Respondeu ela com os olhos cheios de lágrimas de tanto rir. E continuou: - É que eu estou feliz, amor. Felicíssima.
O Coronel passando os dedos em seu bigode, riu também, mostrando toda "beleza" de seus dentes amarelecidos pela nicotina dos grossos charutos fedorentos que fumava. E puxando-a para si, abraçou-a e beijou-lhe as faces, que se retorceram de nojo, tão descaradamente, que se ele não estivesse tão cego de amor e desejo, teria percebido.
Finalmente, Corinha agora, era a " senhora Ardovino Catão", dona de uma imensa fortuna, que certamente, quando o velho morresse, seria só dela.
Aliás, diga-se de passagem, a fortuna, seria dela e de Clodomiro, capataz da fazenda, seu primeiro e único amor e, por sinal, também pai do filho que, disfarçada e sigilosamente, ela estava esperando...
Bom, mas isso, ninguém precisava saber...



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Autor: Eduardo Silveira


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