ESTEREOTIPIA DE CORPOS E DESENHOS ANIMADOS DOS ANOS 80-90



Através deste estudo objetivou-se analisar seis desenhos animados veiculados durante os anos 80-90, a fim de perceber se a estereotipia de corpos estabelecida em suas personagens interferiu de alguma maneira sobre a formação da imagem corporal de seus telespectadores. Assim sendo, o estudo desenvolveu-se a partir de consistente revisão de literatura, bem como primou pela descrição das imagens das referidas personagens, atribuindo-lhes significados. Nesse ínterim, o estudo buscou responder aos seguintes questionamentos: a imagem corporal das personagens dos desenhos animados selecionados (He-Man, She-Ra, A Caverna do Dragão, Thundercats, Super-Amigos e Popeye), de alguma forma, interferiu na formação da imagem corporal dos seus telespectadores? Quais características compunham a estereotipia corporal das personagens analisadas?
Na tentativa de estabelecer um diálogo com os autores disponíveis acerca dessa temática, compreende-se que a relação das crianças com a televisão através dos desenhos animados constitui-se em mais um espaço para o desabrochar do lúdico, o qual é essencial à formação educativa da criança, pois nos desenhos animados o caráter de "brincadeira traz um tipo de enriquecimento para a criança. Ela aprende a ter auto-estima, a lidar com sentimentos como a frustração, o medo e a manutenção da esperança" (MARTINS, 2008). Isto servirá para as interações, descobertas e investigações infantis que a televisão, como uma das maiores fontes modernas de informação, permite mais democraticamente alcançar, e servirá também, através do caráter lúdico do desenho animado para que a criança elabore as angústias de perda, de morte, de solidão quando ingressa no mundo da fantasia, ressignificando-as conforme o estágio de sua evolução o permita.
Os temas trabalhados pelos desenhos animados ? principalmente os que incluem super-heróis, como os escolhidos para este estudo ? reproduzem temores ? solidão, angústia, fracasso, perdas, morte ? , bem como virtudes de autonomia, liberdade, independência, força e poder, segurança, amizade que, quando exageradamente aceitas pelas crianças podem se transformar em problemas psicológicos. Tais sentimentos fazem parte do imaginário infantil de todos os tempos, permitindo a intervenção no real e trânsito pelo imaginário e propiciando a inserção reflexiva da criança naquilo que a vida social aponta como comportamento aceitável, ou não...; e mais: as personagens dos desenhos animados reproduzem comportamentos arquetípicos similares aos que em tempos anteriores, quando não se tinha a TV como recurso visual, ou quando se reforçava o hábito da leitura infantil, eram apresentados nas personagens impressas dos contos maravilhosos (ou contos de fadas) que, embora com menor frequência do que em tempos antigos, ainda constituem marco considerável do universo infantil.
Muito além de confundir ficção e realidade, o desenho animado auxilia a criança no desenvolvimento intelectual e emocional, seja de forma positiva ou negativa. Há que se considerar também as influências que os desenhos animados exercem sobre a constituição da imagem corporal das crianças ? principal foco deste estudo ?, incitando à valorização de estereótipos corporais em detrimento de outros e, consequentemente, veiculando a ideologia do corpo forte, belo, "perfeito". Nesse caminho, considere-se imagem corporal conforme a definem Turtelli, Tavares e Duarte (2002, p. 153):
como uma entidade em constante autoconstrução e autodestruição, em constante mudança, crescimento e desenvolvimento. Fazem parte dessa construção processos conscientes e inconscientes, não é apenas uma construção cognitiva. Ela envolve sensações que nos são dadas tanto da parte externa do corpo, quanto da parte interna, das entranhas, dos músculos e seus invólucros. Envolve também nossas experiências, nossa memória, assim como nossas intenções, aspirações e tendências. Nossa relação com o meio e com as imagens corporais dos outros, assim como as atitudes dos outros com seus próprios corpos e com relação a nós.

Nesse sentido, muito se tem discutido entre os setores acadêmicos ou da imprensa a atribuição à televisão de uma ascendência ditatorial sobre as crianças, acabando por vilanizá-la ao ressaltarem sua nocividade sobre as mesmas, quando as torna vulneráveis ao consumo, aos conteúdos violentos, a uma formação ? estética, emocional e sexual ? mais precoce, na medida em que incorporam as atitudes de determinadas personagens, as quais, muitas vezes, reproduzem o sistema social de hegemonia, ideologicamente transmitido através dos desenhos. Souza e Cardoso (2008, p. 3-4), neste contexto, declaram que as crianças não somente assistem e memorizam os desenhos animados; antes, "elas fazem destes desenhos e seriados, parte de seus universos lúdicos, usufruindo de imagens vistas na TV, para se colocarem no lugar dos personagens, e geralmente se colocam no lugar daquele personagem que mais lhe chamam atenção." Estes autores reforçam que "a grande maioria das crianças consomem produtos vistos na TV, demonstrando a influência da mídia na questão do consumo", seja sobre suas brincadeiras, vestuário e brinquedos. Na sala de professores, nas conversas informais, em algumas pesquisas, é comum se ouvir comentários a respeito dos efeitos maléficos que a TV e a programação infantil exercem sobre a criança de um modo geral. Se a conversa for aprofundada, chega-se a ouvir que parte da indisciplina e de atitudes inadequadas das crianças são atribuídas às imagens e às mensagens que os meios de comunicação de massa, em especial a TV, e à violência transmitida pelos desenhos infantis, provocam. Senso comum, reprodução viciada de um discurso difundido por estudos que enfocam apenas um lado do problema. De acordo com Maria Ignês Carlos Magno (2003, p. 105),

A verdade é que se desconhece ou não se percebe ainda que é possível fazer dos meios e das mensagens veiculadas aliados no processo educativo que, como já bem se sabe, vai além do espaço da sala de aula e dos conteúdos organizados pelos livros didáticos. Isto, porém, quando se é dado o devido tratamento a essa influência midiática.
Embora exista toda essa relação ambígua acerca da influência que os desenhos animados exercem sobre a formação das crianças, este artigo discute, de modo mais específico, quais os indicativos corporais que os mesmos exaltavam e que podem ter contribuído, entre as crianças das décadas de 80 e 90 do Século XX ? portanto, os adultos de hoje ?, para a valorização e manutenção do padrão de beleza contemporaneamente vendido. Por isso mesmo, entre os diversos aspectos que envolvem a infância na sociedade contemporânea, um dos que mais têm preocupado pais e educadores, nos últimos anos, diz respeito à produção cultural destinada às crianças, na qual merecem destaque os desenhos animados.
A globalização cria nas pessoas ? e logicamente também nas crianças ? diferentes necessidades, e isso leva ao consumismo ao mesmo tempo em que se projeta uma imagem de criança distante da realidade da maioria da população infantil do país, pois a sociedade de consumo se apropria da imagem da criança para propagar a venda de determinados produtos ou serviços, criando modelos de crianças felizes, bonitas e inteligentes, utilizando-se, logo, desta imagem como se todas as crianças tivessem condições de adquirir seus produtos, como se estivessem imersas no "mundo da liberdade" e não no "mundo da necessidade". É justamente neste ponto que emerge a noção de estereotipia, uma vez que "os estereótipos têm como função formar e orientar, tanto a comunicação como os comportamentos" (BAPTISTA, 1996, p.4). Dessa forma, a indústria do consumo se apropria do fascínio, da fantasia e do mistério próprio das crianças, o que traz subjacente e, de forma transfigurada, a lógica da mercadoria nos desenhos animados, heróis e personagens veiculados na "telinha", a fim de comercializar também o ideário de corpo perfeito e forte. Ratificando este pensamento, Goldberg,Yunes e Freitas (2005) ressalvam:
Estamos vivendo um período de transição e mudança de valores, mas não podemos deixar de analisar que valores estão emergindo dessa nova sociedade pós-moderna: a descartabilidade? A apatia? A desigualdade? A arrogância?

A indústria cultural vem criando um ambiente em que as atividades próprias da infância estão mudando radicalmente, o que, por conseguinte, provoca mudanças no desenvolvimento infantil sob a influência arrebatadora da expansão capitalista. Com isso, aquilo que era vital para as crianças foi sendo pouco a pouco tomado, como: o quintal, as ruas, as praças e os demais espaços para a convivência lúdica, ocorrendo um refluxo do espaço público para dentro do espaço doméstico, onde os brinquedos e a televisão passaram a ser os grandes companheiros das crianças. Como conseqüência direta, delineou-se uma certa padronização dos gostos das crianças, das suas preferências e necessidades, posto que assistiam às mesmas programações. "Sem conhecer as crianças reais, suas práticas culturais, seus contextos sociais, os autores de materiais infantis contribuem para a naturalização de estereótipos" (DIONÍSIO, 2006, p.8). Com isso, não é difícil supor que a compreensão que desenvolveram acerca do próprio corpo também fosse estereotipada, "uma vez que os estereótipos se formam frequentemente a partir de uma mistura distorcida de impressões inadequadas sobre os outros, percepções incompletas ou defeituosas, grandes generalizações que ignoram diferenças internas" (BAPTISTA, 1996, p.5). Observa-se, nesse contexto, a existência de uma ambigüidade no que se refere à influência da Indústria Cultural na formação da personalidade das crianças, a qual é comumente permeada por estereotipias, dentre as quais se destaca aquela relacionada à imagem corporal, isto é, referente ao modo como os indivíduos vêem, pensam e sentem seus próprios corpos. Por um lado, considera-se que esse processo está muito presente na vida dos pequenos, transmitindo valores, modos de ser e de se relacionar com o mundo, posto que

quer se trate de categorizações apenas exageradas e simplificadoras da realidade, quer elas sejam erróneas e completamente falsas, os estereótipos adquirem um enorme grau de estabilidade no tempo e um alto nível de convencionalidade social, que os torna dificilmente alteráveis, mesmo quando os actores sociais que os detêm dispõem de ulteriores informações que invalidam o seu conteúdo (BAPTISTA, 1996, p. 6).
Nesse sentido, considera-se que os desenhos animados, através do diálogo que suas personagens exercem com os pequenos espectadores, influenciam diretamente na valorização e manutenção do ideal de beleza comercializado, ressaltando o biótipo magro, forte e alto como sendo mais privilegiado em detrimento das outras possibilidades corporais. A supracitada autora destaca, ainda, que os estereótipos são largamente contemplados pela indústria cultural porque atendem ao apelo econômico requerido pela ideologia capitalista.

Assim, enquanto elementos de comunicação os estereótipos são econômicos, pois permitem processar rapidamente a informação social e, tal como qualquer outra representação social, transformar as avaliações em descrições e as descrições em explicações. O estereótipo pode mesmo definir-se como «uma espécie de esquema perceptivo associado a certas categorias de pessoas ou objectos, cristalizados em torno de uma palavra que os designa, intervindo automaticamente a representação e caracterização dos especímenes dessas categorias» (Maisonneuve, J., 1971:110) Desta forma, a própria linguagem sinaliza e transporta os estereótipos, influenciando decisivamente os processos de comunicação entre indivíduos e entre grupos (BAPTISTA, 1996, p. 9). Grifos do autor.
Por outro lado, as crianças não se constituem em "vasos vazios de vidro" ou em "folhas de papel em branco", onde se podem inscrever ideologias, gostos, práticas sociais, fantasias e criatividades: a programação da televisão fornece um amplo repertório de informações que são assimiladas pelas crianças, mas que também são reproduzidas e ressignificadas através de sua conduta, seja durante as brincadeiras, seja no convívio com as outras pessoas. E essa tomada do real, ou seja, do que é próprio e característico da criança, tenta-se compensar com o simbólico ? papel imediatamente assumido pelos desenhos animados. Portanto,
Assim como brincadeiras, brinquedos, músicas e vestimentas, os desenhos animados são utilizados pelas crianças para brincarem, aprenderem, comunicarem-se e estabelecerem relações intra e interpessoais durante o processo de construção da própria identidade (VAROTTO e SILVA 2004, p. 188).

O desenho animado é, portanto, um importante meio de comunicação e representação simbólica da criança, pois a partir dele a criança expressa e reflete suas idéias, sentimentos, percepções e descobertas, inclusive as corporais. Para a criança, o desenho animado tem um papel fundamental na sua formação, se bem orientado pelos pais e professores, pois é sua forma de ver o mundo e de experimentar novas realidades. Nele estão muitos de seus medos, de suas vontades, de suas carências e de suas realizações.

A dificuldade da criança em delimitar o real e a fantasia proporciona uma confusão em seu imaginário, onde realidade e o que é visto na televisão ocupam um mesmo espaço separado por uma linha tênue. É próprio da criança imitar o que vê e a realidade que a cerca, se a fantasia exibida na TV faz parte daquilo que a criança conhece por realidade, logo ela passa a imitar também o que assiste (GOLDBERG, YUNES e FREITAS, 2005).

O desenvolvimento do potencial criativo na criança, seja qual for o tipo de atividade em que ela se expresse, é essencial ao ciclo inato de crescimento. É então fundamental preencher o imaginário das crianças com imagens cotidianas recheadas de significados poéticos, possibilitando um contato mais sensível com os ambientes em que elas vivem ? natural ou construído ? através dos sentidos, como a audição e a visão, partindo de um autoconhecimento para o conhecimento do outro.

O desenho animado enquanto "fábrica de imagens" conjuga elementos oriundos do domínio da observação sensível do real e da capacidade de imaginar e projetar, vontades de significar. O desenho configura um campo minado de possibilidades, confrontando o real, o percebido e o imaginário. A observação, a memória e a imaginação são as personagens que flagram essa zona de incerteza: o território entre o visível e o invisível (GOLDBERG,YUNES E FREITAS, 2005).


No que se refere a essas vontades de significar de que falam os autores referenciados acima, Lucimar Bello Pereira Frange (s/d) esclarece que a significação se dá pela construção do sentido, e que

O sentido emerge de uma copresença, exige uma reciprocidade, o ajustamento, o contato, o sentido se constrói numa teoria das ações, os estados são não fusionais, mas relacionais. O contágio é o procedimento. A presença é o sentido (FRANGE, s/d, p. 113).

Ana Lúcia Boynard (2002, p. 283) também alerta que assim como os contos de fada, os desenhos animados da TV devem ser considerados como instrumentos de enorme importância na formação moral:

Primeiro por facilitar o desenvolvimento da personalidade e estimular um canal sadio na resolução dos problemas cotidianos. Depois, como forma de avaliação e análise dos conteúdos que transmitem. Em seguida, por obrigar a formação de novos modos de compreender. Tudo isto, através da identificação com personagens de desenhos, seus comportamentos, características emblemáticas, mesmo que simplistas de bom e mau, certo e errado, mal e bem. Esta dicotomia, repetida exaustivamente, episódio após episódio, não é enfadonha para crianças de faixa de 04 a 08 anos. Antes, são reconfortantes e predominantemente prazerosas.


E isto se verifica no dia-a-dia das crianças, posto que discutem entre si, na escola, sobre os episódios assistidos ou sobre seus personagens preferidos; argumentam com os pais pela busca do conhecimento necessário para a compra de mais uma coisa qualquer que traga a marca do herói preferido; dançam os temas de cada série, às vezes sozinhas, em frente ao aparelho; ou mesmo registram situações sendo capazes de usá-las em analogia, o que instaura um verdadeiro processo receptivo que não se esgota no momento em que se assistem à televisão.

A fim de perceber as implicações sócio-educativas que os desenhos animados e a estereotipia de corpos exercem sobre a infância dos anos 80-90, geração que constitui a fase adulta hodierna, foram considerados os seguintes desenhos animados: Popeye, Super-Amigos, A Caverna do Dragão, He-Man, She-Ra e Thundercats. A escolha desses desenhos se deu por terem sido verdadeiros ícones da época e porque ilustram bem a temática deste estudo, apresentando super-heróis como protagonistas, quase todos sempre "belos, fortes, musculosos, ágeis, vivos (...) corajosos, audaciosos (...) com espírito de iniciativa, tenazes, honestos, modestos" (FUSARI, 1985, p. 56).
Analisando um desenho de cada vez, pretende-se considerar as características físicas e morais das personagens. Iniciando, aleatoriamente, pelo He-Man, verifica-se forte apelo fitness: as personagens masculinas (incluindo os vilões) são todas muito fortes, com musculatura bem definida, e altas. Em maioria, a tez é branca, com cabelos claros, lisos e longos. Também as figuras femininas apresentam força peculiar, mas com uma graciosidade e doçura que lhes mantêm os traços de feminilidade. Seus corpos mantêm medidas consideradas perfeitas atualmente, com peitos e nádegas bem desenvolvidos e cintura reduzida ? uma espécie de prenúncio da moda das lipoaspirações e enxertos de silicone, hábitos hoje tidos como comuns entre as mulheres. Tal pensamento é consonante com o de Nyuara Mesquita e Márlon Soares (2008), ao assegurarem que "a informação televisiva veio acentuar os traços do hedonismo contemporâneo dos desejos individuais da cultura do corpo, do prazer, da ilimitada promoção da subjetividade."
Cada episódio do He-Man apresenta um capítulo da eterna batalha entre o bem e o mal, procurando mostrar que o bem sempre vence: este é "o esquema ideológico sustentado pela sua estrutura narrativa" (MIRANDA, 1971, p. 41). Acontece que, durante as histórias, as personagens malvadas, que são tão fortes, hábeis e inteligentes quanto as bondosas, conseguem se sair muito bem de certas situações. E isso também é registrado pelas crianças!
De um modo ou de outro, mocinhos ou vilões do He-Man buscam ter corpos "sarados" , bem malhados e "turbinados" para conseguirem se manter no Reino de Etéria, onde, pelo visto, não há gordinhos, nem negros, nem baixinhos... Com este estereótipo veiculado, as crianças começavam a desejar que seus corpos fossem como os das personagens. Seria por esse motivo que as clínicas de estética hoje ficam tão cheias?!
Os desenhos animados podem promover uma abordagem discursiva sobre estereótipos e representação do real. Rocco (1999) propõe, ao analisar a linguagem televisiva, que, "uma vez trabalhada a ludicidade que recobre o discurso desses textos, pode-se partir para o contraponto do questionamento da mensagem que é passada, iniciando um processo de crítica às figuras, aos arquétipos que nos chegam (MESQUITA e SOARES, 2008).
Dando continuidade à discussão, e numa mesma perspectiva, surge o desenho da She-Ra, a versão feminina (e irmã que reside em Etérnia) do He-Man: alta, forte, loira, com enormes peitos, coxas e nádegas, longos cabelos e brilhantes olhos azuis, o que ratifica a existência de uma "forte tendência cultural em considerar a magreza como uma situação ideal de aceitação social para mulheres. Encontram-se, também, fortes correlações entre a pressão social de ser magro e a insatisfação corporal em mulheres adultas jovens." (DAMASCENO, LIMA, VIANNA, VIANNA e NOVAES, 2005, p. 181). Tanto os comparsas da She-Ra quanto os seus oponentes mantêm as mesmas características que o desenho do irmão príncipe de Greyskull.

Nesse desenho, além do estereótipo do "corpo belo e perfeito", verifica-se também a questão do gênero: embora tão poderosa quanto o irmão, ao trabalharem juntos numa empreitada, a força masculina sempre prevalece e quem leva os louros da vitória da batalha é geralmente o He-Man. A She-Ra só fica com as glórias e elogios quando age sem ele, sozinha. Essa atitude revela a intencionalidade da manutenção de uma sociedade machista e arbitrária que persiste em acreditar que a mulher deve ser submissa, embora forte e poderosa. Sem contar que, em She-Ra há forte incidência da coloração rósea, em diferentes nuanças e tonalidades. Numa tentativa de atrair as meninas que muitas vezes não assistiam ao He-Man ("desenho de menino"), criou-se a versão cor-de-rosa daquele desenho e, assim, com histórias praticamente idênticas, agregavam meninos e meninas diante da TV para que certas mensagens fossem difundidas.
Tratando-se de atividades para criança, criatividade e inovação são qualidades indispensáveis. Os desenhos animados não fogem à regra. Portanto, quando o He-Man e a She-Ra já não mais atraíam tanto devido às repetitivas temáticas e histórias, houve a necessidade da criação de novas personagens ? como é comum a qualquer setor da sociedade. E então surgem os Thundercats: figuras felinas, com composição corporal humana, extremamente poderosas, e com diferentes qualidades físicas: agilidade, velocidade, força, flexibilidade... Mais uma vez a figura do vilão também apresenta força e perspicácia, da mesma forma que os heróis.
Os Thundercats, além de ratificarem o ideal de bondade que nortearia as condutas das crianças espectadoras, corroboraram a concepção do padrão de beleza vendido nos meios de comunicação de massa: corpos magros, torneados e musculosos. Mais uma vez não se verificam personagens negras. Há agora uma personagem gordinha, o Snarf, que é constantemente ironizado, para não dizer ridicularizado pelo grupo, por essa característica corporal. Muitas vezes suas opiniões são desconsideradas, como se a inteligência estivesse atrelada ao condicionamento físico. Não são poucos os episódios em que, inclusive, ele é deixado de lado nas aventuras dos demais Thundercats, que chegam a demonstrar má vontade ou desinteresse em ficarem com ele ou conduzirem aos lugares das lutas. Isto se reflete e muito nas brincadeiras infantis quando os colegas gordinhos são esquecidos ou ignorados, ou mesmo escolhidos por último, quando não há mais outro jeito.
Em se tratando do desenho "A Caverna do Dragão", há que se ressaltar a presença de uma personagem feminina guerreira negra. Embora apresente caracteres de sua ancestralidade tribal, como vestimentas e cabelos crespos, a personagem também realça os traços estereotipados de beleza: esguia, magra, de peitos e nádegas avantajados, barriga enxuta e cinturinha fina, tal qual mantinham as moçoilas européias com seus espartilhos sufocantes em outras épocas e que, atualmente, configura ? logicamente que por outros meios, métodos e tecnologias ? o padrão de beleza feminina comercializado nas passarelas do mundo inteiro.
A caracterização do feminino gira em torno de um "ethos de telenovela" (Seiter, 1995, p. 184). Desenhos da década de 80 dirigidos a meninas, já "tomavam de empréstimo" de folhetins femininos e das telenovelas os elementos para a construção das personagens. As heroínas infantis continuavam, então, sendo valorizadas quando esforçadas, modestas, capazes de vencer o "mal" por meio dos sentimentos ? não por meio de armas ou inovações tecnológicas ? e de perdoar o próximo: "todas as heroínas infantis (...) possuem o bom senso dos terapeutas e a bravura dos santos. (...) As meninas estão sempre do lado dos anjos" (idem, p. 179-180). (DIONÍSIO, 2006, p. 4)

Este desenho também incluía uma personagem infantil, um menino de mais ou menos dez anos de idade, guerreiro, forte, musculoso, loiro. Esta era uma tentativa de atrair ainda mais o público infantil para aquele estereótipo, pois, de acordo com o desenho, também as crianças podem ter corpos "sarados". Entretanto, a Educação Física tal qual é estudada hoje defende que para todo ser humano, mas principalmente para as crianças, corpos belos e perfeitos são os corpos saudáveis, não os modelados artificialmente.
É lógico que àquela personagem (o Bob), era preciso desenvolver habilidades físicas que garantissem sua defesa e sobrevivência naquele ambiente tão adverso e hostil. A questão é que os espectadores mirins nem sempre entendem isso, e acabam por acreditar que precisam ter aquelas mesmas habilidades para se firmarem enquanto pessoas importantes nos grupos de que fazem parte.
Outro desenho que merece especial menção é o Super-Amigos (ou "Liga da Justiça", como é também conhecido). Com inúmeras e bem diferentes personagens, este desenho mantém características bem comuns: todas são poderosas; possuem habilidades físicas e mágicas; são do bem, mesmo quando para isso precisam agir de forma bruta; e, claro, são sempre magras, altas, fortes, musculosas, inteligentes e brancas. Nesse desenho também se evidenciava uma ideologia machista, pois apenas uma mulher apresentava poderes especiais: a Mulher Maravilha; todas as demais figuras eram masculinas.
Os super-amigos, desenho que reúne vários heróis, também mostra a ciência ao lado do bem, sendo utilizada para salvar o planeta de malfeitores terráqueos e alienígenas, como instrumento de apoio dos heróis americanos. Nesse desenho, os heróis se reúnem e dividem tarefas na Sala de Justiça, um palácio onde estão concentrados computadores e equipamentos de telecomunicações que dão informações necessárias para as primeiras ações (SIQUEIRA, 1998, p. 118).

Por fim, discute-se aqui sobre o Popeye e sua turma. Aparentemente, poder-se-ia dizer que as personagens desse desenho não traduzem o estereótipo dos heróis dos outros desenhos citados. Neste, aparecem gordinhos (Brutus e Dudu), personagens esqueléticas, magricelas em excesso (Olívia e Bruxa do Mar), idosos (Vovô Popeye e Bruxa do Mar), além do próprio Popeye, um marinheiro desajeitado, desengonçado, careca, fumante, despojado, que em nada se assemelha com as figuras masculinas protagonistas (heróicas) dos demais desenhos.
Entretanto, ao consumir seu famoso espinafre ? uma sutil incitação ao consumo de artifícios (esteróides anabolizantes, estimulantes, entorpecentes) muito mais que ao consumo de vegetais, o Popeye se transforma numa figura forte, musculosa e até de maior estatura do que costumeiramente. Portanto, também nessa atração a estereotipia de corpos acontece. E da mesma forma que nas demais, a mensagem veiculada é assimilada pelas crianças que as assistem e imitada em sua vida cotidiana. Por conta disso, acredita-se que a geração adulta de hoje, que vivera sua infância durante os anos 80-90 sob a influência direta e constante desses e outros desenhos animados, valorize tanto o ideal de beleza das passarelas de moda e do mundo fantástico das celebridades da TV, e queira imitá-las em procedimentos estéticos que nem sempre tenham a ver com seu biótipo físico, prejudicando a própria saúde, nem tampouco com sua realidade sócio-econômica, iludindo-se através de disfarces que negam seu verdadeiro eu em detrimento de alguns "quinze minutos de fama". Renata Russo (2005, p. 82), acerca disso, atesta que
o desejo de obter uma tensão máxima da pele, tendo amor ao liso, ao esbelto, ao jovem, induz os indivíduos a não aceitarem sua própria imagem, querendo modificá-la, conforme os padrões exigidos. E para manter ou transformar este corpo, o indivíduo vê-se frente a infinitos apelos, como cremes, massagens, choques, bandagens, fornos, plásticas, puxando aqui, tirando ali, modificando, moldando, modelando o corpo por um cirurgião ou outro profissional de beleza.
Observa-se atentamente o contorno dos corpos das personagens dos desenhos animados aqui discutidos: no geral, tanto os heróis quanto os vilões apresentam-se fortes, com musculatura bem definida, altos, magros, brancos, bem vestidos e ornados. Em sua maioria, os que possuem cabelos lisos e longos, também são dotados de inteligência acima da normalidade e super-poderes direcionados à defesa do bem. Geralmente trabalham em grupo, mesmo destacando-se a personagem mais forte. Em se tratando das figuras femininas heróicas, aparecem sempre em número reduzido, cercadas de cor-de-rosa, e com influência e poderes menores que as personagens masculinas. São sempre muito graciosas e femininas, e seus corpos têm o desenho valorizado atualmente pelos padrões estéticos vigentes.

A partir do que fora exposto até aqui, embora ainda de forma preliminar, este estudo destaca a idéia de que, de alguma forma, aquela geração de crianças dos anos 80-90, espectadora assídua dos referidos desenhos animados, tenha sofrido alguma influência para que mantenha hoje hábitos que a direcionem a imitação das personagens a que tanto assistiam, principalmente no que se refere a sua imagem corporal. A supervalorização do corpo dos heróis do passado parece estar se materializando no presente, pois essa geração agora adulta nunca tinha visto tantos espaços de beleza e clínicas de estética quanto hoje. Ademais, até então não se faziam tantas cirurgias plásticas sem prescrição médica, meramente estética, e nem existia tanta academia para modelar os músculos. Os enxertos de silicone, também, hoje são extremamente comuns e cada vez mais precoces, resultando na mudança da imagem corporal dos indivíduos: logicamente, isto não se deve apenas à referida influência dos desenhos animados, como também às mudanças estéticas propostas pela moda, pela mídia, e até mesmo pelas alterações comportamentais dos indivíduos em relação ao conceito de saúde. Entretanto, não se pode negar que os desenhos animados implicaram sim ? e ainda implicam ? a formação da personalidade das crianças que os assistiam, exaltando certos estereótipos em detrimento da diversidade, anulando assim, de certa forma, as subjetividades e, consequentemente, influenciando de forma direta a compreensão que as crianças formulam acerca da sua imagem corporal, isto é, do seu corpo e dos demais corpos com quem convivem. Ao imitarem as personagens, seus gestos, linguagens, movimentos e figurinos, as crianças acabam por ratificarem a estereotipia de corpos que é tão veiculada socialmente, e passam a estabelecer preconceitos com o que não se enquadra naquele panorama, passando, inclusive, a desejarem aquele formato como sendo o único passível de ser considerado belo e feliz.
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Autor: Carla Borges De Andrade Juliano Dos Santos


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