O nome dos orgãos da segurança pública em discussão



I - Introdução
Conforme preconiza a CF, Segurança Pública é dever do Estado e responsabilidade todos, porém, qual a razão deste preceito constitucional?
Convém lembrar o conceituado Professor José Afonso da Silva, no "Ciclo de Estudos sobre Segurança" ao afirmar que:"... se faz necessária uma nova concepção de ordem pública, em que a colaboração e a integração comunitária sejam os novos e importantes referenciais".
A intenção da Assembléia Constituinte foi a de estabelecer como premissa constitucional, que a sociedade e o Estado devem se integrar nas questões atinentes à Segurança Pública.
Estrategicamente, já se verificou que as organizações pertinentes à Segurança Pública somente são efetivas se estiverem sincronizadas com a sociedade, inclusive, a partir disto surgiu conceitos como o de Polícia Comunitária.
Entretanto, para ocorrer a integração entre sociedade e Estado, são necessários mecanismos capazes de direcionar o público interno e externo das organizações pertinentes, a uma interatividade voltada ao objetivo comum, que é a Segurança Pública.
Como estamos falando de público, nos referimos as pessoas, isto é, gente, um grande desafio ao Estado, uma vez que ainda se verifica dificuldades pelas instituições públicas, quanto às questões relativas à valorização do homem como pessoa por tais organizações, o que segue na contramão da iniciativa privada, onde já há algum tempo, percebeu-se que a Gestão de Pessoas é um dos diferenciais no mundo corporativo.
Conduzir uma organização sob o conceito de Gestão de Pessoas é desenvolver mecanismos, dentro do contexto em que aquela se encontra, capazes de tecer relações e direcionar o foco motivacional do público interno e externo para os objetivos da organização; trata-se de elemento de vantagem competitiva, essencial para a organização ter êxito em seu meio ambiente.
As pessoas no mundo das organizações precisam ser percebidas como gente! Não são objetos voltados para a execução mecânica de atos ou processamento de informações, mas sim seres com uma capacidade ímpar na vida, a de criar coisas!
Toda e qualquer decisão humana tem a emoção como elemento propulsor, o homem não só pensa, mas principalmente, sente emoções e estabelece relação com tudo, basta aí citarmos o conhecido instinto de sobrevivência e procriação que move a humanidade e todos os seres vivos, numa interação criativa.
Como frisado, o homem sente e estabelece relação com tudo, sendo que nesta dinâmica se observa o fenômeno identidade, ou seja, a cada contato que tem com o meio ambiente, o homem identifica coisas, em meio a um trabalho de classificação e individualização, neste processo, aquelas particularidades que despertam o seu interesse são motivos para estabelecer um vínculo.
Enfim, as pessoas apenas estabelecem relação com aquilo que se identificam, assim, muitas organizações já perceberam isto e passaram a ter a preocupação em definir uma identidade para o seu público, capazes de fixar uma relação interativa e voltada aos seus objetivos.
Instituições financeiras são prova disto, muitas apresentam os seguintes slogans publicitários: "O Banco da Nossa Gente", "Nós entendemos de Gente", "Você é o mais importante", "Banco do João, Banco da Maria" etc.
Outras organizações especificam-se no critério territorial para definir a identidade com o público, por exemplo: Carrefour Norte (Norte é um setor de Brasília), Carrefour Sul (outro setor de Brasília), Extra Taguatinga (cidade satélite do Distrito Federal), Extra Asa Norte (bairro de Brasília).
O artigo em questão considera que a reestruturação orgânica em linguagem mais acessível, com a utilização de nomenclaturas apropriadas, especificamente no caso da segurança pública, é uma das maneiras de criar identidade e atuar dentro do conceito de Gestão de Pessoas.
Isto porque os melhores resultados ocorrem com a aproximação da população em geral (pessoas), uma vez que os mesmos passam a figurar como colaboradores, além de fazer com que os profissionais da segurança (também pessoas), reencontrem efetivamente os seus papéis dentro da organização e contexto os quais estão inseridos.
O presente artigo visa levantar a discussão sobre a importância da utilização de uma linguagem organizacional, que por meio de nomenclaturas voltadas a promover o evento identidade, venha a funcionar como um dos mecanismos de Gestão de Pessoas, a fim de contribuir na integração Estado/Sociedade - Segurança Pública.
II - Algumas Hipóteses

a) Quanto ao nível hierárquico
Toda e qualquer organização possui centros de competências classificados nos seguintes níveis de atuação: estratégico, tático e operacional.
O estratégico diz respeito às ações de médio e principalmente, longo prazo, com o foco de decisão voltado para as questões principais da organização; cabe ao decisor estratégico estabelecer os rumos de sua organização, levando em consideração o meio ambiente no qual este se encontra, tudo a fim de cumprir a sua missão, a sua natureza.
Deste centro de competência (Alta Direção) partem as diretrizes gerais da organização.
No topo do nível estratégico de uma organização verificam-se as nomenclaturas Direções, Diretorias, Presidência e outras mais que indicam órgãos que trabalham no sentido de estabelecer os objetivos gerais; o presidente ou diretor é o "visionário" que enxerga além da organização, é quem conhece os fenômenos que envolvem a todos.
Junto deste patamar, também funcionam órgãos que recebem os nomes de Departamentos, Secretarias, Ministérios, Coordenadorias, Superintendências e outros, tratam-se de centros de competência em que se desenvolvem as reflexões, com o objetivo de interpretar os objetivos gerais para os demais níveis da organização.
Nestes órgãos se inicia a delimitação dos objetivos gerais. A proposta é que para os mesmos, seja utilizada a nomenclatura GESTÃO.
O uso desta nomenclatura é um conceito administrativo moderno, o qual indica que os assuntos pertinentes serão abordados e decididos por uma visão integradora, o Gestor não é um gerente, chefe ou coordenador, mas sim, um "mentor" que delimitará um caminho dentro do contexto de suas unidades subordinadas, todavia, sem desconsiderar o conjunto da organização e tudo que a envolve; a razão disto é orientar as suas unidades a atingir os objetivos gerais definidos pela visão estratégica da Direção, Diretoria ou Presidência.
Assim, o objetivo do uso da nomenclatura Gestão é levar o público interno e externo da organização, ao entendimento de que existe um centro(s) de competência(s) que atua sob o referido conceito.
Como exemplo, utilizando nomenclaturas fictícias, a adaptação ocorreria da seguinte forma: Coordenadoria de Assuntos Estratégicos passaria a ser Gestão de Assuntos Estratégicos; Departamento de Recurso Humanos (um erro grave, as pessoas não são recursos, mas sim gente!), passaria a ser Gestão de Pessoas; Secretaria de Administração Geral passaria a ser Gestão de Administração Geral e assim por diante.
No nível tático da organização ocorrem às decisões de médio e curto prazo, as mesmas são voltadas às questões internas da organização, isto a fim de viabilizar os objetivos definidos pelos Gestores, a visão do decisor tático é circunscrita a reorientação dos meios dsponíveis na oganização, um verdadeiro processo de reengenharia, sempre em atenção às decisões da Gestão.

É o principal responsável pela síntese do "que deve ser" da "Alta Direção" com "o que é" da "Linha de Frente", igual a um catalisador, concentra e absorve tanto a capacidade objetiva dos Gestores, quanto o potencial subjetivo dos colaboradores, combinando-os para fornecer meios a todos, no cumprimento de seus objetivos, assim, atua neste cenário investido no papel de "facilitador".
Neste nível, também se verifica nomenclaturas do tipo Divisão, Seção, Seccionais, Regionais, enfim, um conjunto de nomes que leva os leitores a assimilar um significado de separatismo, ou seja, as pessoas são conduzidas à sensação de uma organização fragmentada, desunida.
A administração moderna, sob a ótica de Gestão de Pessoas, visa reforçar as relações humanas do público externo e interno da organização, a idéia é unir e não a de separar pessoas, assim, a proposta seria a do uso da nomenclatura GERÊNCIA, que nos dá a idéia de desdobramento operacional para o conceito superior de GESTÃO, isto demonstra que os níveis de atuação estratégico e tático não são segmentados, bem como ao mesmo tempo demonstra que cada um (Gestão-Gestor e Gerência-Gerente), detém autonomia no seu campo de competência.
Como exemplo, utilizando nomenclaturas fictícias, a adaptação ocorreria da seguinte forma:

.Divisão de Recursos Materiais passaria a ser Gerência de Recursos Materiais, indicando que é decorrente da Gestão de Patrimônio e Material;

.Regional de Capturas passaria a ser Gerência de Capturas, indicando que é um desdobramento de uma Gestão de Custódia e Polícia Interestadual;

.Divisão de Operações Especiais para Gerência de Operações Especiais,indicando que é um desdobramento de uma Gestão de Atividades Especiais;

.Seção de Recursos Humanos (responsável pelas questões trabalhistas do público interno) para Gerência de Pessoal, como desdobramento de uma Gestão de Pessoas.

b) Quanto ao critério territorial
O nível operacional de uma organização é voltado às decisões e atividades voltadas a cumprir os objetivos gerais observados pelas Direções ou Presidências, delimitados pelas Gestões e viabilizados pelas Gerências, recebendo sempre que necessário a assessoria do nível tático da organização.
Por se tratar de um nível direto com o público destinatário dos seus serviços, bem como, com os fenômenos os quais irão lidar, é importante ressaltar ou a localidade ou a natureza de atuação, para ficar bem claro a proposta do trabalho a ser desenvolvido.
Na Segurança Pública, aí se verifica as Fiscalizações, Companhias, Brigadas, Quartéis, Batalhões, Delegacias e Postos Policiais, dentre outros.
Mas não basta utilizar uma nomenclatura de procedência geográfica ou técnica-descritiva da atividade de um órgão, antes de tudo, deve-se considerar qual a idéia ou o nome que o público usa para identificar o local que vive ou o serviço que o Estado lhe presta.
Por exemplo, vamos supor ficticiamente as unidades que adotam as seguintes nomenclaturas, em analogia às que realmente existem: 46ª Delegacia de Polícia Civil (localizada na vila industrial de Alvarenga - cidade ficção) ou 1ª Companhia Militar Independente (localizada em Botafogo - bairro ficção) ou 6ª Brigada de Incêndio (localizada em Vicentinho - vila ficção).
O público que reside naquela localidade, aquele que acompanha a mídia e principalmente, os agentes de segurança que trabalham na mesma organização mas em unidades distintas, bem como os demais agentes que atuam em outras organizações de segurança, poderão ter condições de entender aqueles nomes e situá-los dentro de um contexto de segurança pública integrada?
A proposta seria a seguinte:
Para as unidades que não são de natureza especializada, apresentar a nomenclatura sob o seguinte modelo:

.De 46ª Delegacia de Polícia Civil (localizada na fictícia Vila Industrial de Alvarenga) para Delegacia da Vila Industrial de Alvarenga - 46ª DP (Delegacia de Polícia).
Qualquer pessoa percebe que a nomenclatura "Delegacia" faz referência a um órgão da polícia civil, inclusive, há outros órgãos tais como Delegacia de Ensino, Delegacia do Trabalho, que remetem às pessoas à confusão, fazendo-as supor que também estes estabelecimentos (cuja natureza é de ensino ou trato trabalhista) pertencem à polícia civil, o que nos leva mais uma vez ao problema em discussão.

. De 1ª Companhia Militar Independente (localizada em Botafogo - bairro fictício) para Polícia Militar de Botafogo - 1ª CPMind (Companhia Militar independente).
Como já dito, há estabelecimentos comerciais que se utilizam desta estratégia, como os citados casos dos hipermercados que valem da nomenclatura Carrefour Bairro e Extra Asa Norte, em referência ao nome que a comunidade do bairro Asa Norte/Brasília/DF, usa para identificar a base territorial em que se encontra.

. De 6ª Brigada de Incêndio (localizada em Vicentinho - vila fictícia) para Brigada de Incêndio de Vicentinho - 6ª BInc (Brigada de Incêndio). Aqui se consideraria o fato da vila fictícia ser nomeada pelos moradores como Vicentinho, mesmo recebendo outra denominação oficial pelo Estado, como setor São Vicente (nome também fictício).
Enfim, como seria a reação das pessoas ao perceberem que o nome que usam para denominar a sua base territorial, foi "escolhido" pelo Estado para designar as unidades de segurança que lá atuam?
Para as unidades de natureza especializada, que não são identificados por consideração territorial, mas sim pelo destaque que a particularidade de sua atividade promove, a idéia é adotar nomes que transfiram o valor dos serviços que são prestados, com uma linguagem clara e direta.
Por exemplo: ao invés de Delegacia Especializada de Repressão e Combate ao Tráfico de Entorpecente e Drogas Afins, poderia ser Unidade (ou Força) de Repressão (ou Combate) às Drogas.
Interessante é a denominação usada quanto a classificação das unidades políciais distribuídas territorialmente, no caso se verifica o uso de Circunscrição ou Seccional Policial, Circunscricional e outros mais para designá-las, além disso, quanto ao seu órgão de Gestão, há nomenclaturas que não transmitem claramente o seu papel, como Coordenação das Seccionais de Polícia, Coordenadoria de Delegacias Policiais, Superintendência de Unidades Circunscricionais etc.
Neste caso, trata-se de um órgão responsável por questões estratégicas e táticas de unidades distribuídas territorialmente, enfim, com as nominações apresentadas, mesmo que correspondam burocraticamente às suas atribuições, o público jamais assimilará o valor integral que carrega este relevante centro de competência.
A sugestão é a adoção da nomenclatura Gestão de Polícia nas Cidades, o impacto é direto, a comunidade terá plena percepção de que o Estado designou especialmente um Gestor, para lidar com as questões policiais em sua comunidade; este profissional, que antes tinha a nominação de coordenador, superintendente, diretor, agora ganha projeção fora da organização, transmitindo o seu significado estratégico e tático a todos.
III - Conclusão
Estas foram algumas das hipóteses apresentadas, dentro de situações formuladas ficticiamente, mas em analogia aos casos reais da Administração Pública.
Entretanto, a Academia de Polícia Civil do Distrito Federal (APCDF), em seu Curso de Atualização em Organização e Métodos, ministrado no ano de 2008, cuja turma tive a felicidade de fazer parte, apresentou um trabalho que destaca a importância da apresentação adequada de organograma, bem como da padronização de nomenclaturas e siglas da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), voltadas para a melhoria da interação entre a população do DF e a polícia judiciária do DF; nesta situação, a abordagem alcançou situações reais e específicas pertinentes a organização policial mencionada.
O Curso na APCDF foi ministrado pelo brilhante Professor M. Sc. Wellington Pinto, que desenvolveu o aprendizado dentro de conceitos atuais, como Gestão do Conhecimento e Planejamento Estratégico, e mais particularmente, Gestão de Pessoas e Capital intelectual.
Assim, extraiu-se do mencionado curso e trabalho, parte do referencial teórico para a elaboração deste ensaio, com a colaboração também da disciplina de Chefia e Liderança, ministrada no Curso Especial de Polícia (2008) na Academia de Polícia Civil do Distrito Federal.
A atividade criminosa possui um potencial destacado para angariar recursos financeiros e materiais, todavia, por trás das criações, organizações e tudo que conhecemos, encontram-se as pessoas, as suas emoções.
A maneira como o poder pessoal delas é cultivado e aproveitado é o diferencial neste mundo globalizado.
VI - Referências Bibliográficas
CHIAVENATTO, Idalberto.Gestão de Pessoas. São Paulo: Campus, 2004.
FEDERAL, Academia de Polícia Civil do Distrito. Curso de Pós-Graduação em Atividade Policial Judiciária, Curso Especial de Polícia (2008), Disciplina de Chefia e Liderança.
NONAKA, Ikujiro e HIROTAKA, Takeuchi, traduzido por RODRIGUES, Ana Beatriz e CELESTE, Priscilla Martins. Criação de Conhecimento na Empresa. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
PINTO, Wellington Pinto.Curso de Atualização em Organização e Métodos -Academia de Polícia Civil do Distrito Federal. Brasília: 2008.
TURMA, Curso de Organização e Métodos. Apresentação de Organograma e Padronização de Nomenclaturas e Siglas da PCDF. Brasília: 2008.

Autor: Eduardo Pascoal De Souza


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