A PERSONIFICAÇÃO DE EVA NA MULHER MEDIEVAL



Gisele Rodrigues*

A Mulher Má

A mulher ignóbil, a mulher pérfida, a mulher vil;
Macula o que é puro, rumina coisas impuras, estraga as ações (...).
A mulher é fera, seus pecados são como a areia.
Não vou, entretanto, caluniar as boas a quem devo abençoar (...).
Que a má mulher seja agora meu escrito, que seja meu discurso (...).
Toda mulher seja regozija de pensar no pecado e de vivê-lo
Nenhuma, por certo, é boa, se acontece e, no entanto, que alguma coisa seja boa.
A mulher boa é coisa má, coisa malmente carnal, carne toda inteira.
Dedicada a perder, e nascida para enganar, perita em enganar.
Abismo inaudito, a pior das víboras, bela podridão.
Atalho escorregadio (...) coruja horrível, porta pública, doce veneno (...)
Ela se mostra inimiga daqueles que a ama, e se mostra amiga de seus inimigos (...)
Ela não exclui nada, concebe de seu pai e de seu neto.
Turbilhão de sexualidade, instrumento do abismo, boca dos vícios (...)
Enquanto as colheitas forem dadas aos cultivadores e confiadas aos campos,
Essa leoa rugirá, essa fera maltratará, oposta a lei.
Ela é o delírio supremo, e o inimigo intimo, o flagelo intimo (...)
Por suas astúcias um só é mais hábil que todos (...)
Uma loba não é mais má, pois sua violência é menor.
Nem uma serpente, nem um leão (...)
A mulher má se pinta e se enfeita com seus pecados,
Ela se disfarça, ela se falsifica, ela se transforma se modifica e se tinge (...)
Enganadora por seu brilho, ardente no crime, crime ela própria (...)
Mulher fétida, ardente em enganar, flamejante de delírio.
Destruição primeira, pior das partes, ladra do pudor
Ela arranca seus próprios rebentos do ventre (...)
Ela trucida sua progenitura, abandona-a, mata-a, num encadeamento funesto.
Mulher víbora, não ser humano, mas fera selvagem e infiel a si mesma.
Ela é assassina a criança e, bem mais, da sua em primeiro lugar;
Mais feroz que a áspide e mais furiosa que as furiosas (...)

*Graduada em História e Pós-Graduação em Psicopedagogia com ênfase em Educação Especial.

Mulher pérfida, mulher fétida, mulher infecta.
Ela é o trono de satã, o pudor estar a seu cargo, foge dela leitor
Este poema pertence a um monge cluniense do século XII, chamado Bernard Molas e é um de muitos textos religiosos ou até de leigos que expõe a mulher como gênero degradante, que trás em suas linhas a idealização dele e de muitos homens da época sobre a figura feminina, e é a clara representação da mulher medieval, geralmente transmitida e escrita por homens para homens, construindo assim a chamada misógina, horror à mulher, aversão esta que tem resquícios nos dias atuais que chamamos de "machismo".
Mas para compreendermos melhor esta rotulação do gênero feminino teremos que nos reportar ao cerne da história da sociedade no qual vivemos à Bíblia, ou melhor, à Sagrada Escritura, onde se encontram o Gênesis e outros textos e livros que narram uma série de eventos escritos por homens, que segundo o cânone, são inspirados por Deus. O Gênesis, o livro da origem, descreve o princípio do mundo na visão religiosa e a criação do homem e da mulher por Deus.
Como se observa no texto bíblico supra citado, naquele cenário destacam-se três personagens principais: Adão, Eva e a Serpente. O primeiro é uma criação direta de Deus, divina, perfeito, é a razão, a inteligência, em resumo, uma obra divina primordial de Deus. Eva, porém, é tão somente um pequeno fragmento do homem, um pequeno pedaço de sua costela, que traz consigo as fraquezas carnais, principalmente a sensibilidade, a animalidade, a luxúria, a ganância, a inveja, etc.
É através dessa e de outras passagens bíblicas, que os intelectuais religiosos e moralistas, tendo como representantes principais São Agostinho e São Tomás de Aquino endossam e tentam justificar o que Dubby chama de "Superioridade Natural".
Esta "superioridade natural" é descrita pela Bíblia especialmente quando detalha a criação diferenciada do homem e da mulher. (GÊNESES, 7):
O Senhor Deus formou, pois, o homem do barro da terra, e inspirou-lhe nas narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivente. Então o Senhor Deus mandou ao homem um profundo sono; e enquanto ele dormia, tomou-lhe uma costela e fechou com carne o seu lugar. E da costela que tinha tomado do homem, o Senhor Deus fez a mulher.
Na tradição católica apostólica romana, a mulher, Eva, é tentada pela serpente, o diabo, a transmitir o pecado a Adão. (GÊNESES 6):A mulher, vendo que o fruto da árvore era bom para comer, de agradável aspecto e muito apropriado para abrir a inteligência, tomou dele, comeu, e o apresentou também ao seu marido, que comeu igualmente.
Como se observa no texto bíblico supra citado, naquele cenário destacam-se três personagens principais: Adão, Eva e a Serpente. O primeiro é uma criação direta de Deus, divina, perfeito, é a razão, a inteligência, em resumo, uma obra divina primordial de Deus. Eva, porém, é tão somente um pequeno fragmento do homem, um pequeno pedaço de sua costela, que traz consigo as fraquezas carnais, principalmente a sensibilidade, a animalidade, a luxúria, a ganância, a inveja, etc.
Rivair também endossa a interpretação literal da Bíblia, ao citar que (RIVAIR, 2002): [...] Para alguns teólogos, Eva não teria sido feita à imagem e semelhança de Deus, mas feita a partir de Adão; sendo assim, consideram-na uma mera projeção da criação divina.
Santo Agostinho, tempos depois, associa o pecado original à promiscuidade, ao sexo, colocando-? Como algo sujo e mundano, não agradável aos olhos de Deus, o Criador. A mulher é colocada como o instrumento da concupiscência, ela é a serpente sedutora, a "serva porteira", na afirmação de São João, imputa à Eva a abertura da porta do paraíso, precipitando a expulsão do céu, ela é o veículo das maldades humanas, aquela que abre caminho para que o mal possa adentrar à casa de Deus e de sua criação.
A referência incontrolável ao desejo sexual é imputada como essencialmente vinculado à mulher. Logo Eva, não teria pecado somente por desobediência a Deus, mas por cobiça, luxúria e outros ardores do corpo, deste modo o desejo da carne, a cobiça e a luxúria, devem ser controlados pelo homem, já que este não caiu em tentação e segundo ele seria o ser de inteligência criado por Deus. Afirma Jacques Le Goff (RIVAIR, 2001) Na Idade Média prevaleceu à idéia de que o invólucro carnal era a prisão da alma. Já para São Jerônimo (DUBBY, 1990) As mulheres pendem naturalmente para o prazer e não para a virtude.
Segundo os preceitos cristãos, em conseqüência do pecado de Eva, tido como original o da origem e o primeiro, além da expulsão do paraíso, esta e todas as mulheres, herdariam a multiplicação da dor do parto e a submissão a Adão, que como punição divina a nomeá-la, e assim o faz como Eva. A punição desta, segundo Santo Agostinho é (DUBBY, 2001). Espiritualmente, não carnalmente, tendo assim que se redimir através do bem tendo como conseqüência a vitória contra a carne.
Para os teólogos, Eva e as mulheres, independentemente de serem culpadas pelo pecado original, deveriam estar submetidas aos homens, como evidencia o texto de Dubby. (Idem) Antes do pecado, a submissão era por "afeição", depois, é por "condição" de estado. (Idem):
A Escritura ensina, enfim, que no interior do casal a mulher é fermento de discórdia. Se leva a melhor, tudo fica às avessas e desmorona. Em conseqüência, a própria Escritura prescreve que a dama deve servir a seu senhor, manter-se diante dele em postura de humilhação; assegura que não basta "dirigi-la", ela deve ser subjugada.

O último da tríade, não menos importante, o diabo, representado pela figura da serpente, é uma das várias personificações do anjo decaído. É ele o personagem que incita Eva a pecar. (DUBBY, 2001).
Quando pecamos, a serpente desempenha o papel da "sugestão", essa proposta que, vindo do pensamento, ou então da percepção sensorial, da visão, do tato, de todos os sentidos, incita a pecar; a mulher é a cupidez, essa pulsão em nós de enganar o que nos tentar; o homem, enfim, é a razão.
É nesse contexto que, segundo a narrativa do Gênesis, estaria comprovada a superioridade do homem, pois a mulher estaria impregnada de elementos do mal, os quais a serpente, o demônio, aguçara ainda mais, tendo como resultado final à ocorrência do pecado maior, o pecado original. Entretanto, a figura do homem é colocada para contrapor-se e controlar esses impulsos da personalidade devastadora da mulher. Esse homem utiliza todos os mecanismos possíveis de sua "perfeita" conduta, principalmente sua pretensa e exclusiva inteligência, fato que Santo Agostinho salienta, (RIVAIR, 2002). O homem deveria ser governado pela sabedoria divina. A mulher, ao contrário, deveria ser governada pelo homem, tal qual o corpo pela alma, a razão.
No século XI a figura feminina é segregada e distanciada da convivência em todos os ambientes sociais, mas especialmente dela com os religiosos, pois sendo estes preparados para uma vida de pureza, o celibato tornou-se a expressão máxima da devoção à Deus. A proximidade feminina, e consequentemente, a intimidade com as mazelas humanas que a ela eram imputadas, poderia significar um atentado à santidade desejada aos clérigos pela Igreja, mantendo-se como única alusão à imagem da mulher, a lembrança à maternidade. (DUBBY, 1990). Separados das mulheres estendido a todos a partir do século XI, os clérigos nada sabem delas. Figuram-nas, ou melhor, figuram-n?A,representam-se a mulher, à distancia, na estranheza e no medo.
A mulher deveria ser afastada do mundo masculino por ser a própria representação do mal encarnado. A imagem corpórea da mulher é associada ao corpo de uma serpente, logo o corpo e tudo o que estar relacionado a ele é tratado como danação, tendo que se tomar bastante cuidado com sua proximidade. Dá-se assim um caráter sempre maléfico às suas ações. É assim que, este (DUBBY, 2001) "macho falhado" segundo Aristóteles, deve ser domesticado para que não fuja ao controle e contamine o marido e a sociedade.
Através do repúdio à carne ou à mulher, a Instituição Religiosa enraíza a suposta "inferioridade feminina", utilizando-se principalmente os sermões nas Igrejas, nas praças e poemas, como o que inicia este trabalho, para difundir diatribes em todos os lugares possíveis e impossíveis.
Analisando-se o poema que inicia esse trabalho, nota-se claramente que a imagem da mulher é colocada de forma mais pejorativa possível. Ela é má e retratada como o pior dos animais e incorporando e endossando a crueldade para com suas vítimas. Sentencia-se que neste mundo não existe mulher boa, é uma "raça" contaminada, uma doença contagiosa, capaz de deitar-se com qualquer homem para abrandar seu fogo insaciável. O poema finaliza dando um alerta ao leitor: "Foge dela leitor!". Tanto este poema e quanto outros escritos por misóginos. (DUBBY, 1990)
A mulher para eles já não é Eva, é a Inominável, no sentido mais forte do termo. Por que esta estranha discrição? É que, segundo Isidoro de Sevilha, cujas sábias Etimologias constituem ema das chaves essenciais da visão medieval dos clérigos, Eva é vae, a desgraça, mas também vita, a vida.

Entretanto, assim é processada a transmissão sempre denegrida da imagem de Eva e das mulheres. Com palavras ou gestos, os homens da Igreja e outros normalmente têm a intenção de afastar o máximo a mulher do convívio masculino. Formam o embasamento cultural machista da sociedade, que em muitos aspectos, está presente nos dias atuais.
A Bíblia, o dito livro sagrado, em diversas interpretações, era apresentada como verdade absoluta, assim seus seguidores teriam de acatar e vivenciar o que está nela está previsto. O Cristianismo, desta maneira, constrói Eva e sua imagem associada ao mal, ao ser malévolo, assim, a primeira mulher é punida pelo desacato a Deus. Na intenção de continuar a persuadir o mundo terreno, a Igreja cria várias personagens que contextualizam o pecado e o perdão de Deus, a exemplo de Maria Madalena, prostituta que se arrepende e se torna seguidora de Jesus, ou Maria, a mulher virtuosa, que no concílio de Éfeso, em 431 d.C é proclamada "Mãe de Deus", personagem bíblica citada pouquíssimas vezes na Bíblia. Constata-se que não somente ela, mas muitas outras mulheres não recebem destaque no famoso livro da cristandade.
O sentido moralizante é bastante claro, não só no discurso religioso, mas de vários homens da época, onde se coloca primeiramente a mulher como pecadora a imagem oposta seria a de Maria, onde se coloca a virgindade como o ideal supremo de devoção a Deus, sendo esta uma "nova Eva" segundo Santo Anselmo e Abelardo no século XII. (RIVAIR, 2002):
Foi talvez por isso que, na espiritualidade ocidental, entre as figuras de Eva e Maria tenha sido interposta a da pecadora arrependida, Maria Madalena. Progressivamente venerada no Ocidente, seu culto ganhou impulso a partir do século XI, momento a partir do qual inúmeros templos passaram a ser elevados em seu nome. Nela venera-se a imagem da prostituta que, tocada pela palavra de Cristo, arrependeu-se de todo coração.

Entretanto, a figura de Eva é associada de forma degradante à imagem da mulher medieval no decurso deste período histórico, de tal sorte que a instituição religiosa aproxima a imagem feminina à figura de Maria Madalena, a prostituta arrependida, pois esta pecou carnalmente, mas pela graça de Deus se arrepende. Seria a figura mais próxima das mulheres medievais, sendo assim este meio de aproximação a Igreja e consequentemente a Deus; mantendo-se tal associação tanto para religiosos, como para seus pais e seus próprios maridos.

Os Mecanismos de Controle:

A moralidade, para a mulher, é algo imposto, manipulado de todas as formas dentro da sociedade, seja por uma instituição religiosa, política ou social.
A mulher medieval é colocada como Eva, conseqüentemente pecadora, atrai para si, uma série de mecanismos de censura, controle e repressão. Obviamente esses métodos não alcançariam à totalidade das mulheres medievais com absoluta efetividade, em muitos casos, tais mecanismos ocorreram de maneira mais branda.
O presente capítulo pretende mostrar alguns dos métodos de controle religiosos e sociais, bem como suas variações, aplicados às mulheres da sociedade medieval, personificadas como Eva.
A Virgindade:
Segundo, Vainfas, (VAINFAS, 1986): Virgindade seria o estado dos que nunca tinham experimentado relações ou atos carnais. Grande ideal cristão dirigido, sobretudo, as mulheres, para dissuadi-las de casar.
Preceituado por este ideal cristão, o corpo de uma mulher virgem estaria muito mais próximo de Deus estando assim próximo da salvação. Durante os séculos III e IV, entranhados nos ideais de São Paulo, surgiram vários escritores sobre esse tema, ajudando a disseminá-lo mais. Tais escritos pregavam a renúncia ao mundo carnal e a sua entrega ao espiritual. Porém, esses discursos se remetem também as mães das virgens, que teriam o papel de proteger suas filhas não casadas. Estas "intocadas" teriam uma imagem masculina, um "macho falhado", já que ela é a parte carnal da criação divina. Mais quem são estes homens, que estas mulheres deveriam se espelhar? Esses seriam os padres, bispos, o gênero masculino, supostamente puro da sociedade (homens da Igreja, homens de Deus).
Objetivando reprimir os perigos carnais ditos inerentes as mulheres, a Igreja preconizava e difundia socialmente um corolário de admoestações, censuras e fobias para as meninas e mulheres, como o medo do repúdio dos homens e a perda da possibilidade de casamento, medo da perda do reino do céus, por pecar contra a castidade, tornado-se novamente maculada pelo pecado, pois segundo a Igreja, este já havia sido pretensamente retirado através do batismo, referindo-se aqui ao pecado original de Adão e Eva, através de ritual executado com água pura jogada por um representante de Deus na Terra.
Para vários elementos da Igreja, e outros estudiosos, o grande desafio era esta preservação da virgindade, porém outros pouco se atentavam a esta questão.
Segundo João Crisóstomo, (VAINFAS, 1986): [...] nem sequer problematiza a dificuldade que a mulher teria para se conservar virgem. A quem nunca experimentado prazer carnal era fácil guardar continência [...].
Outros, porém, como Basília de Ancira, (Idem):
Problematizavam a questão de como seria possível às mulheres renunciar ao prazer [...] ele alertava as mulheres, orientando-as a controlar todos os sentidos, vistos como partes para o desejo genital: o tato, o paladar e, sobretudo a visão, o olhar que excita e fixa lembranças sedutoras. Descreveria as sutilezas da masturbação feminina, para combatê-la e recomendava privações: não tocar, não ver, comer pouco e só alimentos que deixassem o corpo frio e seco. Isolar-se, enfim, ou isolar o corpo: eis a receita para que a mulher mantivesse a carne e a alma incorruptas.

Em 451, o Concílio de Calcedônia evidência a virgindade como ato sagrado sendo como uma aliança, um casamento com Deus.
Tais meios de transmissão de pensamento, que pregavam a virgindade como ideal de perfeição para as mulheres deixava de lado a virgindade do homem.
Somente no período entre os séculos IV e VI começaram a surgir textos como O Tratados da Virgindade, trabalhos que contemplam relatos de homens que aderiram a vida monástica e a virgindade, optando assim por uma vida de solidão. Mesmo assim estes escritos não deploravam totalmente o casamento, sendo concebido como uma união cristã semelhante a um retiro; onde os cônjuges tinham que se vigiarem a todo o momento para não sucumbirem aos desejos da carne, ou mesmo aos pensamentos libidinosos.
Voltados à manutenção da virgindade masculina, o repúdio ao casamento não tem como perigo somente o ato carnal, mas a companhia desagradável da pecaminosa mulher.

2- Casamento:
A noção de casamento que prevalece na Idade Média é derivada das tradições da Antiguidade Clássica. O casamento não religioso já era existente na jurisdição romana e germânica, e estes regulavam basicamente as relações de poder da aristocracia, pois propiciava a formação de alianças entre famílias, acumular riquezas e garantir a procriação de forma que assegurasse ao pai a legitimidade dos filhos, sua descendência genética, além da reprodução cultural e organização social. Segundo Foucault (FOUCAULT, 1984).
Para eles (os estóicos) o princípio natural e racional do casamento o destina a ligar duas existências, a produzir uma descendência, a ser útil para a cidade e a beneficiar o gênero humano na sua totalidade; buscar no casamento, prioritariamente, sensações de prazer, seria infligir à lei, reverter à ordem dos fins e transgredir o principio que deve unir, num casal, um homem e uma mulher.

O modelo de casamento profano tem como uma das suas origens a tradição helenística, especialmente no estoicismo, cuja filosofia propunha uma moral áspera à sexualidade, sugerindo que o casamento seria o espaço ideal para o prazer e o domínio da alma sobre o corpo. Mas, com o advento da grande expansão do Cristianismo, a Igreja Católica aumenta sua influência sobre a sociedade e se opõe ao casamento, pois este legitima a conjunção carnal (a liberdade do ato sexual), o que afasta o homem do ideal cristão, da castidade, estado sublime da alma e do corpo. Entretanto, o casamento fazia-se necessário como regulador, codificador na sociedade, como também espaço de procriação, daí a visão da Igreja que este era um mal menor.
Mais tarde, no século V, Santo Agostinho afirmava a sacralidade do matrimônio, assim durante os séculos seguintes a Igreja esforça-se para criar um código de moral para regular esta instituição social, retirando-a do domínio profano para torná-lo sagrado, triunfando no século XII com a inserção do matrimônio dentre os sete sacramentos da Igreja, sendo Pedro Lombardo, nos seus escritos Sentenças de 1150, quem deu o passo decisivo ao consentimento de sacramentar o casamento.
Mesmo sendo incorporado ao ritual cristão, o casamento trouxe consigo uma série de questionamentos para os quais a Igreja teria que se adequar. O primeiro seria a escolha do parceiro ou marido/esposa, onde esta opção seria de escolha espontânea e individual, no que a Igreja teve que intervir, impedindo o casamento entre consangüíneos, pois o ato de violar tal impedimento ocasionaria pecado de incesto, com a conseqüente anulação da aliança conjugal, condenando alternativamente à ex-comunhão, o ex-casal a purificar-se com penitências, podendo assim, futuramente casarem com terceiros.
Em 1215, no IV Concílio de Latrão, os impedimentos de consangüíneos foram reduzidos até o quarto grau e condenou-se o repúdio às esposas, somente aceito no caso que um dos cônjuges aderisse à vida monástica.
Conforme o casamento gradativamente ia se modelando como sacramento a partir dos séculos XII e XIII foram surgindo ainda mais discussões a respeito dos prazeres carnais nesta aliança, tendo assim que se eleito um método de controle sobre o sexo no casamento, já que a relação sexual servia, a princípio, somente para a procriação. Segundo afirma Vainfas, (VAINFAS, 1986): Tal processo foi abrangente e cobriu, tanto quanto possível, o conjunto das manifestações da carne, mas dirigiu-se prioritamente para o casamento: o leito conjugal, uma vez sacramentado, tinha de ser devassado e ordenado.
Sendo assim as práticas da confissão se tornou um meio de controle dos casais, ato este que é oficializado no Concílio de Latrão, em 1215, cabendo aos homens da Igreja a classificação da gravidade do ato. (Idem):
No tocante à vigilância e à ordenação do leito conjugal, os teólogos construíram um "sistema" baseado em três eixos fundamentais: 1- a imposição de relação carnal como algo obrigatório no casamento, sem a qual ele não teria sentido; 2-a condenação de todo e qualquer ardor na relação carnal entre os cônjuges, quase sempre entendido como "excesso" ou, às vezes, como prática antinatural; 3-a minuciosa classificação dos atos permitidos ou proibidos, tendo em vista a função procriadora da comixtio sexus.

Alguns teólogos não se preferiam a respeito das dificuldades que se tem quanto se está casado, já para Tomás de Aquino a união carnal daria sentido ao casamento como sacramento. Para outros, e também para Paulo, a prática sexual no casamento seria realizado como uma "dívida conjugal"- sendo uma técnica utilizada para evitar principalmente a fornicação, orientando-se que o melhor seria a abstinência total, a virgindade.
Mesmo sendo a relação carnal uma "dívida conjugal", deveria se ter controle dela, neste âmbito claramente a superioridade do homem torna-o ainda mais fundamentada, para este seu desejo poderia ser expressado a qualquer momento, já sua parceira deveria reprimir a todo custo seus ardores. O prazer é, sobretudo, para os homens, tendo ele o papel fundamental para a procriação ou a continuidade da espécie, asseguravam os teólogos.
No século XIII, Alberto Magno transfigura para a mulher tal sentido de moralidade, sendo imbuído principalmente de pudor e vergonha tornando-a passiva e acima de tudo dominada; já que a mulher não deixa de ser o cerne da maldade.
Os atos deveriam de todas as formas ser regulados, segundo Jerônimo. (VAINFAS, 1986): [...] Supunha um modelo de cópula quase desencarnado: os movimentos do ato deviam ser discretos, controlados, e neles não podia intervir a paixão. Tal afirmativa assim como de outros homens da época baniam totalmente o amor do ato da cópula.
Foi Jerônimo quem elaborou um meio de controle destes atos que tinham como intuito a definição do espaço (local) e até o tempo (duração), e também a punição relativa à gravidade do pecado. (Idem):
Para o exercício da cópula destinava-se a casa e, no seu interior, o leito conjugal [...], o coito em "lugares públicos" sujeitava o infrator a quarenta dias de jejum a pão e água [...], interditava-se, antes de tudo, o tempo do sagrado: Natal, Quaresma, dias santificados, domingos [...] durante a menstruação da mulher e sua gravidez [...]. Proibia-se o coito durante uns quarenta dias após o parto e no período de aleitamento.

Segundo Michel Foucault em analise dos atos sexuais pronuncia-se da seguinte forma: (FOUCAULT, 1984):
Os atos sexuais devem, portanto, ser submetidos a um regime extremamente cauteloso. Mais esse regime é bem diferente daquilo que poderia ser um sistema prescritivo que procurasse definir uma forma "natural", legitima e aceitável das praticas. É notável que quase nada é dito nesses regimes sobre o tipo de atos sexuais que se pode cometem e sobre aqueles que a natureza aconselha.

Banalizando ainda mais a prática sexual no matrimônio, a Igreja o associa aos pecados capitais, principalmente a luxúria, onde segundo os moralistas religiosos, o homem recusa a castidade e coloca o prazer antes de tudo. O corpo em posse da alma.
A fornicação é outro ato que é reprimido pela Igreja, tendo um amplo sentido, sendo caracterizado principalmente como a venda de seu corpo para relações carnais podendo ser praticada dentro do casamento e mesmo assim tendo que ser controlado.
Deplorava-se a relação com o mesmo sexo, denominando-a de molice, assim como a masturbação tanto masculina como a feminina, o ato de sodomia (LE GOFF, 2002): [...] Sodomia é ainda mais abominável no matrimonio do que nos territórios das illicitae copulae, a animalidade, a bestialidade e a monogamia, no aspecto de vida sexual fora do casamento, Le Goff, têm uma outra perspectiva, onde a (idem): Monogamia seria uma representação ao status social, a monogamia seria marca dos pobres.
Qualquer meio de prazer carnal seria reprovado pela Igreja, que entende o sexo como pecado, ato que afastaria Deus da alma pura. As confissões e penitencias serviriam para regular este "mal menor".
A mulher casada: Além da mulher se manter casta ou servirem somente para a procriação, seus outros papéis seriam o de cuidar da casa, sendo elemento fundamental para a construção de um casamento estável e "feliz", objetivo que visavam os moralistas e teólogos. Esta mulher seria respeitosa como os sogros, guardaria a fidelidade sexual ao marido, deveria ser exímia mãe e excelente governanta da Domus (casa), o que nos elucida Dubby. (DUBBY, 2002): O casamento garantia da ordem social, subordina a mulher ao robusto poder masculino. Completamente submissa, prosternada, dócil, a esposa torna-se o "ornamento" de seu amo.
O matrimonio como conceito de ordem social, tiraria o amor desta relação e o adultério seria fato corriqueiro e aceitável. O homem seria o dono é a mulher sua criada. (RIVAIR, 2002): Os homens, fossem pais ou maridos, reservam-se o direito de castiga a mulher como a uma criança, um doméstico, uma escrava. (ELIAS, 1993):
De modo geral, as mulheres eram consideradas inferiores. Haviam mulheres em número suficiente e elas serviam para satisfazer as pulsões masculinas nas suas formas mais simples.As mulheres eram dadas ao homem para "sua satisfação e deleite".

3-Vestimenta e Maquilagem:
A vestimenta das mulheres era um dos meios mais utilizados para repreendê-las, pois para os homens a mulher que se vestia com certo tipo de roupa estaria supervalorizando seu corpo, exibindo ainda mais a sua tendência a promiscuidade contrariando assim o desejo de Deus.
O corte, a cor, o tecido, tudo isto deveria ser regulado para que não houvesse abusos e chamasse ainda mais atenção para esta figura considerada aliada ao diabo.
A maquilagem como aliado da vestimenta assim como o penteado, e principalmente a cor trazia consigo o perigo. (DUBBY, 1990):
A cosmética, em especial, revela uma soberba sem limites: a mulher que se pinta as suas faces de vermelho ou que altera a cor de sues cabelos ou que esconde os sinais de envelhecimento sob cosméticos e perucas e uma mulher que, a par de Lúcifer, contesta e pretende melhorar a imagem que Deus lhe deu chegando até a julgar-se capaz de intervir nas leis da temporalidade governadas por Ele.

Sempre prevalecendo esta imagem demoníaca, os homens da época receavam o adultério e temiam que suas respectivas mulheres usassem de feitiçaria para com eles.
Além da vestimenta ser utilizada como indumentária, ela também era colocada como em meio de diferenciar a mulher dentro da sociedade. Como por exemplo, indicasse para as casadas: cabelos amarrados de cores claras ou até todo encoberto e sem muita maquilagem, dentre outras atribuições; já às solteiras era permitido outra cor de cabelo e seu uso soltos e vestidos diferenciados, desde que não fosse muito provocantes aos olhos masculinos. Já as com disponibilidade para casar-se tranca-se o cabelo.
Mesmo assim no século XIII, cria-se um manual de beleza, chamado Ornatus Mulierum (O Ornamento das Mulheres.).
Para esses teólogos e moralistas, as mulheres que utilizam tais métodos para realçar sua beleza, não afrontavam somente a Deus, mas também aos homens da sociedade, pois elas se enfeitavam para os outros, para se mostrarem. É o corpo do diabo se enfeitando para dominar. (RIVAIR, 2002): As mulheres agem e falam na sociedade com a linguagem dos seus corpos adornados e pintados, mas trata-se de uma linguagem que subverte freqüentemente as regras sociais, levando a comunidade corrupção e desordem. (DUBBY, 2001):
É banal, na época, entre os membros da Igreja, condenar os cosméticos. Estes desagradam a Deus, que, com, bem se sabe,proíbe deformar o corpo humano, moldando com suas próprias mãos: Pintada "de branco ou de vermelho", ele não reconhece sua criatura. Até ou, porém, a falta é venial. Torna-se muito mais grave quando as damas preparam e distribuem mezinhas para evitar conceber, ou para abortar.

Estas mulheres segundo eles utilizam do uso da cosmética associado a vestimenta para realizar"feitiços" que manipulariam os homens espalhando a maldade.
Para que mantivessem em controle tais atitudes, a Igreja coloca outra vez os pecados como aliados de tais atos. A cobiça, a luxúria, a inveja dentre os outros sentimentos são taxados como pecados.
A vestimenta, ao longo da história, assume um papel preponderante demonstrando o poder das relações sócias institucionalizadas pela figura masculina com a finalidade de controlar a mulher e transmitir este conceito para a sociedade.
Dentro desta perspectiva colocar o vestuário como objeto toma-se uma grande amplitude de conceitos, pois o vestuário é intrinsecamente ligado ao comportamento humano, sendo que este deve estar ligado as tradições e cultura de cada "sociedade".
A vestimenta reforçou ainda mais a ideologia de opressão e dominação sofrida pela mulher medieval, colocando o homem no domínio deste processo opressivo, com todo o apoio da Igreja, sendo instrumento da manifestação de poder e ao mesmo tempo de segregação comportamental dentro da sociedade.

4- A fala e os Sermões:
Um dos diversos meios de se controlar a mulher seria através de sua fala, assim do final do século XII ao XV, os sons femininos tornaram-se ainda mais evidentes, das diversas medidas repressivas e especialmente através dos sermões dos padres nas missas e nos escritos de homens da Igreja e de leigos. As falas das mulheres que foram censuradas e reprimidas são principalmente daquelas que não se submeteram ao confinamento de suas casas, conventos, e na sociedade, aos ditames dos padres, de seus maridos, seus pais e de seus sogros.
Mas para compreendermos essas mulheres, teremos atentar-mos primeiramente para a escrita, em geral realizada por homens da Igreja e leigos cultos, dentre outros. (DUBBY, 1990) As palavras que dirigiram às mulheres gozam do privilegio de terem sido escritas em latim pelos homens da Igreja, em língua vulgar pelos leigos, e chegaram até nós, organizadas nas formas tradicionais do discurso normativo, o sermão, o tratado moral e pedagógico. (ELIAS, 1994) Religiosos cultos redigiam às vezes, em latim, normas de comportamento que servem de testemunho do padrão vigente na sociedade.
Os sermões seriam adequações de textos bíblicos para que os padres afastassem o mal da sociedade leiga.
Durante os séculos XIV e XV, a Igreja que colocavam o pregador em lugar de destaque, disseminando o combate ao mal, ao diabo. Era sermão que faziam os homens e mulheres saírem rapidamente da maldade, do estado de pecador.
Tais sermões previam que a mulher deveria estar sob tutela, pois esta impregnada de fraquezas e tendia para o lado carnal, sendo assim não poderia exercer nenhum poder publico excerto o poder mesmo subordinado de governar sua casa.












Apresentação:
O objeto de pesquisa deste trabalho é a avaliação do processo de personificação da mulher medieval como Eva e os mecanismos de criação da imagem da mulher e controle do seu comportamento social especialmente pela Igreja, e suas repercussões políticas e sociais.
Na Idade Média, a maioria das idéias e dos conceitos eram elaborados, construídos, pelos eclesiásticos e homens cultos, os homens da sociedade que possuíam acerca da mulher uma visão dicotômica, ou seja, ao mesmo tempo em que ela era tida como a culpada pelo Pecado Original, a Virgem Maria era a imagem da mulher que deu ao mundo o Salvador e Redentor dos pecados. O conceito dicotômico feminino está presente no Cristianismo desde sua consolidação e até antes deste, pois mesmo não tendo o Cristianismo como religião oficial, as mulheres do período medieval e eras anteriores, já sofriam uma série de discriminações em vários aspectos.
Durante o período de sua afirmação como religião, o cristianismo sofreu um processo de cristalização baseado em uma doutrina ascética e repressora.
A banalização da carne foi intrinsecamente ligada à figura feminina, assim o sexo, a luxúria e outros comportamentos considerados anti-sociais, vícios, foram associados aos pecados, que a Igreja intentava reprimir, e assim focalizados especialmente na mulher, atraiu para ela toda a repressão e censura da Igreja.
Para o desenvolvimento deste trabalho foram utilizados conceitos de teóricos da Igreja e outros, como: João Crisóstomo, São Jerônimo e Agostinho, assim como os historiadores, José Rivair Macedo, George Dubby, para embasamento histórico, e finalmente Michel Foucault, como teórico que ratifica os conceitos discutidos no trabalho.
As mulheres medievais são colocas como a própria personificação do diabo, mas esta visão vem desde o início da história da criação da humanidade. No Gênesis, o livro bíblico que relata a criação do homem e da mulher por Deus, coloca a mulher como a culpada pelo pecado original, pois esta foi tentada e sucumbiu às tentações do diabo, logo esta deveria estar sob tutela máscula, pois somente o homem seria capaz de domá-la, pois ele era a perfeita e direta criação divina.
A Igreja utiliza-se de vários mecanismos para que esta mulher seja controlada em todos os âmbitos, seja social, moral, religiosa e politico, seja nas ruas das cidades, nas igrejas em suma em todos os ambientes, de sorte que esta ideologia se expandiu para toda a população, sendo os sermões o veículo mais utilizado para a sua difusão.
Mas para acolher esta mulher que foi colocada como ser degradante, esta instituição apresenta Maria Madalena, a prostituta arrependida mais conhecida, e que se submeteu aos homens e a Igreja.
No transcorre deste trabalho, mostra os diversos métodos de controle de principalmente a Igreja utiliza para controlar a figura feminina idealizada como maléfica.










Resumo:
O presente trabalho apresentará uma perspectiva da mulher medieval colocada como Eva (pecadora), título este adquirido, segundo a Igreja, através do pecado original, a Queda.
Como pecadora, a mulher medieval é inserida na sociedade intrinsecamente aliada ao demônio e assim criam-se, principalmente através da Instituição Religiosa, mecanismos de controle e repressão sobre a mulher, que abrangem os âmbitos sociais, políticos e religiosos.



Palavras-Chave: Mulher medieval, Igreja, Homens, Repressão, Moralidade.




















Considerações Finais:

Como podemos verificar no decorrer deste trabalho, a projeção da figura bíblica de Eva na mulher foi transfigurada através de vários mecanismos, construção patrocinada principalmente pela Igreja, que a usou para controle do ser feminino, mas também para domínio e submissão de toda a sociedade. Para obter tal realização a Igreja associou a imagem da mulher à imagem do pecado, a repressão ao feminino com a repressão a todas as mazelas humanas, a mulher ao demônio e ao desagrado a Deus.
O corpo feminino sempre foi alvo de conceitos e de preceitos que foram transmitidos traços da sociedade medieval, mas que para nós é hoje colocado como "machismo".
Este trabalho procurou identificar as estratégias "masculinas" para controlar as mulheres, não deixando de lembrarmos que estas mulheres não foram reprimidas somente por seus maridos, mas pelo gênero masculino que a circundava, pela sociedade hegemonizada principalmente pela Igreja que neste período não se dissociava do poder econômico e político.
Esse controle exercido pelo homem em vários âmbitos da sociedade foi se transformando com o passar do tempo chegando aos dias atuais, os novos misóginos que tem suas práticas sempre vinculadas a cultura em que convivem.
No imaginário ocidental contemporâneo, a mulher medieval seria exemplo de repressão, opressão e afastamento do mundo clerical e dos homens que não conseguiam dominá-las, uma visão negativa, das filhas de Eva. A mulher era considerada pelos eclesiásticos como uma criatura de natureza inferior, associada regularmente a maior parte dos pecados como vaidade, infidelidade, desobediência e, sobretudo, concupiscência e luxúria. Ela era, na Idade Média, associada ao diabo.
O discurso moralista que foi construído para ter domínio sobre a mulher seria centralizado principalmente na sexualidade feminina, sendo vistas como um ser humano frívolo e associado ao demônio, assim interpretava-se que ao se maquiarem, vestirem ou pentearem-se, estavam na verdade tentando corromper aos homens, estas representações da Graça na terra, a criação divina.
Segundo análise de Mario Pilosu (PILOSU, 1995), a aversão da Igreja a esses artifícios estéticos se deve a condenação do uso de materiais que pudessem enganar e iludir os homens, fazendo com que a mulher se tornasse um instrumento do demônio para a sedução através de seu corpo.
Analisando as teses de Michel Foucault obteremos uma gama de informações a respeito deste olhar misógino da época e até compreendemos melhor o que chamamos de machismo, fenômeno este que distancia, segrega em duas esferas distintas a relação que não seja para procriação de homem/ mulher, criando uma grande problemática de gênero.
Entretanto, a análise documental se faz necessária para compreendermos a percepção do homem medieval em relação à mulher, a sexualidade, e principalmente a intervenção dos conceitos difundidos pela igreja e a criação da "ideologia feminina" pregada em todos os ambientes sociais.
Pode-se notar que, desde as formulações dos Concílios que tendiam a normalizar a vida conjugal e as suas práticas sexuais, passando a estimular o aumento das confissões aos padres, preconizando que as insinuações da carne deveriam ser ditas em detalhes, incluindo os pensamentos carnais. (ROSSIAUD, 2006.) Por meio das exigências canônicas se impôs o controle da Igreja ao domínio até então regido pelas famílias, homens e mulheres medievais, levando-os a manifestarem-se em relação ao seu corpo e a sua sexualidade.
Verificando os pensamentos de Santo Agostinho sobre a questão da continência do corpo para manter a pureza da alma, ele considera a cópula somente para que se pudesse procriar, e não para se obter prazer. O ato sexual ou a formicação representava a impureza do homem, herança de Eva no ato da Queda. A influência agostiniana na renúncia dos clérigos aos prazeres carnais, objetivando a purificação do corpo e como forma de aproximar a alma ao mundo de Deus, pode ser notada em vários textos que foram citados no decorrer deste trabalho.
Enfim, é possível analisar que a Idade Média produziu uma grande ideologia a cerca da figura feminina, no que se refere principalmente a questão sexual, tendo assim que se criar diversos meios para controlar a mulher, assim ela é reiteradamente associada ao diabo, personificado nela nas mais diversas formas. Até hoje nos chega a palavra "bruxa", muito mais aterrorizante que "bruxo", sendo o vocábulo masculino muito menos utilizado que a forma feminina, certamente resquícios culturais de uma história pretérita de repressões ao feminino.
O massacre à imagem feminina e a sua degradação são formas encontradas pela Igreja de oprimir o desejo carnal, a sexualidade humana, instrumento de manipulação dos indivíduos. O discurso sobre a renúncia dos prazeres carnais para a salvação da alma produziu uma normalização do corpo e dos prazeres na Idade Média Cristã, o que Foucault chamou de um "policiamento do sexo".
Devemos, porém salientar, que apesar de toda a repressão sofrida pelas mulheres, estas não conseguiram ser aplicadas igualmente em todos os ambientes onde ocorreu na chamada Idade Média, sobraram muitas "boas bruxas", que ajudam hoje a construir uma nova mulher. Uma mulher cidadã.











Referências Bibliográficas:

? MACEDO, José Rivair. A Mulher na Idade Média. 5º Ed. - Revista e Ampliada. São Paulo: Contexto, 2002.

? PERROT, Michelle. DUBY, George. História das Mulheres: a Idade Média. Porto: Afrontamento, 1990

? DUBBY, George. Idade Média. Idade dos Homens. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

? BLOCH, Misógina Medieval e a Invenção do amor romântico ocidental. Rio de Janeiro: Editora 34,1995

? PILOSU, Mario. A Mulher, a Luxuria e a Igreja na Idade Média. Lisboa: Estampa 1995.

? BROWN, Peter. Corpo e Sociedade. O homem, a mulher e a renuncia sexual no inicio do cristianismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990.

? FOUCAULT, Michel. 2001. História da Sexualidade. A vontade de saber. 14ª ed. Rio de Janeiro: Edições Graal.

? ¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬__________. .1984.História da Sexualidade. O cuidado de Si. 7ªed. Rio de Janeiro: Edições Graal

? LE GOF, Jacques. SCHIMITT, Jean-Claude. Dicionário Temático do Ocidente Medieval. São Paulo, vol. 02. 2006






Autor: Gisele Araujo Rodrigues


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