EDUCAÇÃO E VIOLÊNCIA



EDUCAÇÃO E VIOLÊNCIA


Às vezes a gente vai tocando a vida, sem se dar conta de que muita coisa aparentemente é auto-suficiente, e não se relaciona com outras, que são muito importantes para a vida em sociedade. É o caso da relação existente entre a educação ? tomada em seu sentido mais amplo ? e a violência, esta, que nunca deixou de ser uma preocupação para as autoridades, e de resto para todas as pessoas, e que, ultimamente, tem estado em quase todas as rodas de conversa.
É que, à medida que se vê ameaçado, o cidadão cada vez mais se preocupa, porque a violência tem mudado muita coisa importante, na vida da gente. Imagine uma pessoa com boas condições financeiras, que quer fazer um passeio programado com a sua família, ou com amigos. Uma das primeiras coisas que lhe vem à mente é a questão da segurança. ?Será, meu Deus, que não estaremos correndo algum risco, ao percorrermos essas estradas??, pensa de imediato.
É praticamente impossível a gente viver hoje em dia sem se preocupar com questões de violência. E porque isso? Mesmo que traduzisse a verdade, o dito popular pelo qual se diz que "o dinheiro pode tudo", não é de todo verdade. O dinheiro atualmente pode apresentar, sim, efeitos colaterais, que vêm, de certa forma, eliminar a sua fama de não ter efeito colateral. E está na violência exatamente as possíveis ressalvas que se pode fazer ao dinheiro, o quê impede, mesmo tendo-o com fartura, de se estar à vontade para realizar com ele tudo o que se deseja, sem percalço algum.
Mas, onde estão as verdadeiras causas da violência? Muito se tem discutido sobre isso, e os especialistas apontam vários elementos que afluem em sua direção, inclusive a falta de escolarização de uma boa parcela de pessoas pertencentes às classes sociais menos favorecidas.
Quem sou eu para discordar? Não o faço até porque concordo plenamente com os estudos feitos sobre o tema violência, até aqui. Mas, no leque de causas apontadas como subsidiárias da violência, eu daria um destaque maior à educação, e diria que ela sozinha, a médio e longo prazo, é capaz de debelar sozinha a violência.
Eu tenho a coragem de afirmar aqui que a educação tem mais poder de aperfeiçoar o homem para uma vida sadia em comum com os seus semelhantes do que mesmo as religiões. O poder de transformação dessa atividade humana ? a educação - só não é incomensurável porque trata-se de coisa pertencente ao mundo experiencial, que, como todas as demais, é finita e relativa. Mas, ressalvada esta particularidade, é difícil esgorar todo o seu potencial transformador, em termos sociais.
Estando as religiões voltadas mais para as coisas espirituais, como sói acontecer, creio que não têm elas um histórico de habilidades necessárias para lidar com problemas de ordem social, e nem é este o seu foco.
Acredito piamente na educação, sendo ela praticada com verdadeiro empenho, dedicação, competência, afeto, responsabilidade e devotamento. Dessa perspectiva ela é capaz até de fazer milagres no seio de uma nação, penso.
Dentre as inúmeras virtudes da educação, existe uma que não foi ainda ? pelo menos concebo deste jeito ? trazida à luz de nossas reflexões, com a atenção devida. A educação verdadeira melhora a qualidade do ser humano em muitos sentidos, mas a elevada "autoestima" que ela nos proporciona é algo extraordinário. Pela educação o homem conhece, compreende melhor as engrenagens do mundo, apreende a noção de ética, faz melhor uso da moral, descobre coisas que melhoram a sua qualidade de vida, enfim, sublima-se. O sujeito bem educado passa a desenvolver um valor especial para a vida, a sua e a do outro, o semelhante; passa a respeitar e a cobrar respeito a si próprio; compenetra-se dos seus e dos direitos alheios, e torna-se leve e agradável em suas relações. Traduzindo, tudo isso é expressão de dignidade e autoestima elevada, que, a meu ver, não têm outra fonte tão poderosa quanto a educação.
Para mim isto é a plena consciência de ser. É a noção exata do existir, enquanto ser humano. O ser humano que não nasce pronto e acabado para o exercício de uma vida digna, pelo menos na civilização de que fazemos parte. É preciso que se lhe agregue valores, princípios, qualidade.
E como se faz, para a agregar qualidade ao ser humano? Bem! A família equilibrada é a primeira alavanca na condução desse processo. O chamado berço familiar é fundamental para iniciar a formação de um ser humano admirável e querido pela sociedade, vindo a escola, com a sua força inequívoca, com os seus muitos séculos de experiência no ensino e na educação dos novos membros sociais, dar continuídade e amplitude ao que se fez em casa. Se o produto do lar for coisa boa, a tarefa da escola é mais leve e prazerosa; se for ruim, à escola é reservada uma empreitada muito difícil, que ela, de há muito, não está preparada para enfrentar, em sua tarefa de transmudar indivíduos toscos em espécimes humanos dignos de viver em sociedade, fazendo aflorar deles os valores humanitários necessários à condição de seres humanos de verdade.
A escola atualmente está sendo afetada por aquilo que, em essência, ela mesma combate, que é a violência. Da mesma forma que as religiões, o foco da escola definitivamente não é o enfrendamento da violência, e nem poderia ser. A sua ausência neste aspecto é legitimamente justificável. Ela trabalha o antídoto da violência, em sua raiz, mas, como disse, não está preparada para lidar com ela já constituída.
Mas, como citado acima, a empreitada da escola, na formação integral da pessoa, é uma tarefa árdua, e necessita ser feita com trabalho, competência e arte. Uma pessoa realmente educada, dificilmente vai se dar ao desprezo de enveredar pelo mau caminho, o caminho da violência, do terror, da ilegalidade, simplesmente porque tem consciência do amor por si própria, que a faz respeitar-se, admirar e considerar. É o efeito da elevada autoestima. O processo educativo que experimentou em toda a sua vida faz com que ela descubra o peso que encerra em si o termo "ser humano". Além da configuração psicológica que desenvolve, há também o lado objetivo. Ela tem o seu nome, que, a certa altura, torna-se uma instituição a ser respeitada, zelada, que não pode macular-se pela estreiteza de uma escolha infeliz.
Mas alguém pode questionar: "Não é isso o quê se vê por ai. Conheço muita gente educada, de origem fina, que, no entanto, se comporta como bandida, roubando, infringindo e até matando, se for o caso. Certo. Isso acontece mesmo, e está ai prá todo mundo ver. Em contrapartida eu diria uma coisa: pessoas assim, apesar das aparências, não são realmente educadas, porque não atingiram, mesmo freqüentando instituições de ensino renomadas, o cume da educação verdadeiramente dita, que lhes fizesse auferir a "consciência da "autoestima elevada". Houve sérias falhas no percurso da sua educação. Esta, parece-me, é a verdade. Quem adquire a consciência da autoestima é diferente. Primeiro por saber avaliar se a sua está alta ou baixa, porque o ser humano é assim mesmo, sujeito a vicissitudes. Mas tem condição de identificar o seu estado psicológico, de perceber a eventual lacuna, e tomar as providências no sentido de recompor-se, porque a consciência da autoestima não permite, qualquer que seja ela, laivos de fragilidade moral.
O que podemos por em discussão é a qualidade da educação desenvolvida no Brasil; é saber se ela detém os pressupostos básicos ? qualidade, competência e sintonia com a realidade ? para transformar o ser humano. Se a educação não ocorrer em conformidade com a sua verdadeira acepção, há que se lhe dar outro nome.
Concordo plenamente com o Senador Cristovam Buarque. Outro dia assisti a uma entrevista sua, em que ele dizia não ser inadequada a educação praticada entre nós; e que precisamos desmanchar tudo o que está ai, nesse âmbito, e recomeçarmos todo o processo novamente, sob outros moldes, outra concepção. Lembro-me que, dentre outras providências, o senador sugeriu que o professor do ensino básico seja federalizado, o que garantiria pelo menos um padrão nacional, com formação inicial e salário nivelado, prá começar.
A meu ver, somente revolucionando a nossa educação, é que poderemos, um dia, orgulharmo-nos não só desse mister, mas também e principalmente, dos cidadãos e cidadãs, com os quais conviveremos.


Nilton Rodrigues de Souza

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Autor: Nilton Rodrigues De Souza


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