SAUDOSO DESPERTAR-SE



SAUDOSO DESPERTAR-SE
Depois do jantar, num momento de falta de cuidado, espantei-me com meu eu, que antes em torpor eu mantinha. Despertei do balanço ritmado das horas dos dias, que se esgueiravam na minha rotina segura do agora.
Quando tudo parecia finalmente ter se esclarecido, mais tarde, uma janela se abriu... Tarde de uma noite comum de segunda-feira, ela apareceu: a nostalgia.
Preso a minha realidade cotidiana, sentia-me seguro dessas coisas que a gente não sabe bem o que é. A caminhada precisa das horas compenetradas em tarefas fabris, perdeu-se em um tropeção, absurdamente retumbante para todas as estruturas sensíveis de meu eu.
Veio, dolorosa, cheirando a ruas distantes, cheias de folhas caídas. Plena daquele longínquo entardecer de minhas lembranças. Tão irreal como presente! Veio iluminada de sóis imaginários, pintada de todo o azul que enfeitava os domingos daqueles dias. As tardes silenciosas de domingos ensolarados, em que eu ficava sentado a beira de um portão, jogando palavras ao vento com meu avô.
Quentes raios de sol tapam-me os olhos sedentos, cegando-me do meu entorno, enquanto lembro dos momentos perdidos, já há muito, revividos naquelas conversas que costumava ter com meu pai. A Luz que encobre as feridas do tempo é mesma que me obriga a enxergar.
A pele que se vê é lisa e tenra. A maciez de felpudas toalhas, daquelas tardes mornas de janeiro, quando nada sabia disso tudo aqui, hoje, que me torce como uma noz encruada em um torrão de sombras. A deliciosa vontade de correr os mundos de meu bairro que me trazia imundo, todos os dias, para casa, à tardinha, naquelas férias de verão, coladas em flash de emoções juvenis.
A janela estava aberta! Eu via muitas paisagens... Antigas memórias de um pedaço de gente, que agora já não sei se era eu.
Duvide de quem eu era, prenuncio! Acho razões para crer que tudo é uma vertigem de meus nervos, tão pousados nos sons dessa noite própria dos que querem flutuar acima dos telhados humanos.
Ruas que já se foram. Cascalhos sepultados sobre o asfalto. Auroras saudosas de minha terra, de idas e vindas, no constante subir e descer de morros.
Queria não sentir a noite caindo em minha alma temperada de dúvidas. Creiam, estou perdido em minhas presenças! Mil agulhas aguçam minha sensibilidade petrificada pela lógica cotidiana das razões motoras.
É o clímax! Como um carrossel de cores e sons, arrombam-me as retinas, violentam-me os tímpanos, no silêncio escuro dessa noite chuvosa de uma segunda-feira oficiosa.
O epílogo desse frenesi estático acaba em uma manhã perdida em uma pracinha, onde diviso uma igreja branca. Estou atrás da casa paroquial. Vejo grama, vejo flores. Caminho em piso português. O sol é morno. Não é mais de nove horas. Não tenho mais que nove anos.
Confirma minha sombra, refletida nas pedras que povoam os caminhos entre os canteiros amarelos e verdes, salpicados de grandes árvores de ontem, que estampo um sorriso pleno de prazer. Por tudo o que eu era e tudo o que me rodeava.
Agora vejo, o que não via. Ao tombar a fronte sobre o travesseiro da agonia, lembro da terça-feira, que logo mais chega.
No orvalhar da madrugada, desperto. Olho para a parede branca de meu quarto escuro. Percebo-me como sou. Sinto saudades de mim e de todos aqueles rostos coloridos que sentia. A criança que já fora um dia habita em mim, mas agora dorme, com o sorriso estampado na fase, descansa das brincadeiras do dia.

Autor: Alexandre Gazetta Simões


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