Reforma Sindical



Reforma Sindical:

Polêmicas e Controvérsias

Esp. Felipe Salman Magioli

Bacharel em Direito

Especialista em Direito do Trabalho



1 INTRODUÇÃO

A Reforma sindical que tramita no congresso nacional através de um projeto de lei com 238 artigos e de uma Proposta e Emenda Constitucional (PEC) 369/2005, passou por um longo debate no Fórum Nacional do Trabalho (FNT), sendo esta, fruto de um quase consenso por parte das entidades de representação envolvidas.

O Fórum Nacional do Trabalho (FNT) depois de um ano e meio de discussões e negociações entre representantes dos empregadores, trabalhadores e do governo, tenta reformar a atual legislação sindical brasileira que ainda se fundamenta em normativos cuja estrutura já dura mais de 70 anos – se levarmos em contaque sua primeira estaca foi fincada em 1931, com o decreto-lei 19.770 baixado por Getúlio Vargas.

Embora a Constituição Brasileira de 1988, tenha reformado muito da legislação corporativista da era Getúlio, de lá pata cá, aos trancos e barrancos, com virtudes e vícios, criou-se uma cultura no sindicalismo brasileiro. A reforma em curso deverá abalar essa estrutura cristalizada, modificando radicalmente seu funcionamento e afetando costumes arraigados.

A maioria das entidades de trabalhadores representadas no FNT concorda com a valorização da negociação coletiva, mas não admite flexibilização dos direitos escritos no arcabouço legal, considerando-os como patamar que garante um mínimo de civilidade ao mercado de trabalho brasileiro. Esta questão que muitas vezes não aparece de forma explícita, sempre está presente no centro das divergências. Ela aparece em diversos aspectos do debate da reforma, tais como a discussão sobre a adoção do princípio da norma mais favorável e do papel da abrangência da negociação coletiva.

A reforma sindical altera o chamado direito coletivo. O conjunto da proposta está expressa em uma PEC que altera os artigos 8◦, 11◦, 37◦ e 114◦ da Constituição Federal, e num projeto de lei contendo: o sistema de organização sindical; o sistema de financiamento das entidades classistas; o papel e funcionamento do Conselho Nacional de Relações de Trabalho (CNRT); o sistema de negociação coletiva; as formas de solução dos conflitos; o direito de greve; e, a substituição processual. Neste trabalho, serão privilegiados os pontos polêmicos que deverão pautar as discussões no Congresso Nacional. O Referido trabalho tem como escopo elencar os principais pontos polêmicos da reforma sindical.

2O Princípio da norma mais favorável

A principal controvérsia quanto aos princípios que norteiam a reforma está na inclusão ou não do princípio da norma mais favorável, ou seja, a adoção do princípio da prevalência do negociado sobre o legislado.

Nas discussões do fórum, os atores sociais não firmaram uma posição explícita sobre essa controvérsia, indicando genericamente que integram o sistema sindical os princípios da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do direito do trabalho.KREIN (2004, p. 02):

O Direito do Trabalho é informado por princípios próprios. Um deles, o da aplicação da norma mais benéfica ou mais favorável ao trabalhador. À luz desse princípio, havendo mais de uma regra dispondo distintamente sobre um mesmo fato (por ex. um artigo de lei, a cláusula de uma convenção coletiva ou de um contrato individual de trabalho), incidirá aquela quemais benefícios trouxer ao trabalhador. É que no Direito do Trabalho, cujo princípio fundamental é o da proteção, o qual tem como expressão, dentre outros, oda norma mais favorável, não vigora o princípio da hierarquia formal das fontes, mas o da hierarquia dinâmica destas. É nesse sentido que, havendo uma pluralidade de regras vigentes aplicáveis a uma mesma situação jurídica, aplicar-se-á sempre aquela regra que for mais benéfica ao trabalhador, mesmo que de uma hierarquia inferior em relação às demais.

A grande polêmica gerada nas discussões do fórum, sobre a inclusão do referido princípio, poderia dar margem aduas interpretações. Por um lado, uma corrente com a interpretação de que na proposta de reforma há aspectos que fecham a porta para a flexibilização, ao assegurar na PEC (art. 114) que será "respeitadas as disposições mínimas legais de proteção do trabalho. Por outro lado, há os defensores da tese que a não explicitação do princípio da norma mais favorável pode abrir caminho para flexibilizar as relações de trabalho.

3O sistema de representação sindical

As mudanças no sistema de organização sindical serão significativas, combinando elementos de liberdade sindical com critérios de representatividade bastante objetivos previstos em lei. Com a nova legislação, as centrais sindicais e as confederações empresariais passarão a fazer parte da estrutura sindical, com poder de representação jurídica sobre seus associados. Os principais pontos polêmicos que deverão nortear os debates no Congresso Nacional são: a) o fim do princípio da unicidade versus pluralidade sindical; b) o papel atribuído às centrais sindicais e às confederações patronais; c) a organização dos trabalhadores no local de trabalho; d) o fim das contribuições compulsórias; e) o número de dirigentes sindicais com estabilidade; f) o papel do Ministério do Trabalho Emprego - MTE no novo desenho.

A criação de novas centrais sindicais deverá obedecer a parâmetros que com certeza trará mais representatividade aos trabalhadores. Isso se dará através dos pressupostos exigidos para o reconhecimento de uma central, que deverá atender 03 dos 04 critérios exigidos:

a) A central Sindical deverá contar com sindicatos reconhecidos em pelo menos 18 Estados da Federação, contemplando as cinco regiões do País;

b) Dentre os 18 (dezoito) Estados da federação com representantes da Central Sindical, em pelo menos 09 (nove) a soma dos trabalhadores empregados sindicalizados nos sindicatos pertencentes à Central Sindical deve ser igual ou superior a 15% da soma dos trabalhadores empregados em cada um dos Estados;

c) A soma dos trabalhadores empregados sindicalizados nos sindicatos pertencentes à Central Sindical deve ser igual ou superior a 22% da soma dos trabalhadores empregados nas bases de representação de seus sindicatos;

d) Em pelo menos 7 (sete) setoreseconômicos, previstos na legislação, a soma dos trabalhadores empregados sindicalizados nos sindicatos pertencentes à Central Sindical deve ser igual ou superior a 15% da soma dos trabalhadores em cada um desses setores em âmbito nacional. A perdurar tais exigências, apenas duas ou no máximo três Centrais terão condições de preencher tais requisitos.

O critério para reconhecimento dos sindicatos sofre mudanças ainda mais drásticas. Para a fundação e obtenção de reconhecimentosindical, de novos sindicatos, os trabalhadores enfrentarão dificuldades bem maioresque as atuais. Precisarão sindicalizar 20% da base representada pela nova entidade. E nem assim terão exclusividade de representação, ou seja, poderiam ser construídos outros sindicatos em sua base.

No que pertine às Centrais Sindicais, estas poderão criar, como parte da sua estrutura organizada, Sindicatos Municipais, Intermunicipais e Nacionais, por ramo de atividade econômica, pelo critério da representação derivada (considerados sindicatos biônicos). Por falta de regras claras, isto abre a possibilidade para que as Centrais possam fundar sindicatos mesmo na base de outras entidades que tenham a chamada exclusividade de representação.

Os atuais sindicatos, para manterem a exclusividade de representação dos trabalhadores da sua base, precisarão aprovar isso em uma assembléia da categoria e, além disso, atender dois critérios. Primeiro, deve atingir e manter pelo menos 20% da sua base sindicalizada. Em segundo lugar, deve adaptar seus estatutos às novas regras do governo. Caso o sindicato não cumpra os novos critérios para exclusividade de representação, a Secretaria de Relações do Trabalho – SRT do Ministério do Trabalho e Emprego poderá com base na análise dos critérios objetivos e após consulta à Câmara Bipartite do Conselho Nacional de Relações do Trabalho, cancelar a prerrogativa da exclusividade de representação do Sindicato que descumprir as normas estatutárias ou não alcançar os critérios de representatividade. ALMEIDA (2004, p. 05).

Por outro lado a definição de regras estatutárias pelo governo, cuja desobediência pode levar à cassação da representação do sindicato, significa a volta do poder de intervenção que o Ministério do Trabalho tinha durante a Ditadura Militar e que foi proibida a partir da Constituição e 1988! É incrível como um conjunto de Centrais Sindicais pode concordar em que o governo determine regras para os estatutos das entidades, acerca de "direitos e deveres de associados e membros da diretoria, estrutura organizativa e suas finalidades, composição da diretoria e as atribuições, penalidades e perda de mandato, requisitos para votar e ser votado, processo eleitoral", entre outros. É dar poder ao atual governo e a qualquer outro que venha pela frente, para definir regras acerca destes pontos e obrigar os sindicatos a cumpri-las. Joga-se no lixo a defesa da liberdade e da autonomia dos sindicatos frente aos governos.

3.1Representação dos trabalhadores no local de trabalho

O atual sistema de relações de trabalho prevê duas formas de representação dos trabalhadores no interior das empresas: 1) a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), composta de forma paritária, sendo que os representantes dos trabalhadores são eleitos e os da empresa são indicados por ela; 2) o representante sindical nas empresas com mais de 200 empregados – preceito constitucional que não tem regulamentação em lei ordinária e, portanto, de difícil efetividade. Além disso, de forma facultativa, há a previsão legal da constituição de comissão de negociação de PLR (Participação nos lucros e resultados) e de conciliação de conflitos, desde que acordado entre as partes. O mais comum destes institutos é a figura do Delegado Sindical, existente na maioria dos sindicatos brasileiros. No âmbito da União Européia – UE, já existe a possibilidade dos trabalhadores poderem se organizar em Comitês de Empresas, nas companhias instaladasem mais de uma país do bloco. Embora o direito do trabalho esteja passando por mudanças em todo o mundo, tais direitos não vêm sofrendo contestações na União Européia.

Esta prática que já é muito usual na Europa, tendo se concretizado no Brasil em especial nas empresas multinacionais, que quando aqui aportam, já trazem esta cultura dos seus países.

As discussões no Fórum Nacional do Trabalho não evoluíram, em função do anacronismo do empresariado brasileiro, que considera a representação por local de trabalho um fator de desagregação dos trabalhadores.

Diante do impasse, o governo apresentou uma proposta que teve razoável aceitação por parte dos trabalhadores, considerando a representação por local de trabalho apenas para as empresas com mais de 30 empregados, a ser implantado progressivamente no prazo de seis anos, conferindo aos representantes poder de negociação e de solução dos conflitos e garantindo-lhe a estabilidade.

3.2O número de dirigentes sindicais com estabilidade

Segundo o artigo 522 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, apenas 7 (sete) dirigentes sindicais são estáveis. Tal artigo tem gerado inúmeras polêmicas, pois existe controvérsia quanto a sua recepção pela Constituição Federal de 1988. Vejamos o que diz o referido artigo:

"A administração do Sindicato será exercida por uma diretoria constituída de no máximo 7 (sete) e, no mínimo 3 (três) membros,e de um Conselho composto de 3 (três) membros, eleitos esses órgãos pela Assembléia Geral".

Embora perdure a controvérsia quanto a recepção ou não pela Constituição Federal de 1988 do art. 522 da CLT, a jurisprudência tem se inclinado no sentido de que apenas 7 (sete) dirigentes sindicais são estáveis, sendo que talestabilidadenão se estende as membros do Conselho Fiscal.

MEMBRO DE CONSELHO FISCAL DE SINDICATO. O membro de conselho fiscal de sindicato não sindicais, assim entendidos seus diretores, pois a diferenciação entre estee aqueles é estabelecida pela própria CLT quando individualiza as funções e a competência, limitando textualmente a atuação do Conselho Fiscala "Fiscalização da gestão financeira" (art. 522, § 2◦) atribuição diversa da diretoria do sindicato prevista em outro dispositivo. Recurso provido, (art. 522 § 3◦). Por unanimidade. (TST SUBSEÇÃO II ESPECIALIZADA EM DISSÍDIOS INDIVIDUAIS. ROAR. 718676/2000. Origem TRT da 22ª Região. Relator Desembargador Convocado HORÁCIO R. DE SENNA PIRES. DJ de01-06-2001, p. 483).

Apesar dos normativos, os sindicatos usando da prerrogativa da autonomia constitucional sindical, sempre constituíram suas diretorias com um número bem maior de membros. Atrelar um quantitativo para membros de diretoria de sindicato, em alguns casos, seria colocar esses sindicatos em uma camisa de força, pois o número de dirigentes se dá em função da quantidade de associados, fato demandador da necessidade.

A reforma prevista limita o número de dirigentes sindicais estáveis em 81 (oitenta e um), admitindo-se a possibilidade de ampliação desse número mediante contrato coletivo de trabalho. As entidades de trabalhadores, especialmente as grandes, continuam não aceitando esta limitação. Ademais, segundo previsão da reforma, o pagamento do salário de eventuais dirigentes liberados para o exercício da atividade sindical é de responsabilidade da entidade sindical, salvo acordo coletivo em sentido contrário. Os empregadores não concordam com tais números, aguardando as discussões no Congresso Nacional para tentar reverter tal proposição.

3.3O princípio da unicidade sindical

O atual sistema sindical brasileiro contempla a unicidade sindical, ou seja, só pode existir um sindicato em cada base territorial, assim definido em assembléia, podendo esta base ser um Município ou mais, e um Estado ou mais. Neste aspecto há uniformidade de pretensão entre trabalhadores e patrões. O receio dos trabalhadores parte da premissa de que mesmo com a atual unicidade sindical, a pesquisa sindical do IBGE de 2002, apontou mais de 16 mil sindicatos no País, falando-se em 18 mil, já nesta data.

A argumentação prevalecente pelos trabalhadores, consiste no fato de que a quebra da unicidade, fragmentaria os sindicatos através da pulverização de varias entidades, sem força para negociação. A mudança no atual contexto pode significar a desarticulação do atual sistema sindical, que, bem ou mal, tem defendido os interesses dos representados.

A reforma sindical está indicando uma saída híbrida introduzindo a possibilidade da concorrência entre entidades sindicais, mas preservando o direito adquirido das atuais, que podem desde que tenham representatividade e adotem mecanismos estatutários democráticos, inclusive na eleição sindical, continuar mantendo a base de representação. Na avaliação de parte significativa do movimento sindical de trabalhadores, a reforma indica uma perspectiva de avanço rumo à liberdade e autonomia sindical, no entanto, a possibilidade de um sindicato adquirir representação através do critério de derivação por parte das Centrais Sindicais, pode causar danos irreparáveis àqueles sindicatos não filiados a esta Central Sindical, que poderá ter como escopo apenas a fragilização do sindicato já existente.

3.4Centralização de poder nas centrais sindicais

Atualmente, todo o poder emana dos sindicatos de base, ficando as centrais com a função de articulação política dos trabalhadores e de entidades, não exercendo prerrogativas sindicais, no entanto, com a atual reforma, as centrais e confederações poderão criar ou conceder representatividade derivada às organizações sindicais de nível inferior. Tal fato vem trazendo muita polêmica, pois isto significaria o fortalecimento da cúpula sindical em detrimento dos sindicatos de base. O poder das centrais depende dos sindicatos de base, pois são estes que os responsáveis pela receita de toda a estrutura sindical. Ademais, a filiação dos trabalhadores não se dá na instância superior da estrutura sindical, mas na base.

Na atual estrutura, as Centrais têm grande poder de articulação política, no entanto, quem delibera tudo são os sindicatos de base. Um recente exemplo da autonomia dos sindicatos de base foi a greve nacional dos bancários de 2005, que inconformados com o acordo celebrado pela CNB/CUT com os banqueiros, deliberaram em assembléia rejeitar a proposta acordada e deflagrar a greve, que durou 30 dias.

Para parte dos sindicalistas, a centralização de poder nas Centrais Sindicais, tem como objetivo acabar com a autonomia dos sindicatos de base, tornando mais fáceis as negociações. A idéia é acabar com a soberania das assembléias de base, fragilizando os sindicatos em suas lutas à revelia das Centrais Sindicais. Estas passariam a ser o centro do poder.

3.5Financiamento das entidades sindicais

Atualmente, as fontes de financiamento das entidades sindicais são as seguintes:

1) a contribuição sindical obrigatória (imposto sindical), que corresponde a um dia de serviço dos trabalhadores 3,3% do salário ou um percentual proporcional ao capital social da empresa. Este valor tem a seguinte distribuição: 60% para o sindicato de base; 15% para a federação e 5% para a confederação correspondente e 20% para a conta Salário Emprego do Ministério do Trabalho e Emprego - MTE, com o objetivo de financiar o seguro desemprego. Esta contribuição, em muitos casos, acaba sendo a única fonte de recursos dos sindicatos com pouca representatividade, os também chamados sindicatos cartorários;

2) a contribuição assistencial tem a finalidade de proporcionar a manutenção dos serviços prestados pelo sindicato à categoria, cujo valor é definido durante o processo de negociação da renovação do contrato coletivo de trabalho, em assembléia do sindicato e base;

3) a contribuição confederativa(art.8◦/CF/1988) tem seus valores fixados em reunião da diretoria e referendados em assembléia da categoria. Tem como objetivo o custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva;

4) a mensalidade associativa é cobrada dos filiados à entidade sindical. Esta é a principal fonte de recursos dos sindicatos com forte representação na base, ou seja, quanto maior o número de filiados, mais recursos terá o sindicato.

A reforma em curso prevê a extinção das três primeiras contribuições, o que sacramentará o fim do malfadado imposto sindical, trazendo conseqüências nefastas para os sindicatos com baixa representatividade. Em substituição a estas contribuições será criada a contribuição de negociação coletiva no valor de 1% da renda líquida do trabalhador no ano anterior. Ou seja, uma contribuição que pode chegar a mais de 13% de um salário mensal (1% por mês, mais 1% de décimo terceiro salário mais 1% de outros ganhos do trabalhador, como PLR, horas extras, etc). No caso de empresa, a contribuição será de 0,8% do capital social do ano anterior.No caso dos trabalhadores, 10% irá diretamente para as Centrais Sindicais. Este desconto, depois de aprovado em assembléia, será obrigatório para todos os trabalhadores atingidos pelanegociação.

Embora haja previsão de aprovação em assembléia, como as Centrais poderão negociar em nome dos trabalhadores, sem submeter-se às assembléias de base, nada assegura que a aprovação em assembléias de base seja respeitada.

4Negociação coletiva

A negociação coletiva e o correlato contrato coletivo de trabalho serão os instrumentos que irão garantir normas específicas a cada ramo de atividade econômica, enquanto ao Estado, incumbirá garantir um patamar mínimo de direitos fundamentais, principalmente os de natureza individual e indisponível.

Segundo consenso do FNT a negociação coletiva terá uma maior importância, já que ela poderá ocorrer em todos os níveis, inclusive no âmbito nacional. A recusa da negociação será tida como conduta anti-sindical. A obrigatoriedade da negociação, não significa necessariamente, chegar a um acordo ou assinar um contrato.

Os principais pontos polêmicos da negociação coletiva são:

1) a relação entre negociação e legislação, sobre a possibilidade de levar-se em consideração o princípio da norma mais favorável, ou seja, o negociado prevalecer sobre o legislado;

2) a previsão de que os instrumentos normativos de nível superior, quando existirem, possam indicar as cláusulas que não podem ser modificadas em nível inferior;

3) a possibilidade da substituição da entidade representante de uma base por outra, quando esta recusar-se a negociar;

4) a solução do impasse da negociação, no momento da renovação do contrato, destacando-se a questão da ultratividade das cláusulas.

4.1 Negociação quando existir contrato em vários níveis

De acordo com as resoluções do FNT, as negociações mais gerais poderão indicar cláusulas que não serão alteradas em níveis inferiores, estabelecendo um certo enrijecimento de algumas normas gerais, com o objetivo de não permitir o rebaixamento do contrato, podendo também inviabilizar uma melhora nos conteúdos das negociações em níveis inferiores. Tais resoluções poderão dificultar o princípio da progressividade das normas, onde as instâncias de cúpula estabelecem cláusulas mais gerais.

4.2 Substituição de uma entidade que se recusa a negociar

A negociação, doravante passa a ser obrigatória, não significando que a entidade sindical tem que fechar um acordo em quaisquer circunstâncias. Porém, a recusa à negociação por parte de uma entidade sindical, pode significar a transferência da titularidade para outra do mesmo ramo ou setor econômico. Ademais, os responsáveis diretos estarão sujeitos a "multas e penas estabelecidas em lei". Se a recusa for reiterada, o sindicato pode perder suas"prerrogativas e atribuições"de personalidade sindical.

4.3 Solução do impasse da negociação coletiva e ultratividade das cláusulas

A proposta consensuada no FNT, cria importantes mudanças para solução dos conflitos, passando-se pelo incentivo à conciliação, mediação e arbitragem, sem no entanto, a garantia da ultratividade das cláusulas. Caso as partes não cheguem a um acordo durante o contrato, que pode ser de três anos, haverá a sua prorrogação por mais 90 dias – período de tolerância para a conclusão das negociações.

As novas opções para a conciliação, no que pertine aos dissídios individuais, institucionaliza as famigeradas Comissões de Conciliação Prévia (CCPs). Diz o relatório "Na esfera dos conflitos individuais, o novo sistema deve prever a composição extrajudicial realizada com a assistência sindical, conforme regulamentação específica, sem prejuízo do direito de acesso ao poder judiciário". As denúncias veiculadas na imprensa sobre as barbaridades ocorridas nas CCPs hoje existentes, não foram suficientes para demover as partes da inclusão dessa tão nefasta forma de solução dos conflitos.Essa forma de composição extrajudicial dos conflitos demonstra a força do poder patronal, que tem como objetivo fragilizar o direito dos trabalhadores, diminuindo o número de processos ajuizados na Justiça do Trabalho, infelizmente agora com a complacência dos sindicados.

As formas de solução dos conflitos serão estabelecidas através da conciliação, mediação e arbitragem. Caso isto não ocorra até o período de prorrogação, fica o impasse, podendo o Ministério Publico intervir no processo, solicitando a Justiça do Trabalho que arbitre o impasse, o que poderia ser muito perigoso para os trabalhadores, pois segundo os princípios gerais de arbitragem e regulamentação específica, este não admite contestação da decisão do árbitro, porque se pressupõe que o processo de arbitragem seria definido em comum acordo pelas partes.

5Do direito de greve

O projeto de lei enviado ao Congresso Nacional, corrobora o direito de greve existente na Constituição Brasileira, como sendo um direito fundamental dos trabalhadores, no entanto, foram acrescentadas mudanças ao normativo já existente, que dificultam ou quase impossibilitam a pratica deste direito constitucional, quais sejam:

a) a comunicação aos empregadores, por escrito, com antecedência mínima de 72 (setenta e duas) horas do início da paralisação;

b) a definição como prática anti-sindical da discriminação em razão do exercício do direito de greve, inclusive vedando a dispensa do trabalhador "durante a greve", assim como a contratação de "mão de obra destinada à substituição de grevistas";

c) a explicitação da garantia de manutenção de nível de atividade mínima em setores em que a paralisação possa causar danos irreparáveis, incluindo a possibilidade de contratação de substitutos de grevistas, caso não haja acerto entre as partes;

d) A Justiça do Trabalho, se acionada pelo Ministério Público, pode julgar a demanda que garanta os serviços mínimos nas atividades essenciais e a conduta anti-sindical praticada na greve, porém, não está previsto ela se manifestar sobre a pauta de reivindicação. Está previsto também, uma possível aplicação de multa a parte que praticar uma atitude anti-sindical ou desrespeitar a lei. Em função da impossibilidade de um consenso mais amplo sobre o direito de greve, apenas estas pequenas mudanças foram consensuadas, pois, por um lado os trabalhadores lutavam por um amplo direito de greve, ao passo que os empregadores insistiam em querer criminalizar qualquer abordagem para viabilização do exercício ao direito de greve.

Com relação aos servidores públicos, em recente decisão e por falta de regulamentação Constitucional da matéria, o Supremo Tribunal Federal entendeu que o direito de greve, até que haja regulamentação Constitucional, será norteado pelos normativos dos empregados da iniciativa privada. Denota-se da decisão, um grande avanço com relação ao direito de greve dos funcionários públicos.

6A Substituição processual

O instituto da substituição processual se encontra insculpido no art. 8◦, III da Constituição Federal de 1988, de forma ampla, legitimando os sindicatos, sem restrições, à defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria. No entanto, as diversas interpretações dadas à matéria, terminaram por reduzir esta amplitude, em função do Enunciado do TST, recentemente cancelado, que pregava uma série de exigências para a postulação de direitos por parte dos sindicatos, no que pertine à substituição processual.

A proposta legislativa visa regulamentar expressamente para a Justiça do Trabalho a previsão do art. 8◦, III da Constituição Federal, mantendo a possibilidade dos sindicatos ajuizarem reclamatórias em nome próprio, defendendo direitos dos seus representados, os trabalhadores quer sejam direitos coletivos ouindividuais, estes incluindo os homogêneos ou difusos, inspirando-se, contudo, nas disposições do Código de Defesa do Consumidor (CDC) em vigor. Prevê a utilização por parte dos sindicatos, desse procedimento na defesa dos seguintes direitos: a) direitos difusos; b) direitos coletivos; c) direitos individuais homogêneos; d) direitos individuais puros com afinidades por um ponto comum de fato ou de direito.

7Considerações finais

As divergências entre as pretensões de trabalhadores e empregadores ainda são muitas, sendo, portanto imprevisível o resultado final, pois isto vai depender da correlação de forças de cada uma das partes no Congresso Nacional e do momento político em que e travarem as discussões.

Apesar do grande esforço e das concessões feitas pelos diversos atores sociais para se chegar a um consenso na proposta encaminhada ao Congresso Nacional, diversas polêmicas ainda persistem e devem se manifestar por ocasião da tramitação do Projeto de Lei e da PEC, devendo permear o debate na sociedade brasileira.

A grande certeza é que a reforma trará mudanças significativas para adaptar as relações de trabalho ao momento atual, pois estas se encontram obsoletas e clamam por alterações que reflitam os anseios dos trabalhadores e empregadores. A velha estrutura criada dentro da concepção getulista, que tinha como escopo acabar com as lutas de classes, tirando o papel dos sindicatos de defesa dos interesses dos trabalhadores, para transformá-los em entidades de conciliação de classes com caráter assistencialista, está com os dias contados, pois, com o fim do imposto sindical e o fortalecimento dos sindicatos mediante o cumprimento dos critérios de representatividade comprovada, prevendo a existência de um número mínimo de associados entre os trabalhadores representados, como critério de reconhecimento das entidades sindicais, só sobreviverão realmente aqueles sindicatos representativos.

Como sabemos que hoje milhares de sindicatos têm sua existência calcada única e exclusivamente no imposto sindical, por faltar-lhes representatividade e poder de defesa dos trabalhadores, será um duro golpe nessas entidades, talvez culminado com o fim de muitas delas.

Com a proposta de reforma sindical, a principal fonte de sustentação dos sindicatos será a mensalidade dos associados, deliberada através de assembléias, fato que fará com que os sindicatos sejam mais atuantes e tenham como objetivo único a defesa dos trabalhadores. A outra contribuição prevista será a contribuição de Negociação Coletiva, de periodicidade anual, vinculada à negociação coletiva, que será recolhida de todos os trabalhadores beneficiados pela negociação. Esta contribuição não poderá ultrapassar 1% do valor da remuneração líquida recebida no ano anterior e deverá ser paga em, no mínimo três parcelas mensais. Entretanto, esta nova contribuição necessariamente deverá ser aprovada em assembléia. Será muito polêmica essa discussão no Congresso Nacional, pois atualmente os trabalhadores pagam apenas 3,3% do seu salário por ano, ao passo que com a nova proposição esse valor pode ultrapassar os 135 ao ano.

Com relação ao fim da unicidade sindical, talvez o tema mais polêmico da reforma, não fosse a possibilidade de manutenção da unicidade para os sindicatos já existentes, que poderão corroborar as atuais bases territoriais através da confirmação de 20% dos representados em assembléias, seria um duro golpe nas entidades sindicais sérias e que realmente lutam pelos interesses dos trabalhadores, pois, com o fim da unicidade sindical, haveria fragmentação e pulverização dessas entidades.

A reforma visa também incorporar ao ordenamento jurídico brasileiro, diversos institutos já consagrados no direito estrangeiro, como as já mencionadas tipificação das condutas anti-sindicais, a caracterização do que se compreende por boa-fé, o delineamento da proteçãoà liberdade sindical, a promoção efetiva da negociação coletiva em todos os níveis e âmbitos de representação e o refinamento dos mecanismos de tutela jurisdicional.

Outra alteração diz respeito ao exercício do poder normativo da Justiça do Trabalho, que já foi alvo de mudança na reforma do Judiciário. Para valorizar a ação coletiva, a solução de conflitos de interesses será possível apenas mediante o consenso dos atores coletivos, pela via da arbitragem da Justiça do Trabalho.

No rol das inovações, cabe mencionar a criação do Conselho Nacional de Relações do Trabalho (CNRT), concebido como um órgão tripartite e paritário, voltado às questões sindicais e de relações de trabalho, em consonância com as normas da OIT. Esse conselho pretende não apenas institucionalizar a prática consagrada pelo Fórum Nacional do Trabalho, mas possibilitar a efetiva democratização da gestão pública na área de relações e trabalho.

Durante a elaboração deste trabalho, fomos surpreendidos pela votação na Câmara dos Deputados do Projeto de Lei 1990/07, que tinha como objetivo reconhecer juridicamente as Centrais Sindicais e destinar 10% da verba do Imposto Sindical, da parcela pertencente ao Ministério do Trabalho e Emprego, a estas Centrais. Através de um acordo entre as Centrais e o Governo, numa manobra antecipatória da Reforma Sindical, o projeto foi votado no dia 17/10/2007. Na última hora, por um descuido das Centrais Sindicais, o Deputado sindicalista Augusto de Carvalho, do segmento bancário, conseguiu através de emenda ao projeto, incluir a condicionante de que para o desconto do imposto, necessitaria da aquiescência por escrito de cada trabalhador. Quando as Centrais Sindicais perceberam o vacilo, já era tarde, o projeto já estava votado e aprovado.

As Centrais Sindicais tentam reverter a situação agora no Senado, pois, a permanecer tal situação, está decretadoo fim do Imposto Sindical, pois voluntariamente, pouquíssimos trabalhadores darão aquiescência para o desconto deste Imposto que sempre foi condenado pelos sindicatos representativos.

Referências

ABRAMIDES, Maria Beatriz Costa. Reforma Sindical e Reforma Trabalhista: Em Direitos Não se Mexe, Revista PUCVIVA, número 23, janeiro/março de 2005.

ALMEIDA, José Maria de; PUERRO, Mauro; SOUZA, Sílvio. Revista A contra-reforma sindical/trabalhista: banquete para o grande capital e os burocratas sindicais.Revista PUCVIVA, número 23, janeiro/Março de 2005.

BARGAS, Osvaldo Martins e OLIVEIRA, Marco Antonio. É Hora da Reforma Sindical, Revista Teoria e Debate da Fundação Perseu Abramo, edição 61, fev/mar/2005.

BORGES, Altamiro. As polêmicas da reforma sindical, JUSNAVIGANDI, maio de 2005.

BRASIL.Anteprojeto de Lei de Relações Sindicais. Disponível em <http://www.pstu.org.br/cont/2005_projeto_reformasindical> Acesso em: 15 de outubro de 2007.

BRASIL.Proposta de emenda à Constituição. Disponível em <http://www.pstu.org.br/cont/2005_projeto_reformasindical> Acesso em:15 de outubro de 2007.

COGGIOLA, Osvaldo. A reforma sindical do governo Lula: histórico e perspectivas, Revista PUCVIVA, número 23, janeiro/março de2005.

GALVÃO, Andréia. Reforma sindical: as polêmicas por trás de um falso consenso, Revista PUCVIVA, número 23, janeiro/março de 2005.

KREIN, José Dari. Mapeamento dos pontos polêmicos da reforma sindical, Cesit/UNICAMP, maio/2005.

MARINHO, Luiz. Reforma sindical: avanço nas relações capital-trabalho, IPEA, maio de2004.

RIZZO, Paulo Marcos Borges. A reforma sindical que nos apresentam, Revista PUCVIVA, número 23, janeiro/março de 2005.

TURRA, Júlio. Uma reforma sindical que ataca as bases históricas da CUT, Revista PUCVIVA, número 23, janeiro/março de 2005.

VARGAS, Luiz Alberto e FRAGA, Ricardo Carvalho. Reforma sindical, JUSNAVIGANDI, setembro de 2004.


Autor: Felipe Salman Magioli


Artigos Relacionados


Programas De Demissões Voluntárias - Requisitos

As Pontuais Mudanças Trazidas Pela Lei 11.689/08 = Júri

A Viagem

Jornada De Trabalho No ServiÇo PÚblico

Efetivo ExercÍcio No ServiÇo PÚblico Como CondiÇÃo Para Aposentadoria VoluntÁria

Resumo Histórico Sobre Os Médicos Sem Fronteiras

A Perspectiva Construtivista De Ensino