Artigo: Dos Tribunais de Contas.



Artigo: Dos Tribunais de Contas.

Roberto Ramalho é Advogado, Jornalista, Relações Públicas e foi funcionário do Tribunal de Contas do Estado de Alagoas entre 1996 a 2006

Histórico. Dia dos Tribunais de Contas. Os Tribunais de Contas como órgãos auxiliares do Poder Legislativo. Competência do TCU. Natureza jurídica dos Tribunais de Contas: órgão jurisdicional ou eminentemente técnico? Conclusão.

Histórico

A idéia de se criar um Tribunal de Contas no Brasil que viesse a fiscalizar as despesas públicas, surgiu em 1826, através dos Senadores do Império Felisberto Caldeira Brant e José Inácio Borges.

A primeira tentativa nesse sentido surgiu em 1845, quando o Ministro do Império Manuel Alves Branco propôs a criação de um Tribunal que, além de exercer a fiscalização financeira, apurasse a responsabilidade dos gestores da Fazenda Pública. No entanto, o que se viu foi o total fracasso dessa iniciativa e o Império não possuiu o seu Tribunal de Contas.

De acordo com os dados da época, a necessidade de se criar e estabelecer um controle das contas públicas é bastante antigo, remontando à antiguidade, como revela o Nuovo Digesto Italiano, in verbis: La necessità di un supremo organismo di vigilanza e di controlo sulle pubbliche entrate e sulle pubbliche spese è stata avvertita in ogni epoca e presso ogni popolo.

Dia dos Tribunais de Contas do Brasil

A história do controle do dinheiro público no Brasil teve início no período colonial, por meio da à criação das Juntas das Fazendas das Capitanias e da Junta da Fazenda do Rio de Janeiro, as quais prestavam contas a Portugal.

O regente de Portugal e do Brasil D. João criou o Erário Régio, em 1808, e o Conselho da Fazenda, que deveria inspecionar a despesa pública.
Com a Independência em 07 de setembro de 1822 o Erário Régio foi transformado em órgão do Tesouro por meio da Constituição de 1824, gerando, assim, os orçamentos e balanços gerais.

A necessidade da criação de um Tribunal de Contas viria a ser levantada em 1826, com o projeto do Visconde de Barbacena e de José Inácio Borges, apresentado ao Senado do Império.

Porém, as discussões em torno da necessidade premente de se ter um órgão independente para controlar as contas públicas se estenderam por mais de um século.

Entretanto, finalmente foi Rui Barbosa quem, em 07 de novembro de 1890, propôs a criação dos Tribunais de Contas em todo o Brasil, como corpo de magistratura intermediária à administração e à legislatura, sendo um órgão autônomo e dotado de garantias para revisar e julgar os atos da administração pública, denunciando eventuais excessos e omissões praticados pelos agentes públicos.

Assim sendo, passariam os Tribunais de Contas a fiscalizar periódica e quotidianamente as despesas públicas.

Os Tribunais de Contas como órgãos auxiliares do Poder Legislativo

A Constituição Federal colocou os Tribunais de Contas como órgãos de assessoria e, dessa forma, auxiliares do Poder Legislativo.

Segundo a Constituição de outubro de 1988, o Tribunal de Contas da União deve prestar auxílio ao Congresso Nacional, na fiscalização dos atos do Executivo Federal. Além da existência do Tribunal de Contas da União, existem também os Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, sendo que os municípios de São Paulo e Rio de Janeiro possuem Tribunais de Contas próprios. Todos eles prestam assessoria às respectivas Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais.

Segundo a Constituição Federal de 1988, denominada de Carta cidadã, compete ao Poder Legislativo fiscalizar os atos do Executivo, em todas as suas esferas. Assim sendo, o Congresso Nacional fiscaliza os atos do Presidente da República, as Assembléias Legislativas fiscalizam os atos dos Governadores e as Câmaras Municipais fiscalizam os atos do Prefeito.
Anualmente, os chefes do Poder Executivo devem enviar para avaliação relatório de suas atividades aos Tribunais de Contas que emitirá pareceres favoráveis ou desfavoráveis, remetendo-os ao Poder Legislativo para se manifestar e dar a palavra final. Os pareceres dos Tribunais de Contas só podem ser derrubados no Poder Legislativo por voto de 2/3 de seus membros, o que lhes confere, assim, grande força técnica, administrativa, bem como política.

A rejeição da prestação anual de contas da União, dos Estados e dos Municípios, acarreta inúmeras conseqüências aos Chefes do Poder Executivo, tornando-os, inclusive, inelegíveis quando constatada pelo Tribunal de Contas a má-gestão dos recursos públicos, como atos de corrupção ou de improbidade administrativa, por exemplo.

É também por meio do parecer do Tribunal de Contas que, muitas vezes, há o desencadeamento das ações judiciais promovidas pelo Ministério Público Federal no caso da União, e do Ministério Público Estadual no caso dos Estados e dos Municípios, visando o retorno do dinheiro desviado ou mal utilizado aos cofres públicos.

Além disso, cumpre, ainda, aos Tribunais de Contas, fiscalizar as admissões de pessoal pelo Poder Público que, via de regra, devem ser feitas por concurso público, mas que, excepcionalmente, podem ser feitas mediante simples processo seletivo.

Porém, o que se observa hoje por parte da União, dos Estados e dos Municípios a contratação de pessoal sem o devido concurso público através da figura jurídica denominada de serviços prestados contrariando a Constituição.

Os Tribunais de Contas examinam, ainda, contratos administrativos, com a finalidade de verificar e constatar a sua regularidade, ou seja, a não existência de superfaturamento e o seu fiel cumprimento pelo contratado.

De acordo com o artigo 71 da Constituição, compete ao Tribunal de Contas da União:

Apreciar as contas anuais do Presidente da República;
Julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiro, bens e valores públicos;

Apreciar a legalidade dos atos de admissão de pessoal e de concessões de aposentadorias, reformas e pensões civis e militares;

Realizar inspeções e auditorias por iniciativa própria ou por decisão do Congresso Nacional;

Fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais;

Fiscalizar a aplicação de recursos da União repassados aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios;

Prestar informações ao Congresso Nacional sobre fiscalizações realizadas;

Aplicar sanções e determinar a correção de ilegalidades e irregularidades em atos e contratos;

Assinar prazo para prestação de contas de órgão ou entidade;
Sustar a execução do ato impugnado, se não for atendido;

Representar sobre irregularidades ou abusos apurados, ao poder competente;

Decidir a respeito de medidas cabíveis ao ato de sustentação caso o Congresso Nacional ou o Poder Executivo não façam dentro de noventa dias;

Encaminhar relatório trimestral e anual ao Congresso Nacional.
Os tribunais de Contas Estaduais complementam a atuação do TCU fiscalizando a utilização e o investimento do dinheiro público nos Estados e nos Municípios deste, respectivamente.

A função primordial de um tribunal de contas é regular e fiscalizar as contas do governo. Há três tipos de Tribunais de Contas: Tribunal de Contas da União (TCU) Tribunal de Contas do Estado (TCE) e Tribunal de Contas do Município, onde houver.

Importante relembrar os ensinamentos do autor Manoel Gonçalves, que, em poucas linhas, traduz a razão de ser da Corte de Contas:

A existência de um órgão especializado que fiscalize a realização do orçamento e a aplicação do dinheiro público pelas autoridades que o despendem, é necessidade de há muito sentida, no Brasil e fora dele. Entre nós, já no Império, tentou-se implantar um órgão com essas funções. Todavia, foi o Governo Provisório que criou o Tribunal de Contas, pelo Decreto n. 966-A, de sete de novembro de 1890. Tal decreto foi da lavra de Rui Barbosa, que também inspirou a inserção desse órgão de contas no texto constitucional (art. 89 da Lei Magna de 1981). E daí em diante o Tribunal de Contas está presente em todas as Constituições federais.

No entanto, é também relevante mencionar que:

Além das atribuições previstas na Constituição, várias outras têm sido conferidas ao Tribunal por meio de leis específicas. Destacam-se entre elas, as atribuições conferidas ao Tribunal pela Lei de Responsabilidade Fiscal, pela Lei de Licitações e Contratos e, anualmente, pela Lei de Diretrizes Orçamentárias.

Tribunais de Contas. Natureza: órgão jurisdicional ou eminentemente técnico?

Embora a súmula 347 do Supremo Tribunal Federal afirme que cabe ao Tribunal de Contas da União, no exercício de suas atribuições, apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público observa-se que embora a tese do exercício da função jurisdicional pelos Tribunais de Contas seja defendida por doutrinadores renomados, o fato é que a maior parte da doutrina e a jurisprudência dos Tribunais Superiores conferem natureza administrativa às suas decisões, com fundamento na regra disposta no art. 5º, inciso XXXV, da CF/88.

O maior defensor desta corrente é o jurista José Cretella Júnior que em sua obra jurídica "Natureza das decisões do Tribunal de Contas", RT, a. 77, v. 631, p. 14-23, ensina com bastante propriedade que

"A Corte de Contas não julga, não tem funções judicantes, não é órgão integrante do Poder Judiciário, pois todas as suas funções, sem exceção, são de natureza administrativa".

Também o professor José Afonso da Silva na sua obra "Curso de Direito Constitucional Positivo", 16ª ed., Malheiros, p. 727/733, se manifesta contrário à caracterização de algumas das suas funções como jurisdicionais, entendendo que:

"O Tribunal de Contas é um órgão técnico, não jurisdicional. Julgar contas ou da legalidade dos atos, para registros, é manifestamente atribuição de caráter técnico". Esse doutrinador também ensina que, no que toca ao sistema de controle externo, é "um controle de natureza política, no Brasil, mas sujeito à prévia apreciação técnico-administrativa do Tribunal de Contas competente, que, assim, se apresenta como órgão técnico, e suas decisões são administrativas, não jurisdicionais".

Novamente José Cretella Junior observa em sua obra "Natureza das decisões do Tribunal de Contas". Revista do Tribunal Federal de Recursos. Brasília, n.º 145, maio de 1987, pp. 45-56.:

"Somente quem confunde "administração" com "jurisdição" e "função administrativa" com "função jurisdicional" poderá sustentar que as decisões dos Tribunais de Contas do Brasil são de natureza judicante. Na realidade, nem uma das muitas e relevantes atribuições da Corte de Contas entre nós, é de natureza jurisdicional. A Corte de Contas não julga, não tem funções judicantes, não é órgão integrante do Poder Judiciário, pois todas suas funções, sem exceção, são de natureza administrativa".

Conclui-se, portanto, em consonância com a doutrina do professor Eldir, que:

"O Tribunal de Contas não exerce uma função jurisdicional em relação às contas do Presidente (âmbito federal). Ele não julga pessoas, julga contas, e o efeito de suas decisões não fazem coisa julgada, pois são de cunho administrativo. O Tribunal de Contas é um órgão auxiliar do Legislativo, emitindo um parecer técnico a respeito das contas a ele apresentadas. No entanto, a lei não versa sobre a natureza desse parecer, se deverá ser conclusiva ou não.

Conclusão

Concluindo, observa-se, portanto, que os Tribunais de Contas são órgãos autônomos de natureza administrativa, o que significa, dizer, portanto, que suas decisões não ostentam caráter jurisdicional, sendo eminentemente técnicos, inexistindo, dessa forma, previsão legal que expressamente os autorize a promover a desconsideração da personalidade jurídica sem necessidade de prévia manifestação do Poder Judiciário.

É importante frisar que os Tribunais de Contas, sejam eles pertencentes aos níveis federal, estadual e municipal desempenham importante funções e atribuições de natureza administrativa e constitucional, embora muitos deles tenham em seus quadros mais políticos do que técnicos como é o caso do Tribunal de Contas do Estado de Alagoas.

Daí porque o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil esteja propondo a extinção dos mesmos diante do fato de pouco atuarem no combate as mazelas, aos desvios de verbas e aos atos de improbidade administrativa e a corrupção.

E esse tema da extinção vem ganhando força já há algum tempo podendo a qualquer momento ser proposta uma Emenda Constitucional nesse sentido.

Fontes de pesquisa e referência:

FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira de 1988. São Paulo: Saraiva, 1990. v.1;
JUNIOR, Jose Cretella. Natureza das decisões do Tribunal de Contas, Revista dos Tribunais, a. 77, v. 631, p. 14-23;
JUNIOR, José de Cretella. "Natureza das decisões do Tribunal de Contas". Revista do Tribunal Federal de Recursos. Brasília, n.º 145, maio de 1987, pp. 45-56
OLIVEIRA, Éldir Coelho de Souza. Apontamentos de direito financeiro. [S. l.: s.n., s.d.]. p. 44;
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, 16ª ed., Malheiros, p. 727/733.

Sites pesquisados.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Disponível em: www.tcu.gov.br. Acesso em 15 de janeiro de 2011, às 19:30 hs;
www.tc.df.gov.br ? Acessado em 15 de janeiro de 2011, às 20:00 hs;
www.jurisway.org.br ? Acessado em 16 de janeiro de 2011, às 13:15 hs:
www.boletimjuridico.com.br ? Acessado em 16 de janeiro de 2011, às 14:20 hs.

Autor: Roberto Jorge Ramalho Cavalcanti


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