Estruturas metafísicas



cidade grande

Não quero mal,
mas não entendo o que tanta gente
quer fazer nos mesmos lugares.
A gente não vive muito bem só,
mas os outros atrapalham muito também.

Tanta terra em Mato Grosso, Tocantins,
vaga para dentista, médico,
açougueiro, lojista,
pedreiro, garçom,
mecânico de automóvel,
padeiro, mas não,
mas a gente quer morar
em morro despencando,
beira de córrego,
de rio assoreado, entupido,
em cima de lixão,
ao lado de fábricas de fumaças tóxicas,
junto com todo mundo,
até na rua.

Tomara as tragédias
quase que diárias mostradas
(parece sempre reprise)
na televisão
espalhem a gente,
distribuam o tempero por igual
sobre a carne da terra.

Quanto maior a cidade,
mais solitário é cada um
de seus milhões
de gente ajuntada.
Mais solitário,
mais acuado,
menos humano,
mais violento em potencial.

27.12.10

cidadezinha do interior

Muitos poucos ricos,
pe-eme já tira onda,
frequenta as melhores rodas sociais.
Duas famílias embatem
seus dois currais eleitorais,
como dinastias reais.

O lugar onde a fofoca
é tudo,
é mais do que a verdade,
é lúdica, é catarse,
é justificação da vida,
é pão, água, vinho
e veneno destilado,
a eterna floração dos mitos.

Uma noite, fiquei com febre em casa,
a mãe me tratando com papa de fubá,
mas a Dona Julieta
- que Deus a tenha -
disse que a molecada quebrara
na mesma noite
o telhado do Seu Joaquim
- o mesmo aí, Seu Deus -
com pedradas,
e garantiu que o Roberto
era um dos que estavam à frente.
Utilizei essa vitória mais tarde
para ganhar outros disse-me-disses,
mesmo quando eu estava mentindo.
Moleque é moleque,
mãe é mãe,
vizinho é os outros.

Onde as pessoas se multiplicam.
Em Valença há várias Patriçonas,
Alês, Chinas do Bar do Seu Aurélio,
Pingões, Benjamins, Joãozinhos Valetas.
Você vê a Patriçona no Ronco d?Água,
pega a moto a sai quente
direto ao Bar da Galinha.
Chegando lá, lá está
a Patriçona tomando uma cerveja
ali no cantinho
onde senta a amante do Mário.
As pessoas viram referências.
Se alguém conta uma história
muito mentirosa, o Lulu
pede para escondê-la
do Pedrinho Iório, para evitar ciúmes.
O Jaiminho diz que o Lulu
é quase tão furão quanto o Jaider.
Nenhum outro ser humano
passa mais tempo no banheiro
do que o Kim...

Em Rio Preto,
uma mulher teve um filho,
mas não se casou com o pai da criança.
Não pediu pensão logo,
seu pai tem boas condições
para criar o neto.
Mas a saudade...
Hoje ele deve prestação alimentícia,
cinquenta reais por mês,
e não paga.
De três em três meses,
ela executa.
Eles se encontram,
ele executa
e ela entrega os recibos.
Um viadão velho gosta mais
do Pulica, segundo o Calezinho,
porque ele beija de língua.
E por aí vai.

Na avenida principal,
todo mundo é exatamente
todo mundo.
A filha do carteiro
que o irresponsável
do filho do perna-de-pau
deflorou e engravidou com treze anos.
Casou. Tadinha, toda gostosinha.
Dizem que ele bate nela.

Falavam mal daquele tal
mas alguém sabia que ele tinha
bom coração,
ao contrário daquele outro
que se faz de santo
e não vale uma rosca mordida.
Cachorro magro.
É a lei do Zé Capeta,
?é mais fácil ser tralha?.

Todos os médicos são conhecidos,
os cachaceiros, mendigos,
borracheiros, lanterneiros,
bichas, bichas enrustidas,
cornos, maconheiros,
corruptos, pastores evangélicos
que comiam as próprias filhas,
craques de futebol,
jogadores inveterados.

Tudo parece de brinquedo,
a vida é mais tranquila,
mas é um pluribigbrother.

27.12.10

o sol

Esquenta o necessário,
queima,
doura,
ilumina.

Ferve, evapora,
produz energia,
revela,
induz as reações
químicas,
vegetais,
psíquicas,
naturais.

O indutor da chuva,
da poça de gordura,
do amor, da procura,
da cadeia alimentar.

A lição?
Brilhe o que brilhe
o astro que for,
o ídolo, seja
o mais insubstituível
do imprescindível,
do essencial,
mesmo que estenda
toda o seu deslumbre
sobre toda a Terra cativa,
devemos aprender a manter
a devida distância
entre a luz e o calor
e a ebulição e evaporação.

03.01.2011

a lua

Equilibrada.
Instável, cíclica,
controla a roda,
o giro do motor,
a menstruação, as marés,
a gestação, as gerações,
até a mim, que sou mais bobo,
os corações,
as delicadezas e as vidas escondidas,
todas as águas de modo geral.

Tudo isso com um brilho
requintado, francês,
indireto, roubado do sol
- muito exuberante e exibido demais.
A sensibilidade lastreada,
garantida com um pingo
de força.

Queijo minas,
retiro de São Jorge,
causadora de enchentes
em poças d?água.

03.01.2011

pontes de hidrogênio

Uma poça d?água
é um quanto de água
num desnível do plano.

Uma ameba é uma poça d?água,
uma laranja, melancia,
baías, civilizações
são poças.
Qualquer cava,
dobra, um oco cheio
é poça,
a língua, a Terra
é uma poça d?água,
gota turva
prensada pela gravidade.

Um homem, um lago,
a família, o coração é
uma poça d?água,
um olho.
Deus, uma refração sob a lágrima.

10.01.2011

Autor: Roberto Jr Esteves Siqueira


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