PALLOTTINI, Renata. O que é dramaturgia. São Paulo: Brasiliense, 2005



PALLOTTINI, Renata. O que é dramaturgia. São Paulo: Brasiliense, 2005.

Camila da Fonsêca Aranha


Renata Pallottini nasceu em São Paulo, capital, em 20 de janeiro de 1931, cidade na qual realizou seus primeiros estudos. Cursou e formou-se em direito pela Universidade de São Paulo ? USP ? e em filosofia pela Pontifícia Universidade Católica (PUC). Posteriormente, iniciou seus estudos de teatro nos cursos livres da Sorbonne Nouvelle, em Paris, em 1959, sendo que, ao retornar para o Brasil, ingressa na Escola da Arte Dramática de São Paulo (EAD) em 1961. Atualmente, é professora aposentada da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, onde ministra aulas nos cursos de pós-graduação. Além disso, doutorou-se pela ECA em 1982. Dentre sua produção, Pallottini escreveu diversos trabalhos para o teatro e a televisão ? Vila Sésamo, Malu Mulher e Joana ? e publicou vários livros de poesia e prosa ? dentre estes, inclusive peças de teatro e ensaios. Dentre os livros publicados, destacam-se A Lâmpada (1960); O Exercício da Justiça (1962); O Crime da Cabra (1965); Pedro Pedreiro; O Escorpião de Numância (1967); A História do Juiz (1957); Serenata Cantada aos Companheiros (1976); Colônia Cecília (1984); Enquanto Se Vai Morrer (1972); Coração Americano (1976); Chão de Palvras (1977); Noite afora (1978); e Obra Poética (1995). Ademais, Pallottini também tem significativa atuação na área da tradução, já tendo traduzido as obras Hair, de James Rado e Gerome Ragni, Godspell, de John Mitchell Tebelak, A Vida é um Sonho, de Calderón de La Barca, Divinas Palavras, de Ramón del Valle-Inclán, Cidade Invisíveis, de Ítalo Calvino, e textos de Frederico García Lorca.
A obra O que é dramaturgia, da dramaturga paulista Renata Pallottini, foi publicada em 2005 e é dividida em 7 capítulos (Prefácio ? A dramaturgia como teoria; Afinal, o que é dramaturgia; Ação dramática e conflito; Teatro épico e dramática rigorosa; Análise de um texto do teatro épico; Conclusões; Indicações para leitura). Na verdade, esse texto consiste em uma retomada e em uma espécie de reconfiguração de trabalho anterior da autora, publicado pela mesma editora (Brasiliense), intitulado Introdução à Dramaturgia, que é a própria tese de doutorado de Pallottini.
Dessa forma, Pallottini apresenta em O que é dramaturgia o cenário histórico-teórico da dramaturgia, perpassando por teorias que buscaram estudar, conceituar e explicar o drama e seus elementos, possibilitando, assim, conceituá-lo enquanto um ato de criação, um poder criativo que essencialmente não é regido por códigos ou padrões estabelecidos, mas sim por meio de uma relação dialética entre a imaginação e o mundo real. Entretanto, apesar de não ser possível estabelecer um rígido código de normas cênico-literárias, elas ainda assim existem, posto que diversos teóricos ? a exemplo de Aristóteles, em sua Arte Poética, Hegel e Boal ? buscaram postular leis do drama, as quais possuem papel fundamental a uma compreensão mais ampla e completa do que seja o fenômeno dramático.
A esse respeito, Fernando Peixoto (apud Pallottini, 2005, p. 10) afirma que:

A trajetória da dramaturgia universal atesta de forma incontestável que os verdadeiros artistas sempre recusam tradições já gastas e buscam novas maneiras de expressão, num permanente ato de questionamento, sensíveis às necessidades de seu tempo e também às raízes culturais de seu povo. Não para passivamente cultivá-las ou sacralizá-las, mas justamente transformá-las e desenvolvê-las.

Assim sendo, a autora apresenta que a dramaturgia, etimologicamente oriunda do grego e com o sentido de "compor um drama", seria a arte de compor dramas. A respeito do drama, Pallottini ressalta que não se deve apressadamente concebê-lo enquanto uma "peça de teatro com final infeliz, de tom sério, ou que leve a um desfecho pessimista" (PALLOTTINI, 2005, p. 13), mas que simplesmente se deve compreender o drama enquanto uma peça de teatro, um texto que foi produzido para ser encenado ? um gênero literário específico. Em suma, dramaturgia seria a "técnica da arte dramática que busca estabelecer os princípios de construção de uma obra do gênero mencionado" (PALLOTTINI, 2005, p. 13). Princípios e não regras, pois, em virtude da palavra "regra" carregar consigo uma forte denotação de orientação obrigatoriamente a ser seguida quando, na realidade, não é isso que acontece na produção de peças teatrais. Para uma peça teatral ser boa, não necessita seguir rigorosamente regras dramáticas, mas sim, conforme já explicitado, do poder criativo do dramaturgo e de sua relação dialética com o mundo.
Há, ainda, conforme relata a pesquisadora, outra acepção de dramaturgia, oriunda da própria concepção brechtiana, que compreende não apenas a estrutura interna da obra dramática, mas também o resultado final do texto encenado ? posto em cena ?, proporcionando uma interação com o público que o assiste. Nasce assim, a figura do dramaturgista, isto é, pessoa responsável pela seleção e adaptação do texto dramático à encenação juntamente com o diretor.
Posto isto, é condição necessária à produção de um bom texto dramático a existência de um conteúdo a ser expressado, veiculado ? conteúdo este que deve ser buscado dentro de cada pessoa, por meio de ideias, sensações, emoções, observações e lembranças, possibilitando que o espectador se identifique com aquilo que é mostrado, prendendo, assim, sua atenção ao espetáculo. Ademais, esse conteúdo que o dramaturgo deseja transmitir pode sê-lo através de palavras ou gestos, o mais importante é que ele seja transmitido, expressado na encenação pelos atores/personagens e que contenha uma ideia central (ou seja, a motivação que levou o dramaturgo a escrever a peça). Dessa maneira, o texto dramático, por meio de seu conteúdo, converge para o ser caráter de uno, para a sua unicidade, chamada de Unidade de Ação, que todo drama deve possuir e que tem estreita relação com a ação dramática, outro elemento fundamental ao gênero dramático.
A ação dramática, por sua vez, é o caminho dinâmico percorrido pelo protagonista da peça para alcançar aquilo que deseja obter (seu objetivo), superando obstáculos, passando por cima de conflitos ? internos e externos ? e esforçando-se ao máximo para encontrar o que deseja. A ação dramática também necessita de unidade ? e, nesse ponto, atualmente já se entende que a famosa Lei das Três Unidades de Aristóteles (quanto ao tempo, ao lugar e a ação) pode ser "atualizada" de modo a contemplar apenas a ação. Assim sendo, a unidade da ação se encontra na realização de um fim determinado mediante a ocorrência de um conjunto de conflitos, que cessará apenas ao final do drama.
Acerca da ação dramática e do conflito, a dramaturga desenvolve um capítulo inteiro para tratar sobre esses dois elementos da dramaturgia, dissecando-os em seus principais pontos, conceituações e teorias.
Pallottini discorre acerca do conceito de ação dramática tecido por Aristóteles em sua Poética, afirmando que ela é o resultado da imitação das ações humanas ? e não dos seres humanos em si, mas de suas ações ? e deve ser completa, ou seja, possuir começo, meio e fim e certa grandeza ideal.
Hegel, por sua vez, aponta que a poesia dramática nasce da necessidade humana de ver a ação representada por meio de um conflito de circunstâncias, quaisquer que sejam elas, que caminha até o final do drama. Logo, é a partir do entendimento de Hegel que se coloca a questão do conflito como elemento essencial à caminhada da ação dramática. Ademais, ainda segundo Hegel, o drama apresenta uma ação que tem como base uma pessoa moral, isto é, "os acontecimentos parecem nascer da vontade interior e do caráter das personagens" (PALLOTTINI, 2005, p. 27). Além disso, a ação é a vontade humana que persegue seus objetivos consciente do resultado final ? é a ação de quem quer e faz.
Nas próprias palavras de Hegel (apud PALLOTTINI, 2005, p. 29):

Só deste modo a ação aparece como ação, isto é, como realização efetiva de intenções e de fins; intenções e fins com os quais o indivíduo se confunde como parte integrante de si mesmo e que, por conseguinte, também devem aderir antecipadamente a todas as conseqüências exteriores da sua realização. O indivíduo dramática recolhe os frutos dos próprios atos.

Hegel também comenta a respeito da relação existente entre o drama, o épico e o lírico, destacando que a compreensão do drama comporta a união mediata do princípio épico e do princípio lírico. Complementando, segundo Anatol Rosenfeld, o gênero dramático estaria entre o épico e o lírico, uma vez que reúne a objetividade (da externalização da ação) da epopéia com o subjetivismo (de exposição de sentimentos e razões morais) da lírica. Entretanto, para Hegel, a Dramática é superior à Lírica e à Épica.
Hegel afirma que a finalidade da ação só é dramática se produzir outros interesses e paixões opostas: encontra-se aí, de modo expresso, o princípio do conflito, que é conceituado por Pallottini (2005, p. 31) como "uma ação, desencadeada por uma vontade, que tem em mira um determinado objetivo que colide com interesses e paixões" ? logo, vontades contrapostas. O conflito é, pois, um elemento essencial à ação dramática.
Por fim, a autora apresenta o pensamento hegeliano da progressão e do interesse dramáticos. A progressão dramática consiste no próprio curso da peça até o seu momento final, que é alcançado após toda a caminhada da ação dramática e do(s) conflito(s) correspondente(s) (dinâmica do conflito). O interesse dramático, por sua vez, só nasce a partir do conflito entre os objetivos/intenções das personagens. É a partir do conflito dramático que poderá ser observado o que se chama de interesse dramático: diferentes interesses colidindo em virtude da existência de vontades contrapostas.
Após dissertar exaustivamente acerca da ação dramática, Pallottini comenta a respeito dos métodos de análise dramatúrgica do texto cênico, quais sejam: o método indutivo e o método dedutivo. O primeiro refere-se àquele que parte da indução, do particular ao geral ? a partir da observação de diversos fatos, se extrai uma regra baseada no empirismo da pesquisa ?, diretamente relacionado aos sentidos. É desse método de análise de que se vale a Poética de Aristóteles. O segundo método, a se turno, concerne justamente ao oposto do primeiro, isto é, parte da dedução, do geral ao particular ? a conclusão deriva de premissas (maior e menor) e baseia-se no silogismo . Bertold Brecht se utiliza desse método de análise dramática.
Basicamente, Renata Pallottini preocupou-se em apresentar em sua obra O que é dramaturgia um percurso histórico das teorias do drama, bem como os seus elementos mais essenciais, os quais podem ser resumidos na própria ação dramática e no conflito englobado por ela ? conforme devidamente dissertado na presente resenha.
Autor: Camila Da Fonsêca Aranha


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