Responsabilidade civil dos socios na sociedade de advogados




A antiga teoria dos atos de comércio teve como marco histórico o Código Comercial Napoleônico editado em 1807. A codificação napoleônica foi responsável pela bipartição do direito civil e comercial, definindo que todos aqueles que exercessem atos de comércio estavam submetidos ao regramento comercial, um regime jurídico especifico, de forma que todos os atos que não fossem de comercio estavam sujeitos a regulação civil. Percebe-se que o comerciante era definido como tal em função da atividade exercida, ou seja, uma classificação objetiva: seria comerciante quem exercesse atos de comércio, considerados assim a atividade de mercancia, industrial e bancária.

O fato de se considerar ato de comércio apenas as atividades de comércio propriamente dito, atividade industrial e bancária, deixava mitas atividades tão impostantes quanto excluída da incidência da regulação especial. Como exemplo, a atividade imobiliária e as atividades ligadas a terra não eram consideradas atos de comércio e isso evidenciava a insuficiência da teoria em comento. Questionava-se, pois, a efetividade de tal teoria.

Em 1942 surge na Itália à dita Teoria da Empresa partindo do pensamento de Cesare Vivante, que não restrita a figura do comerciante como nos Atos de Comércio, mas ligando-o com o desenvolvimento da empresa, independente da atividade de mercancia. Permanece uma diferenciação entre atividade econômica, pautada em sua importância de caráter econômico e não em seu gênero, sem, contudo firmar-se fusão expressa entre direito comercial e direito civil.

Segundo Fábio Bellote Gomes

Neste sentido, o foco central da Teoria da Empresa é a atividade, a ação na esfera econômica, atividade essa que, não guardando vinculo de pessoalidade com seu titular, permite que se crie certa impessoalidade no seu exercício, contrariamente à pessoalidade característica da antiga Teoria dos Atos de Comercio e necessária ao coorperativismo que se pretendia inicialmente assegurar aos então comerciantes.


O atual Código Civil brasileiro está alicerçado na Teoria da Empresa, onde vigora o entendimento de que para ser empresário é necessário exercer atividade econômica organizada de produção e circulação de serviços, salvo atividade intelectual de natureza cientifica literária ou artística. Hoje não mais interessa caracterizar os atos como atos civis ou mercantis, mas parte-se do pressuposto de como a atividade é exercida, ou seja, se a atividade é exercida com empresarialidade. Tal critério está calcado no conceito de empresa.

O empresário, enquanto sujeito de direitos, poderá ser pessoa física ou jurídica e deverá exercer de forma profissional atividade econômica organizada, que focaliza a produção e circulação de bens e/ou serviços. Em outras palavras o empresário é quem exerce a empresa, considerada como a própria atividade.

Para explicitar melhor a diferenciação entre empresa e empresário, lança-se mão dos ensinamentos de Fábio Ulhoa para quem:

O empresário é a pessoa que toma a iniciativa de organizar uma atividade econômica de produção ou circulação de bens ou serviços. Essa pessoa pode ser tanto a física, que emprega seu dinheiro e organiza a empresa individualmente, como a jurídica, nascida da união de esforços de seus integrantes.

A empresa pode ser explorada por uma pessoa física ou jurídica. No primeiro caso o exercente da atividade econômica se chama empresário individual; no segundo sociedade empresária. Como é pessoa jurídica que explora atividade empresarial, não é correto chamar de "empresário" o sócio da sociedade empresária.

Rubens Requião, na intenção de diferenciar o empresário (individual ou coletivo) da empresa em si afirma que "a principal distinção, e mais didática, entre empresa e sociedade empresária, é a que vê na sociedade o sujeito de direito, e na empresa, mesmo como exercício da atividade, o objeto de direito."




Para melhor entender-se tal distinção é possível a interpretação conjunta dos artigos 982 e 966 do Código Civil Brasileiro, concluindo-se que a sociedade empresária tem seu objeto no exercício próprio da atividade do empresário, devendo optar por um dos tipos societários regulados nos artigos 1.039 a 1.092 do mesmo código, e as demais serão consideradas sociedades simples. Nessa esteira as atividades incluídas no parágrafo único do artigo 966 do CCB que são aquelas de cunho intectual como a de advogados, mesmo exercidas coletivamente constituir-se-ão em sociedades simples, e sujeitas igualmente a incluírem-se em um dos tipos societários previstos legalmente, e na omissão sujeitas a normas próprias(art.983).

Assim sendo em principio a atividade intelectual não é considerada empresarial, exceto quando possua todos os elementos típicos de empresa, ou seja, voltada a produção e circulação de bens ou serviços, com caráter de natureza econômica, desta forma sim tal atividade poderá ser considerada empresaria.
As sociedades de advogados, por terem como objeto atividade intelectual de natureza científica, são sociedades de gênero simples, ou seja, não são consideradas sociedades empresariais. São também sociedades regidas por estatuto próprio, qual seja: a Lei 8.906/94, o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil. Neste estatuto há o regramento sobre a responsabilidade dos sócios pelas obrigações da sociedade, a partir do qual se verifica a impossibilidade de a sociedade assumir outro tipo societário que não o de sociedade simples pura. Ou seja, será uma sociedade do gênero simples e do tipo simples.
O Estatuto ainda determina que os sócios das sociedades de advogados terão responsabilidade subsidiaria e ilimitada, mesmo que o Código Civil preveja que a atividade intelectual possa ser exercida como elemento de empresa, exceção expressa no parágrafo único do artigo 966 e assim assumir tipo societário que possibilite limitar a responsabilização, a sociedade de advogados não se dá esta opção.


"Ou seja: nos contratos de sociedades simples de advogados, será minimamente eficaz, senão nula, a limitação da responsabilidade dos sócios, no que respeita aos danos causados aos clientes no exercício da advocacia.?
Uma vez que a sociedade simples pauta sua atividade no trabalho de seus sócios, personificada e com caráter "intuito personae", a interferência do auxilio de colaboradores ou de estrutura visando facilitar a execução da atividade-fim desde que esta permaneça em poder dos sócios, não exclui no caso da sociedade de advogados o vinculo cliente/advogado que lhe enseja a pessoalidade na prestação do serviço.
Não há, portanto que se falar em desvio no objeto da atividade da advocacia, pois pautado na confiabilidade entre contratante e contratado, ainda que estejamos diante de uma realidade onde prevaleçam os grandes escritórios de advocacia.

Em função do sistema de responsabilidade consagrado no Estatuto da OAB, pode-se afirmar que a sociedade de advogados sempre será uma sociedade simples pura, que objetiva a prestação de serviços de advocacia, com finalidade econômica, já que visa a partilha dos resultados ao final entre sócios, cujo registro ocorre tão somente na seccional do Órgão de Classe onde esteja estabelecida. Para a formação do nome empresarial deverá constar o nome de pelo menos um dos sócios, sem possibilidade de utilização de nome fantasia ou de mercantilização da atividade-fim. É também vedada a utilização de tipos societários como sociedade anônima, sociedade limitada ou sociedade em nome coletivo.

Remotamente na Alemanha, tal qual atualmente em nosso país, as sociedades de advogados só podiam assumir perfil de sociedades civis, hoje denominadas sociedades simples. Porém, o Supremo Tribunal Alemão pautado no direito constitucional do livre exercício profissional, com julgado de1994, firmou jurisprudência ao admitir a sociedade de advogados enquanto sociedade limitada, e inconstitucional qualquer determinação que viesse a impedir a adoção ao tipo societário com limitação da responsabilidade civil.


Vale ainda ressaltar que no direito alemão as sociedades de advogados podem inclusive assumir outros tipos societários, critério este estabelecido no principio constitucional do livre exercício profissional já comentado. Assim, podem elas se constituírem como sociedades anônimas, comanditas por ações ou ainda em forma de cooperativas.

Veja-se o quão avançado é o sistema alemão, eis que o tipo societário "sociedade limitada" também é uma criação dos juristas alemães. Afirma-se que

Não só por coincidência, mas ressaltando a preocupação com soluções práticas, foi na Alemanha que, pouco mais de um século antes, em 1892, surgiu à idéia de sociedade limitada. Foi uma resposta dos juristas à restrição de escolha pelo empresário entre sociedade de pessoas, com estrutura simples e flexível, mas com responsabilidade ilimitada, e a sociedade anônima, com a vantagem da responsabilidade limitada dos sócios, mas com o inconveniente da estrutura mais complexa e onerosa.

Diante da possibilidade de limitação da responsabilização dos sócios, nasceu a necessidade de garantir a reparação dos danos causados aos clientes no exercício profissional, e para tanto se institui a obrigação da assunção dos seguros de responsabilidade civil, a exemplo de países como Inglaterra, Alemanha, e Áustria, mesmo nos casos em que se opte pela ilimitação da responsabilidade ainda assim faz-se prioritário o seguro uma vez que o patrimônio pessoal do sócio possa ser insuficiente à reparação.
Na França e na Espanha a contratação destes seguros é obrigatória. Em 1994 nasceu no Brasil à possibilidade de adesão ao serviço, de forma facultativa, contudo há no Conselho Federal da OAB, um projeto a fim de viabilizar a obrigatoriedade no mesmo sentido, inclusive ensejando que a cobrança seja feita juntamente com a anuidade da Ordem dos Advogados do Brasil.



Há, contudo, que se cogitar que os próprios advogados questionem o quão favorável ou não possa ser a decisão de optar pelo regime de responsabilização limitada, que implique em outras mudança que poderiam considerar indesejáveis. Nesse sentido a contribuição de Bruno Mattos e Silva, para quem:

Levando tudo isso em consideração, é de se duvidar que os operadores do direito, as grandes sociedades de advogados, a OAB irão aceitar a interpretação de que as sociedades de advogados sejam consideradas sociedades empresárias e, por via de conseqüência sujeitas ao regime jurídico mercantil e que devam ser inscritas na Junta Comercial e sujeitas a falência.

De qualquer forma há que se pensar em uma via alternativa onde a sociedade de advogados embora de acordo com regulação especial do Estatuto da OAB, jamais será considerada empresária, ou sua constituição registrar-se-á na Junta Comercial, possa optar por tipo que conceda a limitação da responsabilidade, sem descaracterizá-la enquanto sociedade simples pura, permanecendo assim com privilégios de âmbito tributário, e com a não sujeição ao instituto da falência.












Autor: Cintia Silveira


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