O Garoto



Autor: Eduardo Silveira


O Garoto




- Me empresta dez reais aí!
Virei-me, olhei para ele, e a primeira resposta que me veio à cabeça foi dizer-lhe um sonoro "não". Mas, me contive, e numa fração de segundos, tentei analisar a situação.
Ali, à minha frente, estava um jovem rapaz que eu vira nascer e crescer, e conhecia muito bem.
Ele era aquele garoto anarquista, brigão, com histórico de rejeição pelo pai, que a mãe gostava, mas, pela dependência econômica, aceitava os argumentos do pai e relegava os dele .
E ele, era aquele garoto que enchia a cara de cerveja, só pra mostrar pros outros garotos, que era mais "homem", mais valente, mais malandro. Era aquele garoto que brigava com todos, fortes ou fracos, só pra mostrar que ele era pequeno, mas dava conta do recado.
Aquele garoto, que havia sido preso e passado uns meses numa casa correcional, e se gabava disso pra todo mundo. Aquele garoto que, enquanto os outros garotos de sua idade, estavam arranjando namoradinhas, ele andava com outros garotos como ele, arranjando mil confusões.
Aquele garoto que, eu vira, várias vezes, dormir nas escadas dos prédios, por não poder voltar pra casa, porque o pai, quando bebia, batia na mulher, nele e nas irmãs. Aquele garoto que havia sido acusado muitas vezes de roubar os próprios vizinhos, mesmo jurando inocência.
Aquele garoto que a própria vida privara de ter uma educação decente, uma estrutura interior e familiar melhor e que eu, e alguns poucos, sabíamos que ele tinha um bom coração e se, assim como, um mineral bruto, fosse lapidado, polido, poderia se transformar em uma pedra preciosa, e poderia vir a ser um indivíduo decente, trabalhador, honesto, integrado à sociedade, enfim, poderia ter uma vida normal, digna, como tantas outras pessoas de bem.
E aquele garoto, tinha uma grande paixão. Uma coisa que o arrebatava, que o deixava eufórico, alegre, e às vezes triste também.
Era o seu time de futebol. Ele era torcedor fanático do Flamengo. E, tanto fazia, se o time jogasse dia de semana, sábado, domingo, feriado, não importava, ele estaria lá. Sempre dava um jeito de conseguir dinheiro para comparecer aos estádios. E ele torcia, gritava, brigava, batia, apanhava, sangrava... Mas estava lá.
Eu lhe dei os dez reais.
Digo dei, porque sabia que ele nunca mais me pagaria, mas eu também não faria questão. Porque naquele ato de dar o dinheiro à ele, talvez, quisesse estar proporcionando a ele uma grande alegria, em meio aquela sua vida turbulenta e tão conflitante.
E, acho que agi certo, porque naquele dia, Deus, como sempre, também estava "super" atento.
O Flamengo ganhou de 3X0.


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Autor: Eduardo Silveira


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