EXISTÊNCIA: BUSCA DA ESSÊNCIA HUMANA OU REALIZAÇÃO MATERIAL?



Palavras-chaves: Ciclo - Homem ? Essência ? Materialidade ? Existência



Todos nós estamos predestinados a realizar o mesmo ciclo de vida: nascer e morrer. Somos todos fios da trama da vida. Composto da mesma forma, da mesma matéria, dos mesmos órgãos, sistemas, das mesmas conexões neurais.
Nascemos, e já andamos por tantos lugares, viajamos por estradas já pisadas por outros homens. Temos sonhos, desejos, projetos de vida. Buscamos realizá-los.
Desejamos o carro do ano. Queremos a casa dos sonhos, com vários quartos, banheiros com hidromassagens, sala de jantar, sala de visita, sala de "tv e som"... Um quintal verde, um quintal mundo. Desejamos, desejamos, desejamos.
Tem-se a mulher, ou o homem que se deseja; na faculdade tira dez; tenho amigos. O que mais falta? O que mais precisa ter? Sou realizado. Minha casa, meu carro, meus amigos, minhas namoradas, meus finais de semana. Sou um pássaro, posso ir a vários lugares, meu dinheiro permite. Sou uma águia, sempre atenta para não "me passarem a perna".
Como diz Frei Betto em seu livro "A Obra do Artista: uma visão holística do universo", "há alguma coisa de estranho nesses bichos supostamente inteligentes conhecidos como homens e mulheres". Será que a vida é constituída de apenas realizações materiais? Será que esses bichos não buscam o mergulho interior, a felicidade plena?
Somos incapazes de enxergar além do nosso umbigo e ainda nos achamos inteligentes. Em algumas situações é preciso parar, e mergulhar, mergulhar dentro de si. Só lá encontraremos aquilo que nos deixa realizado plenamente.
Desde que nascemos estamos mergulhados no mundo das pessoas, navegamos na TV, viajamos pelas ondas do rádio. Envolvemos-nos nas histórias ouvidas. Flutuamos na música preferida. Navegamos na internet. Só não navegamos dentro de si.
Se nos agarrarmos à natureza ao que ela tem de simples, à miudeza que quase ninguém vê e pode inesperadamente tornar-se grande e imensurável tudo se tornará mais fácil. Talvez não para o seu intelecto, mas para o mais íntimo de seu ser, a sua consciência, que vigia e sabe. Este ensinamento de RilKe é fundamental para adentrarmos no quarto fechado que somos nós. Para termos a coragem de ler o livro que guarda insondáveis mistérios.
É preciso saber olhar para o mundo. Perceber o que a lua quer nos dizer. O que o sol quer transmitir. Saber ouvir o clamor da natureza. Os seus gritos. Ouvir e dar atenção a tudo que cerca. Entender a linguagem e compreender o que nos é dito.
Há no mundo tanta coisa para ser contemplada. As plantas, os animais, o vento, o calor, a tempestade, a seca... O próprio ser humano precisa ser contemplado. É uma maravilha do universo. A venda dos nossos olhos precisa ser arrancada, retirada, como nos ensina Frei Betto:


Onde estão as fronteiras, senão nos limites de nossa própria visão? Ora, o Mistério não pode ser apreendido por palavras ou equações... A atual cosmologia, com certeza, virá ampliar os nossos horizontes e a física quântica nos ajudará a perceber que, uma vez assegurados os direitos humanos, a liberdade consistirá na ousadia de mergulhar em si mesmo, lá onde o encontro consigo faz descobrir um Outro que, não sendo eu e sendo radicalmente diferente de mim, me devolve a mim mesmo, a minha verdadeira identidade. Dessa fonte subjetiva brota a energia que deveria mover a humanidade: o amor.


Uma criança tem o seu processo de formação dentro do útero materno. Sua mãe a abraça, a ama e a protege por um cordão. O cordão da vida. A criança é pura, ingênua, dócil, solidária, humilde. A felicidade está na alegria de ver as coisas, o mundo, o seu colorido. Ouvir o canto dos pássaros. A melodia do alvorecer. Ouvir o silêncio. Sentir o amor que pulsa dentro de si. Que bate na porta do seu ser querendo sair, viajar por outros mundos, conhecer outros terrenos e fertilizá-los. "Não há como separar mãe e filho, ainda que vivam milhares de quilômetros um do outro. O amor suprime todas as distâncias e supera todas as fronteiras", afirma Frei Betto.
Saímos do útero materno, crescemos, deixamos de ser criança. Hoje somos um trem atrás do dinheiro, do poder, do reconhecimento social, da busca pelo material, do status. Esquecemos a essência da vida que elimina do nosso cotidiano a discriminação, a mentira, a corrupção, a ganância, a ambição, a violência. O que se vê é o homem trilhando a contramão. Esquecemos de cultivar a energia substancial de toda criação.
Agora estamos mais do que nunca mergulhados no mundo da linguagem. Da fala, da língua pertencente ao meio em que vivemos. Crescemos dentro da nossa família ouvindo - na maioria das vezes - nossos pais a falarem conosco, além de gestos e sinais, através da fala, das palavras. Nosso pensamento, a forma de entendermos as coisas, o mundo, começa, então, a ter por primordial, as palavras, a linguagem, o nome das coisas existentes no mundo. Construímos na consciência, uma espécie de "biblioteca" onde depositamos tudo o que é ouvido e entendido. Guardamos idéias, significados, palavras e com essa "base de dados" nos expressamos verbalmente pela fala.
Esta linguagem tem o poder de construir mundos e também de destruir. Ela feri os corações. É uma faca que quando guiada por uma mão corta, perfura, machuca e sangra. Ela precisa ser bem usada. Devemos ser o seu senhor, não o seu servo. Como diz Barthes, precisamos tirá-la do poder trapaceando-a. Muitas pessoas estão se sentindo como um bagaço. Estão vendo o céu nublado, sem estrelas, sem luar. Aqui. é onde entra a linguagem capaz de transformar a vida dessas pessoas. A nossa missão é a de plantar uma semente e não disputar por uma árvore. Disputar ser o melhor em tudo.
O filme "O poder além da vida", confirmando esta idéia vem fazer um convite a você. Ensina que a vida não é um campo de futebol onde se disputa a vitória, ou o que eles chamam de felicidade. Ela é muito mais que isso. A felicidade não está na disputa ou no destino que se tem, mas no percurso realizado. Não está no carro do ano, na mansão conquistada, nas namoradas, no dinheiro. Ela vai além da película. Daquilo que enxergamos.
A felicidade é como o mar, contemplamos a sua beleza no olhar, e quando por um momento mergulhamos fundo nele, notamos que o seu interior guarda insondáveis mistérios, maravilhas do universo. Se desejarmos, podemos naufragar a nossa felicidade, ou não. Isso só depende de nós. O poema de Cecília Meireles vem confirmar que somos os senhores do nosso destino, da nossa felicidade. E podemos dar o curso, o sentido que quisermos à nossa vida e a tudo ao que ela acompanha.


Pus o meu sonho num navio
Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
depois abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.
Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre dos meus dedos
colore as areias desertas
O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho dentro de um navio...
Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.
Depois, tudo estará perfeito:
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.


A inteligência não está nas estratégias de saber concretizar seus projetos de vida, mas em saber viver acreditando que não há o ontem ou o amanhã. O que existe é o agora. E a cada segunda que passa somos diferentes, mudamos. E não podemos desperdiçar este tempo, este momento. Façamos valer a pena. Vivamos de maneira a cultivar a essência da vida: o amor. O maior ensinamento que podemos ter da vida, do que realmente é a vida encontramos na Bíblia Sagrada, nas palavras de I Coríntios 13, 4-7:


O amor é paciente, o amor é bondoso. Não tem inveja. O amor não é orgulhoso. Não é arrogante. Nem escandaloso. Não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.


Se não agirmos, se não procurarmos a mudança, ficaremos na masmorra, na lamúria, na angústia de poder ter vivido de maneira diferente. De ter amado, de ter vislumbrado os espetáculos da natureza, aceitado as pessoas como são. De ter ouvido a voz que ressoa dentro de nós. Viver é saber olhar para o universo e descobrir que ele vai muito mais além do que os nossos olhos podem ver, ele guarda mistérios que só serão conhecidos quando penetrarmos fundo em nós mesmos, quando a energia que move o mundo habitar em nós, como afirma Frei Betto:


Ninguém é apenas a pessoa que vemos. É muito mais: um ser que carrega uma história de vida e traz em sua subjetividade marcas, sentimentos e emoções, conhecimentos e anseios, que o fazem transcender qualquer juízo que dele possamos fazer.


Mergulhar dentro de nós, buscar o auto-conhecimento. Descobrir o que esconde o mundo e o abismo do nosso ser. Sair do egoísmo de falar e pensar só em nós. Sentir o mundo, ter a necessidade de falar e escrever sobre ele. Fugir da servidão da palavra e passar a ser o senhor que guia, coordena e dirige o percurso de sua vida. Trapacear com as palavras e perceber o que antes não se via.
Se na viagem que fez ao ler este artigo, ainda não mergulhou. Não desista e não fique triste. Pois necessidade teve de ler. Imagens surgiram em sua mente. Reflexão não deixou de existir, e, a felicidade? está na alegria de poder contemplar tudo, não o início ou o fim. Mas, sobretudo, a caminhada. Inclusive o artigo que aqui se despede deixando pegadas em sua vida. E se as pegadas não forem encontradas é porque ainda não percebeu ou não aprendeu a olhar e sentir as coisas.


REFERÊNCIAS


BARTHES, Roland. Aula. São Paulo: Cultrix 1997

BETTO, Frei. A obra do artista: uma visão holística do universo. São Paulo: Ática, 1997.

CALVINO, Ítalo. Seis Propostas para o novo milênio. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

MEIRELES, Cecília. Pus o meu sonho num navio.

RILKE, Rainer Maria. Cartas a um jovem poeta. São Paulo: Globo, 2000

O PODER ALÉM DA VIDA. Direção de Victor Salva. EUA, 2006. Filme (120min).



Autor: Karina Sales Vieira


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