A vida sob a ótica de um gato



Sou um gato, mamífero, felídeo, doméstico, de cor branca, nome Tom Jones, mas me chamam só de Tom. Já vi muita coisa nesses meus quase doze anos. Hoje estou mais lento, já não consigo pular da grade da piscina para a janela da copa e ainda tenho que aturar outros 15 gatos que vivem na nossa casa. Aqui já vi as festas de aniversário da menina que foi morar no estrangeiro ? eta menina festeira! Tinha outra, a que casou, aquela também fazia muito movimento na casa. Algumas vezes a menina festeira fazia festa na sala que eles (meus donos) chamam de sala multiuso e a outra fazia festas na churrasqueira da piscina. Eu subia no muro, para, do telhado da vizinha, poder visualizar melhor o movimento. Também vi o noivado da moça, a festa de formatura. Só a festa do casamento não vi, mas me lembro dela linda, linda vestida de noiva. Eu acompanhei as alegrias e também os momentos menos alegres. Cresci junto das meninas e hoje estou envelhecendo junto com os pais delas. Já houve um tempo que me foi dada a permissão de permanecer dentro de casa mas eu vivia fazendo arte. Lembro-me que na formatura da moça, veio avó e uma tia, uma senhora muito enjoada que eu senti que não gostava de gatos. Ela chegou e passou a tarde inteira arrumando as coisas dela. Fiquei deitado na escada olhando o que ela estava fazendo. Trouxe jogo de cama, edredon, segundo ouvi dizer de grife. Coisa muito cara. E ficou alisando aquela cama horas e horas. Depois pegou as roupas pessoais e estendeu na cama como se fossem para serem vendidas. Eu já cansado de tanta arrumação resolvi: é ali que devo deixar o meu cheiro que é para que ela veja que a casa é minha. Só não dei sorte, mal acabei de demarcar território e ela fez um fuzuê danado. O resultado é que fui colocado preso no quintal e desse dia fatídico em diante não miais tive permissão para entrar nos quartos. Vi a dona da casa chorar muitas vezes sentindo falta, ora dos filhos, ora dos netos. Quando ela chorava, eu ficava acariciando e ronronando para ela até ela ficar calma. Vi o troca, troca de empregadas, jardineiro, piscineiros, vi brigas com operários e vi quando eles quiseram esganar uma arquiteta e fui o primeiro a pisar no quarto andar onde os operários, só de sacanagem, me prenderam debaixo do assoalho, bem pregadinho, mas minha dona procurou por mim e quando percebeu mandou arrancar uma parte enorme do assoalho só para me apanhar. Mas o pior foi quando fiquei todo amarelo de icterícia, igual ao meu dono. Senti que ele estava passando muito mal e tentei tirar a doença dele. E consegui só um pouco, mas foi o suficiente para que ele não precisasse comer capim pela raiz. Ele foi operado a tempo e eu fiquei internado na clínica. E, exatamente, no dia em que ele recebeu alta do hospital eu resolvi tomar o meu primeiro banho de língua para mostrar que também tinha escapado de comer o capim pela raiz. A vida na casa depois da saída das meninas ficou muito parada. Já não recebem visitas e não saem de casa, a não ser em certas ocasiões quando o filho vem buscar os velhos para sair para almoçar. O que noto é que a dona fica bem animada. Uns tempos colocaram um rapaz para cuidar dos gatos mas agora quem está cuidando é ela. Ela se preocupa porque estou velho e magro, mas ela também vive se esforçando para emagrecer e até já emagreceu um tico. Fiquei com muita pena dela quando outro gato mordeu o pé esquerdo dela, afinal, ela pisou na pata dele sem querer. E o resultado é que ela ficou muito doente, sem poder andar durante 45 dias. Depois teve que freqüentar uma clínica para aprender a andar novamente. E até hoje ela não está muito firme. Ela pensa que eu não noto, mas eu noto. A casa só fica mais alegre quando chegam os filhos e netos, Penso que eles deveriam chamar os amigos porque nenhum homem deve viver isolado. Acho que o lazer é importante. Eu sei que ela gosta de se arrumar e sair. Ás vezes ela sai com alguma amiga e volta pra casa mais feliz. Depois, ela não tão exigente assim. Ela até voltou a trabalhar para ter com quem tagarelar. Acho que ela tem alma de jovem. Será que a alma dela ainda vai ficar velha e amarga? Acho que pensando bem ela gosta muito de ler e deve passar o tempo viajando através dos livros. Pois faça boa viagem. Certos momentos noto que o velho não gosta muito de gatos, mas ela sente um amor incondicional por nós. Ontem ela me deu um abraço e falou: Tom, estamos envelhecendo meu amigo.
Autor: Nadia Foes


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