IRMÃOS



Crônicas de Babel

IRMÃOS

Mariana foi levada pelo marido ao hospital para ganhar bebês. Sabiam que eram gêmeos, os exames do pré-natal já lhes tinham mostrado isso. A esperança de Mariana, como toda mãe, era a de que os dois nascessem prósperos, como o marido, Dr. Carvalho, que era um homem rico de berço. Rezava para que os filhos puxassem ao pai. Mas, infelizmente, não foi o que aconteceu. O primeiro, Paulo, nasceu rico e logo recebeu os cuidados de uma enfermeira particular; o segundo, Pedro, não teve a mesma sorte, nasceu pobre e foi levado para uma enfermaria. Enquanto Paulo recebia todo tipo de atenção, Pedro, às vezes, passava horas chorando, até que aparecesse alguém para lhe trocar as fraldas. Fraldas, aliás, de pano de algodão barato, próprio de sua condição, enquanto que Paulo só usava fraldas descartáveis, perfumadas e de marca famosa.

Marina e Dr. Carvalho ficaram desnorteados com essa situação inesperada. Ter um filho pobre é sempre muito constrangedor para um casal. Mas receberam o apoio dos amigos e logo se associaram a um grupo de pais com o mesmo problema deles. Desse modo recebiam conselhos e dividiam experiência de como lidar com o problema. É preciso dar carinho e atenção ao pequeno pobre e evitar que ele se sinta excluído, era o que todos aconselhavam.

Paulo, em casa, ficou num quarto próprio, cuidado por duas babás e cercado de brinquedos. Sempre teve tudo e nunca precisou pedir nada.
Pedro, ao contrário, chupava o dedo e para brincar só disponha do próprio corpo. Vestia-se com as roupas velhas do irmão que precisavam ser adaptadas. O que facilitava as coisas era que Pedro crescia mais lentamente, assim podia aproveitar roupas que não serviam mais ao irmão. Dona Mariana tinha que fazer todo o trabalho e cuidar pessoalmente de Pedro, pois o menino não tinha condições financeiras para pagar costureira nem lavadeira e nem babá.

Quando chegou o tempo dos meninos irem a escola é que o casal Carvalho sentiu mais a dor de ter um filho pobre. Paulo foi facilmente matriculado numa escola particular, mas Pedro teve que esperar uma vaga na escola pública, ficou atrasado nos estudos, mas foi bom porque quando finalmente conseguiu uma vaga pôde aproveitar as folhas em branco do caderno do irmão, também aproveitava as meias e os tênis usados. Paulo só ia pra escola quando queria, não que não fosse estudioso, mas é que achava chato o colégio, mesmo tendo muita coisa para fazer lá. Ele preferia jogar vídeo game e navegar na Internet. Já Pedro não costumava faltar, não pelas aulas e professores, que também achava cacete, mas para não perder a merenda escolar, muitas vezes a sua única refeição do dia.

Os pais daquele menino pobre não se acomodaram com a situação. Dona Mariana era quem mais sofria, mas foi à luta. Aceitou lavar roupa para os vizinhos, costurar para as conhecidas e até vender bolinhos na feira. Dr. Carvalho usava sua influência para de todas as maneiras ajudar ao filho pobre. Certa vez Pedro ficou doente e se não fosse pela influência de Dr. Carvalho ele teria morrido de pneumonia antes de conseguir uma consulta médica num posto de saúde. Os remédios para o filho foram fornecidos por um político amigo da família, em troca, é claro, dos votos dos pais. Sorte que era tempo de eleição.

Na juventude, Paulo foi estudar numa universidade no exterior e aproveitava as férias viajando e conhecendo novas culturas. Pedro teve que se contentar com um curso noturno profissionalizante de informática e, durante o dia, trabalhava como oficeboy num banco. Antes desse emprego, Pedro tentou ser jogador de futebol, mas não tinha muito ânimo para os exercícios físicos. Tentou aprender música, entretanto nunca conseguiu distinguir Dó de Sol. Desistiu desse caminho e foi procurar emprego, conseguindo naquele banco onde o pai tinha uma conta polpuda.

Paulo casou-se com uma rica herdeira e assumiu a presidência de um grande império capitalista: banco, corretora, agronegócio, minério, etc. Pedro também se casou, mas com uma colega de trabalho e foi morar numa casinha de quatro cômodos num conjunto habitacional. Vendia seus vales-transporte e viajava de carona num ônibus, cujo motorista era seu vizinho, assim levava a vida, planejando ter muitos filhos na esperança de que um deles nascesse rico, herdando o gen do avô.

Quis o destino que ambas as esposas ficassem grávidas ao mesmo tempo. Paulo providenciara uma inseminação artificial num laboratório inglês com o intuito de, com moderna técnica de manipulação genética, evitar o nascimento de um filho pobre. Enquanto Pedro engravidou sua mulher numa noite de furor libidinoso, em que não tivera dinheiro nem para comprar o jantar, muito menos o preservativo.

Nasceram os dois primos. Apesar das preocupações de Paulo, o seu filho nasceu pobre e quase morre de frio, não fosse a ajuda humanitária de uma organização religiosa que forneceu fraldas e roupas. O de Pedro nasceu também pobre, mas em nada isso lhe causou decepção. No ano seguinte teve outro filho pobre, assim se sucederam em oito anos seguidos, e todos nasceram pobres. Teria ainda tidos mais filhos, no entanto sua mulher, por conselho da assistente social da Santa Casa, ligou as trompas.

Enquanto os pobres se multiplicavam em proporções geométricas, os ricos cada vez mais evitavam ter filhos, de modo que a cidade cresce para os subúrbios com seus casebres cinzentos.

Um dia, num bar, sugeriram a Pedro uma idéia surpreendente para seus padrões morais. Mas essa idéia foi tomando força e mudando sua consciência de pobre educado para o conformismo. Assim, foi que ele, certa feita, juntou-se a uma turba de pobres, que invadiu o bairro rico e tentou pilhar mansões e prédios de luxo. A maior surpresa de Pedro foi constatar que na casa de seu irmão Paulo, assim como na de outros ricos, havia um batalhão de pobres como ele, armados e prontos a defender seus patrões com prejuízo da própria vida.

Autor: Jose Luiz Pena Pereira


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