O sonho escorre pelo arame enferrujado
Clemente parou em frente a um sobrado que tinha uma tabuleta com os seguintes dizeres: Vende-se esta casa.
A tabuleta estava colocada um pouco abaixo da janela frontal do quarto do casal.
Sua visibilidade era atrapalhada pelos ramos de um arbusto, sem poda, do jardim sem cuidados há anos.
Os fios de arames enferrujados que sustentavam a tabuleta deixavam rastros que escorriam pela parede desde a envelhecida e descascada janela até o chão.
A madeira apodrecida, furada, deixava raios de sol iluminar o interior do quarto pelas frestas, que permitiam avistar um detalhe na parede. Uma placa colocada ao centro, sobre a cabeceira da cama do proprietário.
Um dos furos na janela permitia que raios de sol se projetassem sobre a placa e refletissem aqueles dizeres para todo o universo. Uma inscrição:
- Ao melhor gerente pelo desempenho e crescimento de vendas.
Os outros dizeres eram impossíveis de serem lidos daquela distância.
Clemente concluiu ter sido aquele sobrado o sonho de um funcionário graduado, que como muitos após saírem das universidades ingressam em grandes companhias, cresce, é promovido.
No auge da vida profissional, ele adquire bens, constitui família, têm filhos, intensa vida social, mas quando a idade avança, é preterido em seu cargo e a aposentadoria torna-se obrigatória.
Os filhos casados e os netos, já não vivem com o velho, tem que tocar suas vidas, hoje é o tempo deles.
Sem vontade de manter o grande sobrado, que nada representava para eles, colocaram-no a venda a revelia do velho, que em nada mais era ouvido.
Clemente se lembrou de dizeres de seu pai:
- "Viva o seu tempo. Aproveite o que você construir. Os filhos podem até mantê-los, mas os netos vão destruir".
Autor: Antonio Ribeiro
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