A Barata



Certa vez, ele foi encarregado de pegar uma encomenda no Porto de Santos.

Lá chegando informaram que deveria esperar pelo dia seguinte.

Contou, re-contou o dinheiro e saiu à procura de uma pensão em que pudesse ter um pernoite.

Os preços andavam pela hora da morte e ele viu-se quase que sem dinheiro para jantar.

Andou por tudo quanto foi lugar e mesmo à beira do cais; os preços dos restaurantes eram muito superiores ao seu parco orçamento.

Depois de muito perambular , já sentindo os pés congelados, pois o tempo estava chuvoso e para tampar os buracos nas solas dos sapatos, havia colocado jornais, mas naquela altura, tinham virado uma pasta só, grudadas nas meias, que por sinal, estavam também furadas.

Cansado de caminhar decidiu-se que iria afastar-se do cais, procurar o centro da cidade e lá, entraria em um bom restaurante, pediria uma comida boa e depois de comer, diria que não tinha dinheiro para saldar a conta.

O estômago estava completamente vazio pois, sua última refeição tinha sido no dia anterior e já começava a sentir vertigens de tanta fome.

Ao cruzar uma esquina viu um pequeno restaurante, com uma aparência muito simpática e dizia o letreiro: "Nova direção de Mama Annunciata."

Pensou consigo mesmo se não seria a resposta de Deus à sua prece, porque se era de uma mulher, ela certamente sensibilizar-se-ia e permitiria que ele enxugasse os pratos em lugar de chamar a polícia.

Entrou e sentou-se em uma mesa, agora já bem mais animado.

O garçom perguntou-lhe o que desejava para beber e ele respondeu que queria água.

- Mineral?

- Não, "torneiral" mesmo.

- Quê? perguntou-lhe e ele esclareceu que seria água proveniente da torneira mesmo.

O sujeito, com cara de pouco amigos, foi logo mostrando o cardápio e querendo saber o que ele desejava para o jantar.

- O prato do dia, mas do dia de hoje, o quê provocou no garçom um gesto meio esquisito, de pouco caso.

O prato do dia consistia em filet à cavalo, arroz e salada, um manjar digno dos deuses, para quem estava faminto.

De repente, ele pensou que poderia ser que a carne fosse de cachorro.

Deu com os ombros, se assim o fosse, que mal poderia haver, contanto que saciasse a fome?

Em pouco tempo, estava à sua frente um prato contendo um bife enorme, com um ovo frito, uma boa quantidade de arroz. Na travessa estava a salada.

Ia começar a devorar tudo de imediato quando notou uma baratinha entre o arroz e a carne.

Sentiu que as suas preces tinham realmente sido ouvidas, ali estava o seu passaporte, a sua carta de alforria ou seu salvo conduto!

Com cuidado, afastou a barata e a colocou debaixo do bifão, para que ninguém viesse ver chamando a atenção. Foi devorando tudo com avidez e até atreveu pedir um refrigerante ao garçom.

Quando restava apenas um pedacinho de carne (com a barata embaixo), decidiu chamar o garçom e mostrar a horrenda criatura.

Nada disse, apenas apontou com o garfo a barata e o efeito foi imediato.

O garçom que era mulato tornou-se branco de espanto e com a voz trêmula murmurou algo como que pedindo que esperasse.

Em instantes a porta que liga a cozinha ao restaurante foi aberta, uma senhora italiana, de seios fartos, toda suarenta e com os seus "bambinos" adentraram e dirigiram-se diretamente para ele.

Suou frio ao ver o tamanho dos " meninos", mas decidiu que não iria esmorecer.

A senhora ao ver a barata começou a falar alto com os filhos, em outra língua e ele ficou com medo, mas como quem entende disse-lhe que era inadmissível que fosse encontrado um inseto da espécime dos ortópteros da família dos Blatídeos e que se fosse levado ao conhecimento da saúde pública o estabelecimento seria lacrado.

Lembrou-se e agradeceu o Professor que o fez decorar o nome nas aulas de ciências, aliás nem tinha certeza se o nome da barata era esse mesmo, mas impressionou bem, tanto que a mulher grandona sentou-se ao lado dele, tirou um maço de notas novinhas e perguntou quanto ele queria para não denunciar.

Ele fez os cálculos, disse que seria no valor de mil reais e mais, queria agora a sobremesa, e depois, um bom cálice de vinho do Porto.

MORAL : Nada como ter uma barata certa, no momento certo e no lugar certo (só não vale é aproveitar a idéia e levar a barata de casa, heim!)

Autor: Maria Cristina Galvão de Moura Lacerda


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