Ninguém tem talento de graça



Os dons que trazemos em nossa bagagem quando nascemos não se desenvolvem esponta-neamente, sem a necessidade de interferência humana.

Em geral, exceto nos casos de anomalia, chegamos ao mundo equipados com as condições essenciais ? físicas, mentais e psicológicas ? para iniciar o caminho sem fim do desenvol-vimento humano. Nos primeiros anos, os familiares, especialmente, os pais, participam ativamente dessa construção, com predominância na formação do caráter. Em seguida, na escola, os professores contribuem fortemente nesse processo. Logo depois, ou simultanea-mente, outras instituições oferecem oportunidades de desenvolvimento. A lista inclui a i-greja, o clube, e até mesmo a família dos amigos, apenas para citar alguns exemplos de lugares e ocasiões em que podemos colocar nossos talentos em ação para serem aplicados, transformados, desenvolvidos.

Já na universidade, o sonho do primeiro emprego e ao mesmo tempo as primeiras constata-ções de que seu perfil não corresponde ao esperado. Esse é, em grande parte, o momento em que o novo profissional se dá conta de que não chegará muito longe se apostar suas fichas apenas no que compõe seu perfil desprovido do aprimoramento que inclui a obtenção de novos conhecimentos, habilidades e atitudes. Essa busca pode ser reveladora. Assim, enquanto alguns jovens encontram seu espaço no mercado de trabalho, outros terão de tra-balhar com o fato de que estão aquém das expectativas das empresas.

Do outro lado estão as empresas. Elas vivem situações semelhantes às das pessoas. Por ra-zões óbvias: são feitas de pessoas. Às vezes, dispõem de vagas de trabalho que nem sempre conseguem preencher satisfatoriamente, numa procura que pode se alongar para além das previsões mais otimistas. Ou contam com um quadro de empregados que não performam como o esperado. Por todos os lados identificam-se pessoas desmotivadas, arrastando diari-amente o peso da inadequação entre seus projetos pessoais e os da empresa. Dois grupos com características bem distintas caminham lado a lado: o dos que aceitaram a estagnação como forma inevitável de vida e o dos chamados talentos, gente que brilha e por isso des-perta o apetite de empresas que não raro têm cacife para cobrir qualquer oferta em termos de remuneração e provocar a migração. Afinal, para estas, a temporada de caça a novos talen-tos está constantemente aberta, porque buscar o que existe de melhor em termos de recursos humanos integra naturalmente sua filosofia de vida.

E o cliente? Esse ficou sem lado. Ou, melhor e mais triste: foi deixado de lado. Tem de se contentar com a qualidade duvidosa dos produtos e serviços gerada por essa situação caóti-ca. Reclamar? Do quê e para quem? Na outra ponta da linha, uma multidão de jovens com baixa qualificação povoa os corredores impessoais dos inevitáveis call centers. O ciclo se fecha. E gira sem parar.

Uma pausa e chega de más notícias. O lado bom a ser considerado é que esse quadro, é capaz de produzir o antídoto para o próprio veneno, oferece a quem se dispõe aceitar o de-safio: a oportunidade de se desenvolver. Essa palavra é "grande" ou "gorda", como ouvi certa vez. Claro que não estamos com o impulso reducionista de afirmar que tudo se resolve por meio do acúmulo de mil treinamentos e cursos. Trata-se, antes, de manter aceso o inte-resse e curiosidade pelo que é novo ou desafiador. Perceber seus limites, lacunas e, princi-palmente, saber das suas facilidades, seus dons, seus gostos, investindo no que vale a pena e criando oportunidades. A internet tem sido uma grande aliada nesse sentido.

A empresa atenta a essa condição humana ? a de desenvolver-se sempre ? pode contribuir para que as pessoas tomem consciência de que são responsáveis por suas vidas, o que inclui definir onde e como querem estar, independente de seu estágio de carreira ? ou de carreiras. E, é claro, a empresa pode e deve fazer mais que isso: proporcionar oportunidades de de-senvolvimento. Elas são muitas. Vão desde a "permissão" para o erro, isto é, para criar, ino-var, arriscar, aprender, até para a mudança de posição, de área, de função. Se isso já é válido como primeiro passo, no entanto não é tudo. A empresa ainda tem ir além: desenvolver programas de formação que complementem o currículo universitário. Trabalhar programas de capacitação técnica que vão ao encontro das próprias necessidades e do mercado. Desenvolver programas que proporcionem reflexão, chequem valores, desafiem novos comportamentos.

E aí, provavelmente não falaremos mais de apagão de talentos, a não ser para nos referir a um quadro que ficou para trás. O discurso terá outro conteúdo: ele vai se ocupar da criação, formação e desenvolvimento de talentos.

Empresas, funcionários, clientes, fornecedores, somos todos pessoas, independente do papel exercido ou do lado em que se está. Aliás, só existe um lado: o da responsabilidade que todos temos no desenvolvimento do indivíduo, da sociedade, da vida.
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*Célia Marchioni Iañez é executive coach e consultora na área de desenvolvimento de lideranças. [email protected]

Autor: Célia Marchioni Iañez


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