Uma analise histórica do currículo da rede pública e a formação de cordeiros no Brasil



Uma analise histórica do currículo da rede pública e a formação de cordeiros no Brasil
Cleyde Anne De Almeida Souza
Lucival Fraga Dos Santos

O Sistema Educacional Brasileiro sempre sofreu influências externas, isto é, tem sua fundamentação em propostas pedagógicas internacionais. Contudo, não poderia ser diferente, uma vez que nosso país tem origem colonial, todos os modelos culturais, sociais, políticos e educacionais são oriundos da civilização europeia, especialmente da metrópole colonial Portugal.
Nesta perspectiva, durante o período colonial e imperial, os jesuítas desenvolveram práticas que davam aos processos de ensino caráter retóricos, repetitivos, estimulando a competição por meio de prêmios e castigos. Tal modelo de educação reproduzia uma sociedade perversa e excludente, dividida entre analfabetos e doutores.
Muitos anos se passaram após o fim do Império e a proclamação da República, no Brasil, porém muitas práticas educacionais da época colonial e imperial ainda estão presentes nas salas de aula de escolas e universidades do país, sejam elas públicas ou particulares. Porém, nas últimas décadas do século XX e nessa primeira década do século XXI surgiram grandes avanços no pensamento pedagógico brasileiro, influenciados por pesquisadores e correntes pedagógicas de diferentes países, inclusive dos EUA.
Dentre as mais importantes formas de se pensar a educação e articular o que ensinar a quem ensinar, isto é, fazer a interligação entre educação e sociedade, destaca-se a teoria do currículo, originaria dos EUA e posteriormente adotada por diversos países, inclusive o Brasil.
O currículo, componente social e cultural, vincula-se as relações de poder, conduz visões sociais particulares e ideologias, possibilita a construção de identidades individuais e sociais particulares. Portanto, a escola enquanto espaço de formação, também se configura enquanto um espaço de reprodução dos interesses do Estado.
Considerando a concepção de currículo como algo que nos possibilite visualizar atividades, características e critérios a serem levados em consideração para a concretização do planejamento escolar, traçando para os alunos os objetivos pretendidos em consonância com as aprendizagens e conteúdos definidos, já se torna possível a identificação da insuficiência que este tem diante das demandas da sociedade contemporânea. A escola não pode permanecer imutável, pois tanto o publico muda como o próprio contexto impõe alterações. Ao longo da historicidade houve momento em que à escola cabia a ação de homogeneizar massas (formar cidadãos cordeiros), constituindo um espaço para mera transmissão de ideias e valores comuns de acordo a uma visão de mundo. Bourdieu e Passeron (1992), afirmava, por exemplo, que o papel da escola era possibilitar a reprodução cultural e social.
Segundo Althusser (1983), a escola pública é um dos aparelhos ideológicos do Estado que a utiliza visando à difusão da ideologia dominante da qual compartilha. Neste sentido, o Estado cumpre a tarefa de traçar diretrizes e compor modelos educacionais que direcionam os professores e administradores da escola no sentido que lhes é interessante. A escola como aparelho ideológico do Estado, vem a serviço da dominação de uma classe sobre a outra, através de um processo de supremacia ideológica, mediante a uma conscientização alienante vinculando, dessa forma, uma relação de produção e repartição social do poder de Estado.
O século XX foi marcado por grandes correntes pedagógicas ou teorias que visam transformar a sociedade à medida que se transforma educação. Dentre essas teorias podemos destacar a Teoria da Epistemologia Genética de Gean Piaget, a Teoria Histórico-cultural da Educação de Vygotsky, a Psicogênese da pessoa completa de Henri Wallon, a Teoria da Aprendizagem significativa de David Paul Ausubel e a teoria das Inteligências Múltiplas de Garden, todas fundamentadas numa abordagem construtivista interacionista que visam a formação do individuo em sua totalidade. Outro ponto que merece destaque é a preocupação da formação profissional e continuada dos professores pelos governos federais e estaduais. No entanto, na prática existe uma grande distinção das propostas e tendências pedagógicas que visam atender as novas exigências da sociedade e o novo papel da educação e, sobretudo da escola e do professor.
Os conteúdos que compõem o currículo expressam valores e funções que acabam por determinar o tipo de sujeito que se pretende formar, em um determinado contexto histórico e social. Contudo, o atual contexto propõe investigar de que forma esses conteúdos serão válidos para o cotidiano dos educandos, levando em consideração os ajustes necessários à sociedade e indivíduos a serem atendidos, já que a globalização competitiva causou uma profunda alteração nos valores sociais e morais da sociedade, exigindo sujeitos autônomos, que se saibam tanto se posicionar criticamente quanto resolver situações-problema.
Por outro lado, é possível observar na prática que os currículos, as grades curriculares, e o planejamento educacional numa visão macro MEC e Secretarias de Educação (Estaduais e Municipais) na visão meso escola (PPP e Planos de Ação) como na visão micro sala de aula, professor e planos de ensino (planos de curso, de unidade de aula e projetos de disciplinas ou institucionais) continuam desarticulados, fora do contexto ou da realidade sociocultural dos alunos. Diante dessas contradições entre a teoria e as praticas pedagógicas desenvolvidas nas instituições públicas de ensino fica o questionamento: como formar cidadãos guerreiros, estando o processo de escolarização constituído de meros objetivos desvinculados de sentido para a vida prática?
Uma aprendizagem significativa e carregada de sentido requer a integração entre conhecimento e vivência, desde que os conteúdos sejam selecionados e aplicados de forma contextualizada, cabendo ao educador a habilidade de perceber a necessidade ou interesse dos educandos, já que o currículo deve ser flexível para atender a uma perspectiva interdisciplinar. O contexto contemporâneo propõe, inclusive, abrir discussões em sala sobre questões como: homossexualismo, multiculturalismo, racismo, preconceito, era da tecnologia, entre outros, sob estratégias dinâmicas e diversificadas, estimulando os educandos a despertarem outros modos de ver e pensar a realidade, com ações pautadas na tolerância, respeito mutuo e solidariedade. Pois, a percepção que se tinha destas temáticas no século XX, não é mesma em pleno século XXI.
Por muito tempo, a escola preocupou-se demasiadamente com a propagação do abstrato, sem estabelecer qualquer relação com a vida dos alunos causando, consequentemente, um distanciamento dos indivíduos, principalmente os pertencentes a grupos sociais e culturais desfavorecidos. Em meio a essa problemática, o professor se insere na busca pela redefinição do seu papel e identificação da real função da escola, que deixa de ser a responsável pela mera transmissão de informações e conhecimentos, rompendo com o caráter meramente instrucional.
Portanto, surge à necessidade de rever conceitos e valores que perduraram durante séculos, norteando a vida humana, na perspectiva de superar visões fragmentadas, a partir de releituras para entendimento e compreensão da complexidade social, atitude esta que deve começar pelos profissionais da educação: repensar visão de mundo e homem. E, simultaneamente, é perceptível a importância do compromisso com a humanização dos indivíduos, ultrapassando as fronteiras mercadológicas da sociedade globalizada, dialogando com a rede de significados que envolvem a realidade e estando atentas às mudanças no contexto e às exigências da sociedade do conhecimento e da informação, bem como formando indivíduos com subsídios suficientes para enfrentar um mundo em constantes mudanças.
De modo geral, não podemos negar os avanços da educação brasileira nas últimas décadas. O governo federal tem buscado melhorar o sistema educacional brasileiro criando programas de ampliação ao acesso e permanência na escola, extensão de universidades federais, programas de formação superior e continuada de professores (em especial na área tecnológica), programa de gestão democrática e participativa para dirigentes escolares e preocupação com a qualidade de ensino. Em contra partida, em muitas escolas públicas essas mudanças não ganharam a mesma dimensão, pois os professores, dirigentes escolares e coordenadores pedagógicos resistem às inovações e continuam a desenvolver sua prática centrada numa concepção tradicional da educação, distante da realidade e dos interesses dos alunos, formando assim cordeiros que não se percebem como membros da sociedade, indivíduos acríticos longe de serem cidadãos.
Em suma, mesmo diante de tantas oportunidades para se transformar a escola num espaço de formação de guerreiros, cidadãos ativos, seres humanos solidários conscientes de sua missão social e humana, nossas escolas insistem em formar cordeiros, indivíduos passivos presos em seu próprio universo, desvinculado da realidade sociocultural em que vivem. Para mudar essa realidade, não bastam apenas investimentos governamentais, mas a escola, sobretudo precisa reconstruir sua identidade e assumir sua função social. Os professores, diretores e coordenadores precisam se conscientizar de sua responsabilidade e acreditar no poder de transformação da educação, buscando mecanismos de crescimento pessoal e profissional que lhes permitam desenvolver sua missão de educar, pois jamais será possível qualquer mudança na educação se ela não partir da base que é a escola.



Referencias:

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Autor: Lucival Fraga Dos Santos


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