RESENHA PSICOLÓGICA DO FILME "O AMIGO OCULTO" (HIDE AND SEEK)



RESENHA PSICOLÓGICA DO FILME "O AMIGO OCULTO" (HIDE AND SEEK)

Por Márcio Melo

Aquela advertência inscrita no templo de Apolo em Delfos ? "Conhece-te a ti mesmo" ? pode ser, para muitos dos considerados "normais", uma experiência extremamente perturbadora.
(Márcio Melo, com base em Bruno Bettelheim)

"Eu sou eu e a minha circunstância."
(Ortega y Gasset, filósofo espanhol)

Assisti duas vezes esse filme confuso, dirigido por John Polson em 2005. Um suspense ? ou seria um drama? - psicológico, bem no estilo de Alfred Hitchcock. A intenção do diretor é mostrar toda a trama em formato de insights/flashes, como se fossem a criação da mente transtornada, psicótica, do personagem principal, David (Robert De Niro) em ação. Vários transtornos de personalidade são sugeridos no filme, como medo, ansiedade e de humor.
No início do filme, vemos uma família aparentemente feliz, com a mãe colocando a filha (a fantástica Dakota Fanning!) para dormir, depois de brincar com ela de amigo oculto (o nosso esconde-esconde). Logo depois, temos uma cena em que essa mesma mãe se suicida na banheira. Mas a impressão que a criança teve, ao ver o pai com a mãe morta na banheira, foi outra: o pai havia assassinado a mãe dela. Após esse momento traumático para ambos, tudo é modificado, inclusive o comportamento deles.
O pai decide levar a filha para uma cidade do interior, mesmo a psicóloga dela dizendo-lhe que talvez não fosse uma boa idéia, por se tratar de um momento difícil, traumático para a criança. Mas creio que o pai fez isso para proteger a criança, por se sentir culpado pelo que aconteceu. Na verdade, era uma superproteção por parte do pai.
Há uma cena perturbadora, logo quando eles chegam na nova casa: a menina vai até uma caverna, e fica assustada, deixando a boneca cair no chão. Ali teria sido o primeiro encontro com o "amigo oculto", Charlie, que foi uma nova persona criada pelo pai, com uma atitude totalmente diversa da dele. No princípio, Charlie era legal, segundo a menina, parecido com a mãe dela. De início, era uma brincadeira, um jogo. A partir daí, o filme fica confuso, morno.
O pai da menina era psicólogo, portanto, não podia diagnosticá-la. Mas em alguns momentos, vemos o mesmo fazendo isso, anotando suas impressões num caderno.
Os flashes (cenas) mostram como o comportamento daquele pai foi sendo modificado. Uma persona potencial e profundamente perturbadora. Era como se a lente do diretor estivesse entrando no inconsciente do personagem principal. Aprendemos, ao estudar Psicologia, ou ver filmes desse tipo, que para compreender o funcionamento do inconsciente, temos de analisar e entender nossos próprios sonhos, nossos próprios atos falhos e razões porque cometemos nossos lapsos e enganos. Freud disse que as tendências destrutivas do homem brotam de um lado sombrio da alma. E o que vemos, durante todo o filme, é a mente sombria do personagem principal agindo.
Outra intenção do diretor foi criar um clímax emocional no telespectador de tal maneira que acaba, em alguns momentos, confundindo-o sobre quem era o tal "amigo oculto" da menininha: seria uma criatura das sombras? Ou uma criação da mente dela? Só do meio do filme em diante é que há pistas concretas nesse sentido. Típico em filmes de suspense. A partir daí, respeito, cuidado e consideração a menininha só teve da sua psicóloga. Os vizinhos só aparecem de vez em quando. É incrível como um sentimento de mal-estar nos domina, em muitos momentos do filme. Chega a ser angustiante. Tudo ao mesmo tempo: uma confluência de distorções do mundo externo e interno (o que estudamos como "projeção"); houve também um modus operandi do personagem principal, construindo uma argumentação intelectualmente convincente e aceitável, que justificava o estado deformado da sua mente (o que estudamos como "racionalização"); os sonhos, sempre às 2:06 da manhã, funcionam como se fosse um gatilho que detonaria a volta do personagem David; os desenhos da menina na parede e as brincadeiras dela com o tal "amigo oculto" que nunca aparecia. Quanta confusão num só filme!
Começam a surgir algumas frases fortes no banheiro que, segundo a menina, são escritas por Charlie. Uma delas diz: "Você a deixou morrer" e há aí uma cena idêntica à da morte da mãe da menina. Em um dado momento, a menina, muito amedrontada, disse que não precisava de mais nenhum amigo. Com o pai, a menina agia de um jeito, com Charlie, de outro. Ao mesmo tempo em que achamos que era o pai em cena, era Charlie. Uma mente doentia. Trauma causa dor.
Insights, flashes. Aparece o gato morto no banheiro. A psicóloga vem visitá-la. Decidem levar a menina para a cidade. Em um determinado momento, a menina não quis mais a luz no quarto.
A parte mais confusa do filme: a visita surpresa da "namorada", no momento em que ele estava como Charlie. O susto foi tamanho, que ela despenca da janela. Que mente era aquela? Um psicopata? Dupla personalidade ou os dois juntos? Como foi possível, numa mesma cena, o personagem matar a namorada, sumir com o corpo dela, brigar com o vizinho, esfaqueando-o e matar o xerife? Não há uma sequência lógica, em muitos momentos. Talvez seja uma estratégia do diretor.
A trama gira em torno da luta da menina para revelar ao pai a verdade oculta no seu inconsciente (id). Ao mesmo tempo em que aborda a reação psicológica da criança, mostra o pai passando por uma angústia terrível. Mas o pai, sem perceber, é levado a enxergar o seu outro eu pela pessoa que achava que estava tentando ajudar. Em suma, a ação do filme consiste, nem mais nem menos, no processo de revelar, passo a passo, com excitação crescente e astuciosas demoras, que o próprio pai da menina é não só o assassino da mãe, mas também de várias pessoas ao longo do filme. Mataria inclusive a psicóloga, mas aí já seria demais!
Outra cena confusa: no início da trama mostra-se o pai escrevendo suas impressões num caderno, e agora, no final, mostra-o pegando esse mesmo caderno de dentro de uma caixa, intacto, sem nada escrito.
Última "brincadeira" do filme: na mesma caverna do início...
Freud mostrou-nos como a alma pode adquirir conhecimento de si mesma. Não é mesmo uma tarefa fácil chegarmos a conhecer as mais profundas regiões da alma, e explorar o inferno pessoal, seja ele qual for, em que possamos estar sofrendo. Mas Freud, através de suas descobertas, também nos deu mais segurança, mais confiança para encarar essa perigosa viagem de autodescoberta, para que possamos tornarmo-nos mais plenamente humanos. Muitos vivem, sem o saber, escravizados pelas forças sombrias que residem no seu interior.
Última cena do filme: a menina faz um desenho no qual estão ela, a psicóloga e a sua nova "amiga oculta". Mistério... A menina também tem dupla personalidade? Também é sociopata?
Mas enfim, é preciso ver o filme em toda a sua sutileza e riqueza, pois isso é crucial para um entendimento correto do mesmo.

Autor: Antônio Márcio Melo


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