TECENDO REFLEXÕES ACERCA DA DICOTOMIA ENTRE GEOGRAFIA FÍSICA E GEOGRAFIA HUMANA



RESUMO
O presente trabalho tem a pretensão de apresentar algumas reflexões acerca da dicotomia entre a Geografia Física e a Geografia Humana. Para realizar tal intento é preciso confirmar certos aspectos presentes na ciência de referência, a Geografia, área de institucionalização de ensino, e saber como se processa determinados conceitos concernentes a essa divisão que resulta em física e humana. Vale ressaltar que essa é uma construção histórica que permeia o nosso sistema de ensino e trás consigo as conseqüências dessa divisão. Nesse cenário de pesquisa sobre a geografia física e geografia humana nos deparamos com as influências do Positivismo, do Possibilismo,da Dialética e do Marxismo.Nesse texto fica evidente as concepções presentes em cada corrente de pensamento e no que isso influencia na prática de ensino,visto que toda práxis é fundamentada por uma teoria pressuposta. Para dar maior veracidade a esse estudo fez-se necessário uma análise das propostas curriculares dos cursos superiores de Geografia a nível Federal e Particular para evidenciar essa dicotomia entre a geografia física e geografia humana. Esses documentos apresentam uma riqueza de informação que caracteriza o perfil do profissional egresso do Curso de geografia,que atuará diretamente com os alunos e constituirá os seus saberes nessa área de estudo.

PALAVRAS-CHAVES: Dicotomia- Geografia Física- Geografia Humana -Ensino- Currículo













TECENDO REFLEXÕES ACERCA DA DICOTOMIA ENTRE GEOGRAFIA FÍSICA E GEOGRAFIA HUMANA

1-Introdução
Para iniciar o debate sobre a dicotomia entre Geografia Física e geografia Humana é necessário esclarecer o real sentido do termo "dicotomia". Esse vocábulo significa a divisão de um conceito em dois elementos em geral contrários. Sabendo disso, podemos inferir que ao estabelecermos a dicotomia entre a geografia física e a geografia humana pretendemos elencar a causa dessa divisão e revelar as diferenças que cada uma carrega consigo.
A Geografia é uma importante ciência e está presente nos currículos escolares de todo o país como uma área de suma importância para a formação de um cidadão crítico e consciente das problemáticas atuais.
Dentre as ciências humanas, a Geografia possui a particularidade de ser uma ciência de síntese, já que toma por objeto de estudo precisamente as relações entre sociedade e natureza, entre o homem e o meio geográfico que o rodeia. Podemos ir mais longe e dizer que ao passo que o meio condiciona o indivíduo, esse mesmo sujeito transforma esse espaço geográfico.
Ao ser sistematizado e institucionalizado o ensino da geografia se dividiu em Geografia Física e Geografia Humana,cada qual com suas concepções e interesses.O Positivismo influencia a geografia física e oferece suas explicações baseadas na observação dos fatos e fenômenos seguindo uma lei geral. As bases da geografia humana são elaboradas pelos princípios do Possibilismo embasado na dialética.
Pode-se pensar de forma simples e reduzida que a geografia física se preocupa com aspectos relacionados ao relevo,clima,hidrografia,vegetação,fauna e flora de um determinado espaço geográfico. Enquanto que a geografia humana se ocupa dos aspectos ligados ao homem, população, ocupação demográfica, política e economia de uma região.Mas esse princípio é limitado e resumido não abrange as verdadeiras concepções de cada uma dessas áreas de estudo,sendo por isso necessário uma completa investigação dos fundamentos dessa dicotomia geográfica.





1.1-AS CONCEPÇÕES QUE FUNDAMENTAM A GEOGRAFIA FÍSICA E A GEOGRAFIA HUMANA


A Geografia como disciplina escolar pode ser encarada como tradicional ou crítica,dependendo dos métodos e práticas assumidas pelo professor. A Geografia Tradicional é de cunho positivista,possui uma aceitação passiva,o ensino é encarado como mera transmissão do conhecimento.Já a Geografia Crítica tem por base métodos dialéticos uma formação processual. É pertinente afirmar que essa divisão não explica a dicotomia entre física e humana mas apenas justifica essa divisão.
A Geografia possui determinações históricas influenciadas por correntes como Positivismo. Nessa visão positivista para a Geografia se estabelecer e firmar-se como ciência era preciso valer-se de métodos empregados por outras ciências (Física, Biologia) para que tivesse uma eficácia instrumental.
Com as mudanças ocorridas no mundo houve a necessidade dessa ciência aprimorar seus métodos para atender a demanda exigida pela sociedade moderna.Tanto a Escola como a Geografia passaram por uma crise para se firmar no novo contexto social vigente.Nas palavras de VESSENTINI (1992,p.45):
[...] é inegável que existe uma crise,ou momento de redefinições,na ciência geográfica e ,em particular,no ensino da geografia.Alguns preferem falar em transição, o que talvez seja válido mas é no mínimo problemático,já que transição pressupõe a passagem de uma fase para a outra com uma clara identificação das características de cada uma delas, o que não ocorre com a nossa disciplina na atualidade: da geografia moderna ou tradicional .

Como afirma o autor tanto a ciência geográfica como o ensino da geografia passou por momentos de redefinição de conceitos.Para entender esse momento ou crise é preciso situá-la na história e perceber os elementos que a influenciaram. Observada pela concepção positivista o saber geográfico tradicional era científico,limitava-se a observação e a experimentação. Se observarmos a geografia crítica percebemos que ela se baseia no possibilismo,na dialética no marxismo,explicando as relações sociedade e espaço.
Foi a concepção positivista aplicada a geografia que causou uma certa dicotomia entre geografia física e geografia humana.O possibilismo supera e ameniza a dicotomia da ciência geográfica e melhora ou esclarece o objeto de estudo dessa área de ensino.O Positivismo perdurou por muitos anos no ensino da geografia e deixou resquícios encontrados até hoje no ensino dessa disciplina.
As técnicas e métodos do Positivismo recomendam transpor métodos de outras ciências a exemplo da biologia para a geografia. só que isso poderia funcionar na geografia física e não responderia às exigências da geografia humana.
A geografia física é descritiva, voltada para memorização e observação dos fenômenos naturais. Ela se interessa pelo espaço natural sem questionar a causa de certos estados que caracteriza esse espaço. Geografia Física é o estudo das características naturais existentes na superfície terrestre, ou seja, o estudo das condições da natureza ou paisagem natural. Ela é fortemente influenciada pela corrente positivista,aceita os fatos sem questionar,atende aos interesses estruturais e físicos de um determinado espaço. A ciência da Geografia física estuda um componente específico do campo o interelações entre fatores geográficos.
A geografia humana possui uma historicidade processual, ela tem aspectos dialéticos,determinados pelo possibilismo.Ela não se preocupa em descrever paisagens,mas sim com a compreensão das relações sociedade-espaço.focaliza o homem e sua relação com o meio que o rodeia e esclarece que ocorre uma transformação do espaço pela ação humana.Tem por objetivo auxiliar na formação de cidadãos conscientes, ativos e dotados de opinião própria.
Essa dicotomia física e humana foi gerada e reforçada no positivismo. Essa compartimentação reflete na prática de ensino e corre o risco do professor supervalorizar uma área em detrimento da outra. De acordo com Januário Língua:
Seria necessário que se fizesse estudos mais aprofundados em relação à formação geográfica dos futuros professores, particularmente para o ensino secundário. Pois a dificuldade que um professor de geografia revela de estabelecer sistemática e corretamente a conexão entre Geografia Física e a Geografia Humana, reflete-se também na sua aprendizagem pelos alunos.
(2006, p.35)

Pela afirmação pode-se inferir que é preciso que o professor seja bem preparado e tenha uma boa formação para realizar o ensino da geografia de forma eficiente e harmoniosa no que diz respeito a dicotomia entre geografia física e geografia humana.Há uma unidade ou uma totalidade entre sociedade e natureza e a abordagem geográfica não pode considerá-la separadas.A prática de ensino denuncia qual a concepção assumida pelo professor.Nas suas ações e no seu modo de selecionar o currículo está implícita a sua concepção pedagógica.



2-ANÁLISE DAS PROPOSTAS CURRICULARES PARA O ENSINO SUPERIOR DA GEOGRAFIA NOS PARÂMETROS FEDERAL E PARTICULAR

Para construção desta parte do trabalho tomo como referência os currículos ou Projetos Políticos Pedagógicos de duas instituições de ensino superior, uma federal (Universidade Federal de Campina Grande) e outra da rede particular de ensino (FIP de Patos). Essa análise objetiva identificar nesses currículos a presença da dicotomia entre a Geografia Física e a Geografia Humana na proposta voltada para a formação dos profissionais que serão professores de geografia.
Ao compararmos as duas propostas curriculares percebemos alguma diferenças presentes em ambos projetos.O currículo da Universidade Federal possui mais itens a ser discutidos do que o currículo da Faculdade Particular.O Projeto da Federal é maior,mais extenso e completo em comparação ao documento curricular da Particular.
Em relação a formação ou a titulação percebe-se que a FIP oferece a oportunidade para o aluno cursar simultaneamente as duas modalidades:bacharelado e licenciatura.A Universidade federal forma o licenciado em geografia apto a atuar no ensino fundamental e médio.
O Projeto Político Pedagógico da Universidade Federal critica a formação em moldes tradicionais e enaltece a formação numa perspectiva interdisciplinar,no desenvolvimento sustentável e na superação das desigualdades sociais.Um dos objetivos elencados no projeto curricular da Faculdade Particular é criar condições necessárias para a formação de uma base teórica,uma base prática e técnica e também atitudinal.
O PPP da Universidade Federal faz uma incursão histórica do curso ,relata aspectos e características do seu corpo docente,entre elas a formação a nível de doutorado de professores na área da Geografia Física e da Geografia Humana. Em relação a síntese da proposta curricular da Faculdade Particular ela não faz menção a este aspecto.Aparece então a primeira diferença entre os documentos pois a federal dicotomiza claramente as áreas da geografia física e humana.Embora a Faculdade particular não use esses termos de forma direta como disciplinas específicas, no seu currículo aparece as disciplinas Geografia Agrária,Geografia Urbana,Geografia da População,geografia Econômica.Por essas disciplinas podemos perceber que há a presença da dicotomia entre Geografia física e Geografia Humana.
O Projeto Político Pedagógico da Universidade Federal fala da necessidade do aluno contextualizar e problematizar o conteúdo e estabelecer relação deste com a realidade vivida.Ai podemos caracterizar como uma Geografia Crítica,dialética,humana capaz de estimular o pensamento lógico do aluno.
O Estagio Supervisionado do curso de geografia é encarado de maneiras diferentes em ambos os projetos analisados.Na Universidade Federal a prática deverá estar presente desde o início do curso e permear toda a formação do professor.Na Faculdade Particular o Estágio tem início no sexto período do curso.A concepção abstrata sem do que será o trabalho docente é influencia do positivismo que tem por base a abstração as leis gerais.O trabalho com a prática com o concreto pressupõe o possibilismo a dialética do processo.Nesse caso temos a associação direta com a geografia humana que é adepta do possibilismo e enquanto a geografia física pertence ao Positivismo.
O Currículo da Universidade Federal apresenta como disciplina a Prática de Ensino em Geografia Humana e a Prática de Ensino em Geografia Física. É estabelecida uma clara dicotomia entre essas duas áreas de ensino.O núcleo específico da estrutura curricular da Universidade Federal contempla conteúdos da Geografia Física e da Geografia Humana.Não existe essas disciplinas no Projeto Político Pedagógico da Faculdade Particular,não com esses nomes.Podemos dizer que a dicotomia entre a Geografia Física e a Geografia Humana é maior no currículo da Universidade Federal.
Com a dicotomia entre a Geografia Física e Geografia Humana tem-se o interesse de saber se esta é uma ciência global ou uma ciência com dupla personalidade. Alguns autores acreditam que esse debate pode enfraquecer essa ciência. Mas no fim das contas percebe-se que elas são interligadas e uma depende da outra. Geografia Física é o estudo das características naturais existentes na superfície terrestre, ou seja, o estudo das condições da natureza ou paisagem natural.
Geografia humana é uma ciência humana que se consagra ao estudo e a descrição da interação entre a sociedade e o espaço. Ela ajuda o homem a entender o espaço em que vive.
Não se pode estudar Geografia dando ênfase a uma delas mas devemos sim articular as duas categorias para fazer uma harmonia e conseguir realizar um aprendizado efetivo e consciente por parte dos alunos.Assim, o papel da Geografia no sistema escolar atual é o de integrar o aluno ao meio.Integrar não é somente acomodar.A integração supõe reflexão sobre a realidade e aspiração de mudanças.
Os currículos dos cursos superiores devem ser elaborados tendo como pressuposto a concepção da unidade,da interdisciplinaridade e sobretudo,tendo em vista o aprendizado dos alunos que serão futuros professores e exerceram uma função tão importante que é a de construir saberes e conhecer a realidade e poder refletir sobre alguma mudanças que se fazem necessárias.





3-CONSIDERAÇÕES FINAIS

O conhecimento ao mesmo tempo em que ilumina e que responde aos questionamentos suscitados,abre horizontes para novas interrogações e novos pontos de vista.O estudo aqui empreendido não se pretende acabado,absoluto,porquanto as possibilidades de interpretação não se esgotam nesse trabalho.Ao contrário,constitui-se em um espaço rico de possibilidades de novas discussões,novas perguntas e investigações consubstanciando-se como um ponto de partida para outras reflexões,como um desafio á construção de novos conhecimentos.
A representação gráfica do perfil da formação do formando em licenciatura ou bacharelado em geografia na Faculdade Particular apresenta como eixos de formação: o homem no espaço e no tempo(primeiro período),o homem e o espaço(segundo e terceiro período), a constituição do território(quarto período),a reavaliação das relações repensada entre o homem e o espaço e o meio e o próprio homem(quinto período),o espaço brasileiro(sexto período),o espaço redefinido(sétimo período) e o espaço de intervenção(oitavo período).Toda essa divisão configura de forma implícita a dicotomia entre a Geografia Física e a Geografia Humana.
As categorias que dimensionam os Projetos Políticos Pedagógicos levam em consideração a necessidade de conhecer os aspectos físicos e humanos de forma geral e detalhada, há no currículo da Universidade federal uma maior preocupação com a prática do ensino com a formação do aluno voltada para a cidadania e o mercado de trabalho. O Projeto Político Pedagógico da Universidade Federal é mais amplo,mais completo,cita as demandas de uma sociedade moderna,industrializada e urbanizada.Se preocupa em atender aos artigos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira.
Em ambas as propostas curriculares aparece a dicotomia entre Geografia Física e Geografia Humana.Tendo até algumas disciplinas direcionadas para esse fim.Pode-se citar como exemplo as disciplinas de "Prática em ensino da Geografia Humana e Prática em ensino da Geografia Física" ofertadas pela Universidade Federal.
São currículos bem elaborados com a meta de formar profissionais conscientes de seu papel na sociedade e na formação de alunos críticos e ativos no processo de ensino e aprendizagem da geografia.O PPP da Universidade Federal é mais completo,menciona até um tópico relacionado a própria avaliação do projeto curricular para atender às necessidades do aluno,sempre tendo em vista que esse projeto curricular é algo que pode ser constantemente reformado,não sendo pronto e acabado.Ele tem uma grade curricular formada por núcleos específicos,núcleos complementares e núcleos livres.Apresenta também dimensões conceituais,,dimensões procedimentais e dimensões atitudinais.

REFERÊNCIAS
LÍNGUA, Januário. O nexo entre concepções e práticas de ensino da Geografia em Moçambique: estudo de caso. PUC: São Paulo,2006
VESSENTINI, José William. Para uma Geografia Crítica na Escola. São Paulo: Ática,1992.
PROJETO PEDAGÓGICO DO CURSO DE LICENCIATURA EM GEOGRAFIA
SÍNTESE DO PROJETO PEDAGÓGICO DE GEOGRAFIA/CONTAGEM














Autor: Maria Das Graças De Abrantes


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