Movimento social e EJA



Movimentos Sociais e Educação de Jovens e adultos


Os movimentos sociais têm sido considerados, por vários estudiosos, como elementos e fontes de inovações e mudanças sociais. Reconhece-se de que eles detêm um saber, decorrentes de suas práticas cotidianas, passíveis de serem adequados e transformados em força produtiva.
Os estudos sobre movimentos sociais começaram a se destacar no fim dos anos 80, na América Latina, onde diversos autores passaram a abordar a temática com o intuito de fazer um diagnóstico mais preciso desse novo conceito social. Contudo existem relatos de que os movimentos sociais surgiram na Europa, e seus moldes foram copiados e trazidos para a América.
No Brasil, estes estudos, começaram entre os anos de 1978-1989, tendo maior destaque a produção de trabalho voltada para o movimento das mulheres, os movimentos rurais, o movimento ecológico, os movimentos e grupos de estudos sobre negros e índios e também os movimentos operários.
A escolha pelo estudo desses movimentos, acima citados, se deu devido a curiosidade dos autores quererem investigar cada um deles, visto que, na época eram considerados novidades aqui no Brasil, pesquisando suas identidades, seus discursos, captando suas práticas cotidianas. Além do fato de, por os movimentos sociais serem investigados de forma isolada, ou seja, os estudiosos dos movimentos urbanos desconhecerem a realidade dos movimentos rurais, e vice-versa, fica mais difícil estabelecer qualquer tipo de conceito sem conhecê-los. Só assim sendo possível demarcar as diferenças entre eles.
Apesar de recentes, os estudos produzidos no Brasil contribuíram [e contribuem] de forma significativa para o enriquecimento dos debates sobre os movimentos sociais aqui existentes, transmitindo informações preciosas para o conhecimento mais detalhado da temática. Nesse ensejo podemos destacar como pioneiros nos estudos José Álvaro Moisés e Maria Glória Gohn, com trabalhos significativos e de elevada importância para a sociedade.
A presença dos movimentos sociais é uma constante na história política do país, entretanto é cheia de avanços e retrocessos. O mais importante, porém, é destacar esse campo de força sócio-político e o reconhecimento que suas ações impulsionam mudanças sociais diversas. A trajetória de lutas por eles construídas delimita interesses, identidades, subjetividades e projetos de grupos sociais.
No Brasil, a partir de 1990, os movimentos sociais começaram a dar origem a outras formas de organizações populares, mais institucionalizadas, voltadas para atender o interesse da sociedade, como a criação do Estatuto da Cidade, o Fórum da Participação Popular e o Orçamento participativo, todos com o intuito de criar práticas evolutivas para toda a sociedade.
Atualmente os movimentos são elementos fundamentais na sociedade, são agentes construtores de uma nova ordem social e não agentes de perturbação da ordem, como as antigas análises conservadoras os descreviam, ou como ainda são tratados na atualidade por políticos tradicionais e/ou antiquados.
Muitos desses movimentos têm ações expressivas, como os de lutas pelo acesso a terra e por sua posse, pela moradia, evidentes nas invasões e ocupações de fazendas e casas ou prédios abandonados; os movimentos de gênero (relação homem/mulher); os movimentos homossexuais; os movimentos afro-brasileiros e o movimento indígena, considerados, estes dois últimos, movimentos identitários e culturais, ou seja, possuem uma identidade comum conferida a todos os integrantes, centrada em valores étnicos e raciais.
Podemos constatar também a existência de novos movimentos, na mesma escala dos identitários, os denominados movimentos geracionais, onde se contata a figura principal dos jovens e seus movimentos culturais expressos em forma de música, como o Hip Hop, o Rap e a Street Dance, o Funk, entre outros.
E por que não falarmos em um movimento social para a educação, mais precisamente aquela voltada para a educação de jovens e adultos?
Este certamente será nosso principal foco neste artigo, pois são eles, jovens e adultos, que mais são esquecidos pelo Sistema, pois para suster a própria sobrevivência e de suas famílias, se vêem obrigados a abandonar a escola para trabalhar, abrindo mão de um direito que lhe é assegurado por lei.
De acordo com a instituição vigente no país em seu Artigo 6º: "São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e a infância, a assistência aos desamparados, na forma desta constituição". Contudo, sabemos que na prática, não é assim que as coisas acontecem.
O descaso com a sociedade, mais especificamente com os menos favorecidos economicamente, marginalizados, ou excluídos, é tão bizarro que chega a revoltar e causar indignação, diante das constantes falta de respeito pelo ser humano.
Na educação não é diferente. Em tese, o Estado tem por obrigação prover educação para todo o povo brasileiro, sem exclusão, como podemos ver na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (1996), que diz em seu Artigo 2º:

A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (LDB, 1996)

E, em seguida, traz em seu Artigo 3º uma menção, de como deve ser ministrado o ensino no país:

O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar cultura, o pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;
IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância;
V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
VII ? valorização do profissional da educação escolar;
VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta lei e da legislação dos sistemas de ensino;
IX - garantia de padrão de qualidade;
X - valorização da experiência extra-escolar;
XI - vinculação entre educação escolar, o trabalho e as práticas sociais. (LDB, 1996).

Como podemos ver a LDB é um documento elaborado pelo sistema, mais teórico [e utópico] que prático. Em sua estrutura possui diversos pontos, que se, realmente, funcionassem enriqueceria consideravelmente, a educação.
Ela também traz em seu contexto vertentes que contemplam a Educação de Jovens e Adultos (EJA), expressas da seguinte forma:

Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria.
§1º. Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, considerando as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames.
§2º. O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e permanência do trabalhador na escola, mediante ações integradas e complementares entre si. (LDB, 1996)

É impressionante como constatamos a pretensiosa "preocupação" do Estado com a educação do país. São leis, projetos de leis, medidas provisórias, programas sociais e educacionais, entre outras formas de tentar solucionar os problemas existentes neste meio, onde se explicita, categoricamente, a exclusão de muitos.
A escolaridade média brasileira, gira em torno de pouco mais de quatro anos, indicando um elevado grau de desigualdade, exclusão, discriminação e injustiça no país. Entre a população economicamente ativa de, mais ou menos, 100 milhões de brasileiros, existem cerce de 20 milhões de analfabetos acima de 15 anos.
Esse problema é exposto de forma inconsistente na LDB, pois os exames propostos por ela, em forma de supletivos, inibe a oferta de outras alternativas metodológicas, fortalecendo o processo de desescolarização que empobrece a formação dos jovens com mais de 15 anos e dos adultos que não puderam estudar na idade própria.
Nessa perspectiva [mais de desigualdade do que de igualdade] enxergamos na figura dos movimentos sociais, uma forma de promover e buscar a equidade, para aqueles que se encontra excluídos da sociedade e que fazem parte desses grupos.
São os movimentos sociais, as ONG, as associações, que pregam uma vida melhor e mais igualitária para os que precisam. Função esta que deveria ser do Poder Público.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), surgido em1984, é prova concreta de que é possível e que pode haver diferença no acolhimento de pessoas que são excluídas socialmente.
O MST é concebido de acordo com Beltrame (2002) apud Caldart, (1999, p.178) como:

[...] um movimento sociocultural cujo centro motriz está no processo de formação do sujeito Sem-Terra, que também se produz como um sujeito cultural, à medida que suas ações e sua forma de atuação na sociedade produzem e reproduzem um determinado modo de vida que ao mesmo tempo recupera, consolida e projeta valores, princípios, convicções e também um determinado jeito de conceber as relações sociais.

Apesar de ser conhecido apenas por lutar por condições de moradia e terra para seus integrantes, promove em sua ideologia, um trabalho significativo no processo de educação dos que fazem parte dele, tendo como principal meta erradicar o analfabetismo de seus integrantes, reinvidicando educação de qualidade para todos em seus acampamentos e assentamentos.
A educação neste movimento acontece de forma permanente, em um movimento contínuo de formação de indivíduos. Para eles escolarizar é incentivar o pensamento próprio, é interpretar a realidade, elevar o nível cultural. É criar condições para que cada um possa trilhar seu próprio destino.
A formação dos docentes que atuam nas escolas do assentamento se beneficia de um conjunto de práticas formativas oferecidas pelo Movimento, que são utilizadas na aquisição do conhecimento a ser socializado na sala de aula.
O papel educativo do MST se encaminha com os seguintes objetivos: lutar pela construção de escolas para os trabalhadores; orientar pedagogicamente os professores que atuam nas escolas, localizadas em áreas de acampamentos e assentamentos rurais e elaborar um projeto educativo para o campo. (BELTRAME, 2002, p.135).
Diferentemente das iniciativas de movimentos sociais que, nos anos 1980, lutaram por escolas nas periferias urbanas e cujas reivindicações não comportavam necessariamente a direção pedagógica dessas instituições. (op.cit.)
O ato de educar é conhecido e difundido por diversos estudiosos como elemento principal de transformação social. Por este motivo, fazemos a seguinte indagação: de que vale a educação se não atender satisfatoriamente este objetivo?
Qualquer indivíduo, mesmo analfabeto, sabe que existe o conceito de exclusão, assim como seu oposto, inclusão. Em 1999, Ferraro analisou estes dois conceitos voltando-os para o cotidiano escolar da seguinte forma: exclusão da escola e exclusão na escola, identificando as ocorrências da falta de acesso, evasão, repetência e reprovação de crianças e jovens das classes populares.
O Estado, geralmente, não oferece educação para todos, principalmente, para os que vivem às margens da sociedade. Isso leva ao surgimento dos movimentos sociais que envolvam esta questão, desenvolvendo serviços que atendam esta camada.
Os jovens e adultos são os que mais participam deste tipo de educação social. Educação esta que deve ser desenvolvida por educadores sociais, devidamente engajados com o trabalho de atender bem e satisfatoriamente seus educandos, conhecendo a realidade deles e trazendo para o espaço de aprendizagem, situações que condizem com o cotidiano dos mesmos, para que o conhecimento flua mais consistente. Buscando modificar situações de vulnerabilidade em que os jovens e adultos estão inseridos, na ânsia de estimular o convívio e a participação social deles.
O trabalho com a EJA, não só nos movimentos sociais, mas na educação como um todo, se vê diante da necessidade de um currículo voltado exclusivamente para esta prática. Um currículo com metodologias capazes de identificar os pontos fracos dos alunos, seus medos, suas frustrações e tentar suprir cada uma delas, visando auxiliá-lo a desenvolver seu pensamento crítico e autônomo.
Nas classes de EJA essa questão torna-se ainda mais enfática considerando que se trata de alunos adultos, homens e mulheres, que, quando se deslocam para a escola, são quase sempre infantilizados com textos de leitura e escrita que não condizem com suas experiências de vida.
É notório que, nos últimos anos, esta camada, vem sido enxergada pela aparente falta de interesse em assuntos sociais ou políticos, contudo não diminuiu a preocupação dos estudiosos de contemplar esta condição como problema social.
Porém é possível promover neles mudanças, desde que haja empenho comprometimento dos educadores envolvidos neste processo. Podemos utilizar com exemplo o Pré-Vestibular Comunitário da Rocinha (PVCR), uma experiência que deu certo, realizada no Rio de Janeiro, que atendia jovens e adultos que não tinham condições financeiras de pagar um curso pré-vestibular.
No PVCR foram lançadas novas formas e concepções de educação, baseadas nas ementas formais de ensino, porém adaptadas para a realidade dos sujeitos que fariam usufruto do programa.
A ideia de currículo praticada neste programa baseava-se no que diz Silva (2008) apud Oliveira (2003, p. 81):

Isso significa dizer que, nas nossas atividades cotidianas, os currículos que criamos misturam elementos das propostas formais e organizadas com possibilidades que temos de implantá-las. Por sua vez, tais possibilidades se relacionam com aquilo que sabemos e em que acreditamos, ao mesmo tempo em que são definidas na dinâmica de cada turma, dos saberes dos alunos, das circunstâncias de cada dia de trabalho. Ou seja, cada conteúdo de ensino, repetidamente ensinado ano após ano, turma após turma, vai ser trabalhado diferentemente por professores diferentes, em turmas diferentes, em situações diferentes.

É desta forma que a educação vem se desenvolvendo nos movimentos sociais. Difundindo a arte de ensinar como mais profunda e complexa do que a torpe maneira de castrar e adestrar na cabeça de quem está aprendendo em conhecimento indiferente e sem nenhuma perspectiva de modificação.
Ensinar é ter a humildade de aprender, e ir além do "eu" fechado e se abrir para um universo de aprender ensinando e ensinar aprendendo. Para daí então, no campo da experiência político-social, o cidadão conscientemente formado e preparado, possa ser capaz de intervir e transformar a própria realidade.
Os movimentos sociais buscam resgatar os excluídos da sociedade e incluí-los nos moldes de cidadãos ativos socialmente, capazes de exercerem direitos e deveres; reinvidicarem soluções para seus problemas; buscar dias melhores, sem, contudo, esquecer de nossas responsabilidades; fazer o exercício livre da democracia, sem, no entanto, confundir democracia com bagunça e perturbação da ordem pública.
A opressão contida na sociedade e no universo educativo, em especial na educação de jovens e adultos, é um problema social crônico, pois as camadas menos favorecidas são constantemente oprimidas e acabam aceitando o que lhes é imposto.
A educação exerce papel fundamental no processo de libertação, contudo apenas quando a realidade é inserida no contexto educativo, valorizando o diálogo, a reflexão e a criatividade, de modo a construir este ideal.
Como podemos ver, os movimentos sociais exercem um papel importantíssimo na sociedade: são eles que, na maioria das vezes, atendem adequadamente as pessoas que são excluídas do Sistema. Desempenhando ações que são de obrigatoriedade do Estado, mas que não as cumprem, devido a diversos fatores, entre eles, a corrupção daqueles que estão no poder, o que acarreta ainda mais o quadro de desigualdade social no país.
O trabalho desenvolvido pelo MST e pelo PVCR, na área da educação deveria ser constantemente estimulado e incentivado a crescerem cada vez mais, pois desenvolvem projetos que abraçam a educação daqueles que mais são esquecidos pelo Estado, porém são os que mais contribuem para o crescimento e desenvolvimento econômico da nação: nossos jovens e adultos.
A educação de jovens e adultos é uma exigência da cidadania, para uma participação efetiva da vida econômica, política e social do país. No Brasil, basicamente, trata-se de resgatar parte de uma dívida social que cresce a cada dia e mais rapidamente, cada vez que se investe menos em educação.




Referências


BELTRAME, Sonia Aparecida Branco. Formação de professores na prática política do MST: a construção da consciência orgulhosa. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.28, n.2, p. 129-145, jul./dez. 2002.

FERRARO, A. R. Diagnóstico da escolarização no Brasil. Revista Brasileira de Educação, São Paulo, n. 12, p. 22/47, set./dez. 1999.

GOHN, Maria Gloria. Movimentos sociais e educação. 5º ed. São Paulo: Cortez, 2002.

SILVA, Rodrigo Torquato. A formação dos professores e os currículos praticados em um movimento de educação popular na rocinha. Educação em Revista. Belo Horizonte, n. 48, p. 61-80, dez. 2008.

SPOSITO, Marília Pontes. Algumas hipóteses sobre as relações entre movimentos sociais, juventude e educação. Revista Brasileira de Educação. São Paulo, n. 13, p. 73-94, set. 1999.

Autor: Augusta Magnolia


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