O Peixe é pro fundo...



O Peixe é pro fundo...


Autor: Eduardo Silveira



Boa tarde, meu amigo!
B'tarde.
O senhor toma uma cervejinha comigo?
Claro! Óia si vô fazê uma disfeita dessa cum o dotô.
Olha, em primeiro lugar, não sou doutor não, viu? E eu estou aqui de passagem. Amanhã mesmo tô seguindo o meu rumo.
E pru modiquê o sinhô parô aqui na cidade? É negóço?
Não, não! Não são negócios não. É que achei a cidadezinha tão simpática, aprazível, que resolvi parar, e descansar um pouquinho.
É, a cidade é muito carma, mermo. O sinhô tem razão.
Pois é. Amanhã de manhã, já mais descansado, pego a estrada.
Tá certo! Tá certo.
Engraçado!
Qui foi, seu moço?
Achei engraçado o nome dessa praça. Praça Robertinho. É algum político do lugar?
Não. O nome da praça né de pulítico, não, seu moço. Essa é uma istória boa pur dimais, viu?
É mesmo? E que história é essa?
Óia, o sinhô tem tempo pra ôvir?
Bom, até amanhã de manhã, eu posso ouvir...
Tamém num vai demorá tanto ansim, não, viu?
Certo! Certo. Então me conte.

Bão, uns tempo antigamente, chegou puraqui, vindo lá das bimboca, um cabra de nome Raul Nonato. Esse homi era mau que só veno. Dizia qui ele havera se criado na zona, e qui por isso era tão abilolado. E, como era valentão, virô puliça. Quando o "majó Nonato", era ansim qui o povo daqui apilidô ele, prindia um cabra, o vagabundo trimia, chorava, se mijava todo, de tanto medo dele. Cum ele num tinha perdão. Era mau mermo. Não tolerava muié dama, boiolage, vagabundage, tóchico, nada disso. Se subesse di alguém praticano um ato desse, vixe Maria! Era surra e xilindró na certa. O povo, com o passá du tempo, foi ficano cum muito medo dele.
É mesmo? O cara era durão, então, né?
Durão? Poin durão nisso, seu moço.
Mas, e aí?
Bão, aí qui o povo, sabe como é povo, né? Discobriu, qui a coisa qui ele mais queria nessa vida, era ter um filho varão macho.
Queria ser pai.
Isso, isso! Só qui as muié daqui, morria di medo dele.
É devia ser problemático mesmo, não?
Ora, si era! Imagina, qui muié ia querer um homi violento qui nem ele, qui pur quarquer besteirinha, saía dando tiro pra tudo qui é lado, né não?
É. Conta mais.
Tá certo. Aí, sucedeu qui um dia ele conheceu Marina, muié de Jonas pedrero. Marina era muié de respeito, carma, religiosa. Mas o danado do majó si encantô purela, qui não havera jeito dele dexá a pobrezim em paz.
O que ele fazia? Ficava perseguindo ela?
Pió, Seu moço! Muito pió.
É mesmo?
É. Como ele viu qui as invistida dele num dava certo, causdiquê Marina era muié séria, qui quêli bolô?
Bolô?
É. Arquitetô, armô, intende?
Ah sim.
Ele viu qui tava difícir di conquistá ela, intão, ele ameaçô di prendê o marido dela, e Jonas pedrero teve di fugir pra num morrê.
Que canalha!
É.
Mas o Jonas fugiu e não levou a mulher junto?
Num teve tempo. Majó Nonato armô uma arapuca pra ele. Botô tóchico na muchila de Jonas. E mandô ele fugi, senão ia morrê. O pobre num teve como saí daquela tramóia. Teve que fugi rápido. E deixô a muié pra trás.
Ô fazia isso, ô morria. Qui qui o sinhô ia fazer?
É uma situação muito difícil.
E dispois qui Jonas foi simbora, o "terreno" ficô livre pru majó, né?
Ele se aproximou da mulher, não foi?
Foi isso mermo. Diz qui ele gostô muito di Marina. Bão, concrusão da estória; Marina si embuchô dele.
Ficou grávida?
Ô, se ficô! Buchudinha da Silva.
Coitada.
É. E diz o povo, qui a muié si definhô toda, viu?
É mesmo? Também, depois de uma desilusão dessas, não era pra menos, não é?
Ora, si era.
Bom, e aí acabou a história.
Acabô? Qui nada, aí é qui ia começá.
Como assim, começar?
Pois intão! Marina ficô embuchada e pariu um minino. Majó Nonato não si cabia de tanto contentamento.
Era tudo o que ele queria, não?
Ô si era! Mas em compensação, perdeu a muié.
Como perdeu? Ela morreu?
Morreu. Bateu a caçuleta. Foi um parto muito difíci. O minino naceu de sete mês.
Era prematuro.
Era o quê?
Prematuro, quer dizer, nasceu antes do tempo.
Ah foi, foi sim. Era muito esmirradinho. Parecia um ratim.
É, geralmente, criança prematura é pequena mesmo.
Pois intão. Acontece qui majó Nonato, tratava o filho com tudo du bão e du mió, viu?
É. Ele devia gostar muito do filho.
Ora, si gostava. O minino sempre teve de um tudo. Foi creceno, creceno, ficou taludinho, mas era muito diferente do pai.
É mesmo? Deve ter puxado à mãe.
É o qui o povo dizia. Era muito branquinho, magrim, andava na rua só oiando pru chão. Num dava um sorriso.
Com certeza, devia ser tímido.
É isso aí. Era compretamente diferente do pai.
Continue.
Pois bão. Quando o minino fez dizoito ano, o pai deu um carro novim pra ele.
Um carro zero?
Num sei si era zero. Mas era tão novim qui si arreluzia quando o minino rodava puressas rua.
O menino deve ter gostado, né? Com aquela idade, ganhar um carro novo.
Pois intão. Si bem qui o minino num dava muita bola pru carro não, viu?
Ah, não?
Não. Ele vivia era istudano di dia e di noite.
Era estudioso.
Ô si era! Mas era causdiquê o pai forçava ele a istudá. Queria qui ele fosse dotô adevogado, e dispois juiz.
O pai queria que ele tivesse uma boa profissão. Fosse doutor.
É. Mai o minino num gostava não, viu?
Já sei, ele queria estudar outra coisa, ter outra profissão.
Mai num é qui o sinhô acertô na mosca.
Era previsível.
É. Era isso aí qui o sinhô disse. Mas, o pió tava por vir.
E teve coisa pior?
Ô si teve. Um belo di um dia, a cidade toda cumeçô a falá do casamento di Robertinho, fio do Majó Nonato, com Rosália, fia di dona Ambrosina e seu Pacheco, dono da farmácia e dotô tamém.
Mas como assim? De onde surgiu esse boato?
É. Muita gente pensou qui era buato, mas era verdade verdadera.
É mesmo? Já sei. O filho do major fez mal à menina, e por isso tiveram que casar as pressas, não foi?
Ri,ri,ri... num foi nadica de nada disso não sinhô.
Mas então, como foi?
Foi a maior festa qui essa cidade já viu.
É mesmo? Essa Rosália era bonita?
Bunita? Rosália era a minina mais linda desse mundo todinho. Era uma pétla di frô.
É mesmo?
Ô si era! A mãe vigiava ela o dia intero. Quando a notíça se espaiou e a mãe ficô sabenu, Vixe Maria! O mundo veiabaxo.
Imagino! Deve ter sido um choque, né não?
E o pió!
Pior? O que foi?
Rosália dizia pra todo mundo que tava apaxonada por Robertim.
Mas como aconteceu isso? A menina não era vigiada pela mãe?
Muito vigiada. A mãe chegava ao ponto de levá ela pra iscola todo dia dimanhã.
Mas, se ela era tão vigiada assim, e o rapaz era muito tímido, tem alguma coisa que não tá batendo nessa história, não é?
Óia, o povo comentô na época, qui ela e ele si encontravo à noite.
Como assim, à noite?
É pucausdiquê, Rosália tamém istudava à noite, na outra cidade. E aí, quando ela ia pra iscola à noite, a mãe não ia junto.
Ah! Então, vai ver que era a hora em que eles se encontravam, né?
Pois foi isso qui o povo daqui pensô.
E não foi assim?
Nada disso!
Eu não tô entendendo mais nada.
O sinhô vai intendê já, já.
Então me conta, que agora eu estou, realmente, curioso pra saber o final dessa história.
Pois intão. Seis mês dispois do casóro, aconteceu o que ninhum vivente nessa vida pudia imaginá.
O que foi? Se separaram?
Nada disso. Robertim deu meia duza de tiro nus peito do pai.
O que?
Isso mermo! Matô o pai, que tava durmindu, com seis tiro di pistola tomática.
Jesus!
Foi a maió confusão qui essa cidade já viu.
Imagino. Mas por que ele fez isso?
Purquê, dispois das investigação, o dotô delegado ficô sabendu timtim pur timtim, de toda a verdade verdadera.
E qual era a verdade?
Imagina o sinhô que o majó Nonato discubriu qui Rosália, aquela minina toda pura, era , na verdade, muié dama de buate. Invês de ir pra iscola à noite, ela ia dançá pelada lá na buate.
O que? Não me diga.
Digo sim. E digo mai. Quando ele discubriu isso, fez chantage cum ela, e armô toda aquela balela de casamentu com Robertim. Na verdade, ele ficô apaxonado purela, e aí obrigô Robertim a si casá mai Rosália, qui era pra ele, podê si deitá cum ela toda noite.
Mas...e o filho? Não falou nada?
Robertim tinha verdadero pavô du pai.
E Rosália se submeteu a viver daquele jeito?
Rosália, ficô cum medo du vexame na cidade, e num quiria dá disgôsto pra mãe e nem pru pai dela.
Coitada! Teve que aturar o major por seis meses, né? E Robertinho, o que aconteceu com ele?
Robertim? Primero foi preso. Mai como era bom minino, o dotô delegado, deixava ele solto durante o dia e à noite recuia ele pru xilindró.
E ele ficou preso muito tempo?
Ficou. Mai ficô mai pur gosto..
Como assim, por gosto?
Acontece qui quando ele foi preso, sabe como é, né? Os preso da cadeia virum ele assim magrim, bunitim, aí já viu, né?
Imagino! Coitado dele, fraquinho, vai ver não pode nem se defender.
Óia! Robertim nunca mai foi o mermo, viu?
Faço ideia! Isso é uma coisa que traumatiza qualquer um.
Não. Né nada disso não.
Não? Então o que é?
Robertim, desde minino, era muito delicadim. Tinha jeitinho ansim, afeminadu, num sabe?
Sei...sei.
Poi intão! Quando ele foi preso, a primera semana, ele sofreu nas mão dus preso. Tanto qui seu dotô delegado, cum pena, mudô ele di cela, e botô ele juntim cum o bandido mai pirigoso que tinha nessas banda. Julião Tripé.
Credo! Logo com um bandidão e com esse nome?
Foi. Mai foi pur farta di cela, viu? E disserum que dispois da primera noite, que Robertim passou na cela junto cum Julião Tripé, ele mudô da água pru vinho.
Mudou, como assim?
Acordava todo dia di manhã, cantano, e não é que o minino cantava bem!
Se revelou, então?
Ô si si revelô.
Mas e a Rosália?
Rosália? Hum! Essa daí, vendeu a casa, dividiu o dinhero cum Robertim, e montô uma buate numa cidade vizim daqui. Hoje em dia, tem muito amigo infruente. Tem delegado, deputado, vereadô e diz o povo, à boca miúda, qui até senadô vai lá, diveiz inquano.
Rapaz! Que coisa estraordinária. Eu nunca ia imaginar que uma cidadezinha assim, poderia servir de palco para uma história tão mirabolante quanto essa.
Pru sinhô vê, né?
A propósito, e por que a praça leva o nome de Robertinho?
Prumódi qui antis, era chamada praça Majó Nonato, pruquê ele mermo botô. Aí, como Robertim livrô a cidade das mardades do pai, o seu dotô delegado mandô mudá o nome da praça pra, Praça Robertim.
Uma troca muito justa. E, por acaso, você sabe por onde anda o Robertinho?
Robertim? Tá feliz da vida. Ele mai Rosália tão lá na buate. Acho até qui são sócio.
Olha como é a vida , não é?
Pois i num é? E dize qui na buate, ele é mais riquisitado qui as muié de lá.
É mesmo?
E qui vive cantano o dia interim... " O pexe, é pro fundu das rede, segredu pra quatro parede..."



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Autor: Eduardo Silveira


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